https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5034347-97.2015.4.04.0000/PR RELATOR : CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR AGRAVANTE AGRAVADO : : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INTERESSADO INTERESSADO : : AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT CAMINHOS DO PARANA S/A : CONCESSIONÁRIA ECOVIA CAMINHO DO MAR S/A : : EGON BOCKMANN MOREIRA BERNARDO STROBEL GUIMARÃES : : DANYARA BARROS TAJRA HELOISA CONRADO CAGGIANO : MARIANA DALL AGNOL CANTO : DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DO PARANÁ - DER/PR : EMPRESA CONCESSIONARIA DE RODOVIAS DO NORTE S/A ECONORTE : : ESTADO DO PARANÁ RODONORTE - CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS INTEGRADAS S/A INTERESSADO : : RODOVIA DAS CATARATAS S/A RODOVIAS INTEGRADAS DO PARANÁ S.A. ADVOGADO : Vanessa Morzelle Pinheiro : : EGON BOCKMANN MOREIRA BERNARDO STROBEL GUIMARÃES : : DANYARA BARROS TAJRA HELOISA CONRADO CAGGIANO : MARIANA DALL AGNOL CANTO ADVOGADO INTERESSADO RELATÓRIO Este agravo de instrumento foi interposto pela União contra decisão que deferiu liminar em ação civil pública, tendo por objeto a prorrogação de convênio de delegação de rodovias federais ao Estado do Paraná, bem como dos contratos de concessão dessas rodovias federais firmado pelo estado com as empresas concessionárias. A decisão agravada. proferida pelo Juiz Federal Rogerio Cangussu Dantas Cachichi, está assim fundamentada (evento 20 do processo originário): '1.Pedido liminar. O MPF, por intermédio de seu douto Presentante, pretende, segundo alega e em apertada síntese, impedir a burla ao procedimento licitatório e a renovação do termo de convênio da concessão sem licitação. A evidência do direito se verifica pelas notícias informando o início das negociações para a prorrogação do convênio, bem como a nomeação de um interlocutor para tratar do tema. A urgência verifica-se pela concretização do ato ilícito de prorrogação em breve. A apreciação da liminar, conquanto estabelecida em juízo superficial focado em verossimilhança da alegação e periculum in mora, não prescinde do exame da alegada incompetência absoluta e interesse processual (ev.14). 1 de 9 09/05/2016 14:48 2 de 9 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... 1.1.(In)competência funcional. A bem da verdade, não há falar em dano regional, conforme alegado (ev.14 e 16), mas danos locais em mais de um lugar. Implica dizer que, diferentemente de uma causa ambiental, cujo dano espraia-se por todo o Estado, na hipótese dos autos há múltiplos danos locais, um em cada concessão. Sendo assim, a Subseção de Jacarezinho tem competência funcional para processar e julgar a causa, estando preventa, dada a conexão, para conhecer da demanda em relação a todas as rés. Nesse contexto, deve-se atentar que não se aplica ao caso a limitação do disposto no art.16 da mesma lei 7.347/1985, segundo o qual 'A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator...', devendo as deliberações cá tomadas refletir efeitos em todo o Estado do Paraná, já que o Poder Concedente encontra-se no polo passivo da relação processual. 1.2.Legitimidade da União. Tratando de demanda na qual se discute prorrogação de contratos de concessão de rodovias federais manifesta a legitimidade da União, ainda que esta tenha delegado ao Estado do Paraná a administração. 1.3.Interesse processual. Não se exige início efetivo de estudos para prorrogação das concessões para que haja interesse processual. Há elementos nos autos que indicam incremento de obras para prorrogação do convênio entre União e Estado, donde se torna factível a intenção de prorrogar também contratos com base na cláusula XX, 'a', desse instrumento. Notório que é, o assunto tem sido amplamente divulgado na grande mídia, conforme se observa, entre outros, nos seguintes links: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/07/para-rever-precos-governo-do-parana-estuda-renovarcontratos-de-pedagio.html http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/ministros-dizem-que-richa-levou-a-dilma-prorrogacaodo-pedagio-edur1eo58xabl6hwa7bh5n58u