Trabalho Completo - Anais do Seminário de Pesquisa

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DE OBJETO A SUJEITO: A CONDIÇÃO DO INFORMANTE NA
SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA
Walderes Brito1
Resumo2
Tomando a explicitação de certos aspectos da experiência social do autor como
estratégia argumentativa, este texto analisa a obra “sociologia da experiência”, de
François Dubet, como um possível caminho metodológico para investigações
comprometidas com a produção de um conhecimento científico gerado no debate e
no diálogo entre pesquisador e interlocutores do recorte empírico analisado. O texto
faz também uma aproximação ao campo da democracia deliberativa, argumentando
existir coerência entre ela e a sociologia da experiência, quanto ao aspecto de
proporcionarem o estabelecimento de relações menos assimétricas e impositivas entre
pesquisadores e populações subalternizadas, escolhidas como fonte qualificada de
determinadas investigações das Ciências Sociais.
Palavras-chave: sociologia da experiência, metodologia, democracia deliberativa.
A adesão a uma corrente de pensamento ou a uma abordagem teórica é
semelhante a um namoro que, na maioria dos casos, nasce de uma irresistível
simpatia, gerada pela sensação de que os gostos, sensibilidades e escolhas da pessoa
que está sendo conhecida combinam, aperfeiçoam ou aprofundam os seus próprios
gostos, sensibilidade e escolhas. Foi assim a minha aproximação com as abordagens da
democracia deliberativa e da sociologia da experiência, como as apresentarei3 ao
longo deste artigo, que têm em comum com o meu percurso de militância e de vida
uma aposta na capacidade dos sujeitos de participarem ativamente da construção da
1
Doutorando em Sociologia e Mestre em Comunicação pela UFG ([email protected]).
Trabalho desenvolvido sob orientação das professoras Dra. Heloisa Dias Bezerra (orientadora do doutorado) e Dra.
Telma Nascimento (regente da disciplina Teoria Sociológica II, em 2010, no contexto da qual a versão original deste
trabalho foi desenvolvida).
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Dado o caráter de certo modo confessional deste texto, renuncio conscientemente às normas de impessoalidade
de artigos pretensamente científicos, escrevendo em primeira pessoa, como fazem determinados pesquisadores/as
da Cultura Visual e da Antropologia, entre outros, de modo a que se tome esse texto como uma produção feita a
partir de um percurso de vida, de uma opção política, enfim, de um lugar histórico e socialmente explicitado.
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1
vida em sociedade, incluindo aqueles atores que são socialmente marginalizados,
politicamente
desprovidos
de
recursos
argumentativos
e
produtivamente
considerados como “inúteis”.
A convicção de que estes atores são sujeitos produz em mim alguns
desconfortos com o modo dominante de fazer pesquisa acadêmica. Num contexto
social como o brasileiro, no qual pouco mais de 10% da população economicamente
ativa tem formação superior (IBGE, 2011), uma dissertação ou uma tese costuma ter
peso de autoridade, algumas vezes questionável, pelo menos quanto ao processo
através do qual são construídas: é justo conceituar um problema e algumas vezes
estigmatizar um segmento social com base na edição de trechos de conversas
apressadas com meia dúzia de indivíduos? São confiáveis certos discursos?
Não acredito que seja possível produzir um discurso acadêmico absolutamente
confiável e justo, mas tenho convicção de que é necessário perseguir esse propósito,
começando pela explicitação das opções e percursos da pesquisa e do próprio
pesquisador – o que, de certa maneira, elimina a blindagem do discurso de autoridade,
e traz a produção acadêmica para o campo dos debates públicos, como mais um
discurso disponível, mais uma visão sobre as realidades, mais uma entre tantas versões
dos fatos que, como as demais, é passível de questionamento tanto quanto de adesão
pela limitação ou, ao contrário, pela capacidade desse discurso aprofundar o
conhecimento sobre um tema de interesse coletivo, colocado na arena pública.
