FLG 0114 – Mudanças Climáticas Globais e Implicações Atuais

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FLG 0114 – Mudanças Climáticas
Globais e Implicações Atuais
Disciplina Ministrada pelo Prof. Dr. Ricardo
Contribuição especial de Daniela de Souza Onça
– O Poder do Mito e da Mídia –
1 – Introdução
Neste resumo de aula, apresentou-se alguns dos principais aspectos da
Mídia, primeiramente de forma geral e depois no que se refere ao principal tema
do curso: “aquecimento global”.
Abordou-se alguns aspectos do mito e seu poder, muito bem discutidos
pelo Prof. Joseph Campbell em diversas de suas obras como “O Poder do Mito”,
literaturas que se tornam obrigatórias na Academia para aqueles que querem
compreender melhor o tema. Em outro aspecto, a discussão principal deste texto
foi realizada pela Profª. Daniela Onça que gentilmente contribuiu com grande
parte das argumentações, tema que foi estudado por esta autora.
2 – O Mito
O mito tem seus aspectos singulares, já que é intrínseco ao ser humano e
está presente em seu ser. Pode-se entendê-lo como uma característica que aparece
em cada cultura, mas também está relacionado com o Dasein do ser vivente,
dentro de uma Geografia. Figurativamente, pode ser expresso na imagem de um
herói que irá padecer de todos os “pecados da humanidade”. Este personagem é
levado a trama como herói de duas maneiras muito distintas: na primeira, ele será
conduzido por algo ou alguém, que abusando da curiosidade, característica
peculiar e acentuada do Homem, cairá em uma armadilha. Neste caso, terá que
tirar forças para surgir o herói que está adormecido dentro de seu âmago. Na
segunda opção, o personagem é apresentado a uma situação de risco e faz a
escolha de ser o herói salvador, voluntariamente, ou seja, de forma consciente.
Em ambos os casos do surgimento do herói, a jornada a qual se disporão
também tem um roteiro em comum: saem da luz, situação que representa o
relativo controle, ou o equilíbrio e mergulham nas trevas, situação representada
pelo abismo, pela queda, onde figurativamente aparecerão os dragões ou então, o
interior da baleia (o herói é engolido por ela). Neste caso, estão expressas as
situações de desequilíbrio que precisam rapidamente serem corrigidas. No clímax
da luta, o personagem vence e é resgatado, vitorioso, personificado em toda a
plenitude da glória do herói. Há o retorno do equilíbrio entre as forças.
Desta maneira, também poderemos entender que o papel dos mitos estão
presentes para que o próprio Homem se torne melhor. A luta é travada com o
1
dragão que está adormecido dentro de cada ser humano. Com isto, os mitos
podem ter o papel de elevar o ser humano a um nível de consciência.
Atualmente, os mitos estão presentes em praticamente tudo. Podem se
personificar em outras formas, desde os religiosos até os “científicos”. Isto nos
leva a uma questão que servirá de exemplo para o assunto abordado na
disciplina: surge um grande “vilão” e a sociedade precisa se organizar
“voluntariamente” para derrotar o inimigo.
Contudo, neste texto queremos apenas chamar a atenção sobre o poder do
mito. Neste caso, como os mitos conseguem trazer à luz e expressar nossos
anseios e medos, glorificar nossas virtudes e vontades, eles têm um papel
fundamental no processo de humanização, muito bem explanados pelo Prof.
Campbell: “Se vocês querem realmente ajudar este mundo, então precisam
ensinar a como viver nele”.
3 – Histórico da Mídia
Nos primórdios, a mídia era representada pelos periódicos. A primeira
publicação periódica foi a Efemérides, dos antigos gregos, que esteve mais para
almanaque do que jornal. Em 69a.C. surge a Acta Diurna Populi Romani, em
Roma, criada por Júlio César com o intuito de divulgar os grandes feitos do
Império e as diversas informações de caráter corriqueiro e especial. Na China, em
1041, Pi-ching, elaborou o primeiro artifício para impressão que permitiu
publicações com tipos móveis de argila, imersos em tinta e prensados em papel.
Bem mais tarde, Gutemberg, em 1440, aperfeiçoou o artifício, usando tipos de
chumbo, nascendo a primeira impressora que revolucionou todos os métodos de
divulgação de notícias. Desta maneira, surge a imprensa, no século XV, mas os
primeiros impressores precisavam viajar muito e as publicações eram irregulares.
Notem que não havia o termo jornalista. Só em 1605, aparece o Nieuwe
Tijdinghen, de Antuérpia (Bélgica) como um jornal regular. Contudo, o primeiro
periódico jornalístico foi o Frankfurter Journal, lançado em 1615 por Egenolf
Emmel, na Alemanha.
As informações eram trocadas por cartas e malotes postais, o que gerava
um atraso considerável. Só em 1622, doze impressores de Londres, Países-baixos
e Alemanha combinaram uma troca sistemática de notícias. No mesmo ano surge
o Weekly News que conseguia publicar notícias estrangeiras. No século XVIII, as
notícias começam a se espalhar pelo mundo todo. Em 1704, aparecia o Boston
News Letter. Em 1808, surgiu o primeiro jornal brasileiro, Correio Brasiliense. O
disparate é que o jornal surgiu em Londres! Somente depois surge no Brasil a
Gazeta do Rio de Janeiro.
Os jornais surgem no mundo inteiro, e torna-se fundamental a troca de
informações mais rápidas. Esta troca que primeiramente era por correspondência
de correio, ligada a UPU (único órgão que funciona inclusive em condição de
2
guerra) será aprimorada, em 25 de maio de 1844, por Samuel Morse, que
despacha a primeira mensagem telegráfica, iniciando uma nova era de
comunicação. É interessante notar que isto ajudou muito a Meteorologia na troca
de informações, contribuindo para que surgissem as primeiras idéias das
situações sinópticas da atmosfera (Hann e os despachos realizados pelo código
SYNOP).
Um segundo melhoramento viria mais tarde com a primeira rotativa
eficiente de impressão rápida, em 1847, criada por Richard M. Hoe, do
Philadelphia Public Ledger. Em 1848, forma-se a primeira agência de notícias.
A seguir, uma lista de eventos que contribuíram para o aprimoramento da
Mídia:
•
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•
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Em março de 1876, Grahan Bell patenteia o telefone;
Em 1915, incorpora-se a radiotelegrafia na imprensa, pela Alemanha;
Em 1919, surge a notícia cinegráfica;
Em 1920, surge a radiodifusão de notícias;
Em 1960, aparecem a radiodifusão em TV, o TELEX e as radiofotos;
Em 10 de julho de 1962, o satélite Telstar I consegue transmitir imagens e
telefonia entre América e Europa;
• Em 1966, o satélite Intelsat transmite em cores e 5000 telefonemas
simultâneos.
Com a televisão e o surgimento da câmera portátil, não há mais limites e a
imprensa alcança qualquer lugar. Consegue manipular opiniões com as suas
imagens dramáticas como a guerra do Vietnam, 1968-1975 (Fig.1)
Fig.1: A guerra do Vietnam foi
transmitida para os lares dos
estadunidenses e ao resto do mundo.
Foi considerada a “guerra do
helicóptero”, já que este veículo deu
grande mobilidade às tropas. Hoje
considera-se que seu único objetivo
foi salvar a Bell Helicopters da
falência. Para isto, milhares de vidas
de ambos os lados foram sacrificadas
em prol da Guerra Fria e ideológica
que nunca existiu (fonte: VEJA,
2008).
Com o advento da internet, já muito testada pela IBM nos anos de 1980, o
mundo tornou-se pequeno e as notícias se espalham quase que instantaneamente.
Contudo, a emissão das notícias provém de pouquíssimos centros de distribuição,
conhecidos como “Agências de Notícias”.
3
A primeira agência de notícias surgiu em 1848, conhecida por New York
Associated Press na qual participavam seis jornais estadunidenses. Em 1892
surgiu a United Press, que aliou-se com a anterior e cobria todos os E.U.A. que
logo a seguir, começou a trocar notícias com outras agências internacionais. Em
1915, os alemães fundaram a Transocean (com rádio e radiotelegrafia). Após a
Segunda Guerra Mundial surgiu a France Presse. Até o final do século XX, as
principais agências eram AFP (França), ANSA (Itália), AP e UPI (E.U.A.), DPA
(Alemanha), Tass (Soviética), Reuters (Inglaterra) e Latin (consórcio entre
jornais latino-americanos). Atualmente, cerca de apenas quatro agências cobrem
toda a distribuição de notícias do mundo, em comum acordo para não gerar
discrepâncias das informações. Deve-se lembrar que a Reuters destacou-se de
todas as demais, permanecendo como líder e distribuindo as informações com
auxílio da internet. Com isto, temos um poder concentrado o que nos faz lembrar
da máxima: O Poder total leva ao corrompimento total.
Desta maneira, deixamos aqui descrita a missão que a Imprensa deveria
sempre seguir: Informar ao público, com total imparcialidade, os acontecimentos
ou eventos e seus os fatos, antecedentes ou causais, com a maior veracidade e
transparência possível, não devendo se omitir as questões de qualquer natureza,
dentro de uma premissa maior de controle, ou seja, a ética.
4 – A Mídia Atual
Atualmente, o que vemos na Mídia é uma coleção de opiniões. Os jornais
são cobertos por colunistas que se dizem “especialistas” em algum assunto e dali,
discorrem sobre qualquer coisa, com uma profundidade um tanto errática, em boa
parte dos casos. Perpetuam notícias e informações, tirando conclusões, formando
opiniões de coisas que nem sabem ou leram direito. Estas conclusões, na maioria
das vezes não tem nenhum significado. Quando isto não acontece, fica evidente o
partidarismo de certa causa, o que fere integralmente o papel a qual foi designada
por natureza. No caso específico de “mudanças climáticas”, o tema recorrente de
certos colunistas nada mais é do que a tentativa de manterem seus empregos em
meio ao caos da histeria que nos cerca. Devemos olhar isto com cuidado.
Também levanta-se a hipótese dos que acreditam que a mídia não tem
culpa. Esta culpa deveria ser atribuída àqueles que lhe fornecem as informações e
aos omissos: Os especialistas de uma certa área bombardeiam os jornais e as
redes de televisões com a sua corrente de pensamento e de lá, assumem completo
controle da situação perante a opinião pública. Os dissidentes ficam sem vez de
declarar suas posições ou lanças as dúvidas do que se está propondo. Mas a pior
parte vem daqueles especialistas, uma imensa maioria da mesma área, que finge
que nada acontece e se OMITE, aguardando para ver “no que vai resultar a
situação”. Um exemplo é a própria Climatologia, nestes tempos de “mudanças
climáticas globais catastróficas”. Um exemplo perfeito da histeria que nos cerca
(Fig.2).
4
Fig.2: Esquema pictórico geral que pode ser aplicado em todas as áreas do conhecimento humano.
Os “especialistas” formadores de opinião pública, normalmente catastrófica, atuam na Mídia, mas
os dissidentes praticamente não tem vez. Uma grande maioria se omite, permanecendo longe ou
alheia às discussões. Estas situações já aconteceram antes e continuam a acontecer (fonte: Autor).