http://www.ptnosenado.org.br/site/noticias/ultimas/item/47749-gleisi-beto-richa-quer-prorrogaro-pedagio-mais-caro-do-brasil http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/deputados-criticam-possivel-prorrogacao-do-pedagiono-parana-5wnt4ynpfbhnavbsu541o0mhy http://www12.senado.gov.br/radio/1/plenario/gleisi-hoffman-critica-prorrogacao-dos-contratosde-pedagio-do-parana http://digital.odiario.com/parana/noticia/1433119/bancada-do-pr-debate-prorrogacao-de-pedagio/ http://cgn.uol.com.br/noticia/143371/bancada-federal-discute-prorrogacao-dos-contratos-de-pedagiono-parana http://pr.ricmais.com.br/parana-no-ar/videos/concessionarias-de-pedagio-do-parana-estudamprorrogacao-de-contratos-ate-2021/ http://www.paranaportal.com.br/blog/2015/08/26/alvaro-diz-nao-a-prorrogacao-do-pedagio/ http://www.oparana.com.br/noticia/acamop-e-contra-prorrogacao-do-pedagio-com-atuaisconcessionarias/2057/ http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/892045 /?noticia=DEBATE+SOBRE+PRORROGACAO+DOS+CONTRATOS+DE+PEDAGIO+PEGA+FOGO À vista disso, mesmo que, como aduziu o DER (ev.16), não se tenha iniciado tratativas oficiais para prorrogação dos contratos de concessão - o que à evidência apenas será possível com a prorrogação do convênio - merece ser considerada provável a intenção dos réus em prorrogar os contratos em vigor sem licitação, o que, muito além de ser um sonho delirantedo MPF, tem concretude suficiente para gerar interesse processual. Afinal, a ameaça a direito também é tutelada pelo Judiciário. 09/05/2016 14:48 3 de 9 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... 1.4.Possibilidade jurídica do pedido. Não sendo vedado pelo ordenamento jurídico, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido. 1.5.Requisitos da tutela de urgência. O periculum in mora entremostra-se a partir da possibilidade atual de gastos públicos com a consecução de estudos de viabilidade de prorrogação considerada ilegal pelo MPF, bem como de idealização e, quiçá, execução de projetos para implementação de obras não previstas pela concessão tornando a prorrogação circunstância posteriormente inarredável e imperiosa ao Poder Concedente, sob pena de impor ainda mais elevados degraus tarifários em prejuízo do usuário. Ademais, o prosseguimento de entendimentos para análise da prorrogação gerará, por certo, possíveis falsas expectativas a setores da sociedade que se beneficiarão com o incremento de obras custeadas pela projeção da concessão mediante prorrogação. De outro lado, a verossimilhança do direito encontra-se presente. O fato de a Constituição Federal determinar à lei dispor sobre 'o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão' (CF, art.175, I, destaquei em negrito), bem como de ter as leis 8.987/95 (art.23, XII) e 9.074/95 (art.1º, §2º) admitido a prorrogação, não elimina do Poder Concedente a obrigação de licitar; a exegese teleológica de tais dispositivos, conduz à inexorável conclusão de que a prorrogação apenas deve ser admitida, a bem do interesse público, quando as condições do contrato vigente sejam melhores ou iguais às condições a que a administração conseguiria com realização do procedimento licitatório. Assim, comprovada que a prorrogação atende ao interesse público em maior medida que o vencedor do certame, prorroga-se; caso contrário, não. Pensar o oposto, conduziria à situação paradoxal de prorrogação, mesmo em prejuízo ao usuário. Nesse contexto, o Poder Concedente, admitindo a prorrogação dos contratos sem licitação, agirá contra o interesse público, tendo em vista que os atuais contratos, lastreados em conjunturas antigas, impõe ônus elevado aos usuários. Não bastasse isso, o procedimento licitatório é exigível no caso em foco por imposição democrática. Explico. Consta na peça inicial, colacionada pelo MPF, notícia publicada no Jornal Gazeta do Povo em 13/08/2015. Dela é extraída a informação trazida aos autos a direta participação das concessionárias nas discussões acerca da prorrogação do convênio de delegação entre União e o Estado do Paraná quanto às rodovias federais. Vale dizer, o interesse privado das concessionárias na prorrogação das concessões depende da prorrogação do convênio de delegação; nessa