Variação da Pressão Intraocular Após Vitrectomia com 23 Gauge

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Oftalmologia - Vol. 37: pp.29-34
Artigo Original
Variação da Pressão Intraocular Após
Vitrectomia com 23 Gauge
Ana C Almeida1, António Rodrigues2, Maria Picoto1, Maria Sara Patrício1, Fernanda Vaz 3
Interna de Oftalmologia, 2Director de Serviço, 3Assistente Hospitalar
Serviço de Oftalmologia, Hospital de Egas Moniz – Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
1
Objectivo: Avaliar o comportamento da pressão intraocular (PIO) no pós-operatório tardio da
vitrectomia via pars plana (vvpp) com 23 Gauge (G).
Métodos: Estudo retrospectivo, não randomizado que envolveu 153 olhos de 153 pacientes
submetidos a vvpp 23G entre Janeiro 2007 e Dezembro 2010, com um follow-up superior a 6
meses. Avaliou-se a PIO (tonómetro de Goldmann) pré e pós-operatório tendo sido a amostra
com antecedentes de glaucoma, hipertensão intraocular, uveíte, traumatismo ocular, bem como
olhos operados com implante escleral ou em que tenha sido usado óleo de silicone como tamponador.
Resultados: Os casos estudados incluíram 72 homens (42%) e 81 mulheres (53%) com idade média de 69±12 anos sendo o follow-up médio de 13 meses (6-48 meses). A causa mais
frequente para a vvpp foi a presença de membrana epiretiniana (n=47; 30,7%), seguida de
descolamento de retina regmatogéneo (n=38; 24,8%) e hemovítreo (n=34; 22,2%). A PIO no
(20,2%) desenvolveram hipertensão intraocular com um aumento médio de 9,84mmHg. Não
2
=
Conclusão:
Purpose: To evaluate the long-term effect of 23 Gauge (G) pars plana vitrectomy (PPV) on
intraocular pressure (IOP) in phakic and pseudophakic eyes.
Methods: Retrospective, non-randomized case series that included 153 eyes of 153 patients
that underwent 23G PPV between January 2007 and December 2010, with at least 6 months
of follow-up. IOP was assessed before and after PPV with Goldmann tonometry. Furthermore,
Results: Of the 153 patients, 72 (42%) were male and 81 (53%) were female. Mean age was
69±12 with a mean follow-up of 13 months (6-48 months). The most frequent cause for PPV was
epiretinal membrane (n=47; 30.7%), followed by rhegmatogenous retinal detachment (n=38;
24.8%) and hemovitreous (n=34; 22.2%). Post operatively IOP increased a mean of 3.25mmHg
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Ana C Almeida, António Rodrigues, Maria Picoto, Maria Sara Patrício, Fernanda Vaz
2
Conclusion:
com 3 portas por 3 cirurgiões entre Janeiro 2007 e Dezembro 2010.
Desde que foi introduzida por Machemer em 1971, a
vitrectomia via pars plana (vvpp) tem-se tornado uma das
1-3
sendo a terceira cirurgia mais comummente realizada após
a cirurgia de catarata e cirurgia refractiva por LASER
mer.3 É utilizada para o tratamento de diversas patologias
vítreo-retinianas, nomeadamente buraco macular, membrana epiretiniana, hemovítreo e descolamento de retina.1-4
Assim, com o aumento progressivo de vvpp realizadas é
de suma importância avaliar as complicações a longo prazo
desta abordagem cirúrgica.
O aumento da PIO imediatamente após a vvpp é frequente e tem múltiplas causas, nomeadamente a colocação
de implante escleral, tamponamento em particular com óleo
de silicone, fotocoagulação LASER, lensectomia, corticote1,2,4
Esta subida
precoce é normalmente temporária e de fácil controlo com
medicação apropriada.2,4
Em determinados pacientes pode vir a desenvolver-se
glaucoma no pós-operatório tardio. Este pode ser secundário ao uso prolongado de corticoesteroides, recessão do
mação, sinéquias anteriores, rubeosis iridis, cérclage ou
1,2
Contudo, nos últimos anos têm surgido estudos que relatam o aumento do risco de desenvolvimento de glaucoma de
início tardio após vvpp, na ausência dos factores acima mencionados e especialmente se o indivíduo for pseudofáquico.1,3-5
Este estudo teve como objectivo primário avaliar o comportamento da pressão intraocular (PIO) no pós-operatório
tardio da vvpp com 23 G e como objectivo secundário iden-
follow-up
6 meses.
tes pessoais de glaucoma, hipertensão intraocular, uveíte,
traumatismo ocular, cirurgia oftalmológica prévia ou tratamento com corticoesteroides, complicações intraoperatórias, bem como olhos em que no decorrer da vvpp tenha
sido colocado implante escleral ou em que tenha sido utilizado óleo de silicone como tamponador.