Conclui-se este tópico com a indagação de que se a Mídia, fosse cumprir a
sua missão, deveria por OBRIGAÇÃO:
• Levantar todas as hipóteses de um CASO;
• Cobrir constantemente os debates e as discussões entre ambas as partes;
• Manter o canal de comunicação aberto para as respostas destas partes
ambíguas após os questionamentos;
• Manter a imparcialidade e não trabalhar os textos e as imagens de maneira a
mandar mensagens subliminares opinativas de apoio.
5 – O Poder da Mídia
As estratégias bem executadas de marketing conseguem efeitos
impressionantes das mentes mais desavisadas: o poder da imagem, uma música
marcante e um texto bem elaborado.
Se os temas conseguirem apoio do governo, ou a Mídia servir ao governo
(apoiado por interesses) então haverá completo comprometimento das
informações.
Nestes termos, gera-se a necessidade de formar um trabalho investigativo
das áreas Físicas e Humanas (dicotomia apenas com fins didáticos) e elaborar a
síntese final do objeto investigado. Não se verifica, nas atribuições pertinentes às
sociedades, um elemento que faça este papel com melhor entendimento e
discernimento das questões que não seja o geógrafo. Mesmo entendendo que a
Geografia Crítica tenha atenuado nos dias contemporâneos, este aporte aparece
ainda com mais lucidez nesta Ciência.
5
6 – Discussão sobre a Mídia
Neste capítulo, apresentamos a extensa discussão sobre a Mídia, elaborada
pela Prof. Daniela Onça. São levantados diversos temas que servem para ilustrar
ou explicar as relações intrínsecas, com abordagem mais profunda que o assunto
necessita. Os exemplos de “Mudanças Climáticas” foram obtidos da revista
VEJA.
6.1 A Mídia é Polifônica?
A expressão “meios de comunicação de massa” se refere a um conjunto de
recursos tecnológicos que possibilitam a comunicação entre as massas. A história
da evolução desses meios mostra que eles se desenvolvem no sentido de permitir
a dispersão de mensagens com uma velocidade cada vez maior e para um número
cada vez maior de pessoas. Quando surgem, são privilégio das classes mais
abastadas – o rádio na década de 30, a televisão na década de 50, a internet no
começo da década de 90 –, porém o barateamento de tais tecnologias, causa e
conseqüência de sua expansão, põe-nos à disposição de enormes fatias da
população de um país.
Os meios de comunicação de massa constituem-se em poderosos
instrumentos de homogeneização de uma sociedade. Dados seus elevados
alcance e velocidade, reduzem-se as diferenças de gostos, valores e hábitos de
compra entre as diversas regiões e classes sociais. A informação atinge todos os
rincões, porém “a ignorância pode tornar-se padronizada, quando os meios de
comunicação espalham pelo mundo imagens inexatas e incompletas”1.
A indústria cultural2 pode ser desenvolvida tanto pelo Estado quanto pela
iniciativa privada. Em ambas as instâncias, existe o interesse de se atingir o
maior público possível, com a finalidade de maximizar o lucro e agradar ao
público, no caso do sistema privado, e propagar ideologias no caso do Estado,
função mais importante em épocas de governos totalitários.
A indústria cultural é estruturada de maneira concentrada: grandes grupos,
em pequeno número, concentram em seu poder o aparelhamento e dominam as
comunicações de massa. Além da concentração técnica, ocorre uma concentração
burocrática da informação jornalística, sempre submetida às filtragens de um
redator-chefe e suas considerações.
Morin afirma que essa padronização característica da produção industrial
em larga escala de bens culturais convive com uma necessidade radicalmente
oposta, a da produção de novidades. A indústria cultural vive, assim, em uma
constante contradição entre a necessidade de manter o padronizado, garantia de
1
2
McDavid; Harari.(1980), p. 363-364.
Morin, in: Martins, Foracchi (1994), p. 299.
6
sucesso porque repetição de sucessos anteriores, e revelar o original, garantia de
um novo sucesso. Diariamente a grande imprensa busca o novo, o acontecimento
relevante, a notícia. “Essa conexão crucial se opera segundo equilíbrios e
desequilíbrios. A contradição invenção-padronização é a contradição dinâmica da
cultura de massa. É seu mecanismo de adaptação ao público e de adaptação do
público a ela. É sua vitalidade”3. O jornalismo é também absorvido pela lógica da
produção industrial, com divisão e planificação do trabalho em todos os estágios:
planejamento, produção, distribuição, estudos de mercado. É a essa
racionalização da produção jornalística que corresponde a padronização da
informação.
Morin deixa transparecer a idéia, enfim, da existência não só das
possibilidades do original, do individual, do criativo, como de uma espécie de
equilíbrio dinâmico entre as lógicas padronizadora e inovadora da indústria
cultural. Conforme veremos mais adiante, este ponto de vista esbanja
ingenuidade:
“A divisão do trabalho, porém, não é, de modo nenhum,
incompatível com a individualização da obra (...). A padronização
em si mesma não ocasiona, necessariamente, a desindividualização
(...) [como exemplo, o autor cita os nomes de diversos filmes
western norte-americanos]. Em outras palavras, a dialética
padronização-individuação tende freqüentemente a se amortecer em
uma espécie de termo médio”4.
E, mais adiante:
“a liberdade de jogo entre padronização e individualização lhe
permite [ao autor] às vezes, na medida de seus sucessos, ditar suas
condições. A relação padronização-invenção nunca é estável nem
parada, ela se modifica a cada obra nova, segundo relações de
forças singulares e detalhadas”5.
É claro que existe a possibilidade de o autor estar sendo irônico e minha
leitura não ter alcançado uma compreensão adequada; particularmente, não
acredito que alguém em pleno gozo de suas faculdades mentais possa enxergar
no mundo da indústria cultural a mais tênue possibilidade do exercício de uma
genuína criatividade ou de escape aos padrões.
Ao contrário de Morin, Adorno não acredita em qualquer possibilidade de
originalidade no mundo da indústria cultural6. Tudo é sempre idêntico, variandose apenas pequenos detalhes, que em absoluto não alteram coisa alguma. A
3
Morin, in: Martins, Foracchi (1994), p. 303.
Morin, in: Martins, Foracchi (1994), p. 304-305.
5
Morin, in: Martins, Foracchi (1994), p. 306.
6
Na obra de Adorno, a expressão “indústria cultural” adquire um sentido que beira o baixo calão.
4
7
mesmice recebe uma maquiagem nova a cada temporada, garantindo sua
aceitação e perpetuando a ilusão da concorrência e da liberdade de expressão. A
lógica da fábrica, da produção em série, é transportada para o mundo da cultura;
qualquer nota destoante não tem sequer a oportunidade de se revelar. Tudo são
clichês e pérolas de sabedoria repetidas à exaustão. Nas palavras de Adorno:
“A compulsão permanente a produzir novos efeitos (que, no
entanto, permanecem ligados ao velho esquema) serve apenas para
aumentar, como uma regra suplementar, o poder da tradição ao qual
pretende escapar cada efeito particular. Tudo o que vem a público
está tão profundamente marcado que nada pode surgir sem exibir
de antemão os traços do jargão e sem se credenciar à aprovação ao
primeiro olhar”7.
A transformação da população em massa, afirma Mills8, foi uma das
principais tendências da sociedade urbano-industrial moderna e provocou um
colapso do otimismo das idéias dos pensadores do século XIX, que acreditavam
que a ignorância e a irracionalidade generalizadas seriam erradicadas por meio da
difusão da educação; tudo era apenas uma questão de tempo. Porém, já em
meados daquele século, podem ser notados indícios de massificação: as formas
individuais ou de pequenas comunidades de vida econômica e política começam
a ser substituídas pelas formas coletivas; surgem movimentos organizados em
torno do ideal de lutas de classes; as discussões racionais interpessoais são
ofuscadas pela autoridade de peritos emergentes ou por argumentações
abertamente tendenciosas; e descobre-se a eficiência do apelo irracional ao
cidadão.
Mills aponta as principais características que definem uma sociedade de
massas:
1- O conjunto de públicos se torna uma coleção abstrata e disforme de
indivíduos, cujas impressões sobre o mundo provêm dos meios de
comunicação de massas, sendo que o número de pessoas que por eles fala
é muito menor do que o número de receptores da mensagem;
2- É alto o nível de organização das comunicações predominantes, de
maneira que é difícil ou impossível a um indivíduo oferecer uma resposta
à mensagem imediatamente ou com alguma eficiência;
3- A colocação da opinião em prática é controlada pelas autoridades
organizadas dos canais de tal ação;
4- Não existe autonomia em relação às instituições; pelo contrário, a
dependência é acentuada.
7
Adorno & Horkheimer (1985), p. 120. Escolhemos este trecho, mas todo o capítulo é dedicado a
demonstrar que a indústria cultural não passa de um negócio e dentro dela não há possibilidades de
renovação.
8
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 309.
8
A maneira mais simples de se identificar uma sociedade de massas é
através do tipo de comunicação predominante: é o veículo formal, do qual a
massa é somente “a coletividade de pessoas passivamente expostas aos meios de
comunicação em massa e indefesamente sujeitas às sugestões e fluxos desses
meios”9. Ocorre uma substituição, em todas as instâncias, de pequenos poderes
dispersos por poderes concentrados e inacessíveis, ao mesmo tempo em que se
tornam menos políticos e mais administrativos.
O homem da massa não experimenta qualquer sentimento de participação
política, pois a distância e a diferença de tamanho entre seu raio de influência e o
dos líderes efetivos é tão gritante que lhe confere total impotência. A
administração é vinda do alto, sendo praticamente impossível uma intervenção
em sentido contrário. As verdadeiras unidades de poder estão encarnadas na
grande empresa, num inacessível governo e no setor militar. Bem abaixo, estão
as pessoas e sua cotidianidade, não existindo entre esses dois extremos
organizações intermediárias realmente efetivas, onde os homens possam
experimentar seu poder de ação. Mesmo que surjam tais organizações, a
tendência é que ou elas se desintegrem, definhem, esmagadas pelos grandes
poderes, ou sejam por eles incorporadas, tornando-se mais um instrumento de
controle.
Conforme as instituições se centralizam, intensificam-se os meios de se
influenciar a opinião pública. Mills cita dois instrumentos antes desconhecidos,
mas de um alcance de manipulação psíquica formidável: a educação universal
compulsória e os meios de comunicação de massa.
Em um primeiro momento, alguns observadores acreditaram que a
ampliação do alcance dos meios de comunicação seria muito útil para difundir
informações e idéias, multiplicando o ritmo e o alcance do debate pessoal.
Mentes seriam abertas, mal-entendidos entre correntes de pensamento seriam
desfeitos, em suma, tais instrumentos foram considerados emancipatórios, um
estímulo ao desenvolvimento da discussão democrática e racional.