perspectiva, a prorrogação do convênio passa a ser instrumento (meio) da prorrogação dos contratos (fim). Todavia, a prorrogação do convênio há de ter em mira exclusivamente o interesse público entre os entes políticos envolvidos (União e Estado), numa racionalidade comunicativa livre da interferência do poder econômico das empresas privadas. Nessa ótica, longe de ser instrumentalizada como condição para atendimento das concessionárias pela prorrogação dos contratos, a prorrogação do convênio há de ser um fim especialmente voltado ao bem comum e à proteção do usuário. O interesse público na prorrogação do convênio de delegação há de determinar o interesse público na prorrogação das concessões e, só depois disso, num posterior momento, caberia às concessionárias avaliar seu interesse privado na prorrogação em harmonia com o interesse público já definido. A perspectiva invertida de prorrogação do convênio com premissa para atingimento da finalidade de prorrogar contratos produz deficit de legitimidade democrática nas tratativas entre os réus. Para Habermas, 'O poder social, econômico e administrativo necessita de disciplinamento por parte do Estado de direito.' (Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol.I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio: Templo Brasileiro, 1997, p.325). Assim, 'A ideia do Estado de direito pode ser interpretada então como a exigência de ligar o sistema administrativo, comandado pelo código do poder, ao poder comunicativo, estatuidor do direito, e de mantê-lo longe das influências do poder social, portanto da implantação fática de interesses privilegiados.' (HABERMAS, 1997, p.190) Noções que tais não podem ser olvidadas, longe disso devem cuidadosamente repousar a bom recato, sob pena de relegar ao oblívio o valor e a normatividade do direito, reconhecido apenas em viés sistêmico e funcionalista despido de potencial emancipatório. Na visão sempre lúcida do culto prof. Clodomiro José Bannwart Júnior: 'O modelo realista de uma socialização anônima não-intencional, que se impõe sem a consciência dos cidadãos, vai substituir, no caso em tela, o modelo comunicativo de uma associação intencional de parceiros do direito'. (DD I, p. 69) É, pois, a percepção da ordem normativa que se pretendia orientar juridicamente sendo substituída por mecanismos sistêmicos constituídos no processo econômico de valorização do capital. Esse modo objetivador de ver e entender a sociedade faz com que se considerasse o procedimento de socialização fora de processos de entendimento, isento de valores ou normas jurídicas e, ademais, limitado a colocar 09/05/2016 14:48 4 de 9 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... a dinâmica da integração social em uma pauta estritamente funcionalista. Com a operacionalização sistêmica e funcionalista da sociedade resta apenas um processo de acumulação repetitivo, sem dar conta de assegurar qualquer viabilidade emancipatória, visto que a dinâmica da produção do capital se assenta na dinâmica da racionalidade instrumental, incompatível, pois, com o Estado democrático de direito. (...) Habermas então adverte que limitar o direito à legalidade, afastando-o de pretensões de legitimidade, apenas contribuiria para deixá-lo à margem, reduzindo-o ao plano da violência ou de imposições arbitrárias, em que os destinatários devotariam obediência normativa a partir de cálculos estratégicos, numa posição de observador alentada por um enfoque objetivador que impede, a todo custo, que os concernidos tenham condições de assumir uma postura de participantes em relação ao direito. (BANNWART JÚNIOR, C.J., in mimeo) Não se está a dizer que a participação das concessionárias, na condição de concernidas, no processo de prorrogação do convênio entre União e Estado seria ilegítima, mas que a perspectiva invertida destacada: prorrogação do convênio como instrumento para prorrogação das concessões é que torna antidemocrática tal atuação. Supor o contrário implicaria ilegalidade consubstanciada em desvio de finalidade - rectius: subversão da finalidade - para atendimento dos interesses privados das concessionárias (fim) por intermédio da prorrogação