complementos oracionais: uma análise

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1978
COMPLEMENTOS ORACIONAIS: UMA ANÁLISE FUNCIONAL DOS PREDICADOS
DE REALIZAÇÃO EM CORPUS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Jaqueline Barreto Lé – UFRJ*
Introdução
Noonan (2008) define a complementação como situação sintática que surge quando uma
oração nocional ou predicação é argumento (objeto/sujeito) de um predicado. Partindo desse princípio,
o autor apresenta, em sua abordagem, a morfologia dos tipos de complemento, bem como a sintaxe a
semântica da complementação. Inclui, entre as classes de predicados que requerem complemento
oracional (complement-taking predicates), os verbos de realização (achievement predicates), que
constituem objeto deste estudo.
Pautado numa abordagem semântico-funcional, este estudo tem por objetivo investigar as
relações de complementação em predicados da língua portuguesa, atentando especialmente para os
verbos de realização. Para tanto, serão consideradas as classificações apresentadas por autores como
Noonan (2008), Givón (2001) e Cristófaro (2003). Relacionam-se, ainda, as ocorrências dos
predicados de realização às noções de gênero e seqüência textuais, com base nas propostas de Bakhtin
(2003) e Bronckart (1999), partindo do princípio de que gêneros e seqüencias pode ser associados –
em termos funcionais e estruturais – a um dado tipo de predicado.
1. Uma Abordagem Semântico-Funcional dos Complementos Oracionais
Na literatura lingüística mais recente, as relações sintático-semânticas entre o predicado
principal e seu complemento têm sido analisadas, sobretudo, sob o prisma do funcionalismo
tipológico, que prevê o estudo de padrões organizacionais (semelhantes ou não) entre variados
sistemas lingüísticos. Antes de se focalizarem especificamente os predicados de realização – que
constituem apenas um dos tipos de relação de complementação - serão apresentadas, aqui, de modo
bastante sucinto, algumas das abordagens teóricas que se enquadram nesse contexto.
Noonan (2008), Givón (2001) e Cristófaro (2003) adotam perspectivas bastante parecidas a
respeito das relações de complemento na estrutura frasal. De um modo geral, assumem o ponto de
vista de que os complementos oracionais funcionam como argumentos (sujeito ou objeto) de um
predicado principal, por analogia a argumentos nominais1. Outro ponto em comum entre as três
abordagens é o reconhecimento de uma dependência sintático-semântica, em maior ou menor grau,
entre os dois predicados envolvidos na complementação.
Embora essa visão mais ou menos “consensual’ possa ser adotada como ponto de partida para
a análise das relações de complementação, é importante destacar que são identificadas, ainda,
diferenças nas classificações propostas pelos referidos autores para o fenômeno em questão.
Tais diferenças – algumas delas bastante sutis – se devem principalmente a formas distintas de
apresentar os tipos de complemento, à ênfase em determinados aspectos sintáticos ou semânticos da
complementação e, também, ao tratamento escalar específico da dependência sintático-semântica entre
os predicados envolvidos.
Noonan (2008), ao definir a complementação como uma situação sintática em que um
predicado pode servir como argumento de uma oração principal, também destaca que os
complementos podem ou não ser truncados, ou seja, que o sujeito ou outros elementos de uma
sentença completa podem estar ausentes, como se vê nos exemplos (1) a (3), apresentados pelo autor.
*
1
Bolsista de Doutorado do CNPq / Programa de Pós-Graduação em Lingüística/UFRJ
A respeito da caracterização da relação de complementação com base nos argumentos de um predicado principal, Cristófaro
(2003) afirma que nem sempre os complementos oracionais estão vinculados ao encaixamento sintático. Verifica que, em
algumas línguas, a complementação não se origina, necessariamente, de uma relação argumental da oração principal.
1979
Em (3), o argumento do sujeito nocional encontra-se ausente, fazendo com que o complemento se
apresente de modo truncado.
(1) Zeke remembered that Nell left
(2) Zeke remembered Nell’s leaving
(3) Zeke remembered to leave
Em seguida, Noonan (2008) afirma que os complementos oracionais podem ser divididos quatro tipos,
quais sejam: a) that-clause; b) oração no infinitivo; c) gerundial ou verbal noun clause; d) participial.