É difícil descrever todas as funções dos meios de comunicação de massa
ou os efeitos que tiveram sobre as sociedades desde o início de sua disseminação,
pois eles por vezes possuem atributos muito penetrantes e, na mesma medida,
sutis. Entretanto, temos boas razões para desconfiar que os meios de
comunicação prestaram-se menos à ampliação de debates do que à massificação
da sociedade. Consideremos primeiro a violenta distância e diferença quantitativa
entre os emissores e receptores da mensagem, que praticamente impossibilita
uma resposta, comprometendo assim a própria idéia de comunicação. Esses
meios também se prestaram a uma padronização de nossos órgãos sensoriais.
Consideremos, por exemplo, como são estruturados os telejornais. Cada notícia
dura um, dois, três minutos no máximo. Anuncia-se o fato, mostram-se rápidas
imagens, quando disponíveis, sem maiores considerações críticas, e já se passa
9
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 312
9
para outra notícia completamente diferente, em geral futebol, vida dos famosos,
assuntos bastante engajados, enfim. Ocorre um desestímulo à reflexão. Notícias
exibidas em blocos rápidos proporcionam um pensamento fragmentado e
superficial. Não se percebe a conexão entre os fatos e nem se reflete sobre eles.
Ao término do telejornal, quem se lembra qual foi a primeira notícia? Isso sem
considerarmos o efeito dos intervalos comerciais. Após um bloco de notícias
quaisquer, somos bombardeados por comandos de consumo, eles também muito
rápidos e em seqüência. A estrutura dos programas de televisão é elaborada de
modo a não permitir uma reflexão sobre o existente, chegando a alterar o padrão
de funcionamento de nosso raciocínio. Se os seres humanos já possuem uma
predisposição para não se concentrar numa determinada tarefa por mais de
quarenta minutos, a televisão programa nossas mentes para funcionar em blocos
ainda menores, de quinze ou vinte minutos. Como conseqüência, tarefas que
demandem um tempo de concentração mais longo, como a leitura de um livro,
tornam-se fatigantes e aborrecidas. A reflexão sobre o existente fica prejudicada.
Mills, porém, diz que acima de todos esses efeitos colaterais está o que ele
denomina “analfabetismo psicológico”, sobre o qual falaremos agora.
A imensa maioria dos conhecimentos que temos sobre o mundo não
provém de estudos sistemáticos ou de contato direto com a realidade. Esse
conhecimento é produto das comunicações de massa, de uma maneira tão
decisiva que muitas vezes não acreditamos no que vemos à nossa frente enquanto
não lermos no jornal ou virmos pela televisão um comentário a respeito. Os
meios de comunicação de massa não se limitam a transmitir informações; eles
orientam nossas experiências. Nossas visões de mundo, aquilo em que cremos ou
não cremos, em última instância, não é determinado por nossas vivências
pessoais, mas sim pelos recortes e ideologias transmitidos pela mídia. Mesmo
que um sujeito atravesse uma experiência pessoal, ela não poderá ser dita
estritamente pessoal, pois está organizada em torno de padrões e clichês
previamente estabelecidos.
Qualquer tipo de “experiência direta” não será aceita caso contrarie
fidelidades e crenças que o sujeito já tenha incorporado. Para ser aceita, tal
experiência deverá confirmar, justificar ou reconfortar as características básicas
de sua filiação ideológica. É oportuno lembrar que não somente a mídia cumpre
essa função de estabelecer sistemas ideológicos que mediatizem as experiências
humanas. Partidos políticos, instituições religiosas, qualquer aparelho ideológico
possui esse perfil.
São os clichês estabelecidos que determinam a aceitação ou rejeição de
opiniões específicas, não pela sua coerência lógica, mas pelo seu poder
emocional, pelo alívio de ansiedades. “Aceitar opiniões em seus termos é
conseguir o bom sentimento sólido de estar certo sem ter que pensar”10. Por meio
dessa ligação entre clichês ideológicos e opiniões específicas, reduz-se a
10
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 317.
10
ansiedade provocada por eventuais contradições: como os clichês levam a um
desejo de aceitar certa linhagem de pensamento, não existirá uma necessidade de
superar resistências a itens dessa linhagem. Assim, esse tipo de acúmulo de
seleções de opiniões e sentimentos passa a enformar as atitudes e a visão de
mundo do sujeito. O conjunto de convicções assim adquiridas formam um filtro
entre o homem e o mundo, condicionando a aceitação/rejeição de opiniões
específicas e orientando as atitudes a serem tomadas. Mills acredita que o senso
comum estabelecido nesses moldes “é mais comum do que senso”11 e que, para
as gerações seguintes, o senso comum será antes o resultado dos clichês
transmitidos pela mídia do que qualquer tradição social firme.
Mills põe em dúvida a idéia de uma autêntica concorrência entre os meios
de comunicação de massa. Será que as pessoas comparam os diferentes meios
entre si? O autor diz que não, por dois motivos básicos. Primeiro, porque a
introjeção de clichês que vínhamos discutindo é um processo auto-alimentador:
as pessoas tendem a escolher os meios de comunicação com os quais se
identificam melhor, ou seja, aqueles que confirmam as opiniões préestabelecidas. Ninguém parece estar disposto a buscar contra-exemplos em
outros meios. Segundo, porque a idéia de concorrência pressupõe a idéia de
variedade; comparar os diferentes meios pressupõe ter algo a comparar. Já
vimos, com Adorno, que aquilo que se apresenta como variado é apenas uma
repetição do mesmo, apenas com uma maquiagem de novas nuances. A aparente
variedade, num exame mais detalhado, não revela mais do que pequenas
variações sobre temas padronizados.
O poder de infiltração dos meios de comunicação de massa, entretanto,
não se esgota na determinação das experiências externas: eles determinam
também as internas. Definem nossa personalidade. Proporcionam novas
identidades, aspirações e valores. Criam a ilusão de estarmos ligados a grupos
maiores – pouco importando se são reais ou imaginários –, espelhos da autoimagem que forjaremos a partir de então. A mídia diz ao homem quem ele é, o
que deseja ser, como chegar lá e como se consolar se não chegar. Entrega as
fórmulas de desenvolvimento do ser humano, sem no entanto esclarecer que são
falsas fórmulas de um falso desenvolvimento de falsos seres humanos.
Da maneira como estão estruturados, os meios de comunicação de massa
destroem, ao invés de estimular, o debate interpessoal, o intercâmbio de opiniões
em todos os níveis. “Esta é uma das importantes razões pelas quais eles falharam
como força educacional, mas existem como força maligna”12. Fornecem uma
quantidade enorme de informações e notícias sobre o que ocorre pelo mundo,
mas não mostram ao público as relações entre os fatos, nem entre estes e a vida
quotidiana, os problemas enfrentados por cada um de nós. Não aumentam nossa
percepção das tensões da sociedade. Ao invés disso, procuram nos distrair,
desviar nossa atenção para a importância de acontecimentos absolutamente
11
12
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 317.
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 318.
11
irrelevantes. Perdemos tempo e neurônios tentando desvendar quem é o assassino
da novela das oito, dinheiro e saúde tentando atingir padrões de beleza possíveis
apenas para as dançarinas de axé, argumentações sobre quem é o melhor jogador
de futebol do mundo e exercitando uma patética democracia votando em quem
deve deixar a casa do reality show. Enfim, os meios de comunicação de massa
ofuscam qualquer oportunidade de compreender o mundo e de emancipar-se, sob
a hipócrita alcunha de entretenimento e cultura popular.
“Os meios de comunicação em massa dizem coisas exageradas e
contraditórias, banalizam sua mensagem e se anulam mutuamente”13. De fato,
mas deve-se compreender a palavra contraditórias com relação à realidade14,
nunca com relação aos meios de comunicação de massa entre si. “Pois a cultura
contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as
revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são
em conjunto”15. Daí a padronização da mensagem.
A grande velocidade e solidez com que se dá a formação do consenso
social pela mídia possui ainda outra componente. A persuasão dos meios de
comunicação de massa não teria tanta força se fosse assim tão impessoal. É
necessário atingir as pessoas no contexto em que vivem e, de preferência, por
meio de outras pessoas, dos companheiros cotidianos, nos quais é mais seguro
confiar. Assim, a manipulação ganha uma nuance mais pessoal e, por isso, mais
difícil de se resistir, mais sutil. O público consumidor da grande imprensa – não
das bobagens citadas acima, mas da que pretensamente discute ciência, política e
economia – não é exatamente a grande massa, mas uma camada mais restrita
desta, de classe média ou alta, mais instruídos do que a média da população. São
empresários, profissionais liberais e (é necessário dizê-lo) professores, o
chamado público formador de opinião. São eles que tomam um contato mais
aprofundado com a informação, absorvem-na, refletem sobre ela e completam
sua difusão para seus empregados, clientes e alunos.
A educação universal, conforme já foi citado, tornou-se também um
veículo de massificação. Aquilo que deveria ser um instrumento de emancipação
do ser humano e de transformação da sociedade não passa hoje de educação
vocacional, abertamente voltada para o simples ensino de técnicas e
conformismo feliz com a realidade, apontando os caminhos não para modificá-la,
mas para nela se destacar. As instituições educacionais bloqueiam a transmissão
de valores e, no lugar deles, desenvolvem apenas habilidades úteis para a futura
adaptação da criança ao mercado de trabalho, haja vista a disseminação de
escolas infantis que incluem em sua grade curricular disciplinas como
informática, espanhol e inglês. Seu intuito não é formar uma criança
cosmopolita, apta a compreender a diversidade cultural do mundo, mas sim
prepará-la desde muito cedo para se destacar no mercado de trabalho
13
Mills, in: Martins, Foracchi (1994), p. 319.
Mas podemos mesmo falar em realidade num mundo onde tudo é falso?
15
Adorno & Horkheimer (1985), p. 113.
14
12
extremamente competitivo que futuramente enfrentará. Obviamente, não são as
crianças que escolhem estas escolas, mas seus pais, o que demonstra que a
educação emancipadora já está impossibilitada desde seu berço. A educação
libertadora perde importância em favor dessa adaptação, a ponto de os estudantes
que concluem o ensino médio no Brasil terem a oportunidade de saber se foram
suficientemente bem adestrados prestando um exame que avalia as
“competências e habilidades” adquiridas, se aprenderam a ler, escrever, fazer
contas e executar pequenos comandos. Isso tudo será muito útil para sua futura
vida profissional – ler, escrever, fazer contas e executar pequenos comandos é
tudo de que necessitam saber –, desde que, juntamente com esse pacote, não
tenha vindo o aprendizado do questionamento da ordem estabelecida.
