Relatório e voto

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5034347-97.2015.4.04.0000/PR
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
AGRAVANTE
AGRAVADO
:
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
INTERESSADO
:
:
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
CAMINHOS DO PARANA S/A
:
CONCESSIONÁRIA ECOVIA CAMINHO DO MAR S/A
:
:
EGON BOCKMANN MOREIRA
BERNARDO STROBEL GUIMARÃES
:
:
DANYARA BARROS TAJRA
HELOISA CONRADO CAGGIANO
:
MARIANA DALL AGNOL CANTO
:
DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DO
PARANÁ - DER/PR
:
EMPRESA CONCESSIONARIA DE RODOVIAS DO NORTE S/A ECONORTE
:
:
ESTADO DO PARANÁ
RODONORTE - CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS INTEGRADAS S/A
INTERESSADO
:
:
RODOVIA DAS CATARATAS S/A
RODOVIAS INTEGRADAS DO PARANÁ S.A.
ADVOGADO
:
Vanessa Morzelle Pinheiro
:
:
EGON BOCKMANN MOREIRA
BERNARDO STROBEL GUIMARÃES
:
:
DANYARA BARROS TAJRA
HELOISA CONRADO CAGGIANO
:
MARIANA DALL AGNOL CANTO
ADVOGADO
INTERESSADO
RELATÓRIO
Este agravo de instrumento foi interposto pela União contra decisão que deferiu liminar
em ação civil pública, tendo por objeto a prorrogação de convênio de delegação de rodovias federais
ao Estado do Paraná, bem como dos contratos de concessão dessas rodovias federais firmado pelo
estado com as empresas concessionárias. A decisão agravada. proferida pelo Juiz Federal Rogerio
Cangussu Dantas Cachichi, está assim fundamentada (evento 20 do processo originário):
'1.Pedido liminar. O MPF, por intermédio de seu douto Presentante, pretende, segundo alega e em
apertada síntese, impedir a burla ao procedimento licitatório e a renovação do termo de convênio da
concessão sem licitação. A evidência do direito se verifica pelas notícias informando o início das
negociações para a prorrogação do convênio, bem como a nomeação de um interlocutor para tratar do
tema. A urgência verifica-se pela concretização do ato ilícito de prorrogação em breve. A apreciação
da liminar, conquanto estabelecida em juízo superficial focado em verossimilhança da alegação e
periculum in mora, não prescinde do exame da alegada incompetência absoluta e interesse processual
(ev.14).
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1.1.(In)competência funcional. A bem da verdade, não há falar em dano regional, conforme alegado
(ev.14 e 16), mas danos locais em mais de um lugar. Implica dizer que, diferentemente de uma causa
ambiental, cujo dano espraia-se por todo o Estado, na hipótese dos autos há múltiplos danos locais, um
em cada concessão. Sendo assim, a Subseção de Jacarezinho tem competência funcional para
processar e julgar a causa, estando preventa, dada a conexão, para conhecer da demanda em relação a
todas as rés. Nesse contexto, deve-se atentar que não se aplica ao caso a limitação do disposto no
art.16 da mesma lei 7.347/1985, segundo o qual 'A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos
limites da competência territorial do órgão prolator...', devendo as deliberações cá tomadas refletir
efeitos em todo o Estado do Paraná, já que o Poder Concedente encontra-se no polo passivo da relação
processual.
1.2.Legitimidade da União. Tratando de demanda na qual se discute prorrogação de contratos de
concessão de rodovias federais manifesta a legitimidade da União, ainda que esta tenha delegado ao
Estado do Paraná a administração.
1.3.Interesse processual. Não se exige início efetivo de estudos para prorrogação das concessões para
que haja interesse processual. Há elementos nos autos que indicam incremento de obras para
prorrogação do convênio entre União e Estado, donde se torna factível a intenção de prorrogar também
contratos com base na cláusula XX, 'a', desse instrumento.