Com essas sensibilidades, preocupações e escolhas cheguei à democracia
deliberativa e à sociologia da experiência, como possíveis suportes à pesquisa sobre a
participação social no debate público a respeito da gestão de resíduos sólidos urbanos
no Brasil – tema sobre o qual me debruço em vista da elaboração de uma tese de
doutoramento. Antes de continuar a reflexão sobre democracia deliberativa e
sociologia da experiência, considero importante declarar marcas e percursos da minha
própria experiência de vida que, de alguma maneira, explicam ou pelo menos situam a
minha simpatia por estas correntes de pensamento.
2
Nasci em uma típica família nordestina de seis filhos, tendo morado até os 10
anos na zona rural de uma cidade de 150 anos e 50 mil habitantes chamada São Bento
do Una, localizada na região agreste de Pernambuco, a cerca de 200 quilômetros da
capital. Meus três primeiros anos de estudo foram feitos numa escola rural, equipada
com duas mesas retangulares, quatro bancos inteiriços e dois quadros negros, sempre
divididos ao meio por uma linha branca de giz, convencionando o território para
disposição das lições para as quatro séries para as quais dona Lúcia, a mesma e única
professora, lecionava heróica e simultaneamente.
Aos 10 anos, cheguei à cidade para continuar os estudos, hóspede na casa dos
meus avós, e logo ocupei um dos primeiros lugares entre os alunos da quarta série:
para minha surpresa, o conhecimento adquirido na escola rural era maior do que eu
imaginava. O sucesso escolar, porém, não foi suficiente para eliminar o acanhamento
pelas minhas indisfarçáveis marcas da “roça”; constrangimento que logo foi superado
pela denúncia pública e cruel, como costuma ser, por parte de colegas, de que havia
algo de “errado” com a minha sexualidade de adolescente inseguro. Primeiro
combatida feroz e silenciosamente, ironicamente a minha homossexualidade foi
assumida, aos poucos, demorada e secretamente (como convinha àquele tempo e
lugar) na Igreja Católica – de todos, o ambiente social mais improvável.
O grupo de jovens, descoberto aos 16 anos, foi um estupendo espaço de
socialização e de acolhimento das minhas potencialidades, além de me possibilitar o
desenvolvimento de uma visão de mundo que a minha família e a escola a que tive
acesso não me facultavam. Auge da Teologia da Libertação, foi no espaço eclesial de
meados da década de 1980 que nomeie a “ditadura militar”, sob a qual nasci e cresci,
ao mesmo tempo em que me engajava em diversas lutas pela democratização do país
e pela transformação do mundo. Che Guevara, Nelson Mandela e Leonardo Boff
frequentavam as minhas jaquetas em bottons e a minha cabeça em conversas e
leituras, a quem acrescentava autores e autoras como Clarisse Lispector, de quem
registrei no caderno pessoal de notas que “a condição não tem cura, mas o medo da
condição é curável” (LISPECTOR, 1990, p. 10).
3
Muito mais haveria que dizer mas, para o propósito deste artigo, o dito basta
para que se entenda a minha postura costumeiramente reticente em relação aos
discursos que folclorizam ou estigmatizam os nordestinos, os camponeses, os pobres,
os movimentos sociais, as homossexualidades, entre tantos grupos minorizados em
direito. Considero que a minha experiência autoriza um debate a respeito de temas
que me afetam e me sinto indignado quando supostas autoridades alheias a estas
realidades se aproximam delas, superficial e apressadamente, promovendo a sua
exotização. O repúdio por esta prática, que muitas vezes me vitimiza, tende a ser, na
situação inversa, como uma advertência quando estou na posição de construir um
discurso público a respeito de uma realidade ou de um segmento social. Por isso me
identifico tanto com a postura zelosa em relação aos atores e atrizes sociais
explicitadas em textos da democracia deliberativa e da sociologia da experiência, como
os apresentados a seguir, respectivamente:
[uma das cinco características principais da democracia deliberativa é que]
os membros reconhecem o outro como portador de capacidades
deliberativas, isto é, a capacidade requerida para entrar na troca pública de
razões e para atuar de acordo com o resultado de cada juízo público
(COHEN, 1997, p. 73).
