Moda e Economia Criativa: agenciamentos em torno da

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38º Encontro Anual da ANPOCS - 27 a 31 de Outubro, Caxambu/MG
SPG06 – Economia Criativa e mercados das simbolizações
Moda e Economia Criativa: agenciamentos em torno da
produção de vestuário no Brasil
Heloisa Helena de Oliveira Santos
2014
38º Encontro Anual da ANPOCS - 27 a 31 de Outubro, Caxambu/MG
SPG06 – Economia Criativa e mercados das simbolizações
Resumo
A seguinte apresentação é resultado das pesquisas que vêm sendo realizadas
para a minha tese de Doutorado. O tema da pesquisa são as recentes aproximações entre
a moda brasileira e o Ministério da Cultura, mais centralmente a Secretaria de Economia
Criativa. Esta análise se volta para algumas das tomadas de posição dos agentes do
campo da moda a fim de justificar sua entrada como um vetor cultural e, mais, como
uma das áreas da economia criativa no país. Como principal objeto de análise, tomamos
a publicação “Economia e cultura da moda no Brasil”, publicado em 2011, em que são
propostas as definições que fundamentam, de acordo com estes agentes, a concepção da
moda brasileira como parte da Economia Criativa. A fim de abordar as questões
relativas à Economia Criativa em específico, utilizo ainda, como fonte de análise, o
relatório da Unctad sobre o tema, publicado em 2010 e citado pela publicação brasileira.
Assim, nesta apresentação, pretendo discutir algumas apropriações destes documentos
realizadas por agentes do campo da moda, apontando como esta indústria vem
reavaliando suas atividades a partir desta aproximação com as áreas criativas.
Palavras-chave: moda; economia criativa; UNCTAD; MinC; práticas artísticas.
Introdução
O seguinte artigo é uma reunião de trechos de minha tese de doutoramento que
atualmente se encontra em andamento. O tema de minha pesquisa são as recentes
aproximações entre a moda brasileira – como indústria de produtos de vestuário voltada
para o mercado de bens, assim como os agentes nela envolvidos – e o Ministério da
Cultura, mais centralmente a Secretaria de Economia Criativa. A análise na tese se volta
para algumas das tomadas de posição dos agentes do campo da moda a fim de justificar
sua entrada como um vetor cultural e, mais, como uma das áreas da economia criativa
no país. Como parte das análises, são avaliadas ainda publicações de diferentes
instituições que tratam da Economia Criativa no Brasil e internacionalmente.
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Como principal objeto de análise da tese, tomamos a publicação “Economia e
cultura da moda no Brasil”, publicado em 2011, em que são propostas as definições que
fundamentam, de acordo com estes agentes, a concepção da moda brasileira como parte
da Economia Criativa. A fim de abordar as questões relativas à Economia Criativa em
específico, utilizo ainda, como fonte de análise, o relatório da Unctad sobre o tema. A
razão de este relatório ter sido escolhido se dá pelo fato de o mesmo ter sido utilizado
como referência para a as definições sobre o tema não apenas no documento “Economia
e cultura da moda no Brasil”, mas em praticamente todas as publicações realizadas
sobre o tema após sua edição.
A Organização das Nações Unidas (ONU) possui uma série de entidades que
atuam em áreas específicas com o objetivo de tratar dos temas fundamentais que
interferem e/ou contribuem para o desenvolvimento das diversas sociedades. Entre elas
está a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – Unctad,
em inglês – responsável no Sistema ONU não apenas, como já indica seu nome, pelo
tratamento dos assuntos relativos ao comércio e ao desenvolvimento, mas também pelos
temas relacionados, como finanças, tecnologia, investimentos e empreendedorismo. Em
2010, a Unctad lança o documento intitulado “Relatório da Economia Criativa”,
recentemente traduzido para o português pelo Ministério da Cultura, em que são
discutidas questões referentes ao tema da Economia Criativa. Neste relatório, práticas
artístico-culturais até então não definidas como essencialmente criativas foram assim
categorizadas, sendo este o caso da Moda. Também utilizo como fonte de pesquisa o
documento publicado pela FIRJAN sobre os rumos da indústria criativa no país.
O tema da Economia Criativa vem recebendo uma atenção especial no Brasil, o
que pode ser verificado pela formalização de uma secretaria de governo, associada ao
Ministério da Cultura (MinC), especialmente criada para se dedicar ao tratamento dos
assuntos relativos ao tema, a Secretaria de Economia Criativa (SEC). Os documentos
relacionados a esta secretaria, assim como trechos do Plano Nacional de Cultura
também são de interesse da tese. Nesta apresentação, contudo, pretendo me restringir à
discussão sobre algumas das apropriações do relatório da UNCTAD realizadas por
agentes do campo da moda no Brasil, apontando como esta indústria vem reavaliando
suas atividades a partir desta aproximação com as áreas criativas. Para tal, iniciarei
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apresentando os conceitos discutidos no Relatório da UNCTAD. Trarei ainda alguns
indicativos sobre a relação entre estes agentes e o Ministério da Cultura (MinC),
centralmente as ações que vem sendo empreendidas e que, acreditamos, visam
transformar a moda em uma espécie de porta voz de ações econômicas do governo no
exterior.
O papel das agências Internacionais na definição de
conceitos: a Economia Criativa na leitura da UNCTAD
O documento publicado em 2010 pela Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) sobre o tema da Economia Criativa consiste
em uma revisão da primeira versão lançada em 2008. Este último foi o primeiro
documento sobre o tema desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e
tinha como uma de suas principais conclusões o fato de que “as indústrias criativas
estavam entre os setores mais dinâmicos da economia mundial” (Unctad, 2010: XV).