Notório que é, o assunto tem sido amplamente divulgado na grande mídia, conforme se observa, entre
outros, nos seguintes links:
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/07/para-rever-precos-governo-do-parana-estuda-renovarcontratos-de-pedagio.html
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/ministros-dizem-que-richa-levou-a-dilma-prorrogacaodo-pedagio-edur1eo58xabl6hwa7bh5n58u
http://www.ptnosenado.org.br/site/noticias/ultimas/item/47749-gleisi-beto-richa-quer-prorrogaro-pedagio-mais-caro-do-brasil
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/deputados-criticam-possivel-prorrogacao-do-pedagiono-parana-5wnt4ynpfbhnavbsu541o0mhy
http://www12.senado.gov.br/radio/1/plenario/gleisi-hoffman-critica-prorrogacao-dos-contratosde-pedagio-do-parana
http://digital.odiario.com/parana/noticia/1433119/bancada-do-pr-debate-prorrogacao-de-pedagio/
http://cgn.uol.com.br/noticia/143371/bancada-federal-discute-prorrogacao-dos-contratos-de-pedagiono-parana
http://pr.ricmais.com.br/parana-no-ar/videos/concessionarias-de-pedagio-do-parana-estudamprorrogacao-de-contratos-ate-2021/
http://www.paranaportal.com.br/blog/2015/08/26/alvaro-diz-nao-a-prorrogacao-do-pedagio/
http://www.oparana.com.br/noticia/acamop-e-contra-prorrogacao-do-pedagio-com-atuaisconcessionarias/2057/
http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/892045
/?noticia=DEBATE+SOBRE+PRORROGACAO+DOS+CONTRATOS+DE+PEDAGIO+PEGA+FOGO
À vista disso, mesmo que, como aduziu o DER (ev.16), não se tenha iniciado tratativas oficiais para
prorrogação dos contratos de concessão - o que à evidência apenas será possível com a prorrogação
do convênio - merece ser considerada provável a intenção dos réus em prorrogar os contratos em vigor
sem licitação, o que, muito além de ser um sonho delirantedo MPF, tem concretude suficiente para
gerar interesse processual. Afinal, a ameaça a direito também é tutelada pelo Judiciário.
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1.4.Possibilidade jurídica do pedido. Não sendo vedado pelo ordenamento jurídico, não há falar em
impossibilidade jurídica do pedido.
1.5.Requisitos da tutela de urgência. O periculum in mora entremostra-se a partir da possibilidade
atual de gastos públicos com a consecução de estudos de viabilidade de prorrogação considerada
ilegal pelo MPF, bem como de idealização e, quiçá, execução de projetos para implementação de obras
não previstas pela concessão tornando a prorrogação circunstância posteriormente inarredável e
imperiosa ao Poder Concedente, sob pena de impor ainda mais elevados degraus tarifários em prejuízo
do usuário. Ademais, o prosseguimento de entendimentos para análise da prorrogação gerará, por
certo, possíveis falsas expectativas a setores da sociedade que se beneficiarão com o incremento de
obras custeadas pela projeção da concessão mediante prorrogação.
De outro lado, a verossimilhança do direito encontra-se presente. O fato de a Constituição Federal
determinar à lei dispor sobre 'o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão' (CF, art.175, I, destaquei em negrito),
bem como de ter as leis 8.987/95 (art.23, XII) e 9.074/95 (art.1º, §2º) admitido a prorrogação, não
elimina do Poder Concedente a obrigação de licitar; a exegese teleológica de tais dispositivos, conduz
à inexorável conclusão de que a prorrogação apenas deve ser admitida, a bem do interesse público,
quando as condições do contrato vigente sejam melhores ou iguais às condições a que a administração
conseguiria com realização do procedimento licitatório. Assim, comprovada que a prorrogação atende
ao interesse público em maior medida que o vencedor do certame, prorroga-se; caso contrário, não.
Pensar o oposto, conduziria à situação paradoxal de prorrogação, mesmo em prejuízo ao usuário.
Nesse contexto, o Poder Concedente, admitindo a prorrogação dos contratos sem licitação, agirá
contra o interesse público, tendo em vista que os atuais contratos, lastreados em conjunturas antigas,
impõe ônus elevado aos usuários.