Os quatro tipos aparecem, respectivamente, nos exemplos abaixo:
(4) That Cartier defeated Dugué would be significant
(5) For Cartier to defeat Dugué would be significant
(6) Cartier’s defeating Dugué is significant
(7) Nelson saw Cartier defeating Dugué
“Complent types often are associated with them a word, particle, clitic or affix, one of whose
functions it is to indentify the entity as a complement”2. (NOONAN, 2008, p. 55). Essas formas são
conhecidas como complementizadores e geralmente são associadas a um dado tipo de complemento.
Mas, como lembra Noonan (2008), mais de um complementizador pode ser vinculado a um dado tipo
complemento, como ocorre, por exemplo, como a forma that em inglês - utilizado nas estruturas thatclause - que pode, em posição de objeto, ser substituída pelo complementizador if. No caso do
complementizador to, usado para as orações-complemento no infinitivo, ele frisa que deve observado,
também, o tipo de predicado que requer complemento, podendo o seu uso, em alguns verbos, ser
descartado.
Ao tratar da morfologia dos tipos de complemento, Noonan (2008) estabelece, ainda, a
seguinte classificação: (a) complementos tipo sentença (S-like); (b) complementos tipo sentença no
indicativo ou no subjuntivo; (c) complementação paratática e complementação em serialização verbal;
(d) complementos no infinitivo; (e) complementos nominalizados; (f) complementos participiais.
Após propor essa segunda classificação, Noonan (2008) apresenta vários elementos relevantes da
sintaxe da complementação e da semântica da complementação. Entre os aspectos sintáticos a serem
considerados nas relações de complemento ele inclui equi-deletion, alçamento de argumentos,
incorporação de elementos reduzidos na oração matriz, parataxe e serialização, distribuição dos
complementos nas sentenças, restrições quanto à seqüência de tempos e modos, e, por fim, alçamento
da negativa. No que diz respeito aos aspectos semânticos, o autor atenta aos seguintes fatores:
distinções de modo (modalidade inerente); grau de redução; escolha de complementizador; modo de
vinculação sintática à oração matriz; estatuto gramatical do predicado nocional (verbo, nome,
adjetivo).
Além de definir fatores importantes para a análise da semântica da complementação, o autor
estabelece uma terceira classificação em sua abordagem teórica: os tipos de predicados que requerem
complemento. As classes de predicados sugeridas por Noonan (2008) são: (a) predicados de
enunciado; (b) predicados de atitude proposicional; (c) predicados “de imaginação” (pretence
predicates); (d) predicados comentativos (factivos); (e) predicados de conhecimento e aquisição de
conhecimento; (f) predicados “de medo” (predicates of fearing); (g) predicados desiderativos; (h)
predicados manipulativos; (i) predicados modais; (j) predicados de realização; (l) predicados fasais
(aspectuais); (m) predicados de percepção imediata; (n) predicados negativos; (o) predicados
conjuntivos.
Givón (2001), por sua vez, frisa que há o isomorfismo entre as dimensões semântica e sintática
da complementação. A dimensão semântica envolve a integração de evento (semantic bond), ao passo
que a dimensão sintática implica na integração de oração (clause union). O autor parte, assim, do
princípio de que quanto maior a ligação semântica entre dois eventos, tanto maior a integração
2
“Os tipos de complemento são freqüentemente associados a uma palavra, partícula ou afixo cuja função é identificar a
entidade como complemento”
1980
sintática de suas orações em uma oração complexa. Em outras palavras, para ele, a complexidade
sintática é uma conseqüência da complexidade cognitivo-semântica.
Em sua escala da complementação, Givón (2001) distribui os verbos que requerem
complemento em três classes principais, quais sejam: a) verbos de modalidade (want, begin, finish,
try); b) verbos de manipulativos (make, tell, order, ask) ; c) verbos de percepção-cognição-enunciado
– PCU (see, know, think, say). Nota-se que, em relação à classificação de Noonan - que apresenta 13
predicados distintos-, essa escala se mostra bastante reduzida, tal como ocorre com na abordagem de
Cristófaro (2003).