Nele, são definidas noções, interesses, tipos de investimento, as possibilidades
comerciais internacionais, questões de propriedade intelectual, estratégias de ação e a
importância da participação do governo na forma de políticas públicas, o potencial de
desenvolvimento social a partir do crescimento da área, além da análise de alguns casos
já existentes. A revisão de 2010 teve por objetivo reafirmar o potencial da economia
criativa como promotora de renda e empregos: segundo o relatório, mesmo com a crise
que assolou o mundo no ano de 2008, o comércio de bens e serviços criativos se
manteve estável, sendo considerado, desta maneira, uma alternativa de investimento
estável para os governos que desejam diversificar suas economias, especialmente para
os países em desenvolvimento.
Já na apresentação do relatório, podemos entender que a Economia Criativa é
percebida como uma opção para o desenvolvimento das nações, especialmente aquelas
mais pobres, uma vez que os “setores da economia criativa podem contribuir muito para
o crescimento e a prosperidade, especialmente no caso dos países em desenvolvimento
que estejam buscando diversificar suas economias e construir resiliência para futuras
crises econômicas.” (REC, 2010: XV). É com esta perspectiva que todo o relatório é
construído. As noções são avaliadas, desta maneira, por meio de uma perspectiva
positiva cujo objetivo parece ser abrir uma nova possibilidade de atuação para as
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economias em desenvolvimento, possibilidade esta que teria a cultura e a criatividade –
própria de qualquer atividade humana – a seu serviço. Como acentua o MinC:
As indústrias criativas são definidas pela Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) como os ciclos de criação,
produção e distribuição de bens e serviços que usam a criatividade e o
capital intelectual como principais insumos. Elas compreendem um
conjunto de atividades baseadas no conhecimento que produzem bens
tangíveis e intangíveis, intelectuais e artísticos, com conteúdo criativo e
valor econômico. (REC, 2010, p. XVI)
Como objetiva nortear as ações dos governos que buscam uma opção de
desenvolvimento – e, neste sentido, o relatório aponta algumas vezes os limites dos
modelos econômicos atuais -, o texto é introduzido com uma seção conceitual que
apresenta a compreensão da ONU sobre os variados pontos concernentes ao tema, com
o fim central de “harmonizar os pontos de vista, estimular mais debates sobre pesquisa e
políticas e refinar o conceito e suas aplicações” (Idem: XIX). Tal busca está diretamente
relacionada com o fato de, desde o início dos debates nos anos 1990, as diversas nações
terem buscado definições próprias para determinar quais setores seriam incluídos dentro
do escopo da economia criativa, a fim de, assim, buscar os melhores meios de neles
investir. Por esta razão, encontramos classificações distintas para as áreas criativas:
apenas para citar um exemplo, há modelos que consideram o esporte como parte da
economia criativa e outros que não.
A verdade é que o tema gera muitos debates. Para começar, há a distinção mais
básica, que remete a uma discussão teórica anterior: a diferença entre “indústria
cultural” e “indústria criativa”. Como é destacado no REC, o primeiro termo foi
cunhado na Escola de Frankfurt por Theodor Adorno e Max Horkheimer. A noção
buscava chamar a atenção para a massificação da cultura, destacando que indústria e
cultura não poderiam ser equiparadas senão com a morte da última que passaria a ser
ditada pelas regras da primeira: ela seria serializada, padronizada e produzida por meio
da divisão de trabalho que caracteriza a alienação do operário. Ocorre, no documento,
contudo, uma despolitização do conceito, uma vez que propõe-se que “as indústrias
culturais sejam simplesmente [percebidas como] indústrias que produzem produtos e
serviços culturais” (UNCTAD, 2010: 5), uma produção que pode ser compreendida
como um “conjunto diversificado e contraditório de componentes industriais (livro,
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rádio, cinema, disco etc.) precisos, que ocupam um lugar determinado na economia”
(Mattelart, 2005: 59), uma indústria de produtos culturais, enfim. Como decorrência
desta definição, a indústria criativa compreenderia a indústria cultural, uma vez que
embora a criatividade seja uma componente básica dos produtos e serviços culturais, ela
não é apenas encontrada neste tipo de bem. Assim,
Os produtos e serviços culturais podem ser vistos como um subconjunto de
uma categoria maior, que pode ser chamada de ‘produtos e serviços
criativos’, cuja produção exige um nível razoavelmente relevante de
criatividade. Sendo assim, a categoria ‘criativa’ vai além dos produtos e
serviços culturais definidos acima, incluindo, por exemplo, moda e
software. (UNCTAD, 2010: 5).
Podemos afirmar que esta alteração na concepção das indústrias culturais está
alinhada com o objetivo da organização em desmistificar a noção de que a arte é um
artefato não comercializável. Assim, busca-se desfazer a percepção romântica da arte
pela arte construída no século XIX, de modo a abrir a possibilidade de discutir-se a
produção dos objetos criativos com o fim de vendê-los, o que é bastante coerente
quando consideramos que a economia criativa é percebida pela ONU como uma
maneira de gerar renda e empregos: neste sentido, a manutenção de uma perspectiva que
contraria a possibilidade de equiparação monetária dos objetos artísticos e culturais vai
de encontro aos propósitos da instituição. A desmistificação de tal percepção, como
podemos inferir do texto, poderia trazer benefícios aos pequenos produtores locais que,
muitas vezes, se guiam por aquela visão romântica e acabam sendo consumidos por
grandes organizações que não tem qualquer pudor no que se refere à precificação dos
artigos culturais.
No entanto, como destaca Friques (2013), a tradução para o português do termo
“industries” gera alguns problemas, uma vez que é frequentemente equiparado a
“indústrias”. O autor acentua que o termo mais adequado seria “setores”, noção que
ampliaria a definição para muito além do ramo industrial mais tradicional. Ocorre que o
REC traz a noção da Escola de Frankfurt - que claramente trabalha com a noção de
indústria - para dentro do relatório sobre economia criativa, o que acaba por gerar
dúvidas sobre qual é o termo mais adequado, especialmente quando conhecemos que o
objetivo das políticas propostas pelo relatório é atingir não as empresas do ramo
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industrial, mas as populações mais pobres. A importância da economia criativa para a
população menos favorecida se dá, de acordo com o texto, na medida em que a
transformação dos “conhecimentos tradicionais em produtos e serviços criativos reflete
os valores culturais de um país e de seu povo”. Estes conhecimentos são a base das
indústrias criativas e os produtos deles derivados têm grande potencial econômico.