Se o problema parasse por aqui, já seria um quadro desesperador, mas ele
é piorado quando se forma o binômio educação-comunicação de massa. Os
professores empregam as matérias publicadas pela mídia como instrumento de
trabalho, como material de preparação para suas aulas. Se a mídia afirma que o
planeta está esquentando, esta deve ser uma informação importante – do
contrário, não seria notícia –, deve ser verdade – do contrário, não seria veiculada
por uma revista de renome –, portanto, deve ser repassada aos alunos. Deve
constar da apostila do cursinho em sua próxima edição, e aquele que ousar
contrariar a informação contida ali será acusado de falta de ética com os outros
professores, por discordar deles diante dos alunos. Deve ser trabalhada em sala
como parte importante do processo de aprendizado, as atualidades; um aluno que
sabe apenas armazenar informações não é o mais propenso a se dar bem na vida,
mas sim aquele que, além disso, sabe o que vai pelo mundo, e não dispensa essa
valiosa fonte de conhecimento que é a mídia. Se o planeta está esquentando, cabe
às crianças, a geração do futuro, pressionar e trabalhar pela reversão desse
quadro. Elas devem ser doutrinadas pelos dogmas estabelecidos, pouco
importando se são ou não verdadeiros. É através desses professores, dessas
escolas, desse sistema educacional que as crianças têm seu adestramento a cada
dia mais aperfeiçoado, mais compatível com as necessidades de uma sociedade
emburrecedora. Por isso, é necessário tomar muito cuidado com atitudes guiadas
pela romântica filosofia do “só a educação é o caminho”, “a educação ambiental
é a chave para o fim da devastação”, e por aí afora. Se for deste modelo de
educação que estamos falando, não sei de onde tirar esperanças.
Sabemos que a esmagadora maioria das pessoas tem como principal fonte
de informação o jornalismo, largamente empregado na divulgação das questões
ambientais da atualidade. Surge, então, um ramo chamado “jornalismo
ambiental”, definido da seguinte maneira por Bacchetta:
“ O jornalismo ambiental considera os efeitos da atividade
humana, a partir da ciência e da tecnologia em particular, sobre o
planeta e a humanidade. Deve contribuir portanto à difusão de
temas complexos e à análise de suas implicações políticas, sociais,
culturais e éticas. É um jornalismo que procura desenvolver a
13
capacidade das pessoas para participar e decidir sobre sua forma de
vida na Terra, para assumir definitivamente sua cidadania
planetária”16.
O autor segue apresentando outra definição semelhante, segundo a qual
jornalismo ambiental é o tratamento dispensado pelos meios de comunicação de
massa aos temas relacionados ao meio ambiente, constituindo-se assim em um
dos ramos mais amplos e complexos do jornalismo, na medida em que estabelece
relações entre diversos campos do conhecimento. Justamente por isso, ele exige
uma ampla formação e domínio de tais campos.
Ainda segundo este mesmo autor, tenta-se por vezes classificar o
jornalismo ambiental como um ramo do jornalismo científico, porém essa
classificação não pode ser considerada ideal porque o jornalismo ambiental não
se limita a expor os problemas ambientais de um ponto de vista puramente
natural, mas também suas implicações políticas e éticas, sobre as quais a ciência
moderna, pura, não é capaz de emitir julgamentos. O jornalismo ambiental deve,
assim, estar em condições de questionar os valores culturais vigentes.
Ao ler e escrever estas linhas, confesso ter ficado sem reação. O grau da
ingenuidade é tamanho que, fazendo meu o pessimismo adorniano, não acredito
existir solução para a demência daqueles que, diante de todas as evidências,
ainda acreditam que o jornalismo possui algum resquício de propriedade
emancipadora. Mas vamos em frente, tentando dar mais um argumento aos que
acreditam nessa possibilidade.
Mora17, discutindo a divulgação popular de novas idéias científicas,
comenta o quanto é raro encontrar um cientista que dedique parte de seu tempo à
ampla divulgação de suas descobertas, cabendo esta tarefa, nos dias atuais, ao
jornalista. Para este, porém, mais importante que o conteúdo da mensagem é
fazê-la chegar às massas, preferencialmente transformando-a numa matéria de
impacto. Diante desse quadro, a autora sugere a atuação de uma espécie de
“crítico da ciência”, como um intermediário entre o cientista e o público leigo,
atuante nos meios jornalísticos e de divulgação. Seria um profissional que
reuniria o conhecimento científico às altamente complexas habilidades da
linguagem da comunicação de massa. Ao final, a autora dá a esse divulgador
profissional o título de “ser mítico”, porque deveria reunir capacidades que
normalmente não andam juntas: “a boa escrita e o conhecimento amplo da
ciência”18.
Concordamos com a autora quanto ao título de “ser mítico” ao crítico da
ciência, mas não pelas duas capacidades supostamente incompatíveis que deveria
reunir. Quando a divulgação científica se faz por meio do texto jornalístico, boa
16
Bacchetta (2000), p. 18.
Mora (2003), p. 33-35.
18
Mora (2003), p. 34.
17
14
escrita é um elogio descabido. A autora, porém, faz relativizações, afirmando que
não está descartada a possibilidade de existência de jornalistas sérios e
preparados no ramo da divulgação científica. Muito embora não acreditemos
realmente nessa possibilidade, façamos uma concessão e imaginemos um
jornalista “sério e preparado”, interessado em proceder a uma divulgação
científica de qualidade. Cedo ou tarde, no entanto, ele se deparará com algumas
normas da profissão, institucionalizadas ou tradicionais. Exporemos aqui como
exemplo algumas instruções de redação jornalística retiradas do Manual de
redação e estilo do jornal O Estado de S. Paulo19, mas que também podem ser
verificadas em outros veículos da imprensa brasileira (grifos no original).
1) Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso (...). Não é justo exigir que o
leitor faça complicados exercícios mentais para compreender a matéria.
3) A simplicidade é condição essencial do texto jornalístico (...).
4) (...) Dispense os detalhes irrelevantes e vá diretamente ao que interessa, sem
rodeios.
5) (...) fuja, isto sim, dos rebuscamentos, dos pedantismos vocabulares, dos
termos técnicos e da erudição.
8) Tenha sempre presente: o espaço hoje é precioso; o tempo do leitor, também.
Despreze as longas descrições e relate o fato no menor número possível de
palavras (...).
10) (...) Adote como norma: os leitores do jornal são pessoas comuns, quando
muito com formação específica em uma área somente.
11) Nunca se esqueça de que o jornalista funciona como intermediário entre o
fato ou fonte de informação e o leitor (...).
20) Faça textos imparciais e objetivos. Não exponha opiniões, mas fatos, para
que o leitor tire deles as próprias conclusões (...).
30) A falta de tempo do leitor exige que o jornal publique textos cada dia mais
curtos (20, 40 ou 60 linhas, em média). Por isso, compete ao redator e ao
repórter selecionar com o máximo critério as informações disponíveis, para
incluir as essenciais e abrir mão das supérfluas (...).
47) Um assunto muito atraente ou importante resiste até a um mau texto. Não há,
porém, assunto mediano ou meramente curioso que atraia a atenção do leitor, se a
matéria se limitar a transcrever burocraticamente e sem maior interesse os dados
do texto.
Deixamos uma única pergunta ao leitor: nosso imaginário jornalista sério
e preparado, obedecendo a tais normas, preocupadas em encurtar o tamanho da
notícia para não prejudicar o espaço reservado aos anunciantes, obterá sucesso
em seu empreendimento de divulgação científica e emancipadora de qualidade?
Não, a mídia não é polifônica.
19
O Estado de S. Paulo, p. 16-21.
15
6.2 A divulgação da temática das mudanças climáticas pela revista Veja:
Neste sub-capítulo, faremos um resumo das matérias publicadas pela
revista Veja entre os anos de 1997, quando ocorreu a reunião de Kyoto, até o ano
de 2006. A grafia de nomes pessoais e geográficos foi mantida20. Durante esse
período, três edições estamparam capas sobre o aquecimento global: 18/4/2001,
21/8/2002 e 12/10/2005. Se o leitor preferir, pode ler apenas uma ou duas; afinal,
são todas iguais...
Veja, 10 de dezembro de 1997
Fumaça da discórdia. Conferência no Japão tenta chegar a um acordo sobre o
aquecimento global.
A matéria aborda a reunião de representantes de 170 países na cidade de
Kioto, no Japão, desde a semana anterior, para discutir os rumos das políticas de
contenção das mudanças climáticas globais, que podem destruir o planeta dentro
de algumas décadas. Ainda não há provas conclusivas sobre as causas e os
efeitos do problema, mas sabe-se que a temperatura média do planeta aumentou
meio grau Celsius nos últimos 100 anos e 1997 registrou recordes de
temperatura. As opiniões sobre o assunto são diversas, como a de Richard
Lindzen, do MIT, que afirma que o gelo de muitas geleiras teve início antes da
Revolução Industrial, sendo portanto um fenômeno natural. Sabemos que nosso
planeta já assistiu a inúmeras mudanças climáticas para aquecimento e
resfriamento, e que podemos estar entrando em mais um ciclo de mudança, que
em condições normais só ocorreria no fim do próximo milênio, mas pode estar
sendo acelerado pela excessiva emissão de poluentes resultantes da queima de
combustíveis fósseis. A posição mais relutante em relação à necessidade de
redução dessas emissões é a dos Estados Unidos, que prefere adiá-las para 2012.
Mas, apesar da falta de provas científicas sobre o efeito estufa, uma coisa é certa:
a reunião de Kioto mostra que a comunidade internacional está mais sensível em
relação à urgência de mitigação dos problemas ambientais da atualidade,
diferentemente do caso do buraco na camada de ozônio, causado pela emissão
desenfreada de CFCs, para o qual as providências tomadas demoraram muito a
chegar.
Veja, 22 de dezembro de 1999
O planeta resiste aos ataques. Apesar do desmatamento e da poluição, o mundo
não está tão mal quanto se previa.
A matéria faz um balanço otimista dos problemas ambientais do século
XX e conclui que desenvolvimento não é sinônimo de devastação, pois já foram
realizados grandes avanços pela preservação do meio ambiente. Ainda restam,
porém, muitos desafios, sendo um deles o efeito estufa, que fez os últimos 25
anos serem os mais quentes da história. Também são fornecidos dados que
mostram os avanços e os problemas persistentes.
20
Infelizmente, ainda não foram localizadas as edições de 16/9/1998, 17/5/2000 e 8/8/2001.
16
Veja, 29 de março de 2000
Está virando água. Aquecimento da Antártica transforma radicalmente a
geografia e os hábitos da fauna no Pólo Sul.
A matéria constata uma redução da espessura e da extensão do gelo da
Antártica. Desde a década de 40, a temperatura da Península Antártica subiu
entre 1,6 e 2,2oC, o suficiente para alterar significativamente a paisagem.
Enormes blocos de gelo desprendem-se do continente, o que pode elevar o nível
dos mares em 60 centímetros nos próximos 100 anos, mantido o ritmo de
aquecimento. Também estão ocorrendo mudanças nos hábitos e no tamanho das
populações de krill, pingüins e leões-marinhos. Os degelos também são intensos
na Groenlândia – que perde um metro de espessura do gelo por ano –, no Ártico
– que perde uma Holanda por ano – e nas geleiras das montanhas, todos
processos auto-alimentadores por conta da redução do albedo. Várias hipóteses
são evocadas para explicar todo esse degelo; uma delas é a variação da atividade
solar mas, do acordo com o IPCC, o grande vilão é mesmo o efeito estufa
causado pelo lançamento excessivo de dióxido de carbono na atmosfera. De
acordo com José Antônio Marengo, do INPE, há um consenso cada vez maior de
que as variações naturais, sozinhas, não explicam o aquecimento. A matéria é
concluída com a idéia de que a participação da poluição no processo de
aquecimento do planeta é inegável e que, mantidos os níveis de emissões de
gases, no século XXI a Terra esquentará mais rápido do que em qualquer outro
momento dos últimos 10000 anos.