Cristófaro (2003), por sua vez, ao tratar das relações de complementação, focaliza os seus
traços semânticos com base em três aspectos: (a) nível da estrutura oracional; (b) predeterminação;
(c) integração semântica. O nível de estrutura oracional corresponde, segundo a autora, às camadas
hierarquicamente ordenadas das orações, sendo que cada camada designa um tipo diferente de
entidade e exibe propriedades funcionais específicas. Num primeiro nível teríamos os termos, num
segundo nível, a predicação. O terceiro nível seria a camada da proposição e, por fim, o quarto nível
corresponderia ao enunciado (clause).
Sobre a predeterminação, Cristófaro (2003) ressalta que as relações de complemento
implicam que alguns dos traços semânticos dos estados-de-coisas (eventos) vinculados são
predeterminados pela natureza da relação. Os traços mencionados pela autora são: tempo de
referência, aspecto, valor modal dos estados-de-coisas e participantes.
Quanto à integração semântica, Cristófaro (2003) estabelece uma diferença em relação à
noção apresentada por Givón (2001). Para ela, integração espaço-temporal/referencial, por um lado, e
integração em um evento único, por outro lado, desempenham papéis diferentes na integração
semântica. Sendo assim, afirma que integração semântica é independente da contigüidade espaçotemporal, estando mais propriamente relacionada ao grau de interconexão entre dois estados-de-coisas.
Por fim, os predicados que requerem complemento são abordados por Cristófaro (2003) a
partir de oito classes que, embora apareçam em Noonan (1985, apud Cristófaro, 2003), ainda não
correspondem à classificação ampliada do autor, mais recentemente apresentada em Noonan (2008).
Assim, os predicados apresentados pela autora são: (a) predicados modais; (b) predicados fasais; (c)
predicados manipulativos; (d) predicados desiderativos; (e) predicados de percepção; (f) predicados de
conhecimento; (g) predicados de atitude proposicional; (h) predicados de enunciado.
2. Os Predicados Realização e as Relações de Complementação
Conforme destaca Noonan (2008), os predicados de realização ou verbos de achievement
foram discutidos inicialmente por Karttunen (1971) sob o nome de predicados “implicativos”.
Segundo ele, tal categoria pode ser dividida em duas classes: predicados positivos e negativos. Os
positivos se referem à maneira ou modo de realização da ação verbal (manage, chance, dare,
remember to, happen to, get to). Os negativos, por sua vez, se referem à maneira, à razão, ou à falta de
realização da ação verbal (try, forget to, fail, avoid). Nos dois casos mencionados o complemento
apresenta referência de tempo dependente (DTR – dependent time reference), já que a referência de
tempo da realização (ou da falta de realização) do evento terá a mesma referência de tempo do próprio
evento. Sendo assim, o autor destaca que os complementos de predicados de realização assumem a
forma de complementos reduzidos, tais como os exemplos (8), (9) e (10):
(8) I tried to write the letter.
(9) Does he dare to go there?
(10) She manages to be the best.
Noonan (2008) assinala, ainda, que os predicados de realização (especialmente os negativos)
freqüentemente representam nomes de atividades ou orações de fundo, sendo compatíveis, portanto,
com as orações nominalizadas quando estas estão disponíveis, tal como se observa em (11) e (12).
Vê-se, portanto, que o uso de oração no infinitivo não constitui o único tipo de complementação
associado a esse grupo verbal.
(11) He avoids eating chocolate.
(12) I failed in writing the letter.
1981
A seguir apresentam-se alguns exemplos de predicados de realização com complementos
oracionais em língua portuguesa encontrados em textos jornalísticos:
(13) “Eis que a Justiça decide mudar o comando político da escola.” (Povo, 06/01/04).