Desta maneira, o “recurso essencial das indústrias criativas, que relaciona os
conhecimentos tradicionais de um lado da cadeia de valor ao consumidor final na outra
extremidade é a sua capacidade de servir os objetivos culturais e econômicos do
processo de desenvolvimento” (UNCTAD, 2010: 38). Imaginamos, desta maneira, que
o setores criativos incluem a indústria cultural desenvolvedora dos artigos de massa,
mas também os setores culturais – que, segundo o REC, está restrito ao campo mais
tradicional das artes - e os produtores em geral de artefatos criativos. Considerando
desta maneira, o termo mais apropriado seria setores criativos1, que inclui a produção
industrial, sem se limitar a ela.
Neste sentido, os setores criativos comporiam àquilo que conhecemos como
economia criativa, sendo seu centro, segundo o REC. A economia criativa também é
distinguida no relatório da economia da cultura: esta última é definida como a
aplicação da análise econômica a todas as artes criativas e cênicas e as
indústrias patrimoniais e culturais, sejam de capital aberto ou fechado. Ela
se preocupa com a organização econômica do setor cultural e com o
comportamento dos produtores, consumidores e governos nesse setor.
(UNCTAD, 2010: 5).
A economia criativa, por sua vez, envolveria a renda, empregos e ganhos
gerados pelo grupo de áreas que tem a criatividade como fundamento, sendo composta
pelo “conjunto de atividades econômicas baseadas em conhecimento, com uma
dimensão de desenvolvimento e interligações cruzadas em macro e micro níveis para a
economia em geral” (Idem: 10). É interessante ressaltar, contudo, que embora diferencie
criatividade e cultura, ambos os termos não são precisamente definidos no documento.
Sobre o conceito de criatividade, por exemplo, o REC aponta que não há um consenso
sobre o entendimento do mesmo e aponta formulações vagas como “processo pelo qual
1
Vale destacar que a tradução do relatório publicada na página oficial do Ministério da Cultura utiliza o
termo “indústria” e não “setor”.
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ideias são geradas, conectadas e transformadas em coisas que podem ser valorizadas”
(Idem: 4). No entanto, afirma que a criatividade não é exclusiva de nenhum setor da
vida social em específico e que a mesma é uma capacidade humana geral, podendo ser
estimulada em indivíduos ou em grupos. Ademais, distingue a criatividade da inovação,
com o intuito de apresentar sua percepção sobre esta última. Baseado nas teorias de Paul
Stoneman aponta que:
é preciso mencionar que a criatividade não é o mesmo que inovação. A
originalidade significa criar algo a partir do nada ou reconstruir algo que
já exista. Atualmente, o conceito de inovação foi ampliado para além de
uma natureza funcional, científica ou tecnológica, a fim de refletir
mudanças estéticas ou artísticas. Estudos recentes apontam para a
distinção entre inovação “leve” e tecnológica, embora reconheçam que
elas sejam inter-relacionadas. Existem altas taxas de inovação leve nas
indústrias criativas, particularmente na música, livros, artes, moda, filmes e
videogames. O foco recai principalmente nos novos produtos ou serviços, e
não nos processos. (Idem: Ibidem)
Após conhecermos alguns dos conceitos presentes no relatório, apresentaremos
a classificação proposta pela UNCTAD para as áreas criativas, assim como a
apropriação realizada pela indústria nacional.
A moda na classificação da UNCTAD: função e indústria
Considerando as definições acima apresentadas, o REC traz sua classificação
para os setores criativos, dividindo-o em quatro grupos: a) patrimônio: aspectos
culturais básicos, a identidade e os elementos simbólicos; compõem a origem de todas
as formas de arte, atividades culturais, além de produtos e serviços patrimoniais; b)
artes: inclui os setores baseados “puramente na arte e na cultura” (Idem: 8) e que se
inspiram no primeiro grupo; c) mídia: setor que desenvolve conteúdo com o fim de se
comunicar com o grande público e; d) criações funcionais: área voltada para a produção
de objetos e serviços com fins funcionais: é nesta categoria que se encontra o design,
área que, segundo a UNCTAD, englobaria a moda.
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Figura 1: Classificação da UNCTAD para as indústrias criativas. Fonte: UNCTAD, 2010: 8.
A classificação desenvolvida pela organização se fundamenta em uma
perspectiva que entende a criatividade não apenas como um bem relacionado a áreas
que possuem um componente artístico, mas inclui todas as atividades econômicas que
produzam produtos simbólicos, que tenham direitos de propriedade intelectual e que
visem o mercado. Ademais, distingue as “atividades upstream” das “atividades
downstream”: entre as primeiras, as atividades culturais tradicionais, como é o caso das
artes visuais; as segundas seriam aquelas que já possuem uma relação mais próxima
com o mercado, retirando seu valor comercial dos “baixos custos de reprodução e [da]
fácil transferência para outros domínios econômicos” (Idem: 7). Busca-se, com esta
última definição, não hierarquizar as produções, mas distingui-las segundo sua relação
de proximidade com o mercado: o design e a moda, em razão do já estabelecido
comércio de seus produtos no mundo, são considerados como um dos melhores
exemplos do potencial da economia criativa no mundo. A moda possui ainda outro
elemento valorativo: por empregar, em sua maioria, mulheres, contribui diretamente
para a redução das desigualdades de gênero, assim como para o aumento da renda
familiar de um grande número de famílias que são chefiadas por mulheres. Ademais,
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por permitir a produção doméstica, a moda possibilita que as mulheres-mães cuidem
dos filhos pequenos, contribuindo para sua autonomia.