Veja, 31 de janeiro de 2001
Tragédia ecológica. Cientistas de 99 países projetam aumento recorde na
temperatura da Terra para o próximo século.
A matéria fala de um estudo realizado por 99 cientistas de diversos países,
reunidos em Xangai, segundo o qual a temperatura do planeta poderá aumentar
até 5,8oC até 2100, número que funcionaria como “um estridente apelo contra as
crescentes emissões de dióxido de carbono e outros gases que aumentam o efeito
estufa no planeta”. Mas também foi elaborado um cenário mais otimista, de um
aumento de 1,4oC, o que ainda assim é muito. No pior cenário, o nível do mar
poderá subir 80 centímetros e, conforme prevê Robert Watson, coordenador do
estudo, Bangladesh perderia 18% de seu território. Tais resultados atestam que a
principal força motriz da mudança climática na Terra é o homem, mas isso está
longe de ser um consenso, pois existe a hipótese de que o sol esteja passando por
um período de alta atividade, enviando assim mais energia para a Terra ou de que
o planeta esteja passando por mais um de seus ciclos naturais de aquecimento e
resfriamento. Richard Lindzen, do MIT, afirma que o degelo do Alasca e da
Antártica começou antes da Revolução Industrial, sendo portanto um fenômeno
natural sobre o qual o homem não tem controle. Seja como for, o alerta de
Xangai tem um caráter preventivo e cobra o controle de emissão de gases.
17
Veja, 28 de fevereiro de 2001
Tempo quente. ONU prevê catástrofes sociais com o aquecimento global.
A matéria trata de um estudo realizado por pesquisadores da ONU,
segundo o qual o aquecimento global pode prejudicar a produção agrícola dos
paises tropicais, por conta de secas, enchentes e tempestades. Já os países do
hemisfério norte, onde se concentra o mundo desenvolvido, sairia beneficiado
pela possibilidade de cultivos em invernos mais amenos. De acordo com esse
mesmo estudo, o aquecimento global poderá provocar um aumento de
temperatura de 5,8oC nos próximos 100 anos, e já está dando sinais, como o
derretimento de 82% das neves do Kilimanjaro desde 1912. Há uma foto da
montanha africana e a estimativa de que, dentro de 20 anos, o gelo restante
também desaparecerá.
Veja, 18 de abril de 2001
A natureza contra-ataca. O planeta começa a responder com derretimento das
geleiras, secas, escassez de água e aquecimento global aos milhares de anos de
agressões feitas pelo homem.
A matéria é iniciada lembrando o quanto o ser humano é novo no planeta,
mas mesmo assim tem uma velocidade de transformação do espaço nunca vista
antes. Por causa de todas as agressões cometidas à natureza desde o surgimento
do homem, ela agora começa a cobrar a conta. “o balanço da atividade humana
mostra uma tendência suicida”, os rios e a atmosfera estão desmesuradamente
poluídos, as florestas nativas já perderam grandes extensões e a extinção de
espécies avança num ritmo cinqüenta vezes maior do que a seleção natural. O
efeito mais claro desse acerto de contas do planeta é o aquecimento global, cuja
causa mais provável é a emissão desenfreada de gases estufa. Para confirmar essa
hipótese, a matéria cita ninguém menos do que Stephen Hawking, que teria dito:
“Durante anos, parte da comunidade científica se enganou atribuindo o
aquecimento aos ciclos naturais do planeta e às mudanças na atividade solar.
Hoje existe uma quase unanimidade de que o problema é causado por nós
mesmos”. Thelma Krug, do INPE, também é evocada: “Já estamos e vamos
continuar pagando o preço do que fazemos hoje com o planeta. Isso não é
especulação. É uma constatação científica”. Mantido esse ritmo, o efeito estufa
poderá fazer a temperatura da Terra subir até 5,8 graus e o nível dos mares 80
centímetros até 2100. “É uma catástrofe. Ilhas, deltas de rios, cidades costeiras
acabariam debaixo das águas”. Mas 2100 não é um prazo muito distante? Não.
“Ninguém se iluda com a idéia de que a longo prazo todos estaremos mortos e,
portanto, de que a Terra estar um pouco mais quente daqui a 100 anos é um
problema para os netos de nossos bisnetos. Nada disso. Os primeiros sinais já
estão por toda parte”, como o degelo dos pólos, alterações na duração das
estações e violentas inundações. Toca-se no assunto da recusa norte-americana
em ratificar o Protocolo de Kioto, e termina-se lembrando a hipótese Gaia, de
James Lovelock. Devemos tratar a Terra com carinho, pois esses contra-ataques
18
da natureza são os ajustes que ela está fazendo para manter sua saúde. Seu
compromisso é com todas as formas de vida, e não apenas com o homem.
Veja, 17 de outubro de 2001
Estufa do bem. Dados da Nasa mostram que o aquecimento global tornou as
florestas mais verdes e exuberantes.
A matéria mostra que o aquecimento global, apesar de suas conseqüências
nefastas, também tem seu lado bom, como mostra um estudo da Nasa segundo o
qual as temperaturas mais elevadas favoreceram o crescimento das florestas do
hemisfério norte nos últimos vinte anos. As zonas mais beneficiadas por esse
aumento médio das temperaturas e do número de dias quentes no ano foram o
centro-norte da Europa, a Sibéria, o norte do Canadá e o nordeste dos Estados
Unidos. Aponta também “uma peça pregada pela natureza”, que seria a
possibilidade de florestas mais exuberantes absorverem mais gás carbônico, “o
vilão do efeito estufa”. Porém, Luiz Gylvan Meira Filho alerta que essa
compensação pode não acontecer, pois com o tempo as temperaturas elevadas
podem matar as plantas e então elas se tornariam gás carbônico.
Veja, 30 de janeiro de 2002
Ainda mais fria. Em lugar de estar subindo, como no resto do planeta, a
temperatura cai na Antártica.
A matéria relata dois estudos divulgados naquele mês, segundo os quais,
na maior parte do continente antártico, a temperatura caiu um grau nos últimos
quinze anos, contrariando as previsões de aquecimento, que estariam assim
equivocadas. Esse equívoco poderia ser explicado pelo fato de a Antártica ser
comparada ao Ártico, onde de fato as geleiras estão se derretendo. Peter Doran,
da Universidade de Illinois, diz que, além disso, a maior parte dos estudos sobre
o continente é realizada na península Antártica, onde as temperaturas são
relativamente mais altas. A matéria é concluída com a consideração de que,
apesar de o século XX ter sido o mais quente já registrado na história humana,
muito provavelmente por influência antrópica, a Terra possui um ciclo natural de
eras glaciais e, assim, essa diminuição de temperatura na Antártica pode indicar
que “em vez de calor, pode ser que um frio de rachar esteja batendo a nossa
porta”, ou seja, a iminência de uma nova glaciação.
Veja, 17 de abril de 2002
Esquenta ou esfria? Diferença de temperatura na Antártica embaralham teorias
sobre aquecimento global.
A matéria constata a existência de teorias divergentes sobre a variação de
temperatura do continente antártico: enquanto algumas pesquisas mostram que
houve um aumento de temperatura, outras mostram que houve diminuição. Essa
aparente contradição ocorre porque algumas regiões, como a península antártica,
apresentaram um aquecimento (2,5oC em 50 anos), enquanto outras, como o
19
interior do continente, apresentaram resfriamento (1oC em 15 anos). A dúvida
decorre, enfim do erro de se extrapolar tendências regionais a todo o continente.
Além disso, tais variações de temperatura não seriam suficientes para provar ou
refutar a hipótese do aquecimento global. A área atualmente comprometida com
aquecimento comporta menos de 5% do gelo do continente, confrontando a idéia
da iminência do derretimento de todas as suas geleiras, o que elevaria o nível do
mar em 60 metros.
Veja, 21 de agosto de 2002
A Terra pede socorro. Dez anos depois da Eco 92, há pouco para comemorar. A
poluição e o uso predatório dos recursos naturais aceleraram o efeito estufa e a
destruição das florestas. Mas existem formas de corrigir esses erros.
A matéria enfoca diversos problemas ambientais enfrentados pelo planeta
às vésperas da Convenção de Johanesburgo, a Rio+10. Dez anos após a
realização da convenção do Rio de Janeiro, os resultados obtidos foram muito
tímidos. São explorados os temas da poluição atmosférica, demanda por
alimentos e recursos naturais, lixo, escassez de água, desmatamento, pesca
predatória e, não podia faltar, o aquecimento global, “o efeito mais terrificante
por suas implicações no cotidiano das pessoas”. Desde as primeiras medições, no
final do século XIX, a década de 1990 foi a mais quente. Em um século, o nível
do mar subiu 10 centímetros. Apesar de o planeta sempre ter passado por ciclos
de aquecimento e resfriamento, agora é a atividade industrial que está
interferindo. Desde 1750, as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram em
30%, mais da metade dos quais nos últimos cinqüenta anos. Amostras de geleiras
da Antártica atestam que vivemos as concentrações mais altas desse gás dos
últimos 420.000 anos e, provavelmente, dos últimos 20 milhões. Três quartos
dessas emissões provêem da queima de combustíveis fósseis e o restante do
desmatamento. Lester Brown, fundador do Instituto Worldwatch, afirma: “Não
há mais dúvida de que as mudanças ambientais são causadas pelo homem. Já não
são só os ambientalistas que pensam assim”. Prevê-se um aumento de até 5,8
graus até 2100, mas as mudanças na paisagem já são evidentes: um exemplo é o
Kilimanjaro, que já perdeu 82% de suas geleiras desde 1912, e perderá o restante
dentro de vinte anos; secas na África e as enchentes na Alemanha e na República
Checa na semana anterior, são também evidências das mudanças climáticas.
Veja, 2 de outubro de 2002
Flores no deserto. Mudança climática faz vegetação avançar nas areias do Saara,
invertendo as previsões.
A matéria trata de uma reversão da tendência ao ressecamento,
característico das décadas de 70 e 80, da região norte do Sahel. Aquilo que já foi
considerada uma área condenada para a sobrevivência humana hoje exibe alguma
cobertura vegetal composta de arbustos e pequenas árvores. As causas dessa
recuperação seriam um aumento das chuvas na região nos últimos 15 anos e
melhorias nas técnicas de cultivo, que se tornaram menos degradantes. A maior
20
umidade do Sahel estaria trazendo de volta agricultores anteriormente expulsos
pela seca para cidades, campos de refugiados e países vizinhos.
Veja, 13 de agosto de 2003
A Europa pega fogo. Verão quente demais pode ser indício de que se acelerou o
ritmo do aquecimento global.