(14) “O senador Almeida Lima (PDT-SE) ameaçou fazer novas denúncias...” (JB, 04/03/04)
(15) “À frente do A casa é sua, Clodovil tem procurado exibir atrações com temas atuais e
assuntos de interesses gerais, tornando o programa bem interessante”. (Povo, 12/03/04)
(17) “...o caso do filho de um sargento reformado da Polícia Militar que, junto a outros três
"amiguinhos" de classe média, resolveu assaltar um apartamento no Leblon.” (Povo,
18/01/04)
De acordo com as ocorrências apresentadas de (13) a (16), vê-se que o grupo de verbos de
realização em língua portuguesa pode ser ampliado, abarcando outros verbos além daqueles
mencionados por Noonan (2008): resolver, decidir, ameaçar, procurar, etc. Sendo assim, a presente
análise considera não apenas esses outros verbos, buscando um quadro geral da mencionada categoria
verbal no português, mas também o levantamento de um grupo de fatores sintático-semânticos que dão
conta de sua caracterização funcional, bem como textual e discursiva.
Deve-se destacar, ainda, que, diferentemente do que se apresenta em Noonan (2008), não há
uma menção clara aos verbos de realização nas outras abordagens teóricas aqui sinalizadas. Givón
(2001), ao classificar os predicados que requerem complementos oracionais em verbos de modalidade,
manipulativos e e percepção-cognição-enunciado, inclui os verbos de realização no grupo dos
predicados de modalidade. Não adota, portanto, as mesmas subdivisões propostas por Noonan (2008).
Da mesma forma, Cristófaro (2003) não considera os verbos de realização ao discutir a relação dos
complementos oracionais com aspectos semânticos como o nível da estrutura oracional, integração
semântica e predeterminação. Na classificação da autora, tais predicados poderiam ser associados, por
exemplo, ao grupo dos verbos manipulativos.
3. Gêneros e Seqüencias: Aspectos Textuais e Discursivos do Predicado de Realização
Embora os autores até aqui mencionados (Noonan, 2008; Givón, 2001; Cristófaro, 2003)
tomem por base, no tratamento das relações de complementação, a abordagem sistêmico-funcional da
sintaxe tipológica, uma das possibilidades diferenciadas de análise dos predicados de realização se
encontra, sem dúvida, no estudo de seus aspectos textuais e discursivos. Sob esse prisma, constitui
alvo de interesse nesta pesquisa saber quais relações se dão entre o uso de um dado predicado com um
determinado gênero e, também, identificar quais seqüências ou tipos de texto são marcados –
estruturalmente – pela classe de predicado apresentada.
Ao se discutir sobre gêneros textuais, surgem freqüentemente algumas dificuldades teóricoepistemológicas e a primeira delas diz respeito às terminologias utilizadas. Oscilações entre os termos
gênero e tipo, ou ainda, texto e discurso, são típicas nos trabalhos sobre o assunto e refletem a
diversidade de abordagens. Entretanto, não serão focalizadas, aqui, as convergências e divergências
teóricas que subjazem a essa diversidade, mas sim as possíveis conexões entre a noção de gênero e o
uso de predicados de realização.
De acordo com Bakhtin (2003), os gêneros são, do ponto de vista temático, composicional e
estilístico, tipos relativamente estáveis de enunciados (textos) que se compõem sócio-historicamente
pela comunicação dos indivíduos nos diversos campos da atividade humana, para satisfazer
finalidades e condições específicas. Sua diversidade é infinita, uma vez que são inesgotáveis as
possibilidades das atividades humanas e porque o repertório de gêneros cresce e se diferencia à medida
que se desenvolve e se torna socialmente complexo um determinado campo.
Bronckart (1999) afirma, também, que se os gêneros são meios sócio-historicamente
construídos para realizar objetivos comunicativos determinados, “a apropriação dos gêneros é um
mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”.
Por isso, para a realização de uma comunicação eficiente, é fundamental o conhecimento do gênero
envolvido numa determinada prática social.
1982
Ao se pensar nas relações entre os gêneros e o uso de um determinado tipo de predicado que
requer complemento – considerando a classificação semântica apresentada por Noonan (2008) – vê-se
que esses tipos relativamente estáveis de enunciados podem, em sua concretização discursiva,
apresentar mais caracteristicamente este ou aquele grupo de predicados. Numa visão bastante prévia e
geral, os verbos de percepção imediata, por exemplo, poderiam ser associados a relatos de acidente de
trânsito; os verbos desiderativos, por sua vez, a mensagens de final de ano (em meio impresso ou
digital); os predicados de realização a narrativas de futebol.