Não bastasse isso, o procedimento licitatório é exigível no caso em foco por imposição democrática.
Explico. Consta na peça inicial, colacionada pelo MPF, notícia publicada no Jornal Gazeta do Povo
em 13/08/2015. Dela é extraída a informação trazida aos autos a direta participação das
concessionárias nas discussões acerca da prorrogação do convênio de delegação entre União e o
Estado do Paraná quanto às rodovias federais. Vale dizer, o interesse privado das concessionárias na
prorrogação das concessões depende da prorrogação do convênio de delegação; nessa perspectiva, a
prorrogação do convênio passa a ser instrumento (meio) da prorrogação dos contratos (fim). Todavia,
a prorrogação do convênio há de ter em mira exclusivamente o interesse público entre os entes políticos
envolvidos (União e Estado), numa racionalidade comunicativa livre da interferência do poder
econômico das empresas privadas. Nessa ótica, longe de ser instrumentalizada como condição para
atendimento das concessionárias pela prorrogação dos contratos, a prorrogação do convênio há de ser
um fim especialmente voltado ao bem comum e à proteção do usuário. O interesse público na
prorrogação do convênio de delegação há de determinar o interesse público na prorrogação das
concessões e, só depois disso, num posterior momento, caberia às concessionárias avaliar seu interesse
privado na prorrogação em harmonia com o interesse público já definido. A perspectiva invertida de
prorrogação do convênio com premissa para atingimento da finalidade de prorrogar contratos produz
deficit de legitimidade democrática nas tratativas entre os réus. Para Habermas, 'O poder social,
econômico e administrativo necessita de disciplinamento por parte do Estado de direito.' (Direito e
democracia: entre facticidade e validade. Vol.I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio: Templo
Brasileiro, 1997, p.325). Assim, 'A ideia do Estado de direito pode ser interpretada então como a
exigência de ligar o sistema administrativo, comandado pelo código do poder, ao poder comunicativo,
estatuidor do direito, e de mantê-lo longe das influências do poder social, portanto da implantação
fática de interesses privilegiados.' (HABERMAS, 1997, p.190) Noções que tais não podem ser
olvidadas, longe disso devem cuidadosamente repousar a bom recato, sob pena de relegar ao oblívio o
valor e a normatividade do direito, reconhecido apenas em viés sistêmico e funcionalista despido de
potencial emancipatório. Na visão sempre lúcida do culto prof. Clodomiro José Bannwart Júnior:
'O modelo realista de uma socialização anônima não-intencional, que se impõe sem a
consciência dos cidadãos, vai substituir, no caso em tela, o modelo comunicativo de uma
associação intencional de parceiros do direito'. (DD I, p. 69) É, pois, a percepção da ordem
normativa que se pretendia orientar juridicamente sendo substituída por mecanismos sistêmicos
constituídos no processo econômico de valorização do capital. Esse modo objetivador de ver e
entender a sociedade faz com que se considerasse o procedimento de socialização fora de
processos de entendimento, isento de valores ou normas jurídicas e, ademais, limitado a colocar
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a dinâmica da integração social em uma pauta estritamente funcionalista.
Com a operacionalização sistêmica e funcionalista da sociedade resta apenas um processo de
acumulação repetitivo, sem dar conta de assegurar qualquer viabilidade emancipatória, visto
que a dinâmica da produção do capital se assenta na dinâmica da racionalidade instrumental,
incompatível, pois, com o Estado democrático de direito.
(...)
Habermas então adverte que limitar o direito à legalidade, afastando-o de pretensões de legitimidade,
apenas contribuiria para deixá-lo à margem, reduzindo-o ao plano da violência ou de imposições
arbitrárias, em que os destinatários devotariam obediência normativa a partir de cálculos estratégicos,
numa posição de observador alentada por um enfoque objetivador que impede, a todo custo, que os
concernidos tenham condições de assumir uma postura de participantes em relação ao direito.