Qualquer pesquisa empírica pode ser definida com o encontro mais ou
menos direto entre atores e investigadores. Ela apresenta-se como uma
longa série de argumentações cruzadas e mais ou menos mediatizadas entre
estes dois pólos, quando a sociologia dos sociólogos encontra a sociologia
dos atores, a maneira como eles interpretam espontaneamente a sua
experiência numa língua “natural”. [...] O debate dos atores e dos
investigadores, aberto ou fechado, público ou na dispensa de métodos, faz
parte plena da sociologia (DUBET, 1996, p. 230-1).
Esse reconhecimento do outro como sujeito capaz, seja de participar do debate
das questões de interesse coletivo, como argumenta Cohen, seja de contribuir na
produção do conhecimento científico, como propõe Dubet, figuram-me como projeto
político e como conduta profundamente respeitosa para com os interlocutores de uma
investigação, além de serem vias mais assertivas tanto de caracterização de um
problema social quanto, e principalmente, da construção de formas mais justas de
estabelecer regras de vida em sociedade.
4
A respeito de democracia deliberativa não me alongarei muito neste trabalho4,
mas considero importante frisar que, diferente do que o termo sugere à primeira vista,
deliberação diz respeito não apenas à tomada de decisão, mas ao processo de
formação de uma opinião pública em torno das questões de interesse coletivo,
realizada através do debate entre todos ou a maioria das pessoas ou segmentos sociais
afetados. E o debate deliberativo é tanto mais qualificado quanto for capaz de
promover o diálogo entre pessoas e segmentos que se reconhecem como diferentes,
mas que não renunciam ao propósito de escolher e assumir para todos o argumento
mais solidamente alinhado com o interesse da coletividade. Nas palavras de Bohman
(2009), o processo dialógico é o aspecto mais relevante da deliberação, cujo sucesso
é medido não pelo forte requerimento de que todos devem concordar com
os resultados, mas pelo requerimento fraco de que os interlocutores são
suficientemente convincentes para continuar sua cooperação em processo.
O resultado de uma decisão atual é aceitável quando as razões que a
sustentam são suficientes para motivarem a cooperação de todos os
interlocutores (BOHMAN, 2009, p. 42).
Nesse sentido, o propósito maior da democracia deliberativa não é a espécie de
explosivo orgasmo que encerra a tomada de uma grande decisão, mas o suave e
perene prazer de continuar dialogando enquanto são tomadas pequenas e grandes
decisões a respeito de temas que afetam a coletividade. O pressuposto dessa
interminável conversação pública é que todas as pessoas e grupos sociais têm uma
perspectiva que merece ser conhecida e reconhecida e que a legitimidade das decisões
democráticas é conquistada na exposição destas diferentes perspectivas, no cerne de
um debate que seja o mais livre, abrangente e plural possível.
A escolha da democracia deliberativa como projeto político e, no contexto
deste artigo, como categoria analítica a ser aplicada para diagnosticar o gradiente de
democracia inerente ao debate de temas de interesse público, requer uma abordagem
metodológica coerente, isto é, que favoreça o diálogo, que reconheça o outro como
sujeito capaz de participar dos processos de debate e de tomada de decisão e que
aposte na qualidade superior das opiniões e decisões geradas pela ponderação de
4
Para a discussão do conceito de democracia deliberativa tenho lido autores/as como: BENHABIB, 2009; BOHMAN,
2007; HABEMAS, 1989 e 1987; MAIA, 2006 e 2008; MANSBRIDGE, 2009.
5
todos ou do máximo possível de pessoas afetas a determinado tema. Neste ponto,
como sugeri anteriormente, é que a sociologia da experiência se encaixa.
Notas sobre sociologia da experiência
Expressa numa obra que leva o mesmo título e fruto de duas décadas de
trabalho como professor e pesquisador, do sociólogo francês François Dubet, a
sociologia da experiência analisa os problemas de forma sistêmica, porém, tomando
como ponto de partida a subjetividade, o que supõe a “dupla recusa da estratégia da
suspeita e da ingenuidade da imagem do ator totalmente cego ou totalmente
clarividente” (DUBET, 2006, p. 100).