do convênio (meio). E, por consectário, ilegalidade por violação do princípio da moralidade dada a interferência do poder econômico na esfera política. Não por outro motivo, Habermas consignou: 'o princípio segundo o qual deve-se bloquear uma intervenção direta do poder social no poder administrativo encontra sua expressão no princípio da responsabilidade democrática de detentores de cargos políticos em relação aos eleitores e aos parlamentos' (1997, p.219). A forma adequada, pois, para sanar a interferência do poder econômico das concessionárias na formatação da prorrogação do convênio de delegação e de restabelecer democraticamente a supremacia do interesse público sobre o particular será obstar a prorrogação automática das concessões vigentes, restando inexorável a imposição de processo licitatório no caso em apreço. Não se trata, pois, de o Judiciário imiscuir-se em seara que não lhe é própria, senão de impor freios e limites às partes na concessão em prol de finalidades legais e moralidade; destarte, em favor da própria legalidade. Como mais uma vez sublinha Habermas, 'a lógica da divisão dos poderes só faz sentido, se a separação funcional garantir, ao mesmo tempo, a primazia da legislação democrática e a retroligação do poder administrativo ao comunicativo.' (1997, p.233) Rejeito, por fim, a alegação de violação da separação dos poderes (ev.14, 15, 16 ). 1.6.Decisão. Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para determinar: 1) em relação à União Federal, que se abstenha de qualquer ato de renovação dos convênios de delegação nº1,2,3,4,5 e 6 de 1996 com a finalidade de atender à proposta do DER/PR e do Estado do Paraná de prorrogar os atuais contratos; 2) em relação ao DER, Estado do Paraná e às concessionárias requeridas que se abstenham de firmar qualquer acordo de prorrogação do prazo de vigência dos atuais contratos de concessão sem a realização de procedimento licitatório. 2.Demais providências: 2.1.Intime-se a ANTT para se manifestar, em 5 dias, sobre interesse jurídico no feito. 2.2.Decorrido o prazo acima, citem-se os réus para, querendo, apresentem resposta no prazo legal. 2.3.Com as resposta, ao MPF para réplica, devendo especificar provas de modo fundamentado. 2.4.Em seguida, aos réus sobre provas nos mesmos moldes. 2.5.Depois, venham-me conclusos.' 09/05/2016 14:48 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... Alega a parte agravante (União), em apertada síntese, que: (a) o juízo originário não possui competência funcional para processar e julgar a causa, em relação a todos os contratos, em razão do disposto no art. 93-II do Código do Consumidor c/c o artigo 2º da Lei 7.347/85; (b) é parte passiva ilegítima, pois celebrou convênios de delegação com o Estado do Paraná transferindo a este a administração e a exploração de rodovias federais, o qual, por usa vez, celebrou contratos de concessão com diversas concessionárias, transferindo a elas a exploração de trechos de rodovias federais; (c) é incabível antecipação de tutela contra a União, não só por se tratar de sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, como também pelo perigo da irreversibilidade do provimento antecipado e por esgotar o objeto da ação, o que é vedado; (d) a medida deferida deve ser suspensa, 'por ausência de prova inequívoca, vide meras reportagens jornalísticas a embasar a ACP, o longo lapso temporal para o término do convênio e a necessidade da Administração Pública se pautar por estudos sobre a viabilidade do convênio de delegação com o Estado do Paraná para decidir a respeito.' (evento 1) Pede atribuição de efeito suspensivo. O efeito suspensivo foi indeferido (evento 6). A ANTT compareceu aos autos para comunicar o desinteresse na lide (evento 19). O MPF ofereceu contrarrazões (evento 20). É o relatório. VOTO 1. Competência funcional da Vara de Jacarezinho: Julgo razoável a interpretação conferida pela decisão agravada no sentido de que o evento tratado na ação - a possibilidade de prorrogação de diversos contratos de concessão de rodovias federais a particulares, em violação à regra constitucional que exige licitação - não constitui 'dano regional', ou