(BANNWART JÚNIOR, C.J., in mimeo)
Não se está a dizer que a participação das concessionárias, na condição de concernidas, no processo
de prorrogação do convênio entre União e Estado seria ilegítima, mas que a perspectiva invertida
destacada: prorrogação do convênio como instrumento para prorrogação das concessões é que torna
antidemocrática tal atuação. Supor o contrário implicaria ilegalidade consubstanciada em desvio de
finalidade - rectius: subversão da finalidade - para atendimento dos interesses privados das
concessionárias (fim) por intermédio da prorrogação do convênio (meio). E, por consectário,
ilegalidade por violação do princípio da moralidade dada a interferência do poder econômico na
esfera política. Não por outro motivo, Habermas consignou: 'o princípio segundo o qual deve-se
bloquear uma intervenção direta do poder social no poder administrativo encontra sua expressão no
princípio da responsabilidade democrática de detentores de cargos políticos em relação aos eleitores e
aos parlamentos' (1997, p.219). A forma adequada, pois, para sanar a interferência do poder
econômico das concessionárias na formatação da prorrogação do convênio de delegação e de
restabelecer democraticamente a supremacia do interesse público sobre o particular será obstar a
prorrogação automática das concessões vigentes, restando inexorável a imposição de processo
licitatório no caso em apreço.
Não se trata, pois, de o Judiciário imiscuir-se em seara que não lhe é própria, senão de impor freios e
limites às partes na concessão em prol de finalidades legais e moralidade; destarte, em favor da
própria legalidade. Como mais uma vez sublinha Habermas, 'a lógica da divisão dos poderes só faz
sentido, se a separação funcional garantir, ao mesmo tempo, a primazia da legislação democrática e a
retroligação do poder administrativo ao comunicativo.' (1997, p.233) Rejeito, por fim, a alegação de
violação da separação dos poderes (ev.14, 15, 16 ).
1.6.Decisão. Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para determinar:
1) em relação à União Federal, que se abstenha de qualquer ato de renovação dos convênios de
delegação nº1,2,3,4,5 e 6 de 1996 com a finalidade de atender à proposta do DER/PR e do Estado do
Paraná de prorrogar os atuais contratos;
2) em relação ao DER, Estado do Paraná e às concessionárias requeridas que se abstenham de firmar
qualquer acordo de prorrogação do prazo de vigência dos atuais contratos de concessão sem a
realização de procedimento licitatório.
2.Demais providências:
2.1.Intime-se a ANTT para se manifestar, em 5 dias, sobre interesse jurídico no feito.
2.2.Decorrido o prazo acima, citem-se os réus para, querendo, apresentem resposta no prazo legal.
2.3.Com as resposta, ao MPF para réplica, devendo especificar provas de modo fundamentado.
2.4.Em seguida, aos réus sobre provas nos mesmos moldes.
2.5.Depois, venham-me conclusos.'
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Alega a parte agravante (União), em apertada síntese, que: (a) o juízo originário não
possui competência funcional para processar e julgar a causa, em relação a todos os contratos, em
razão do disposto no art. 93-II do Código do Consumidor c/c o artigo 2º da Lei 7.347/85; (b) é parte
passiva ilegítima, pois celebrou convênios de delegação com o Estado do Paraná transferindo a este a
administração e a exploração de rodovias federais, o qual, por usa vez, celebrou contratos de
concessão com diversas concessionárias, transferindo a elas a exploração de trechos de rodovias
federais; (c) é incabível antecipação de tutela contra a União, não só por se tratar de sentença sujeita
ao duplo grau de jurisdição, como também pelo perigo da irreversibilidade do provimento antecipado
e por esgotar o objeto da ação, o que é vedado; (d) a medida deferida deve ser suspensa, 'por ausência
de prova inequívoca, vide meras reportagens jornalísticas a embasar a ACP, o longo lapso temporal
para o término do convênio e a necessidade da Administração Pública se pautar por estudos sobre a
viabilidade do convênio de delegação com o Estado do Paraná para decidir a respeito.' (evento 1)
Pede atribuição de efeito suspensivo.