Esta afirmação ilustra como o autor se afasta de vertentes contemporâneas da
sociologia que compõem algo como “um catálogo temático” (DUBET, 2006, p. 52), a
partir do qual o estudante, muitas vezes arbitrariamente, escolhe a quem seguir:
“Crozier se se interessar pelas organizações; segue Bourdieu se se interessar pela
cultura e pela socialização; segue Touraine se se virar para os movimentos sociais;
segue Boudon se estudar as situações de concorrência ou raridade; segue Goffman se
se apaixonar pelas interações” (DUBET, 2006, p. 13).
Distanciando-se, mas sem renunciar a alguns conceitos essenciais, tanto dos
clássicos quanto dos contemporâneos, François Dubet propõe a sociologia da
experiência, uma teoria designada por ele mesmo como de alcance médio, que não
tem a ambição de ser uma sociologia total mas que, tampouco, conforma-se à lógica
da dispersão e da fragmentação. Segundo o autor, a noção de experiência é adequada
para estudos de recortes empíricos como os movimentos sociais, a juventude
marginalizada e outras condutas sociais que “não parecem redutíveis a puras
aplicações de códigos interiorizados ou a encadeamentos de opções estratégicas que
fazem da ação uma série de decisões racionais” (DUBET, 2006, p. 93). Essas condutas
estão diluídas no fluxo contínuo da vida cotidiana, organizadas por princípios
heterogêneos, definida pela combinação randômica e não hierárquica de três lógicas
de ação: integração (pertença), estratégia (interesses) e subjetivação (crítica).
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Apresentada por Dubet como vinda da sociologia clássica, a lógica da
integração refere-se aos mecanismos que promovem uma espécie de adesão dos
atores às regras dominantes em determinada sociedade, através da interiorização dos
papéis socialmente determinados e da incorporação das expectativas coletivas no
desempenho de condutas pessoais. Nos termos de Ferry (2008), é o momento em que
a pessoa de certa forma abdica do que a distingue como humana, a saber, a
precedência da existência sobre a essência, e comporta-se como um rato ou outro
animal qualquer, materializando aquilo que foi socialmente programado para
indivíduos da sua condição social, de gênero e de raça, entre outras categorias.
A lógica da estratégia, por sua vez, refere-se ao conjunto de ações que são
orientadas para obtenção do resultado mais favorável ao ator, seja individual ou
corporativo. Nessa lógica, a sociedade é um mercado, enquanto espaço de disputas e
concorrências, não apenas do campo econômico, mas do conjunto de bens sociais.
Uma racionalidade instrumental e utilitarista orienta a busca do que é melhor na lógica
estratégica. Diferentemente da lógica da integração, aqui o que interessa não é
conectar-se ao sistema, mas lutar para estabelecer e manter as regras da concorrência.
Diferente das duas anteriores, a lógica da subjetivação se manifesta de modo
indireto, através da atividade crítica, quando os atores nem aceitam cumprir passiva e
ordeiramente os papéis que lhe são socialmente designados (integração), nem agir
pensando apenas naquilo que lhe garantirá sucesso (estratégia). Essa lógica se
manifesta quando o ator consegue enxergar desde uma espécie de ponto afastado,
que lhe permite visualizar além dos interesses que lhe são impostos, seja de fora para
dentro (integração), seja de dentro para fora (estratégia), percebendo as lógicas
sistêmicas nas quais está enredado.
O mais interessante da sociologia da experiência é que ela, além de reconhecer
a validade destas diferentes lógicas de ação, defende que em cada contexto, em cada
ator, essas lógicas se embaralham em combinações nunca previsíveis, sendo
precisamente essas combinações originais que constituem a experiência – enigma a
ser decifrado através do diálogo entre pesquisador e pesquisados. Essa combinação,
7
segundo Dubet, é subjetiva, razão pela qual o ponto de partida das pesquisas da
sociologia da experiência é a escuta dos atores. A descrição das lógicas dos atores,
entretanto, não é suficiente: “cada uma das lógicas da ação que se combinam na
experiência social se inscreve, ela própria, numa certa objetividade do sistema social”
(DUBET, 2006, p. 139). Por isso, embora parta do sujeito, esta abordagem exige que a
análise avance da subjetividade ao sistema, compreendendo o contexto em que as
combinatórias individuais e coletivas se inserem.