A moda é considerada uma criação funcional porque sua produção destina-se a
uma função prática claramente definida, qual seja, vestir. Ainda que possa ser utilizada
para outros fins pelos usuários – ostentação, proteção, religiosidades -, a criatividade
envolvida no processo de criação destina-se à produção de um objeto feito para ser
utilizado como vestuário, seja na forma de roupas, calçados ou acessórios. Esta
diferenciação tem como objetivo distinguir estas criações daquelas que não possuem
uma função prática tão clara: este é o caso das artes visuais, por exemplo. Um quadro
pode até ser utilizado para decoração de um ambiente, mas não é explicitamente
reconhecido um objetivo funcional em sua criação.
Segundo o relatório, o Design, e por extensão a moda, é uma das áreas mais
dinâmicas da economia criativa, estando entre as mais importantes fontes de renda para
os países em desenvolvimento, só não gerando mais renda do que o artesanato. Ainda
que não possa mensurar em detalhes os valores comerciais da moda2 – grande parte do
relatório está preocupado em discutir a dificuldade em se medir a economia criativa,
especialmente em razão da falta de dados e da inexistência de parâmetros para o setor -,
os números apontam que houve um crescimento contínuo nos fluxos comerciais na área.
Para a UNCTAD, a moda tem um grande potencial comercial e por esta razão, merece
atenção dos governos, de modo que
as economias em desenvolvimento são incentivadas [pela UNCTAD] a
explorar melhor as oportunidades comerciais nos mercados mundiais,
tendo em conta os mercados liberalizados para têxteis e vestuário que
surgiram após a expiração do Acordo Multilateral em 2005. (Idem: 156).
Como revela o documento, no ano de 2008 as exportações de produtos de moda
das Américas, excluindo os Estados Unidos, somaram mais de 500 milhões de dólares
em 2008, havendo uma clara expansão, já que esta soma foi de 393 milhões em 2002 e
de 460 milhões em 2005. Assim, o crescimento se revela contínuo. Estes valores não
incluem os setores relacionados, ou seja, aqueles que oferecem insumos para cada um
dos setores ou ainda que se beneficiam das indústrias criativas indiretamente: por
2
Em razão de não haver registros de propriedade intelectual na moda e de ser muito difícil
separar os dados referentes ao comércio de itens de design daqueles da produção em massa, os dados no
relatório se restringem ao ramo de acessórios.
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exemplo, para produzir um filme, é necessária uma câmera e para assisti-lo em sua casa,
um usuário precisará de uma televisão. Assim, as indústrias de eletroeletrônicos se
beneficiam da indústria criativa do cinema e são consideradas áreas relacionadas a ela.
No caso da moda, podemos pensar como indústrias relacionadas aquelas produtoras de
tecidos ou de máquinas de costura, por exemplo. Considerando este elemento, a moda –
assim como as demais áreas criativas – é percebida como uma grande fonte de divisas
não apenas para as suas indústrias diretas, mas também para as demais que a ela se
relacionam.
É considerando estes benefícios às indústrias relacionadas que a Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) publica, em 2008, seu primeiro estudo sobre as
indústrias criativas3. Neste documento é indicado o potencial de desenvolvimento que
pode ser proporcionado pela economia criativa no estado do Rio de Janeiro. O estado, já
em 2008, possui a maior concentração de trabalhadores envolvidos nas áreas criativas
do país. Assinala que no Brasil as três áreas que mais se destacam dentro da cadeia são
moda, arquitetura e design, assinalando ainda que na capital do estado do Rio de
Janeiro, as áreas criativas contribuem com 4% do PIB.
A partir da definição proposta pelo Reino Unido – um dos primeiros países a
buscar definir os setores -, o documento assinala haver doze áreas nucleares na indústria
criativa, áreas estas que muito se assimilam àquelas propostas pela UNCTAD. As
indústrias - como ramo da economia – atuariam não diretamente neste setor, mas como
“as áreas relacionadas, envolvendo segmentos de provisão direta de bens e serviços ao
núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços fornecedoras
de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo” (FIRJAN,
2008: 4).
Como é possível perceber, a indústria de transformação – aquela que fornece os
bens para as áreas criativas – está atenta aos benefícios provenientes da economia
criativa. Esta situação é especialmente interessante quando sabemos que a moda é, ela
mesma, uma das mais tradicionais indústrias brasileiras, sendo muito anterior à noção
de economia criativa. No entanto, a classificação da FIRJAN, seguindo o exercício
realizado pela UNCTAD e demais classificações, recategoriza este setor, dividindo a
3
Talvez por se tratar de um documento produzido pela Federação das Indústrias, o documento
não utiliza, em nenhum momento, o termo Economia Criativa, mas apenas Indústrias Criativas.
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moda entre um núcleo criativo – compreendendo as atividades de estilismo ou design e
também a modelagem de vestuário - e a indústria de têxteis, confecção e maquinários
como setores relacionados. Tal leitura ocorre porque a moda passa a ser entendida como
um campo “cujo principal insumo é a criatividade” (FIRJAN, 2008: 4), não incluindo as
demais áreas que participam na produção de artigos de vestuário – como é o caso do
desenvolvimento industrial de tecidos – dentro do escopo das áreas criativas. Contudo,
como aponta Kontic (2007: 6):
A economia da moda, nas raras abordagens que recebeu entre nós, está em
geral circunscrita à indústria do vestuário e a parte de seu comércio. Suas
ramificações são, entretanto, muito maiores: abarcam uma parcela da
indústria têxtil especializada em oferecer produtos diferenciados às
fábricas de confecção, além de empresas produtoras de acessórios e
calçados. Sua distribuição comercial é altamente complexa, pois envolve
nichos de produto e público e exige inventividade nos canais de marketing e
distribuição, o que vêm renovando os modelos e estratégias de
comercialização. Mas o ponto mais importante: há uma forte interação com
diversas áreas classificadas como serviços, alguns ainda carentes de
enquadramento na divisão atual, como empresas dedicadas em prospectar
tendências de comportamento e consumo, estilistas, fotógrafos, agencias de
publicidade, eventos, modelos e mídia especializada. (grifos no original).