O efeito suspensivo foi indeferido (evento 6).
A ANTT compareceu aos autos para comunicar o desinteresse na lide (evento 19).
O MPF ofereceu contrarrazões (evento 20).
É o relatório.
VOTO
1. Competência funcional da Vara de Jacarezinho:
Julgo razoável a interpretação conferida pela decisão agravada no sentido de que o
evento tratado na ação - a possibilidade de prorrogação de diversos contratos de concessão de
rodovias federais a particulares, em violação à regra constitucional que exige licitação - não constitui
'dano regional', ou seja, um evento danoso cujos efeitos se espraiam e se refletem em todo o estado
(como costuma ocorrer, por exemplo, nas questões ambientais), o que, se configurado, firmaria a
competência da subseção judiciária da capital do estado, conforme previsto no art. 93-II do CDC.
Diversamente, segundo a decisão, estaríamos frente a diversos danos pontuais, localizados, um em
cada concessão de rodovia cujo contrato é suscetível de prorrogação. Assim, distribuída a ação na
Vara Federal de Jacarezinho (com jurisdição sobre o local de um dos eventos danosos), firmou-se a
competência daquele juízo, por prevenção, para o julgamento das diversas ações conexas, movida
cada uma delas relativamente a um contrato de concessão e contra cada uma das concessionárias,
reunidas em um só processo (CPC/73, art. 106, e Lei 7.347/85, art. 2º-§ único).
Poderia ainda acrescentar que, no caso, parece ser inadequada a fixação da competência
pela apreensão do dano em sua dimensão geográfico-espacial, como se ele estivesse ocorrendo em
determinado local físico. Isso porque o que está em questão não é a cobrança de tarifa abusiva em
determinada praça de pedágios, com coordenadas geográficas determinadas, lesando os motoristas
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que por ali trafegam, mas sim a proteção a princípios como a moralidade, impessoalidade e eficiência
administrativas, e a isonomia no trato com a administração pública.
Assim, embora entenda que a questão seja suscetível de controvérsia (e por isso sem me
comprometer com a tese sustentada na decisão), não vejo fundamento para, nesse momento
processual, declarar-se a incompetência do juízo. Não se trata aqui de justiça estadual, em que existe
diferenciação entre as entrâncias. As vara federais do interior são iguais às varas da capital e, como
essas, são jurisdicionadas por juízes federais, sem distinção. Ademais, não se estaria negando acesso
à justiça por ajuizar a ação em determinada vara do interior, pois não se trata de interesses de
consumidores, mas uma questão que diz respeito apenas à concessionária e aos poderes públicos
envolvidos, não havendo nenhum prejuízo por não se deslocar a ação para a capital do estado, que é
igual a qualquer outra vara que existe.
Portanto, por ora, não vejo fundamento suficiente para se reconhecer a incompetência
do juízo.
2. Ilegitimidade passiva da União
A União sustenta ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda,
requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito em relação a ela.
Contudo, segundo entendimento sedimentado pelo STJ, a União detém legitimidade
para integrar o polo passivo de ação versando sobre questões relativas a contratos de concessão de
rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e exploração ao Estado-membro:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. CONTRATO DE CONCESSÃO. RODOVIA
FEDERAL. PEDÁGIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
(...)
3. Esta Corte já se pronunciou, em questão análoga, e entendeu que a União e a Agência Nacional de
Transportes Terrestres - ANTT ostentam legitimidade para integrar o pólo passivo de ação versando
sobre reajuste de pedágio em rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e
exploração ao Estado-membro.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1065204/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
28/09/2010, DJe 15/10/2010)
Rejeito a alegação de ilegitimidade passiva.
3. Possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade da
administração
A princípio, sem prejuízo da independência e autonomia dos Poderes, o Judiciário, se
provocado, pode interferir na atuação da Administração, mesmo que essa esteja agindo no âmbito de
seu poder discricionário, se estiver configurada ilegalidade ou qualquer outra violação à ordem
jurídica. Com efeito, a jurisdição é indeclinável, e nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser
excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF/88, art. 5º, XXXV). Portanto, a delegação das
rodovias federais pela União aos estados, e os contratos de concessão dessas rodovias firmados com
empresas privadas, são sindicáveis pelo Judiciário, no sentido de controlar que o exercício da
discricionariedade da administração se dê com a observância da ordem jurídica.