seja, um evento danoso cujos efeitos se espraiam e se refletem em todo o estado (como costuma ocorrer, por exemplo, nas questões ambientais), o que, se configurado, firmaria a competência da subseção judiciária da capital do estado, conforme previsto no art. 93-II do CDC. Diversamente, segundo a decisão, estaríamos frente a diversos danos pontuais, localizados, um em cada concessão de rodovia cujo contrato é suscetível de prorrogação. Assim, distribuída a ação na Vara Federal de Jacarezinho (com jurisdição sobre o local de um dos eventos danosos), firmou-se a competência daquele juízo, por prevenção, para o julgamento das diversas ações conexas, movida cada uma delas relativamente a um contrato de concessão e contra cada uma das concessionárias, reunidas em um só processo (CPC/73, art. 106, e Lei 7.347/85, art. 2º-§ único). Poderia ainda acrescentar que, no caso, parece ser inadequada a fixação da competência pela apreensão do dano em sua dimensão geográfico-espacial, como se ele estivesse ocorrendo em determinado local físico. Isso porque o que está em questão não é a cobrança de tarifa abusiva em determinada praça de pedágios, com coordenadas geográficas determinadas, lesando os motoristas 5 de 9 09/05/2016 14:48 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... que por ali trafegam, mas sim a proteção a princípios como a moralidade, impessoalidade e eficiência administrativas, e a isonomia no trato com a administração pública. Assim, embora entenda que a questão seja suscetível de controvérsia (e por isso sem me comprometer com a tese sustentada na decisão), não vejo fundamento para, nesse momento processual, declarar-se a incompetência do juízo. Não se trata aqui de justiça estadual, em que existe diferenciação entre as entrâncias. As vara federais do interior são iguais às varas da capital e, como essas, são jurisdicionadas por juízes federais, sem distinção. Ademais, não se estaria negando acesso à justiça por ajuizar a ação em determinada vara do interior, pois não se trata de interesses de consumidores, mas uma questão que diz respeito apenas à concessionária e aos poderes públicos envolvidos, não havendo nenhum prejuízo por não se deslocar a ação para a capital do estado, que é igual a qualquer outra vara que existe. Portanto, por ora, não vejo fundamento suficiente para se reconhecer a incompetência do juízo. 2. Ilegitimidade passiva da União A União sustenta ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito em relação a ela. Contudo, segundo entendimento sedimentado pelo STJ, a União detém legitimidade para integrar o polo passivo de ação versando sobre questões relativas a contratos de concessão de rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e exploração ao Estado-membro: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. CONTRATO DE CONCESSÃO. RODOVIA FEDERAL. PEDÁGIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. (...) 3. Esta Corte já se pronunciou, em questão análoga, e entendeu que a União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT ostentam legitimidade para integrar o pólo passivo de ação versando sobre reajuste de pedágio em rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e exploração ao Estado-membro. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1065204/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 15/10/2010) Rejeito a alegação de ilegitimidade passiva. 3. Possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade da administração A princípio, sem prejuízo da independência e autonomia dos Poderes, o Judiciário, se provocado, pode interferir na atuação da Administração, mesmo que essa esteja agindo no âmbito de seu poder discricionário, se estiver configurada ilegalidade ou qualquer outra violação à ordem jurídica. Com efeito, a jurisdição é indeclinável, e nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF/88, art. 5º, XXXV). Portanto, a delegação das rodovias federais pela União aos estados, e os contratos de concessão dessas rodovias firmados com empresas privadas, são sindicáveis pelo Judiciário, no sentido de controlar que o exercício da discricionariedade da administração se dê com a observância da ordem jurídica. 