Segundo Bronckart (1999), os tipos de textos constituem os elementos fundamentais da infraestrutura geral dos textos. Além deles, a infra-estrutura geral dos textos é também caracterizada
segundo a organização seqüencial do conteúdo temático.
Retomando e reformulando criticamente o conceito de Adam (1992), que propôs uma
teorização dos textos baseada na noção fundamental de seqüência, Bronckart (1996a) considera que
ela seria uma das formas possíveis de planificação dos conteúdos. A idéia central é a de que as
seqüências têm estatuto discursivo e, nos textos empíricos (ou gêneros), concretizam-se em tipos
lingüísticos variados restringindo-se aos seis tipos básicos: seqüências narrativas, descritivas,
argumentativas, explicativas, injuntivas e dialogais. Essas diferentes seqüências podem se combinar
em um dado gênero, em várias modalidades, e é justamente das combinação das seqüências e da
diversidade de seus modos de articulação que decorre da heterogeneidade composicional dos textos.
Neste estudo será adotada a distribuição de Bronckart (1999) para a classificação das
seqüências textuais, a partir das quais será considerada a possibilidade a caracterização da estrutura
textual por meio de determinado tipo de predicado (os predicados de realização, especificamente).
4. Metodologia
O presente trabalho teve por objetivo investigar as relações de complementação existentes nos
verbos de realização, em corpus de língua portuguesa, na sua modalidade escrita, por meio de sete
gêneros jornalísticos, a saber: carta do leitor, crônica, editorial, notícia, artigo de opinião, horóscopo,
coluna social. No que tange às seqüências textuais, verificou-se a realização desse tipo de predicado
nos seguintes de tipos de texto: narrativo, argumentativo, expositivo, descritivo e injutivo.
Assim, para a análise dos complementos oracionais dos predicados de realização, selecionouse como amostra o volume correspondente em cada gênero a 10.000 palavras, a fim de se garantir a
confiabilidade e a proporcionalidade dos resultados quantitativos e qualitativos da pesquisa. Além
dessa distribuição, a amostra contemplou textos dos referidos gêneros em quatro diferentes veículos
jornalísticos: Extra, O Globo, Jornal do Brasil e Povo.
As seguintes hipóteses foram levantadas neste estudo: (a) os verbos de realização ocorrem
com maior freqüência em textos injutivos, uma vez que nesse tipo de seqüência há,
caracteristicamente, uma persuasão do interlocutor para que este aja de determinada forma; (b) há
sempre correferencialidade entre os sujeitos da oração matriz e complemento nos predicados de
realização; (c) no corpus da pesquisa, as ocorrências de orações complemento com verbos tentar e
conseguir é significativamente maior em relação aos demais predicados de realização.
5. Análise de Dados
Foram encontrados, no corpus investigado, os seguintes verbos de realização: ameaçar,
buscar, conseguir, decidir, evitar, ousar, procurar, resolver, tentar, visar. A seguir tem-se a
distribuição do número de ocorrências para cada verbo (no total de 100 ocorrências).
TABELA 1: Distribuição dos verbos realização no total de ocorrências
ameaçar buscar
4
1
4%
1%
conseguir decidir
27
9
27 %
9%
evitar
6
6%
ousar
5
5%
procurar resolver
20
3
20 %
3%
tentar
25
25 %
visar
1
1%
1983
5.1. Grupo de Fatores
Considerando-se os aspectos sintático-semânticos envolvidos na relação de complementação,
bem como a funcionalidade dos predicados de realização nos gêneros e seqüências textuais, adotou-se
seguinte grupo de fatores: (1) gêneros textuais; (2) seqüências textuais; (3) realizações
morfossintáticas da oração complemento; (4) realizações morfossintáticas da oração matriz; (5)
presença de complementizador; (6) homogeneidade entre os membros da classe semântica; (7)
posições marcadas da oração complemento; (8) correferencialidade e admissão de equi-deletion; (9)
escopo da negativa; (10) tipo de sujeito; (11) referência temporal determinada.