4. A liminar deferida
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Ressalto, inicialmente, que me tenho posicionado firmemente pela absoluta
imperatividade do preceito constitucional que prevê a necessidade de realização de licitação para
delegação da prestação de serviços públicos, sendo inadmissíveis quaisquer artifícios que visem, em
última análise, a esquivar-se da incidência da regra. Nesses sentido, a propósito, é o julgado da
Segunda Seção do Tribunal, de minha relatoria:
ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
À PRORROGAÇÃO DE PERMISSÃO SEM LICITAÇÃO.
1- A regra do artigo 175 da Constituição não apenas estabelece a exigência de licitação para prestação
de serviços públicos, mas também estabelece que essa licitação é sempre necessária. Esse advérbio
'sempre' não deixa outra possibilidade ao legislador, ao administrador e ao intérprete constitucional,
porque sempre significa 'em todo o caso, de qualquer maneira, sem exceção'. 2- Nenhum prestador de
serviço público, concessionário ou permissionário, tem direito de continuar explorando o serviço além
daquele período coberto pelo contrato administrativo e previsto pelo edital de licitação. Inteligência do
inciso I do parágrafo único do artigo 175 da Constituição não permite burlar a exigência
constitucional de que sempre os serviços públicos sem permitidos ou concedidos por licitação.
3- Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé não justificam a manutenção de permissões
outorgadas sem a prévia licitação que a Constituição exigia, ainda mais quando passou tanto tempo
sem que o Poder Público adotasse as providências para que o serviço fosse prestado mediante
licitação. Ao contrário, quanto mais passa o tempo, mais ilícita se torna a omissão da Administração
em realizar as necessárias licitações para permissão dos serviços públicos. Aliás, passado um quarto
de século desde a promulgação da Constituição de 1988 fica difícil sustentar que ainda os órgãos
públicos precisem mais tempo para se adequarem às exigências constitucionais.
4- A passagem do tempo não convalida o que se tornou ilícito com a Constituição de 1988, não tendo o
artigo 54 da Lei 9.784/98 força jurídica para convalidar inconstitucionalidade flagrante.
5- A solução dada pela sentença (eficácia apenas depois de seu trânsito em julgado) permite a
continuidade do serviço e se mostra razoável para conciliar os interesses da Administração, dos
permissionários e da sociedade, permitindo que sejam adotadas em tempo razoável providências para
realização e conclusão das necessárias licitações.
6- Embargos infringentes providos, restabelecendo a sentença que julgou procedente a ação civil
pública.
(EINF 2006.70.00.002121-4, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E.
17/10/2013)
Contudo, malgrado desse entendimento, as qual continuo fiel sem quaisquer ressalvas,
no caso concreto dos autos, não identifico ilegalidade, praticada ou latente, que justifique a
intervenção judicial mediante provimento liminar.
O convênio de delegação das rodovias federais ao estado do Paraná e os contratos de
concessão, cuja possível prorrogação é controvertida, ambos com duração de 25 anos, vencem em
2021.
A possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão de serviços públicos está
implicitamente prevista no art. 175-§ único- I da CF/88:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de
seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da
concessão ou permissão;
(...).
A mencionada lei - Lei 8.987/95 - prevê, também implicitamente, a hipótese de
prorrogação do contrato de concessão, verbis:
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Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:
(...)
XII - às condições para prorrogação do contrato;
Portanto, no plano hipotético, a prorrogação de contrato de concessão de serviço
público não constitui, por si só, em todo e qualquer caso, violação ao texto constitucional e à lei. Isso
vai depender das bases em que se der a prorrogação, no caso concreto. O exame dessa bases pode
levar à constatação da ocorrência de efetiva renovação da concessão mediante burla à regra da
obrigatoriedade da licitação, ou a simples adequação dos termos do contrato a exigências do interesse
público.