A matéria trata da onda de calor que a Europa enfrentou no verão daquele
ano, fruto de uma massa de ar quente vinda do Saara que estacionou sobre o
continente, provocando temperaturas muito elevadas, focos de incêndios,
derretimentos das geleiras de montanhas, perdas de safras e dezenas de mortes.
Tudo indica que a onda de calor seja causada pelo aquecimento global, que fez a
temperatura da Terra elevar-se de um grau nos últimos 100 anos e, a continuar
nesse ritmo acelerado, como a onda de calor denuncia, fará a temperatura subir
seis graus nos próximos 100 anos, levando ao derretimento das geleiras,
desaparecimento de ilhas e inundações de cidades costeiras. O meteorologista
Michael Knobelsdorf, do Serviço de Meteorologia Alemão, afirma que a
ocorrência de eventos climáticos extremos em intervalos de tempo cada vez mais
curtos pode ser um sinal de mudança de clima. Curiosamente, na Grécia, onde as
temperaturas de verão costumam ultrapassar os 40oC, naquele ano estava em
torno dos 32oC. “Um sinal de que, de fato, o clima enlouqueceu na Europa”.
Veja, 1o de outubro de 2003
Os segredos da geleira. Aquecimento global derrete o gelo no alto dos Alpes e
expõe relíquias arqueológicas.
A matéria afirma que o degelo excepcional ocorrido nos Alpes no verão
daquele ano permitiu encontrar nos meses anteriores dez corpos mumificados.
São relatados também a descoberta (sem data) de destroços de um avião da Força
Aérea Nazista e o famoso caso do homem que viveu há 5000 anos, cujo corpo foi
preservado nas geleiras, na fronteira entre a Áustria e a Itália. Com o aumento
médio da temperatura, vem ocorrendo degelo a mais de 4000 metros de altitude,
tendo o volume do gelo sido reduzido à metade em meio século. Na Suíça, a
retração está ocorrendo ao ritmo de 20 metros por ano, mas esse valor pode
chegar a 100 em anos de verões mais quentes. Ou seja, o aquecimento global
pode se tornar um aliado das descobertas arqueológicas.
Veja, 24 de dezembro de 2003
O planeta verão
Esta edição faz uma retrospectiva do ano de 2003. O texto é curto, mas
consegue sintetizar a idéia, por isso vale a pena citá-lo na íntegra:
“No início do ano cientistas confirmaram que na Antártica a temperatura média
subiu 2,5 graus no último meio século. Em agosto, incêndios devastaram 1750
quilômetros quadrados de florestas na Europa. Neves eternas derreteram-se nos
21
Alpes, expondo relíquias arqueológicas há milênios escondidas. O aquecimento
global deixou de ser apenas uma hipótese”.
Veja, 21 de janeiro de 2004
Cada vez mais quente. O homem calcula a temperatura média do planeta desde
1861. E nunca se registraram ondas de calor intensas como as dos últimos anos.
A matéria é aberta com uma imagem do planeta Terra fumegando dentro
de uma frigideira incandescente. O texto se inicia com a informação de que a
temperatura do planeta elevou-se de um grau nos últimos 100 anos. Derretimento
das geleiras no Kilimanjaro e nos Alpes, ondas de calor e enchentes na Europa,
secas, tufões, “tudo é creditado ao progressivo aquecimento global”. Os seis anos
anteriores registraram as três mais altas temperaturas desde 1861. Nesse ritmo, a
temperatura média do planeta pode aumentar 5,8 graus até 2100. Parte dos
cientistas credita esse aquecimento aos ciclos naturais do planeta, enquanto
outros acreditam que os responsáveis são o homem e sua emissão exagerada de
gases estufa desde o início da Revolução Industrial, hipótese da qual o IPCC
acredita haver “fortes evidências”. Uma das conseqüências é o degelo das calotas
polares e das montanhas, que acelera o aquecimento e altera a salinidade do mar,
modificando os padrões das correntes marítimas e, conseqüentemente, o regime
de ventos. São citadas a onda de calor na Europa em 2003 e a redução em 30%
da pesca no lago Taganica, seguidas de um alerta de Vernon Kousky, do National
Oceanic and Atmospheric Administration dos Estados Unidos: “É difícil afirmar
que todas essas mudanças estão relacionadas ao efeito estufa, mas, se não
reduzirmos a quantidade de gases emitidos na atmosfera, viveremos em um
mundo mais quente e com grandes tragédias associadas ao clima”. 2100 cidades
em ilhas e deltas de rios podem simplesmente desaparecer. Os hábitos dos
animais vêm sofrendo modificações em função do clima – cita-se o caso do
esquilo canadense explorado na matéria de 10/8/2005– e um terço da Amazônia
pode se transformar num imenso cerrado, perdendo muitas espécies, conforme
Carlos Nobre, coordenador-geral do CPTEC.
Passa-se então a uma discussão sobre as mitigações. Os prejuízos da
manutenção do aquecimento podem atingir 794 bilhões de dólares na próxima
década, contra 459 bilhões em custos de mitigação. A proposta do Protocolo de
Kioto é uma redução de 5% da emissão de poluentes até o ano de 2012, meta
dificultada pela não-adesão dos Estados Unidos e da Rússia. Por conta desse
impasse, uma saída apresenta-se viável, os Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo, através dos quais os paises poluidores financiam projetos e programas de
preservação do meio ambiente em paises mais limpos. O Brasil pode sair
ganhando com essa proposta pois, de acordo com Paulo Moutinho, do Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia, “A redução do desmatamento será um bom
negócio”.
22
Veja, 23 de junho de 2004
100 questões para entender o mundo.
A matéria é estruturada na forma de 100 perguntas e respostas sobre
diversos assuntos no mundo contemporâneo. As oito últimas tratam da crise
ambiental, sob o título “Planeta em crise”, e são respondidas pelo cientista James
Gustave Speth, da Universidade Yale. Reproduzimos a questão de número 93:
“Provocar medo nas pessoas e não trazer fatos ou pesquisas novos tem sido a
estratégia dos ambientalistas. Ela está funcionando? Está. Na verdade não
precisamos de fatos novos. Danos irreversíveis já foram feitos ao planeta, eles
são conhecidos. A hora, agora, é de ação”.
Na questão 95, o cientista desaprova a recusa de Bush em ratificar o
Protocolo de Kioto e na questão 99 ele sugere que o cidadão comum pode
contribuir com a preservação do planeta, por exemplo, comprando o computador
e a geladeira que consomem menos energia ou o carro que consome menos
combustível.
Veja, 17 de novembro de 2004
Uma luz na fumaceira. Com a adesão da Rússia, o Protocolo de Kioto, que
combate o efeito estufa na atmosfera, finalmente decola.
A matéria traz duas notícias sobre o tema do aquecimento global ocorridas
nas semanas anteriores. A primeira é a adesão da Rússia ao Protocolo de Kioto
que, por ser responsável por 17% da emissão de gases estufa, fez o Protocolo
atingir a meta de adesão de responsáveis por 55% das emissões. A segunda é a
divulgação de um estudo que afirma que “o aquecimento global está esquentando
o Ártico quase duas vezes mais rápido que o resto do planeta, provocando um
derretimento das geleiras que até o fim deste século pode acabar com a calota
polar e elevar o nível dos oceanos em 90 centímetros, ameaçando milhões de
vidas e acabando com cidades inteiras”. Também afirma que “A temperatura
geral da Terra aumentou 0,5 grau no século XX e os anos 90 registraram as
temperaturas mais quentes da história”. Em seguida, mais algumas palavras sobre
o Protocolo de Kioto e a negativa de George W. Bush em ratificá-lo.
Veja, 22 de dezembro de 2004
O estado geral da Terra
Na edição de retrospectiva do ano de 2004, a revista dedicou 34 páginas,
além de uma chamada de capa, a uma reportagem sobre os atuais problemas
ambientais que assolam o planeta, estruturados em sub-matérias de acordo com a
questão discutida.
Ela é iniciada com um índice e três parágrafos que lembram o quanto a
Terra é um planeta único e que, de certa forma, todo o universo conspirou para
23
que ela se formasse. Certamente tais raciocínios incitam à necessidade de sua
preservação. Nas duas páginas seguintes, temos um infográfico baseado num
mapa mundi, onde foram posicionados e descritos os desastres ambientais atuais.
Segue-se a primeira sub-matéria:
Sinais de mudança. A questão não é mais se haverá ou não aquecimento global: o
processo já está em andamento e o que se vê agora são apenas os seus primeiros
efeitos.
Acompanha-a uma foto de uma página e meia do ciclone Catarina, uma
pequena foto de uma enchente no Quênia, quatro pequenas fotos mostrando o
desprendimento de um enorme iceberg na Antártida, um gráfico sobre as perdas e
indenizações pagas em conseqüência de catástrofes naturais, uma foto aérea de
uma página da cidade de Veneza, uma pequena foto de uma enchente nesta
mesma cidade e um infográfico que explica por que o nível dos oceanos está
subindo.
O texto se inicia com a explicação de que mudanças climáticas sempre
foram fenômenos naturais, mas elas nunca haviam ocorrido com tamanha
rapidez. Um sinal delas, dizem cientistas ingleses, foi o ciclone Catarina na
América do sul neste ano, e eles alertam que, dentro de uma década, este será um
fenômeno comum. São citados o desprendimento de icebergs do tamanho do
Distrito Federal e três vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro; inundações
em Veneza, perdas de terras litorâneas nos Estados Unidos, China e Bangladesh.
A década de 1990 foi a mais quente já registrada e calcula a OMM que pelo
menos 160.000 pessoas morram por ano em conseqüência das mudanças
climáticas. Os glaciares estão sendo reduzidos: a continuar nesse ritmo, até 2035
não haverá mais gelo no centro-leste do Himalaia nem congelamento no Ártico
no verão no fim do século. Todas essas mudanças estão alterando também a
fisiologia e os hábitos de diversas espécies de animais. Segue-se uma explicação
de que as quantidades de gases tóxicos e estufa dispersos na atmosfera
aumentaram muito desde o início da Revolução Industrial e de como eles atuam
no efeito estufa. Sydney Levitus, do serviço de meteorologia americano, diz que
mesmo que as emissões sejam controladas agora, a Terra continuará esquentando
por mais 100 anos, por conta da capacidade térmica dos oceanos. Por fim, “O que
se vê agora, para muitos cientistas, é apenas o começo de uma tendência que vai
se agravar ao longo das décadas”.
As sub-matérias seguintes, com duas páginas cada, tratam da exploração
desenfreada dos recursos naturais; a escassez de água no mundo; incêndios
florestais; pesca predatória e a produção exagerada de lixo.
