II OBJETIVO DE PURIFICAÇÃO ENG06632-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos II-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 36 10. REFINO A FOGO 10.1 INTRODUÇÃO O refino a fogo é a remoção de impurezas presentes no banho metálico pela sua oxidação segundo: X + O = XO(s,l,g). O óxido, XO, recém-formado, constitui uma nova fase1; seu estado físico pode ser o líquido – diz-se então que a impureza foi ‘escorificada’ –, o gasoso e, em alguns casos, o produto obtido é um sólido. Embora a matriz metálica fique ‘livre’ do soluto, X, o processo pode resultar numa dispersão indesejada de partículas de XO com o metal de valor. Os mecanismos de remoção destas partículas, por forças que podem ou não ter relação com o fluido (peso, empuxo, arraste), produzem resultados que dependem do seu estado físico: partículas no estado líquido ou gasoso podem coalescer e são, portanto, mais fáceis de ser eliminadas2. As partículas não removidas dão origem às inclusões não metálicas. Livre do soluto, a matriz atinge as propriedades almejadas com o refino – mecânicas, por exemplo –, contudo, as propriedades do produto metálico podem ser influenciadas pela qualidade da dispersão da fase XO não removida: a resistência mecânica de um componente mecânico, por exemplo, pode ser influenciada pelo formato em cunha de um óxido de elevada dureza, ou pela existência de minúsculas placas produzidas pela laminação da inclusão dentro do metal conformado – quando as partículas são plásticas. Um produto XO(s,l) menos denso que o metal forma uma camada sobre o banho que serve como barreira contra a perda de calor ou contra o contato prolongado com a atmosfera. A quantidade de óxido produzido – refletindo a quantidade de impureza –, contudo, é geralmente pequena, insuficiente para isso; mas, como normalmente são adicionados outros componentes à escória, para melhorar o seu desempenho na absorção dos produtos da oxidação das impurezas, acaba-se por ter, enfim, a massa requerida para satisfazer essa necessidade. A separação física das fases banho e escória pode ser problemática, com resultados nem sempre satisfatórios. Em alguns casos, a escória também pode conter elementos economicamente importantes, que devem ser recuperados como sub-produtos, pois ajudam a reduzir o custo da produção do metal de valor. O oxigênio necessário à oxidação pode ser soprado em alta velocidade sobre o banho, ou ‘borbulhado’ (injetado) no interior da massa líquida. Há casos em que ele é fornecido sob a forma de um óxido ‘puro’ do mesmo metal que está sendo refinado (sob a forma de escória sintética ou minério) ou de um composto como, por exemplo, nitrato de sódio. A injeção de um gás num metal líquido sempre é problemática e requer cuidados tecnológicos e manutenção cuidadosa. O refino a fogo se baseia na diferença relativa no grau de afinidade que os elementos químicos apresentam pelo oxigênio; é essencial que o metal a ser refinado seja um tanto quanto ‘nobre’. Assim, o refino a fogo mostra os melhores resultados para o Fe, Cu, Pb e para os metais ‘preciosos’. O alumínio, ao contrário, teme o refino a fogo. Do ferro podem ser eliminados por oxidação seletiva, por exemplo, os elementos: C, Mn, Si, Al, mas não o Cu, Ni, Sn e Sb. Estes elementos residuais – chamados de ‘tramp elements’ na literatura inglesa – tendem a se acumular no aço à medida que a sucata é reciclada; sua diluição por meio de metal ‘puro’, ‘não-contaminado’, é a maneira mais prática para se contra atacar esse efeito – por exemplo: utiliza-se, na siderurgia, para a diluição, aço 1 2 Nem sempre essa fase será ‘pura’; ela pode ser constituída pela mistura de XO com outras substâncias. Partículas no estado sólido também podem se unir – usa-se, nesse caso, a expressão aglomerar. ENG06632-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos II-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 37 produzido via redução direta, ou proveniente da metalurgia primária. Do cobre podem ser oxidados os seguintes elementos: Zn, Sn, Pb, As, Sb, S e Fe mas não o Ni, Se, Te e metais preciosos. Já do chumbo são eliminados As, Sb e Sn, mas não o Bi e a Ag. O grau máximo de pureza que um metal pode atingir com o refino a fogo situa-se por volta de 99,5%. O refino a fogo é uma prática industrial e faz parte do procedimento extrativo dos metais básicos. Os reatores utilizados no refino a fogo são recipientes assemelhados a ‘panelões’, ou com a forma cilíndrica, dotados de lanças e (ou) ‘ventaneiras submersas’ para o fornecimento do oxigênio. 