4. A liminar deferida 6 de 9 09/05/2016 14:48 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... Ressalto, inicialmente, que me tenho posicionado firmemente pela absoluta imperatividade do preceito constitucional que prevê a necessidade de realização de licitação para delegação da prestação de serviços públicos, sendo inadmissíveis quaisquer artifícios que visem, em última análise, a esquivar-se da incidência da regra. Nesses sentido, a propósito, é o julgado da Segunda Seção do Tribunal, de minha relatoria: ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À PRORROGAÇÃO DE PERMISSÃO SEM LICITAÇÃO. 1- A regra do artigo 175 da Constituição não apenas estabelece a exigência de licitação para prestação de serviços públicos, mas também estabelece que essa licitação é sempre necessária. Esse advérbio 'sempre' não deixa outra possibilidade ao legislador, ao administrador e ao intérprete constitucional, porque sempre significa 'em todo o caso, de qualquer maneira, sem exceção'. 2- Nenhum prestador de serviço público, concessionário ou permissionário, tem direito de continuar explorando o serviço além daquele período coberto pelo contrato administrativo e previsto pelo edital de licitação. Inteligência do inciso I do parágrafo único do artigo 175 da Constituição não permite burlar a exigência constitucional de que sempre os serviços públicos sem permitidos ou concedidos por licitação. 3- Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé não justificam a manutenção de permissões outorgadas sem a prévia licitação que a Constituição exigia, ainda mais quando passou tanto tempo sem que o Poder Público adotasse as providências para que o serviço fosse prestado mediante licitação. Ao contrário, quanto mais passa o tempo, mais ilícita se torna a omissão da Administração em realizar as necessárias licitações para permissão dos serviços públicos. Aliás, passado um quarto de século desde a promulgação da Constituição de 1988 fica difícil sustentar que ainda os órgãos públicos precisem mais tempo para se adequarem às exigências constitucionais. 4- A passagem do tempo não convalida o que se tornou ilícito com a Constituição de 1988, não tendo o artigo 54 da Lei 9.784/98 força jurídica para convalidar inconstitucionalidade flagrante. 5- A solução dada pela sentença (eficácia apenas depois de seu trânsito em julgado) permite a continuidade do serviço e se mostra razoável para conciliar os interesses da Administração, dos permissionários e da sociedade, permitindo que sejam adotadas em tempo razoável providências para realização e conclusão das necessárias licitações. 6- Embargos infringentes providos, restabelecendo a sentença que julgou procedente a ação civil pública. (EINF 2006.70.00.002121-4, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E. 17/10/2013) Contudo, malgrado desse entendimento, as qual continuo fiel sem quaisquer ressalvas, no caso concreto dos autos, não identifico ilegalidade, praticada ou latente, que justifique a intervenção judicial mediante provimento liminar. O convênio de delegação das rodovias federais ao estado do Paraná e os contratos de concessão, cuja possível prorrogação é controvertida, ambos com duração de 25 anos, vencem em 2021. A possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão de serviços públicos está implicitamente prevista no art. 175-§ único- I da CF/88: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; (...). A mencionada lei - Lei 8.987/95 - prevê, também implicitamente, a hipótese de prorrogação do contrato de concessão, verbis: 7 de 9 09/05/2016 14:48 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) XII - às condições para prorrogação do contrato; Portanto, no plano hipotético, a prorrogação de contrato de concessão de serviço público não constitui, por si só, em todo e qualquer caso, violação ao texto constitucional e à lei. Isso vai depender das bases em que se der a prorrogação, no caso concreto. O exame dessa bases pode levar à constatação da ocorrência de efetiva renovação da concessão mediante burla à regra da obrigatoriedade da licitação, ou a simples adequação dos termos do contrato a exigências do interesse público. Com relação aos contratos discutidos na ação, existe previsão da possibilidade de prorrogação do contrato de concessão, a ser acordada pelas partes, como medida alternativa ou complementar ao aumento da tarifa de pedágio, quando este for cabível. Confira-se: CLÁUSULA XI Do Prazo da Concessão 1. O prazo da concessão é de 24 (vinte e quatro) anos, contado da data de transferência do controle das rodovias principais do LOTE para a CONCESSIONÁRIA. 