Assim, é possível perceber que a FIRJAN se apropria das noções provenientes
do documento da UNCTAD e das publicações desenvolvidas no Reino Unido e
modifica a maneira como concebe a moda: se a moda pode ser entendida como toda a
cadeia de produção de roupas e demais acessórios, a FIRJAN separa uma indústria
nuclear de moda das demais indústrias que contribuem com ela. O curioso desta
mudança está em que a indústria de confecções – que produz os artigos de vestuário - e
a indústria têxtil – produtora de tecidos – estão em clara decadência no país desde os
anos 1990, momento em que ocorreu a abertura do mercado nacional aos produtos
estrangeiros. Como docente em um dos maiores cursos de moda do Rio de Janeiro,
acompanho os frequentes relatos de demissão, especialmente no setor de confecções. O
mesmo, no entanto, não está ocorrendo neste setor que hoje é definido como a área
criativa da moda: o desenvolvimento criativo de produtos está em larga expansão.
Este é apenas um dos exemplos das alterações que passaram a se dar na
concepção sobre a moda no país após o início das discussões internacionais sobre o
tema da Economia Criativa. Outra área em que também percebemos mudanças é no
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campo da formação dos profissionais do setor. No início dos anos 2000, iniciou-se um
processo de aproximação entre a moda e o design (Christo, 2013). No final desta mesma
década, por orientação do MEC, todos os cursos na área de moda – bacharelados em
moda, estilismo, produção de moda, etc. - foram orientados a alterar suas denominações
para Design de Moda. Assim, passou-se a compreender a moda como uma área do
design de produtos, de modo que os cursos passariam a utilizar uma metodologia
similar àquela desenvolvida nos cursos de design. No entanto, nos últimos anos4,
retomou-se a discussão sobre a categorização dos cursos de moda: algumas escolas,
encabeçadas pela Faculdade Santa Marcelina, indicaram seu interesse em manter a
nominação de bacharelado em moda, sem a associação com o design, indicando que a
ênfase dos cursos estava nos aspectos criativos da moda e não centralmente na produção
industrial de artigos de vestuário.
Esta concepção sobre o perfil do profissional não é nova: quando Bergamo
(2007) realizou sua pesquisa de mestrado, no final dos anos 1990, tomou como um de
seus objetos de análise a mencionada faculdade e, pela descrição trazida pelo autor
sobre o modo de conceber a atividade apresentada pelos alunos e pela coordenadora do
curso, percebemos que as funções criativas são aquelas mais exaltadas pelo curso.
Contudo, como aponta Christo (2013), uma ampla discussão foi realizada no Brasil
sobre a moda ser ou não área do design de produtos, havendo apoio da maioria dos
profissionais e acadêmicos para que a moda passasse a fazer parte do design. Como é
possível perceber, contudo, a recente valorização das áreas criativas alterou esta
percepção, de modo que atualmente retoma-se a discussão sobre a moda ser ou não
parte do design a fim de aproximá-la das áreas criativas: aparentemente, é esta também
a distinção que a FIRJAN – ao separar a moda das indústrias relacionadas – parece ter
realizado.
O mais curioso, contudo, é que, como visto, a UNCTAD sugeriu que a moda é
uma área criativa integrante do grupo do design. As demais classificações realizadas no
exterior e citadas pelo relatório da UNCTAD, por sua vez, separam a moda do design.
Assim, percebe-se que no Brasil, as apropriações sobre as discussões realizadas
4
Essas informações se fundamentam em dados coletados pela própria autora em eventos do
setor durante os anos de desenvolvimento de sua tese.
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internacionalmente tomam rumos que se orientam pelas disputas internas e se
relacionando com os interesses dos agentes envolvidos.
Perspectivas globais e arranjos locais
Outros pontos do relatório da UNCTAD merecem atenção: um deles é a questão
dos direitos autorais associadas aos produtos de moda: como o objetivo é gerar renda, a
UNCTAD entende que todos os produtos criativos devem receber lucros relacionados à
criação, especialmente para os bens provenientes dos países em desenvolvimento que
tendem a ver suas criações tradicionais serem apropriadas pelos grandes centros como
“inspirações”. Como aponta Miquetti (2012), aos países do eixo Sul é destinada a
acusação de cópia quando um produto parecido com algum produzido no eixo Norte é
desenvolvido nestes locais. Quando um estilista europeu ou norte americano copia
formas, estampas ou outros elementos de paisagens e culturas africanas, latinoamericanas ou asiáticas, o processo é denominado “inspiração”. Assim, é fundamental
que qualquer criação de moda que seja exportada dos países em desenvolvimento e que
tenha um alto valor em design e inovação esteja relacionada a uma marca, ou seja,
protegida por direitos de propriedade. De acordo com o relatório:
A moda é uma indústria criativa que merece uma atenção especial, dado o
seu potencial comercial. A indústria da moda mundial está em expansão;
ela vai além do ‘haute couture’, que é diferente do prêt-à-porter (pronto
para vestir) e de artigos de grife. Hoje, a indústria da moda abrange uma
grande variedade de produtos, incluindo joias, perfumes e acessórios como
cachecóis, bolsas e cintos. Uma criação exclusiva de uma peça de moda
artesanal é bem diferente da moda produzida em escala industrial.