Com relação aos contratos discutidos na ação, existe previsão da possibilidade de
prorrogação do contrato de concessão, a ser acordada pelas partes, como medida alternativa ou
complementar ao aumento da tarifa de pedágio, quando este for cabível. Confira-se:
CLÁUSULA XI
Do Prazo da Concessão
1. O prazo da concessão é de 24 (vinte e quatro) anos, contado da data de transferência do controle das
rodovias principais do LOTE para a CONCESSIONÁRIA.
2. Não é admitida a prorrogação do prazo da concessão, salvo nas hipóteses previstas neste
CONTRATO.
CLÁUSULA XX
Da Revisão da Tarifa Básica
(...)
4. Sempre que haja lugar para a revisão do valor da TARIFA BÁSICA DE PEDÁGIO, o DER e a
CONCESSIONÁRIA poderão acordar, alternativamente ou complementarmente ao aumento do valor
da TARIFA:
a) alteração do prazo da concessão;
b) atribuição de compensação direta à CONCESSIONÁRIA;
c) adequação do PROGRAMA DE EXPLORAÇÃO;
d) combinação das alternativas anteriores.
Conclui-se que, no caso de ser impositiva a revisão do valor das tarifas, por se verificar
uma das hipóteses autorizadoras previstas no contrato, e havendo acordo entre as partes, pode a
prorrogação do contrato funcionar como medida alternativa ou complementar à majoração dos
preços. Logicamente, desde que isso seja feito para o atendimento do interesse público, como
qualquer contrato administrativo, e desde que essa prorrogação, acordada a título de medida
substitutiva, não represente em verdade renovação da concessão, sem prévia licitação.
Como disse anteriormente, não há nos autos elementos que demonstrem iniciativa
concreta de prorrogação dos contratos (a não ser notícias de imprensa), e muito menos das bases em
que ela estaria sendo cogitada.
Dessa forma, não sendo a prorrogação dos contratos de concessão das rodovias, em si,
necessariamente inconstitucional, ilegal ou contrária aos próprios termos dos contratos, julgo não ser
cabível o deferimento de liminar que obste, em abstrato, a possibilidade de tal prorrogação.
O mesmo pode ser dito em relação à possibilidade de prorrogação dos convênios de
delegação das rodovias federais ao Estado do Paraná, expressamente prevista no art. 1º da Lei n.º
9.277/1996:
Art. 1º Fica a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, autorizada a delegar, pelo prazo de
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https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc...
até vinte e cinco anos, prorrogáveis por até mais vinte e cinco, aos municípios, estados da Federação
ou ao Distrito Federal, ou a consórcio entre eles, a administração de rodovias e exploração de trechos
de rodovias, ou obras rodoviárias federais.
Em conclusão, não existem nos autos elementos suficientemente consistentes que indiquem a iminência
da ocorrência da prorrogação dos contratos de concessão das rodovias federais, acompanhada da
necessária prorrogação do convênio de delegação dessas rodovias ao Estado do Paraná, tudo isso
engendrado como subterfúgio para possibilitar a renovação das concessões sem a realização da prévia
e obrigatória licitação. Isso faz com que a liminar deferida pelo juízo de primeiro grau, disciplinando
as condutas no plano abstrato, hipotético, em vez de corrigir ou evitar ilegalidade, impeça a
Administração e as concessionárias de agirem, mesmo que nos estritos limites da Constituição, da lei e
dos contratos, o que é incabível, impondo-se, assim, sua cassação.
Naturalmente, o entendimento aqui expresso - calcado firmemente nas circunstâncias
concretas do caso - em nada influencia eventual nova decisão a ser eventualmente proferida pelo
juízo 'a quo' sobre medida liminar, caso essas circunstâncias se modifiquem.
O exame da alegação de incabimento da liminar satisfativa resta prejudicado.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento para
cassar a liminar deferida no juízo de primeiro grau.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL
JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução
TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está
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28/04/2016 16:34
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