2. Não é admitida a prorrogação do prazo da concessão, salvo nas hipóteses previstas neste CONTRATO. CLÁUSULA XX Da Revisão da Tarifa Básica (...) 4. Sempre que haja lugar para a revisão do valor da TARIFA BÁSICA DE PEDÁGIO, o DER e a CONCESSIONÁRIA poderão acordar, alternativamente ou complementarmente ao aumento do valor da TARIFA: a) alteração do prazo da concessão; b) atribuição de compensação direta à CONCESSIONÁRIA; c) adequação do PROGRAMA DE EXPLORAÇÃO; d) combinação das alternativas anteriores. Conclui-se que, no caso de ser impositiva a revisão do valor das tarifas, por se verificar uma das hipóteses autorizadoras previstas no contrato, e havendo acordo entre as partes, pode a prorrogação do contrato funcionar como medida alternativa ou complementar à majoração dos preços. Logicamente, desde que isso seja feito para o atendimento do interesse público, como qualquer contrato administrativo, e desde que essa prorrogação, acordada a título de medida substitutiva, não represente em verdade renovação da concessão, sem prévia licitação. Como disse anteriormente, não há nos autos elementos que demonstrem iniciativa concreta de prorrogação dos contratos (a não ser notícias de imprensa), e muito menos das bases em que ela estaria sendo cogitada. Dessa forma, não sendo a prorrogação dos contratos de concessão das rodovias, em si, necessariamente inconstitucional, ilegal ou contrária aos próprios termos dos contratos, julgo não ser cabível o deferimento de liminar que obste, em abstrato, a possibilidade de tal prorrogação. O mesmo pode ser dito em relação à possibilidade de prorrogação dos convênios de delegação das rodovias federais ao Estado do Paraná, expressamente prevista no art. 1º da Lei n.º 9.277/1996: Art. 1º Fica a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, autorizada a delegar, pelo prazo de 8 de 9 09/05/2016 14:48 9 de 9 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_doc... até vinte e cinco anos, prorrogáveis por até mais vinte e cinco, aos municípios, estados da Federação ou ao Distrito Federal, ou a consórcio entre eles, a administração de rodovias e exploração de trechos de rodovias, ou obras rodoviárias federais. Em conclusão, não existem nos autos elementos suficientemente consistentes que indiquem a iminência da ocorrência da prorrogação dos contratos de concessão das rodovias federais, acompanhada da necessária prorrogação do convênio de delegação dessas rodovias ao Estado do Paraná, tudo isso engendrado como subterfúgio para possibilitar a renovação das concessões sem a realização da prévia e obrigatória licitação. Isso faz com que a liminar deferida pelo juízo de primeiro grau, disciplinando as condutas no plano abstrato, hipotético, em vez de corrigir ou evitar ilegalidade, impeça a Administração e as concessionárias de agirem, mesmo que nos estritos limites da Constituição, da lei e dos contratos, o que é incabível, impondo-se, assim, sua cassação. Naturalmente, o entendimento aqui expresso - calcado firmemente nas circunstâncias concretas do caso - em nada influencia eventual nova decisão a ser eventualmente proferida pelo juízo 'a quo' sobre medida liminar, caso essas circunstâncias se modifiquem. O exame da alegação de incabimento da liminar satisfativa resta prejudicado. Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento para cassar a liminar deferida no juízo de primeiro grau. Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR Relator Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8230410v14 e, se solicitado, do código CRC C3495BF3. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): Cândido Alfredo Silva Leal Junior Data e Hora: 28/04/2016 16:34 09/05/2016 14:48