Portanto, os produtos de design de moda deveriam ser protegidos por
direitos autorais ou por marcas comerciais antes de ingressarem em
mercados nacionais ou internacionais altamente competitivos. Na verdade,
é a marca ou a etiqueta que garante o conteúdo criativo e a novidade dos
produtos, proporcionando, assim, um valor agregado e uma receita maior
para os estilistas. Essas e outras complexidades da indústria da moda
global precisam ser mais bem compreendidas para que a indústria da moda
possa obter um crescimento nos países em desenvolvimento. (Idem: Ibidem)
O documento aponta ainda a importância das Semanas de Moda locais na
promoção e divulgação de estilistas e designers, assim como para a circulação destes
produtos em todo o mundo. Como ressalta Miquetti (2012), os centros produtores de
moda tradicionais – centralmente Paris, Nova Iorque e Milão – se abriram,
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especialmente a partir dos anos 1990, às produções de moda de locais que, até então, era
percebidos como meros reprodutores de suas criações. Para a autora, esta alteração está
relacionada a um lento processo que se iniciou com o fim da Segunda Guerra Mundial e
com a ascensão da noção de diversidade cultural – especialmente após a criação da
ONU – que fornece grande importância à valorização e preservação das culturas não
europeias. Neste processo, estas sociedades deixam de apenas receber passivamente as
referências “enviadas” dos centros e passam elas mesmas a produzir “conceitos” que
são difundidos em todo o mundo, processo ampliado pela disseminação das tecnologias
de informação.
Por outro lado, a intensificação da globalização dos mercados obrigou estes
países sem um claro conceito de moda a se reorganizar a fim de competir com o grande
volume de importações que se barateavam e ameaçavam os negócios locais. A noção de
“conceito” foi apropriada por áreas como design, marketing e moda para definir as
características diferenciadas dos produtos que desenvolve. Como aponta Canclini
(2013: 123), estas áreas “se apoderam da palavra conceito para nomear inovações que,
às vezes, se reduzem ao novo modo de apresentar um produto”. No entanto, o termo
“conceito” não se refere apenas aos produtos: diz-se, por exemplo, que a moda
brasileira possui um conceito, um diferencial que a caracterizaria e que a distinguiria
das demais “modas” feitas em outros locais.
Segundo Kontic (2007) o Brasil teve de passou por este processo de
desenvolvimento de seu diferencial: se até os anos 1990, o país estava fechado para as
importações e o comércio local pouco variava em termos de produto, já que possuía um
mercado garantido, após a abertura do mercado, o produto local teve de ser qualificado
a fim de competir com o bem estrangeiro. Assim, para o autor, assistimos, no país, a
passagem de um produto de vestuário nos anos 1990 que apenas tomava como
referência os elementos estrangeiros, para um produto de moda, já nos anos 2000, com
alto valor agregado de estilo e design diferenciado, com características brasileiras.
Como acentua ainda Kontic, as Semanas de Moda, especialmente o São Paulo Fashion
Week, foram fundamentais para que a indústria de moda brasileira se estabelecesse, pois
foram elas que permitiram uma sistematização do setor: com o estabelecimento de um
calendário de moda e de um espaço de trocas entre os profissionais do setor, a moda
brasileira pode finalmente se estabilizar.
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Assim, são estes eventos, segundo o relatório da UNCTAD, que permitem aos
produtores locais – e a moda como um todo - se projetarem internacionalmente,
cabendo aos governos investirem nestes estilistas e designers que já possuem um lugar
internamente, a fim de que eles sejam reconhecidos em outros países. Este parece ter
sido o tipo de movimento realizado pela ministra da cultura Marta Suplicy quando
aprovou a captação de recursos no valor de mais de dois milhões de reais para o estilista
Pedro Lourenço no ano passado. O objetivo era o desenvolvimento de coleção e
produção de desfiles com temática brasileira a serem apresentados na Europa. Como
apontou a ministra, o desfile ampliaria o soft power do Brasil: a apresentação
contribuiria, deste modo, para a valorização da moda brasileira como um todo que
poderia, como resultado, influenciar os demais países a consumir a moda brasileira e
ampliar as negociações de seus produtos nas rotas comerciais internacionais, além de,
como decorrência, valorizá-los para o consumidor local. Como aponta Miquetti (2012),
o produto exportado recebe um aval de qualidade: segundo a autora, é consenso entre
consumidores e produtores, que os itens vendidos no exterior são melhores, já que o
mercado externo é mais exigente. Acredita-se que apenas produtores de alto nível
conseguem negociar seus produtos com clientes dos grandes centros, de modo que –
como consequência – as roupas e/ou acessórios destas marcas teriam mais qualidade do
que as demais produzidas no país.
No entanto, como aponta ainda Miquetti (2012), os itens de moda não apenas
divulgam a si mesmos. Desta maneira, podemos afirmar que o quê seria vendido junto
com o desfile de Pedro Lourenço na França seria a criatividade brasileira. Assim, mais
do que roupas feitas no Brasil, seria comercializada a marca Brasil, o nosso Made in que
incorporaria não apenas os produtos de vestuário, mas toda gama de produtos
desenvolvidos no país. Esta marca Brasil – nosso conceito - carregaria consigo as
características associadas ao nacional, qualidades estas que, segundo Miquetti (2012),
estão relacionadas à miscigenação, ou melhor, a diversidade cultural decorrente da
mistura entre as raças que, segundo a autora, estão sendo negociados no exterior como
uma qualidade única dos produtos brasileiros. Deste modo, o Made in Brasil teria como
principal moeda de troca a criatividade resultante de nossa multiculturalidade. Para
Miquetti (2012), a diversidade cultural se tornou uma característica exaltada desde a
criação da ONU. Neste sentido, o Brasil se destacaria como uma das nações em que esta
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diversidade melhor se amalgamou, tese que se alinha com a perspectiva de Gilberto
Freyre e que produziu nosso mito da igualdade racial. A diversidade cultural é, desta
maneira, equiparada à criatividade na medida em que é entendida como um fator de
promoção desta última.