5.1.1. Verbos de Realização e Gêneros Textuais
De um modo geral, verificou-se que a distribuição dos verbos de realização nos gêneros
investigados foi relativamente uniforme, levando-se em conta a quantidade de ocorrências nos gêneros
carta do leitor, crônica, notícia e artigo de opinião. Por outro lado, os gêneros editorial e nota de
coluna social apresentaram um número de ocorrências significativamente menor se comparado ao
resultado encontrado no gênero horóscopo.
TABELA 2: Verbos e realização e gêneros textuais
Carta
do leitor
14
14%
Crônica
14
14%
Editorial
9
9%
Coluna
social
9
9%
Horóscopo
Notícia
26
26%
14
14%
Artigo de
opinião
14
14%
5.1.2. Verbos de Realização e Seqüências Textuais
Entre as seqüências textuais analisadas, a maior ocorrência de verbos de realização se deu com
tipos de texto narrativos e injuntivo, sendo que a esse último o resultado pôde ser atribuído à
recorrência de verbos de realização no gênero horóscopo (tipicamente injutivo).
TABELA 3: Verbos e realização e seqüências textuais
Texto
Narrativo
31
31%
Texto
Argumentativo
20
20%
Texto
expositivo
16
16%
Texto
descritivo
7
7%
Texto
injutivo
26
26%
5.1.3. Realizações Morfossintáticas da Oração Complemento
Verificou-se, a partir dos dados, que as orações complemento dos predicados de realização se
apresentaram, prioritariamente, no modo infinitivo (95%), mas também, em alguns casos, podem
ocorrer na forma finita (2%) ou nominalizada (2%). Seguem abaixo alguns exemplos das realizações
morfossintáticas da oração complemento.
(a) infinitivo
“O ator Jonathan Haagensen tentará hoje tirar um visto relâmpago para os Estados Unidos e
participar da festa do Oscar”. (gênero coluna social, JB, 26/02/04)
(b) indicativo
“Arini revelou que Rivaldo já decidiu que atuará no Brasil em 2004, abrindo mão de um contrato
oferecido pelos sauditas de US$ 3 milhões por seis meses”. (gênero notícia, Extra, 05/01/04)
(c) subjuntivo
“O policiamento no local é insuficiente para evitar que os assaltos aconteçam e, por isso, as pessoas
ficam entregues à própria sorte”. (gênero carta do leitor, Extra, 03/01/04)
(d) nominalização
“Isso difere, e muito, de evitar a publicação de suicídios ou dar-lhes destaque, sabendo que a
publicação pode causar muito mal”. (gênero artigo de opinião, O Globo, 01/06/03)
1984
6.1.4. Realizações Morfossintáticas da Oração Matriz
Na oração matriz, o verbo de realização se apresentou, em maior parte dos casos, no modo
indicativo (58%), mas também foram constatadas as formas do subjuntivo (4%), imperativo (22%),
infinitivo (9%) e gerúndio (7%), como vê nos exemplos a seguir.
(a) indicativo
“Logo tentou se desculpar, mas o mundo já tinha vindo abaixo”. (gênero crônica, JB, 03/09/02)
(b) subjuntivo
“Se fosse traduzir em palavras, talvez ela não conseguisse dizer mais do que um "Meu Deus!".
(gênero crônica ,O Globo, 05/10/02)
(c) imperativo
“Procure ver com os olhos do coração hoje”. (gênero horóscopo, Extra, 02/01/04)
(d) infinitivo
“Duas coisas me causam estranheza: 1) tentar comprar o goleiro reserva...” (gênero artigo de
opinião, Extra, 16/01/04)
(e) gerúndio
“Quem votava no Lula não por hábito mas por convicção tem mais razões ainda para se beliscar e
bater com a cabeça na parede, pensando que é sonho e tentando acordar, depois de se dar conta.