Em seguida, vemos um artigo de uma página de George Philander,
intitulado “O que o El Niño pode nos ensinar”. Começa falando sobre o quanto o
El Niño já foi considerado uma bênção (daí seu nome fazer referência ao menino
Jesus), por trazer chuvas às costas desérticas do oeste da América do sul, e o
24
quanto ele é amaldiçoado hoje. É um paradoxo que, conforme aumentem nossa
riqueza e população, aumente nossa vulnerabilidade aos desastres naturais. O El
Niño tem muito a nos ensinar, mas “devemos evitar a tentação de adiar decisões
políticas difíceis em nome de uma suposta necessidade de informações mais
completas”21. Ressalta a precisão já atingida pelos métodos de previsão
meteorológica e climática e diz que, mesmo que elas não sejam totalmente
seguras, podemos fazer muito para mitigar os impactos dos desastres naturais,
mas isso depende de vontade política. “Nos Estados Unidos, por exemplo, não se
coíbe a construção de edifícios altos em regiões sujeitas a furacões. O resultado é
que, quando eles atingem o litoral, acabamos por nos considerar inocentes
vítimas de catástrofes. Devemos ter em mente que, se enfrentamos cada vez mais
problemas com fenômenos como El Niño e furacões, não é porque nossas
previsões são defeituosas, e sim porque nosso modo de viver e conduzir os
negócios está mudando”. Ainda não temos resposta para muitas questões sobre o
clima, “mas podemos esperar que políticos sábios, que levem em conta o que os
cientistas podem prever e que estejam cientes das inevitáveis limitações do
conhecimento destes, façam com que o El Niño continue a ser uma bênção, em
vez de uma praga”.
A seguir, vemos uma entrevista, de título “Uma ameaça maior que o
terrorismo”, com o químico David King, professor da Universidade de
Cambridge, considerado o cientista número 1 da Inglaterra e cujas opiniões sobre
as questões ambientais são sempre ouvidas pelo primeiro ministro Tony Blair.
Em janeiro, publicou um artigo na revista Science, onde qualificou as mudanças
climáticas como “um perigo com dimensões maiores que as do terrorismo”. Ao
longo da entrevista, ele afirma que “O aquecimento que nós vemos não pode ser
explicado sem que a atividade humana – notadamente a queima de combustíveis
fósseis e a liberação de CO2 – seja considerada”; “Embora seja difícil ligar
eventos individuais às tendências de longo prazo, há evidências de que a onda de
calor na Europa [em 2003] teve influência do aquecimento global”; “Haverá
perdas irreversíveis e aceleradas de biodiversidade” e “Um aquecimento de 2,7
graus, conforme prevêem os modelos atuais do Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas, pode ser suficiente para derreter a camada de gelo da
Groenlândia e provocar uma ascensão do nível do mar entre 6 e 7 metros”.
Segue-se uma sub-matéria de duas páginas sobre a poluição gerada pelas
fontes de energia mais empregadas, e mais uma sub-matéria de quatro páginas
sobre o aquecimento global:
Para onde vamos. Os cientistas dizem que não há como parar o aquecimento
global. Seu ritmo de expansão, porém, pode ser reduzido.
A matéria traz uma foto de uma página e meia de um urso polar saltando
entre placas de gelo rodeadas por água, um infográfico ilustrando uma projeção
21
Esta declaração aparece em destaque no artigo, apenas com a primeira palavra sendo “precisamos”, e
não “devemos”.
25
de degelo no Ártico, uma foto de uma página e meia da ilha Bora Bora, duas
fotos menores de recifes de corais, um colorido e outro esbranquiçado e sem
vida, e um gráfico de projeção de elevação da temperatura dos oceanos que
mostra que ela ultrapassará o limite crítico de sobrevivência dos corais. O texto
se inicia com a informação de que, apesar das incertezas, existe uma
concordância geral de que o mundo futuro será mais quente, talvez até 6 graus
mais em algumas localidades, provocando uma subida de até 80 centímetros no
nível dos mares que fará Bangladesh perder 16% de seu território. Problemas
semelhantes ocorrerão em Nova York e Recife. Estima-se que tornados e
furacões ganharão força, pois o aquecimento do planeta fornecerá mais umidade
para a atmosfera e favorecerá a formação de tempestades. Citam-se algumas
previsões de institutos de pesquisa: a OMS estima que em duas décadas o saldo
de mortes causadas pelo efeito estufa chegará a 300.000; economistas da
Universidade Yale afirmam que os prejuízos por fenômenos climáticos chegarão
a 794 bilhões por década e, no Brasil, pesquisadores do INPE e da USP prevêem
que o clima será desfavorável ao plantio de café em São Paulo e algodão no
centro-oeste daqui a cinqüenta anos. Pesquisadores de Harvard afirmaram
recentemente na Science que todas as mudanças climáticas registradas nos
últimos 400.000 anos guardam relação direta com a quantidade de CO2 na
atmosfera. Por fim, não há possibilidade de mudanças climáticas abruptas como
aquelas mostradas pelo filme O dia depois de amanhã; há tempo para a
adaptação e pode haver evoluções tecnológicas que nos auxiliem.
Em seguida, uma sub-matéria de quatro páginas:
No caminho certo. Muita gente está fazendo sua parte no conserto do planeta:
cientistas, ambientalistas e até governos.
Acompanha-a uma foto de uma página e meia de um ônibus movido a
hidrogênio em Amsterdã, uma foto de meia página de um pesquisador medindo a
quantidade de ozônio sobre a Antártica e uma foto de meia página de uma
fazenda de geração de energia eólica nos Estados Unidos, chamando a atenção
para seu problema estético.
O texto começa falando da entrada em vigor do Protocolo de Kioto,
prevista para fevereiro de 2005, que terá como meta inicial a redução em 5,2%
em relação aos valores observados em 1990, da emissão de gases poluente até
2012. As metas de cada país poderão também ser alcançadas por meio da compra
de créditos de carbono ou do financiamento de programas ambientais em outros
países. Há razões para otimismo se o Protocolo de Kioto tiver o mesmo efeito
que o Protocolo de Montreal, pois este foi eficaz na redução do uso de aerossóis
que provocaram o buraco na camada de ozônio. A partir de 2012, as metas de
Kioto devem se tornar mais duras e, para frear de vez o aquecimento, calcula-se
que a redução das emissões deva ser de 60%. De acordo com a pesquisadora
Thelma Krug, do IPCC, “A redução prevista no protocolo não vai resolver o
problema, mas é o indício do caminho para estabilizarmos a temperatura da
26
Terra”. Os governos de diversos países da União Européia e a iniciativa privada
norte-americana já estão implementando tecnologias limpas, que podem ser
também mais econômicas e ter um potencial maior de marketing. Um exemplo
dos benefícios econômicos da preservação ambiental é a área da reciclagem, na
qual o Brasil tem realizado importantes avanços.
O especial é encerrado com uma sub-matéria sobre os benefícios dos
alimentos geneticamente modificados para o meio ambiente e a sociedade.
Veja, 23 de fevereiro de 2005
O calor que ameaça a vida. Mesmo limitado e sem a adesão dos Estados Unidos,
o campeão da poluição, o Tratado de Kioto dá ao planeta um bom instrumento
para reduzir o aquecimento global.
A matéria trata da entrada em vigor do Protocolo de Kioto, ocorrida na
semana anterior. É aberta com a foto de um urso polar desesperadamente
tentando passar de um bloco de gelo a outro, separados pelo mar. A formação de
enormes icebergs, a onda de calor na Europa em 2003, que matou 30000 pessoas,
o ciclone Catarina, são todos fenômenos por trás dos quais está o acúmulo de
CO2 na atmosfera. Por causa dele, a temperatura do planeta subiu um grau nas
últimas décadas e, mantido o ritmo atual, subirá até seis graus até o final deste
século, “causando um efeito dominó de catástrofes”. Felizmente, existe o Tratado
de Kioto, acordo pelo qual 141 países se comprometem, até 2012, a reduzir suas
emissões de gases estufa a um nível 5% abaixo daquele verificado em 1990. Para
tanto, uma saída que vem sendo posta em prática é o emprego de energias limpas
e filtragem do CO2, para que não vá parar na atmosfera. Algumas dessas medidas
podem até diminuir os custos de produção. Um entrave ao Protocolo, no entanto,
é a ausência dos Estados Unidos, o maior poluidor, segundo o argumento de que
tal redução de emissões abalaria sua economia. Os países em desenvolvimento
não são obrigados a cumprir cotas preestabelecidas, mas podem participar da
limpeza da atmosfera e ainda saírem beneficiados através dos mecanismos de
desenvolvimento limpo, mediante os quais os países industrializados podem
neles investir em projetos de reflorestamento, tratamento do lixo, fontes
alternativas de energia e similares. A cada 6 dólares investidos nesse tipo de
projeto no mundo em desenvolvimento, a empresa pode produzir uma tonelada a
mais de CO2, o que pode ser um grande negócio para ambos os lados. Diversos
países e empresas já estabeleceram metas próprias de redução de emissões,
muitas delas mais ambiciosas que as do protocolo. Apesar de toda essa
mobilização, “não é pequena a comunidade de cientistas que desprezam a causa”.
Um primeiro grupo afirma que essas mudanças climáticas são naturais e que a
humanidade já dispõe de tecnologia para controlar seus eventuais efeitos
indesejáveis. Outro grupo aponta para os custos excessivos da redução de
emissões, que produzirão resultados ínfimos e seriam mais bem empregados no
combate à pobreza. “Por enquanto, as vozes que se levantam contra o tratado têm
sido abafadas pelas evidências científicas de que é preciso fazer algo pelo planeta
antes que seja tarde demais. Antes que se sintam de forma ainda mais aguda os
27
efeitos do que o cientista Sir David King, assessor do governo britânico,
classifica de ‘o maior perigo que a humanidade já enfrentou em 5000 anos de
civilização’ ”.
Veja, 23 de março de 2005
A prova do efeito estufa. A cobertura de neve do Kilimanjaro, cartão-postal da
África, desaparece no mesmo ritmo do aquecimento global.
A matéria traz duas fotografias do monte Kilimanjaro, na Tanzânia, uma
do ano de 1995, quando ainda exibia uma cobertura de neve, e outra de 2005,
quando ela praticamente desapareceu. Tudo indica que a causa desse degelo é o
aquecimento global, causado pela emissão excessiva de dióxido de carbono na
atmosfera e que já fez a temperatura média do planeta elevar-se de um grau nas
últimas décadas. Segundo um estudo do Byrd Polar Research Center, da
Universidade de Ohio, o degelo do Kilimanjaro teve início em 1912, quando o
clima daquela região da África se tornou mais seco, mas nada se compara à
evaporação ocorrida recentemente. Lonnie G. Thompson, o autor do estudo,
afirma que até 2020 o gelo do Kilimanjaro terá desaparecido completamente, e
fenômenos semelhantes vêm ocorrendo nos Alpes, Andes e Himalaia. O
principal problema na contenção das emissões de dióxido de carbono é a
relutância do governo americano em aderir ao acordo de Kioto, com um respaldo
de um grupo de cientistas que não acreditam que o aquecimento global seja
causado pelo homem, mas é apenas mais uma alteração climática como as que o
planeta sempre enfrentou. “Muitas vezes as pesquisas desses cientistas, é bom
que se note, são financiadas por governos ou instituições que têm os interesses
contrariados pelo Tratado de Kioto”.
Veja, 10 de agosto de 2005
Evolução em ritmo acelerado. Expostos à caça e à pesca predadoras, os animais
reagem com alterações genéticas que ameaçam as espécies.