Assim, é possível perceber que as ações do MinC estavam alinhadas às
propostas do documento das Nações Unidas quando afirma a importância de os
governos buscarem as áreas criativas com maior potencial de comercialização
internacional para nelas investir: não apenas neste caso, mas já anteriormente quando a
moda foi reconhecida como vetor cultural pelo ministério – sendo nominalmente citada
na nova edição do Plano Nacional de Cultura publicado ainda na gestão de Gilberto Gil
- e passou a receber atenção do mesmo no formato de políticas públicas e menções em
editais voltados para a economia criativa. Acreditamos que por esta razão a atual
ministra da Cultura Marta Suplicy optou por não acatar a recomendação do conselho
que recusou a proposta de Pedro Lourenço e optou por aprovar o projeto. Ainda que mal
recebido pela opinião pública – duras críticas foram feitas à decisão da ministra a ponto
de Pedro Lourenço desistir de seguir com o processo de captação de recursos para o
desenvolvimento do desfile na Europa -, percebe-se, a partir da avaliação das ações do
Ministério da Cultura, que as perspectivas apresentadas por uma organização
internacional que visa impactar nos mercados globais, de fato são apropriadas pelos
agentes locais e influenciam diretamente nos rumos das ações dos mesmos.
Figura 2: Manchete do jornal Folha de São Paulo sobre o caso de Pedro Lourenço. Fonte: Folha de
São Paulo.
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Por fim, é possível perceber que as discussões que se dão no campo da economia
criativa estão influenciando diretamente no modo como alguns setores produtivos se
concebem: ao posicionar áreas como a moda entre os grupos criativos, alterou as
fronteiras entre os campos que se entendiam como artísticos e aqueles que não. Ainda
que a moda não seja compreendida como uma arte tradicional, ela foi aproximada a
estas na medida em que a criatividade – e, como decorrência, a função de criador –
passa a ser considerada parte central das atividades. Assim, fronteiras que antes
pareciam mais estáveis, especialmente aquela em que a moda não é considerada parte
dos campos artísticos, passam a ser repensadas: algumas exposições de artigos do
vestuário já ocorrem no país, com ênfase para aquela desenvolvida por Ronaldo Fraga e
analisada por Rosa Júnior (2012). Como revela o autor, Fraga, em suas declarações,
busca constantemente associar seu trabalho como designer de moda com a produção de
um artista no sentido mais tradicional do termo, ou seja, como um produtor de artefatos
artísticos. Assim, Fraga distancia os resultados de seu investimento profissional daquela
tarefa industrial, de maneira a aproximar-se dos trabalhos dos artistas. Vale citar um
trecho do artigo de Cipiniuk, Dalla Rosa e Santos (2012: 6),
Na entrevista intitulada ‘Nossa, já fui longe demais’, realizada por Cristina
Ramalho para o caderno Outlook do jornal Brasil Econômico, em 2010, o
diálogo entre a jornalista e o entrevistado [Ronaldo Fraga] evidenciam
como a arte é tomada como referência para a compreensão da prática de
produção de moda e como, inclusive, este fato supera a própria condição
do objeto de ser roupa. A jornalista diz que: ‘a gente vê sua [de Ronaldo
Fraga] moda e entende que ela é arte, não só roupa’. A isto, Ronaldo Fraga
complementa, afirmando que ‘a moda é só suporte. Sempre foi isso para
mim. As pessoas que mais admiro na moda têm essa mesma relação com
ela, de que a roupa é detalhe, o que importa é a arte, as relações que ela
faz’.
Como podemos constatar, a arte substitui, na fala de Fraga, o desenvolvimento
de objetos do vestuário como atividade básica em sua produção. Não se trata de um
designer de moda cujos artefatos vão ser reproduzidos em escala industrial a fim de
serem consumidos pelo mercado – ainda que o sejam, pois Fraga tem uma loja em que
comercializa seus produtos e cuja grife leva seu nome-, mas de um artista que tem na
roupa um suporte para sua criação. A grife de Ronaldo Fraga, embora tenha um grande
reconhecimento por seu valor criativo, não possui um alto número de vendas, a ponto de
atualmente o estilista possuir apenas duas lojas físicas.
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O criador foi o primeiro brasileiro a desenvolver um trabalho similar ao de um
artista tradicional no país submetendo, para tal, projeto à Lei de Incentivo à Cultura,
sendo o pioneiro na área de moda: este é o primeiro projeto a ser aprovado na Lei
Rouanet. Em 2011, é exibida em diversos estados a exposição “Rio São Francisco
navegado por Ronaldo Fraga” com peças concebidas por ele e inspiradas na cultura
popular das populações ribeirinhas, sendo que a curadoria também é do estilista.
Figura 3: Exposição de Ronaldo Fraga realizada em 2011. Fonte: Uol Mulher Moda.
Apenas em Belo Horizonte, a exposição registrou a visita de cerca de 40 mil
pessoas. Se a exibição pode ser considerada um sucesso, a relação do autor com o
mercado não segue a mesma direção, já que possui uma série de complicações.
Desfilando no São Paulo Fashion Week há 17 anos, o estilista enviou uma carta pública
no ano de 2011 – o mesmo da exposição – em que aponta precisar parar “para respirar,
para observar o entorno, para investigar outros suportes para o pensar, o expor, o
produzir e o comercializar moda no Brasil”. Envolvido em uma série de projetos não
diretamente relacionados com a indústria – Ronaldo Fraga é um dos principais
entusiastas da “moda criativa” e participante do primeiro setorial de moda -, o criador
optou por não desfilar sua coleção Inverno 2012, retomando a produção na temporada
seguinte. A pausa visa produzir em outros suportes, no caso, um livro sobre sua
atividade profissional. Sua carta apresenta uma percepção da criação que se aproxima
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da perspectiva artística e não da industrial, uma vez que demanda um período de
reflexão produtiva que não pode acompanhar o ritmo semestral imposto pelo mercado.