(gênero crônica, O Globo, 01/10/02)
5.1.5. Presença de Complementizador
A presença de complementizador nos predicados de realização só foi verificada quando a
oração complemento se apresenta no modo indicativo ou subjuntivo, como se vê nos exemplos abaixo:
(a) complementizador em oração complemento no indicativo
“Arini revelou que Rivaldo já decidiu que atuará no Brasil em 2004, abrindo mão de um contrato
oferecido pelos sauditas de US$ 3 milhões por seis meses”. (gênero notícia, Extra, 05/01/04)
(b) complementizador em oração complemento no subjuntivo
“O policiamento no local é insuficiente para evitar que os assaltos aconteçam e, por isso, as pessoas
ficam entregues à própria sorte”. (gênero carta do leitor, Extra, 03/01/04)
5.1.6. Homogeneidade entre Membros da Mesma Classe Semântica
Conforme a classificação de Noonan (2008), os predicados de realização podem ser divididos
em positivos e negativos, de acordo com uma idéia de proximidade ou afastamento da realização.
Considerando-se, então, esses dois subconjuntos, os resultados encontrados foram: 64% de verbos de
realização positivos (conseguir, procurar, ousar, resolver, visar, buscar, decidir) e 36% de verbos de
realização negativos (ameaçar, tentar, evitar). Ao se observar, contudo, o caráter neutro de alguns
predicados (ameaçar, tentar, etc.) sugere-se, aqui, uma terceira divisão da classe semântica: verbos de
realização neutros. Estes não indicariam propriamente uma proximidade ou afastamento em relação à
ação verbal, mas sim uma possibilidade de realização do evento, que pode vir a se concretizar ou não.
5.1.7. Posições Marcadas da Oração Complemento
A posição usual (não-marcada) para os complementos oracionais de verbos de realização é a
posição pós-verbal. Contudo, em alguns casos, a posição marcada é também admitida, o que ficou
comprovado em 11 ocorrências da amostra investigada, em três posições distintas, a saber.
(a) depois de advérbios ou locuções adverbiais
“Rosinha decidiu ontem cortar o ponto de 37 médicos que faltaram ao plantão de carnaval.”
(gênero coluna social, O Globo, 27/02/04)
(b) depois de sujeito pós-posto
1985
“Conseguirá o presidente Lula vestir o boné desses trabalhadores convertidos em lúmpen?”
(gênero crônica,JB, 06/03/04)
(c) em outro núcleo/campo oracional
“Acompanhe as mensagens comigo, leitor: 1) se em 2003 até o Saddam Hussein saiu do buraco,
espero que em 2004 você também consiga”. (Extra, 02/01/04)
5.1.8. Correferencialidade e Admissão de Equi-deletion
A correferencialidade entre os sujeitos das orações matriz e complemento nos predicados de
realização implica na admissão de equi-deletion (apagamento do sujeito da oração complemento). Viuse que, para os verbos de realização, o equi-deletion é permitido em quase todos os casos, exceto em
uma das ocorrências, em que os sujeitos são não-correferenciais.
5.1.9 Escopo da Negativa
Das 10 formas negativas encontradas nas ocorrências investigadas, apenas 1 não apresenta o
advérbio de negação em posição imediatamente anterior o predicado de realização, fazendo com que o
escopo da negação esteja na oração complemento. Portanto, na maioria dos casos, o escopo da
negação se encontra no verbo de realização.
(b) predicado de realização como escopo da negativa
“Quem sabe se ao colocar luz nas trevas por onde andam os governos do Rio a gente não consegue
encontrar um caminho de solução?”. (gênero crônica, JB, 06/03/04)
(c) predicado de realização e oração complemento como escopo da negativa
“- Não dá para ter medo de desafio, senão não se consegue nem sair de casa.”. (gênero notícia, JB,
06/03/04)
(d) oração complemento como escopo da negativa
“Não sonhe demais e tente não se enganar quanto a seus verdadeiros sentimentos, quaisquer que
sejam eles.” (gênero horóscopo, Globo, 01/03/04)
5.1.10. Tipo de Sujeito
Mira Mateus et al.(1989) destacam dez papéis temáticos para os argumentos dos verbos, a
saber: Paciente (Pac), Neutro (N), Origem (Or), Objeto (O), Experienciador (Exp), Recipiente (Rec),
Locativo (Loc), Direção (Dir), Agente (Ag), Posicionador (Pos). Desses, seis podem exercer, na voz
ativa, a função sintática de sujeito: paciente, experienciador, recipiente, origem, objeto e agente.