A matéria não discute o aquecimento global, mas aponta que entre as
alterações antrópicas ao ambiente natural está o efeito estufa, que altera o ciclo
vital das espécies. Como exemplo, cita uma pesquisa da Universidade de Alberta,
que descobriu que as fêmeas do esquilo vermelho da região do Yukon estão
dando à luz na primavera dezoito dias mais cedo do que dez anos atrás, pois hoje
a primavera também começa antes.
Veja, 21 de setembro de 2005
Seis provas do aquecimento global. Efeitos da mudança climática já podem ser
percebidos em catástrofes que afetam o planeta.
Além do texto, a matéria traz fotografias que ilustram fenômenos naturais
acompanhadas de uma classificação do grau de certeza de que a culpa é do
aquecimento global. São eles:
28
-
derretimento das geleiras: alta
ciclones mais potentes: alta
enchentes na Europa: média
proliferação de algas tóxicas: baixa
calor e incêndios na Europa: média
secas: baixa
A matéria é iniciada com uma resposta afirmativa a duas questões até
pouco tempo não esclarecidas: se o aquecimento global é real e se seus efeitos no
clima da Terra são iminentes. Uma terceira questão refere-se ao que pode ser
feito para evitar seu agravamento, e sua resposta é a redução da emissão de gases
estufa, prevista pelo Protocolo de Kioto, ao qual os Estados Unidos ainda não
aderiram, o que configura um erro de Bush, pois “os efeitos da mudança
climática já não podem ser ignorados”. São citadas as altas temperaturas
registradas nos últimos anos, a onda de calor na Europa em 2003, os incêndios
florestais em Portugal semanas antes, enchentes no norte e centro da Europa,
proliferação de algas tóxicas nas praias italianas e furacões mais intensos. “Até
onde se pode determinar, o mundo está agora mais quente do que em qualquer
momento nos últimos 2000 anos”. É difícil afirmar que todos esses fenômenos
são causados pelo aquecimento global, mas há uma concordância geral de que
são por ele influenciados. Nos últimos 120 anos, a temperatura do planeta
aumentou 1 grau, do qual dois terços são de responsabilidade do homem, por
conta do aumento em 30% dos níveis de gás carbônico na atmosfera desde o
início da Revolução Industrial. O efeito mais dramático dessa poluição é o
derretimento das geleiras, “na maioria dos casos, para sempre”, já que a ausência
de gelo acelera o processo de aquecimento. Estima-se que, até 2080, não haverá
mais gelo no Ártico no verão. O nível dos oceanos elevou-se em 25 centímetros
nos últimos 100 anos, por causa do derretimento das geleiras e da expansão
térmica das águas. No Brasil, causou alarme o fenômeno Catarina, agora
considerado um furacão, e “Se outro furacão atingir o Brasil nos próximos dez
anos, será um indício de que se trata, realmente, de um efeito do aquecimento
global”, diz Carlos Nobre, meteorologista do INPE. Para reagir às mudanças
climáticas, podemos reduzir a quantidade de poluentes ou adaptar-nos a elas.
Veja, 28 de setembro de 2005
Ameaça concreta. Aquecimento global causa multiplicação de furacões, como o
Rita e o Katrina.
A matéria traz uma foto do furacão Rita e uma indicação “alta” do grau de
certeza de que a culpa de ciclones mais potentes é do aquecimento global, no
estilo da matéria da semana anterior. O texto começa com uma descrição do Rita
e diz que ele serve como mais uma prova da impossibilidade de se continuar
ignorando os efeitos do aquecimento global. Menciona outro furacão, o Katrina,
que deixou 1000 mortos. Estudos recentes têm mostrado que os furacões estão
mais fortes e freqüentes por causa das mudanças climáticas causadas pelo
homem, através da emissão de gases poluentes. Entre estes estudos, está o do
29
meteorologista americano Peter Webster, publicado na Science duas semanas
antes, e outro do climatologista americano Kerry Emanuel, publicado na Nature
um mês antes do advento do Katrina. Como as águas oceânicas estão 0,5 grau
mais quentes por causa do aquecimento global, aumentam-se as chances de
ocorrência de ciclones e furacões.
Veja, 12 de outubro de 2005
Reportagem especial: A Terra no limite.
Mais uma seqüência de reportagens sobre a crise ambiental, com ênfase
para a seca da Amazônia, num total de 31 páginas, descontadas as propagandas.
Perigo real e imediato. Para onde vamos com nossas agressões ao planeta? O
pessimismo da resposta varia, mas há um consenso: a hora de agir é já.
A matéria inicial é ilustrada com uma imagem do planeta Terra cortado ao
meio, exibindo no interior um solo rachado pela seca. Anunciando as matérias
por vir, afirma que traçará “um panorama das armadilhas produzidas pelos
homens para si mesmos, desde a exaustão de recursos vitais como a água até os
efeitos incontornáveis do aquecimento global, que podem ser amenizados, na
melhor das hipóteses, ou agravados em proporções dantescas, na pior”. Mais
adiante, afirma que o aquecimento global não é uma perspectiva de médio prazo,
pois todas as geleiras vêm diminuindo, os oceanos estão se aquecendo, os
animais estão mudando suas rotas migratórias e a diferença entre temperaturas
diurnas e noturnas está caindo. “Os níveis de dióxido de carbono são os mais
altos dos últimos 420.000 anos” e, a continuar nesse ritmo, atingirão níveis só
vistos no Eoceno, há 50 milhões de anos. Setenta e cinco por cento dos trabalhos
sobre mudanças climáticas endossam a hipótese do aquecimento global,
enquanto os outros 25% são considerados neutros, pois analisam métodos e
procedimentos. Martin Rees, professor da universidade de Cambridge, acredita
que não passam de 50% as chances de a humanidade sobreviver até o fim deste
século, pois as conseqüências das mudanças globais “podem engendrar tensões
desencadeadoras de conflitos internacionais e regionais”. Há na matéria, entre
outras, uma foto dos destroços deixados pelo furacão Katrina.
A matéria seguinte trata da escassez mundial de água, mas inclui dois
pequenos quadros sobre as mudanças climáticas, o primeiro fazendo referência à
matéria “Seis provas do aquecimento global”, publicada em setembro, e o
segundo ilustrando o degelo do Ártico, atribuído ao aquecimento global,
apontando a área média do gelo entre 1979 e 2000 e a área atingida em 2005,
20% reduzida.
A terceira matéria tem como título:
Um olhar sobre o futuro. Contra as previsões apocalípticas, há uma esperança: a
inventividade humana pode mudar tudo.
30
O argumento central é o de que a humanidade sofre mesmo de uma
tendência ao catastrofismo, sempre prestando atenção aos profetas do fim do
mundo. Entretanto, a inteligência humana possui meios de contornar as desgraças
e, entre os exemplos contemporâneos, estão os eletrodomésticos mais
econômicos e, num futuro próximo, os automóveis movidos a hidrogênio.
A quarta matéria é um infográfico mostrando dados sobre a devastação da
floresta amazônica. A quinta matéria trata das novas epidemias disseminadas
pela excessiva interferência humana no meio ambiente. Uma dessas epidemias, a
do vírus do Nilo Ocidental, surgiu em 1937 em Uganda e a partir de 1999 ganhou
os Estados Unidos. “Nos últimos anos, sua transmissão tem sido facilitada pelo
aquecimento global, que propiciou a proliferação dos mosquitos transmissores da
doença”.
A quinta e a sexta matérias tecem longas considerações sobre os ritmos
alarmantes do desmatamento amazônico, responsável pela severa estiagem
daquele ano. Por fim, a última matéria aborda o sucesso econômico do plantio de
florestas de eucalipto e pinus para as indústrias de papel e celulose.
Veja, 28 de dezembro de 2005
O ano em que... a natureza se vingou.
Na edição de retrospectiva 2005, a matéria dedicada às questões
ambientais é uma seqüência de cinco fotografias de duas páginas inteiras, cada
uma acompanhada por um pequeno texto. As três primeiras referem-se ao
tsunami que atingiu o sul da Ásia na virada do ano; a quarta refere-se ao
terremoto de 7,6 graus na escala Richter que atingiu a Cachemira em outubro, e a
última mostra a cidade de Nova Orleans completamente alagada após a passagem
do furacão Katrina em agosto. Nos textos, afirma-se que “Em 2005, catástrofes
naturais de grandes proporções serviram para colocar um pouco de humildade na
soberba humana”. O furacão Katrina deixou mais de 1300 mortos e inundou 80%
da cidade de Nova Orleans com um volume de água suficiente para abastecer a
cidade de São Paulo durante dois meses, trazendo à tona um dos perigos do
aquecimento global.
7 – Considerações Finais
Nesta explanação, abordou-se diversos temas sobre Mitos e Mídia com o
intuito de informar ao estudante no que tange ao que é científico e o que é
especulação da Mídia. Estes fatos devem ser levados em conta quando estiver
formando uma opinião sobre qualquer assunto e principalmente sobre o tema do
curso de “Mudanças Climáticas”.
Levantou-se estes diversos questionamentos, principalmente porque os
temas estão se perpetuando nas salas de aulas e livros didáticos. Ou seja, com
31
todo este alarde, os livros didáticos estão completamente recheados com este lixo
de informação. Tais problemas irão atingir em cheio às atividades dos docentes
do ensino médio e fundamental. O Ministério da Educação vem tentando barrar
estes tipos de publicações didáticas, mas não consegue resultados satisfatórios.
As editoras entram na Justiça utilizando a Lei de Imprensa com o argumento de
que se trata de “liberdade de imprensa”. Com isto, conseguem publicar e difundir
tais materiais que nem sequer lançam uma dúvida no que descrevem.
O governo brasileiro, em diversas esferas, tem tomado medidas que
beneficiam estes interesses e aproveitam do alarde para conseguir cumprir outros
objetivos, muitos destes, perigosos como cercear direitos civis e geração e
cobrança de novos impostos. Uma das ferramentas utilizadas é a Agenda 21.
Formam Leis com propósitos de fazer cumprir as exigências que tentarão “deter
as mudanças climáticas”. Ora, isto é absurdo!
O que se lança aqui é a seguinte idéia e que deve ser combatida por todos:
desde quando a Meteorologia vai ditar regras de como devem viver todas as
sociedades do planeta?! Desde quando modelos estúpidos, gerados em supercomputadores são dignos de ser a realidade? Perdeu-se o completo discernimento
do que é real e do que é imaginário? Seria este o ápice de alienação em que se
mergulharam as sociedades ocidentais? Um Homem tão desligado da Natureza
que agora ela é tratada como um inimigo a ser vencido?
Termina-se esta explanação com a seguinte indagação:
A Natureza tornou-se um outro desafio...
OU
É o sistema o qual estamos mergulhados até
o pescoço que nos afasta cada vez mais dela?
8 – Agradecimentos
Em especial, Profª. Daniela de Souza Onça pela publicação, na íntegra, de
parte de seu relatório de qualificação de mestrado que contribuiu em um dos
capítulos deste resumo.
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Ricardo Augusto Felicio
Prof. Dr. Depto Geografia – FFLCH – USP
[email protected]
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