Figura 4: Carta pública de Ronaldo Fraga. Fonte: Tolipam, 2011.
As ações de Fraga podem ser consideradas de grande sucesso dentro de um
conjunto de tomadas de posição que foram iniciadas com o lançamento do Plano
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Nacional de Cultura em 2010 na gestão de Gilberto Gil, plano este em que, pela
primeira vez, a moda e o vestuário são inseridos como vetores culturais. Após a
publicação, um setorial consultivo foi formado e um encontro foi realizado em Salvador
no mesmo ano a fim de se discutir o plano setorial da moda em que serão definidas as
ações públicas para o setor e que ainda se encontra em desenvolvimento. Em 2012,
contudo, foi publicado o documento “Economia e Cultura da Moda no Brasil”, uma
pesquisa desenvolvida pelo Instituto das Indústrias Criativas, organização social (OS)
fundada em 2007 na cidade de São Paulo. Seu objetivo básico é fornecer as bases para
orientar as políticas na área da moda e foi um dos primeiros passos para a construção do
plano setorial . Vamos nos restringir aqui a análise dos objetivos do mesmo (Iniciativa
Cultural, 2012: 7 – grifos nossos):
A ‘Pesquisa Economia e Cultura da Moda: Perspectivas para o Setor’ foi
organizada pelo Iniciativa Cultural – Instituto das Indústrias Criativas e
pelo Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), juntamente com a
Secretaria Executiva e a Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da
Cultura, com o intuito de subsidiar a formulação de diretrizes e políticas
para a ação pública no Setor da Moda no Brasil. Entre os objetivos da
pesquisa, destacam-se:
• Fomentar o debate acerca do Setor da Moda no Brasil.
• Contribuir para a inserção da moda na agenda nacional de políticas
públicas de cultura e para a dinamização do setor no país, como gerador de
riqueza e renda.
• Contribuir para a consolidação da moda dentro do Ministério da Cultura e
de outras instâncias de poder, nos níveis estadual e municipal.
• Apoiar a institucionalização do Setor da Moda entre as políticas do
Ministério da Cultura.
• Construir um espaço legítimo de discussão para o setor,
institucionalizando o relacionamento do segmento da moda com o
Ministério da Cultura, por meio da criação de um Colegiado Setorial da
Moda.
Como é possível perceber por este pequeno trecho, o documento foi
desenvolvido com o objetivo político de consolidar um espaço de discussões sobre a
moda como parte das ações do Ministério da Cultura, assim como na sociedade como
um todo. O documento se utiliza de referências teóricas consagradas no campo da
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moda, como é o caso de Gilles Lipovetsky, além de documentos oficiais, como o já
citado relatório da Unctad. A moda passa a ser entendida como um interesse público:
como setor criativo é gerador de emprego e renda, e seguindo as instruções da
UNCTAD, merece o investimento do governo brasileiro e o desenvolvimento de
políticas públicas específicas que possam estimular o crescimento do setor. O relatório
aponta a moda e o design como setores chave para a economia criativa e as ações
ocorridas nos últimos anos – especialmente o apoio recebido pela ministra Marta
Suplicy - indicam grande valorização do setor.
É relevante acentuar que a consolidação da moda como um campo sistematizado
e com valores simbólicos próprios é muito recente no Brasil. Como apontam Kontic
(2007) e Bergamo (2007), o campo da moda brasileiro só se configura no final dos anos
1990, quando as primeiras semanas de moda são organizadas no país. Com o avanço na
produção destes eventos, a moda, segundo estes autores, passa a ter uma organização
que, até aquele momento, não havia: com a consagração do São Paulo Fashion Week,
toda a cadeia da moda passa a se pautar, no que se refere a seu calendário de produção,
no funcionamento do evento. Por outro lado, como revela Kontic (2007), são estes
eventos que põe em contato uma série de atores que antes não tinham um espaço
próprio para trocar e produzir informações sobre o setor.
Kontic (2007) assinala ainda que as mudanças ocorridas na indústria de
produção de vestuário nacional estariam relacionadas a abertura dos mercados aos
produtos estrangeiros ocorrida no início da década de 1990. Para Miquelli (2012), além
deste processo, é fundamental avaliar o lugar da moda brasileira em contextos
mundializados, especialmente considerando que apenas recentemente os centros de
moda de referência como França, Londres, Nova Iorque e Milão abriram seus mercados
para aquilo que denomina modas-mundo, como é o caso da moda nacional. Para a
autora, estes processos estão diretamente relacionados às alterações que ocorrem na
próprio visão sobre a diversidade cultural durante o século XX, especialmente em
decorrência dos trabalhos realizados por organizações internacionais, como a ONU e
suas agências.
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Este novos espaços angariados na moda mundial assim como a relação
estabelecida com as áreas criativas produzem uma série de efeitos dentro da moda.
Apenas para citar alguns deles, estão sendo abertos, na cidade do Rio de Janeiro, três
museus destinados ao vestuário. Os objetivos do documento apontam que a relação
entre a moda e o MinC envolve interesses que se direcionam para a consolidação e
ampliação do espaço da moda como cultura, ou melhor, como setor criativo do país,
mas esta discussão é longa e demanda um outro texto. É relevante, por ora, destacar que
moda e economia criativa estão sendo relacionadas, no Brasil, por meio das
apropriações das discussões realizadas em nível global e estes debates estão alterando as
relações dentro do país. Acreditamos que, ao longo dos próximos anos, assistiremos aos
resultados destas apropriações não apenas no campo da moda, mas nas diversas áreas
criativas que atualmente são alvo do Ministério da Cultura brasileiro.
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