10.2 TERMODINÂMICA DO REFINO A FOGO O refino a fogo se fundamenta na dissolução do oxigênio no metal de valor, dado pelo equilíbrio: O = ½ O2(g) . A partir da equação de K encontramos a atividade do oxigênio dissolvido no metal de valor: hO = p 1/2 O2 / K , Embora a atividade henriana (com base em 1%) do oxigênio – para uma isoterma – cresça com a raiz quadrada da pressão parcial do gás O2 sobre o banho (Lei de Sievert), ela está limitada ao aparecimento do óxido do metal de valor que está sendo refinado. Podemos averiguar isso usando, por exemplo, a fase hipotética MeO1: O + Me = MeO . O valor limite – obtido da equação de K – é, então, igual à: hO = aMeO / (K · NMe); a partir desse ponto, o valor de hO é constante e todo o oxigênio adicional fornecido ao banho será utilizado na ‘produção’ de MeO. É bom lembrar, também, que a presença de outros elementos dissolvidos no metal de valor exige o uso de coeficientes de interação para se obter um modelo mais próximo da realidade. Estritamente, a atividade do oxigênio é influenciada até mesmo pela sua própria presença no banho: hO = fO ·[%O]; para o caso do ferro, à 1600°C: log (fO) = -0,20 · [%O] ). A possibilidade de se remover um soluto X por refino a fogo, segundo: X + O = XO(s,l,g) é estimada usando-se (i) o valor da variação da energia livre padrão – por mol de oxigênio – para a formação do óxido, (ii) a atividade do soluto e (iii) do oxigênio, dissolvidos no metal, e (iv) a atividade do produto XO: ∆G = ∆G° + RT ln ( Q ) . Q, o quociente de reação, é dado por: Q = aXO / (hX · hO) , A expressão de K é a mesma, mas só vale quando o sistema se encontra no equilíbrio: K = aXO / (hX · hO). Um rearranjo dessa equação nos dá a conhecida expressão do produto de solubilidade: hX · hO = aXO / K . Considerando-se que XO seja uma substância ‘pura’, podemos definir para ela aXO = 1 (este valor pode ser fortemente alterado, seja pela presença de uma escória previamente 1 A atividade da fase MeO pode ser diferente da unidade – por exemplo, com a adição de compostos formadores de escória. ENG06632-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos II-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 38 existente ou, se for um gás, pela pressão total no reator); o valor de hX é, em princípio, igual ao da concentração do soluto X (impureza) no banho (a presença de outros solutos influencia o coeficiente de atividade da impureza); o valor de hO – para o caso de uma solução entre o metal de valor e o oxigênio – é calculado por meio da Lei de Sievert. Assim, enquando hO aumenta, hX diminui proporcionalmente – e o metal é refinado. Podemos observar na expressão do produto de solubilidade – além da influência da pressão total e da atividade de aXO –, por meio de K, também a influência da temperatura. Como para as reações de refino são exotérmicas, K diminui com a temperatura, diminuindo a eficiência do refino. Teoricamente, uma impureza X (soluto) só pode ser removida de um metal de valor (solvente) se o seu óxido puder ser levado a um estado onde a energia livre de Gibbs é menor do que aquela do óxido do metal de valor. O refino a fogo do P dissolvido em um banho de ferro à 1600oC é um caso interessante dessa consideração. Embora a variação da energia livre padrão da reação de formação do óxido de fósforo seja maior do que aquela da formação da FeO, a sua remoção ainda é possível. O segredo da remoção do fósforo reside na atividade do P2O5 (estado padrão: P2O5 líquido puro) que, em presença de uma escória fortemente básica, cai para um valor em torno de 1 x 10-20. As condições termodinâmicas que favorecem o refino a fogo podem ser sumarizadas: a) ∆G de formação de óxido das impurezas menor (ou ‘mais negativa’) do que a do óxido do metal a ser refinado (∆Gº<0 facilita essa condição); b) na presença de outros solutos: coeficiente de atividade das impurezas no banho metálico elevado; c) na presença de uma escória: coeficiente de atividade do óxido XO pequeno; e, d) manutenção da temperatura do banho em um nível baixo – pois a variação da entalpia das reações de oxidação é negativa. O oxigênio remanescente, dissolvido no banho ao final do refino a fogo – mesmo em pequenas concentrações –, pode ser muito nocivo às propriedades das peças produzidas com o metal refinado; a sua eliminação, após o refino, pode ser feita (i) pela adição de agentes químicos ao banho (desoxidantes) – neste caso, os efeitos destas substâncias dissolvidas no metal ou dos seus produtos devem ser levados em conta –, ou (ii) por métodos físicos – como, por exemplo, o vácuo. Como exemplos de desoxidantes podem ser citados o Si e o Al para o ferro e a mistura dos gases butano e propano para o cobre.