Tem-se, a seguir, a distribuição e exemplificação desses papéis temáticos nos sujeitos das orações
complemento analisadas. Nota-se, a partir da tabela 4, que o número de sujeitos com papel temático
de agente é significativamente maior em relação aos demais tipos de sujeito, o que está em
consonância com o conteúdo semântico dos predicados de realização, envolvendo, normalmente, uma
ação a ser praticada. Por outro lado, o sujeito com o valor argumental de origem não foi constatado em
nenhuma das ocorrências de verbos de realização.
TABELA 4: Tipos de sujeito apresentados em predicados de realização
Paciente
12
12%
Experienciador
24
24%
Recipiente
5
5%
Origem
_
_
Objeto
10
10%
Agente
49
49%
5.1.11. Referência Temporal Determinada
Segundo Noonan (2008), um complemento tem referência temporal determinada (ou
dependente) se o seu tempo de referência é uma conseqüência necessária do significado do predicado
que requer complemento. Neste caso, ele designa um estado-de-coisas que é futuro em relação ao
tempo da oração matriz. Na análise dos predicados de realização, em todos os casos foi constatada a
referência temporal determinada (RTD), uma vez que a referência de tempo da realização (ou da falta
de realização) do evento terá a mesma referência de tempo do próprio evento.
1986
Considerações finais
As relações de complementação, quando investigadas sob o prisma do funcionalismo
tipológico, revelam interessantes aspectos estruturais da variação interlingüística. Além disso, a
visualização de classes distintas de predicados que requerem complemento, com base em critérios
semântico-funcionais, pode fornecer elementos caracterizadores de gêneros ou seqüências textuais,
demarcando elementos textuais e discursivos da complementação.
Os predicados de realização aqui investigados apontaram não só uma especificidade no
português – a quantidade maior de verbos, levando-se em conta o grupo apresentado por Noonan
(2008) para os verbos de realização em língua inglesa – mas também uma forte associação a um dado
gênero ou seqüencia textual (no caso, o gênero horóscopo e o texto injutivo).
Os traços sintático-semânticos das relações de complementação que fizeram parte do grupo de
fatores deste estudo também serviram, indubitavelmente, para o mapeamento funcional dos verbos de
realização em língua portuguesa.
As três hipóteses aqui levantadas foram confirmadas ou parcialmente constatadas. Viu-se que
a seqüência de textos injutivos prevalece nas ocorrências de predicados de realização, principalmente
em função de sua concretização discursiva no gênero horóscopo. Além disso, foi verificada uma maior
ocorrência dos verbos tentar e conseguir se comparada aos outros predicados de realização, embora a
forma procurar também tenha ocorrido de modo significativo no gênero horóscopo. Quanto à
correferencialidade entre sujeitos, observou-se que, embora ela seja fator predominante não é condição
sine qua non para se estabelecer a relação de complementação na classe de predicados analisada..
Esta pesquisa pode, enfim, ser ampliada futuramente, a fim de se considerar, na análise dos
verbos de realização, outras ocorrências tais como as formas preposicionadas e, ainda, outros gêneros
jornalísticos que não fizeram parte do corpus apresentado.
Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ____ Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 1999.
CRISTOFARO, Sonia. Subordination. Oxford: Oxford University Press, 2003.
DIONÍSIO, A. P., MACHADO, A. R, BEZERRA, M.A. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2005.
GIVÓN, Talmy, Syntax: an introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing
Company, 2001.
MACHADO, Ana Rachel. A perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In: MEURER,
L. J., BONINI, A., MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola,
2005.
MIRA MATEUS, Maria Helena et alii. Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Caminho, 1989.
NOONAN, Michael. Language Typology and Syntatic Description. Volume II: Complex.
Constructions. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
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