Em síntese, o exame da experiência social é feito por intermédio de três
operações intelectuais: (a) análise (isolar e descrever as lógicas de ação presentes em
cada experiência; (b) compreensão (entender o processo e o sentido através da qual o
ator combina e articula as diversas lógicas de ação); (c) interpretação (subir da
experiência pessoal e coletiva para o sistema, compreendendo as diferentes lógicas do
sistema social mediante a forma como os atores as sintetizam e as catalisam).
Do ponto de vista operacional, a sociologia da experiência adota um
procedimento marcado por três momentos principais: (a) a constituição de um grupo
voluntário de sujeitos com características comuns relativas a um problema que se
pretende investigar; (b) criação de um ambiente favorável para que esse grupo
compartilhe suas experiências não apenas verticalizadas pelo foco da investigação,
mas no desenrolar de uma série de encontros, nos quais sejam discutidos diversos
temas, com a participação de diferentes mediadores, porém, com o acompanhamento
de um mesmo pesquisador ou grupo de pesquisadores; (c) criação de um momento no
qual o pesquisador apresente para os seus interlocutores a percepção que captou a
respeito deles ao longo das discussões e promova um debate para que eles confirmem
e/ou contestem as percepções inicialmente captadas.
Alguns critérios deste processo de validação, entretanto, não são exequíveis a
não ser para pesquisas que se realizem através de institutos ou outros raros contextos
institucionais que contem com um amplo grupo de pesquisadores e forneçam ampla
estrutura: (a) constituir vários grupos, simultaneamente, para perceber as
regularidades; (b) variar as equipes de investigadores, para controlar, na medida do
8
possível, a subjetividade de quem investiga; (c) elaborar análises que não sejam
contraditórias com outras feitas através de outros métodos ou feitas por outros
investigadores; (d) conseguir que as análises sejam capazes de explicar realidades
exteriores ao ambiente investigado.
Considerações finais
Embora não seja viável (e provavelmente nem desejável) a transposição pura e
simples dos procedimentos da sociologia da experiência do contexto francês para as
pesquisas realizadas nos contextos e condições brasileiras e de países emergentes,
considero que nesta abordagem há sensibilidade para com elementos que são
normalmente negligenciados, como a consideração do interlocutor como sujeito capaz
de elaborar explicações razoáveis a respeito das realidades que o afeta, bem como o
desenvolvimento de um processo de pesquisa que consegue enxergar o todo social,
porém, não através de fórmulas rígidas e formas que antecipam os resultados e, de
certa maneira, dispensam a observação respeitosa, acurada e atenciosa dos contextos
particulares através dos quais os sistemas se ancoram e se transfiguram nas
experiências pessoais e coletivas historicamente situadas.
Pela minha história e pelo meu percurso de vida, sei quantas vezes fui um no
meio da maioria deixada de fora em termos de oportunidades econômicas e culturais,
entre outras, e talvez por isso me sinta tão radicalmente comprometido a colocar a
minha oportunidade de estudar a serviço deste contingente de pessoas
desprivilegiadas de onde procedo, entre as quais me situo, com as quais me alio. Meu
esforço como pesquisador e como cidadão é direcionado para a desconstrução de
estereótipos frequentemente construídos a respeito de pessoas e grupos sociais como
aqueles aos quais me referi e na perspectiva de construção de outra epistemologia e,
principalmente, de outro modelo de vida em sociedade, no qual a marginalidade, a
violência, a exploração e a injustiça, ao invés de serem naturalizadas, sejam sempre
um escândalo e, um dia, não sejam mais que uma triste memória.
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Referência:
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MARQUES, Ângela C. S. (org.). A deliberação pública e suas dimensões sociais, políticas
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