Os parâmetros avaliados no pré-operatório e na data
do último follow-up, foram a PIO avaliada com tonómetro
de Goldmann e melhor acuidade visual corrigida (MAVC)
betic Retinopathy Study (ETDRS). Foi ainda registado o
diagnóstico pré-operatório, procedimento cirúrgico efectuado e status do cristalino. Hipertensão intraocular foi
a 22mmHg.
soante o status do cristalino. No grupo de doentes fáquicos,
follow-up.
A análise estatística foi realizada com o programa SPSS
v18.0 (SPSS Inc., Chicago, USA). Foi utilizado o teste de
2
Um valor de p <0,05 foi con-
após vvpp com 23G.
MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente e incluídos no
estudo 153 olhos de 153 pacientes submetidos a vvpp 23G
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Dos 153 doentes incluídos neste estudo, 42% (n=72)
gia foi de 69 anos (24-90 anos) sendo o follow-up médio de
13 meses (6-48 meses). Após a cirurgia 72 (47%) pacientes
permaneceram fáquicos (tabela 1).
Variação da Pressão Intraocular Após Vitrectomia com 23 Gauge
Tabela 1 | Caracterização da Amostra (% - Percentagem; MAVC - Melhor Acuidade Visual Corrigida)
Total da Amostra
Amostra
n (%)
153 (100%)
81 (52,9%)
72 (47,0%)
n (%)
81 (53,0%)
51 (63,0%)
30 (37,0%)
n (%)
72 (42,0%)
39 (41,7%)
42 (58,3%)
45 (29,4%)
21 (13,7%)
24 (15,7%)
67,0
71,3
61,0
Diabéticos
n (%)
Idade
Média
Mediana
Desvio Padrão
68
72
62
11,6
9,6
11,5
13,1
13,1
13,0
8
8
7
10,3
9,8
10,8
0,23
Follow-up (meses)
Média
Mediana
Desvio Padrão
MAVC inicial
Média
0,21
0,2
Mediana
0,1
0,12
0,1
Desvio Padrão
0,26
0,23
0,29
0,43
0,42
0,43
Mediana
0,4
0,33
0,4
Desvio Padrão
0,35
0,4
0,3
MAVC final
Média
A PIO aumentou em média 3,25mmHg entre o pré-opeDos 153 olhos, 31 (20,2%) desenvolveram hipertensão
intraocular com um aumento médio de 9,84mmHg (tabela 2).
A hipertensão intraocular foi controlada com terapêutica
médica.
PIO média entre os olhos fáquicos e pseudofáquicos (X2 =
em média 10,19 ±1,72 anos mais velhos que os pacientes
fáquicos (p <0,001). A causa mais frequente para a vvpp
foi a presença de membrana epiretiniana (n=47; 30,7%),
seguida de descolamento de retina regmatogéneo (n=38;
24,8%) e hemovítreo (n=34; 22,2%) (tabela 3). A vvpp foi
gem de membranas foi realizada em 67 (43,7%) pacientes
ratório, tipo de intervenção cirúrgica realizada, PIO média
Gráf. 1 | Comparação entre a PIO pré e pós-operatória.
e duração de follow-up médio entre o grupo fáquico e pseudofáquico (p> 0,05).
No pós-operatório, a MAVC teve uma melhoria esta-operatório (p <0,001).
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Tabela 2 | Comparação da PIO entre o pré-operatório e o pós-operatório
Total da Amostra
PIO pré-operatória
Média
14,3
14,8
13,8
Mediana
15
15
14
Desvio Padrão
3,0
3,3
2,6
PIO pós-operatória
Média
17,6
17,9
17,2
Mediana
16
17
16
Desvio Padrão
5,9
5,8
6,2
MAVC inicial
31
19 (23,4%)
12 (16,7%)
Tabela 3 | Diagnósticos pré-operatórios (% - Percentagem; LIO - Lente intraocular)
Total da Amostra
n (%)
47 (30,7%)
n (%)
28 (34,6%)
n (%)
19 (26,4%)
Descolamento de
Retina Regmatogéneo
38 (24,8%)
11 (13,6%)
27 (37,5%)
Hemovítreo
33 (21,6%)
16 (19,8%)
17 (23,6%)
15 (9,8%)
15 (18,5%)
0 (0,0%)
8 (5,2%)
6 (7,4%)
2 (2,8%)
Membrana Epiretiniana
Buraco Macular
Proliferação Fibroglial
Outros
6 (3,9%)
1 (1,2%)
5 (6,9%)
3 (2,0%)
3 (3,7%)
0 (0,0%)
3 (2,0%)
1 (1,2%)
2 (2,8%)
Glaucoma é uma das principais causas de perda irreversível da visão e está relacionado com vários factores
de risco, nomeadamente, idade, raça, história familiar,
espessura central da córnea e PIO. Este último é o único
6-9
Um grande
número de estudos demonstrou que um aumento precoce
da PIO após vvpp é frequentemente encontrado.1,2,4 No
risco aumentado de desenvolvimento de glaucoma de
ângulo aberto (GAA) de início tardio.
No nosso estudo com um follow-up de 13 meses (6-48
dos 153 olhos (20,2%) desenvolveram hipertensão intraocular com um aumento médio da PIO de 9,84mmHg.
Em 2006, Chang, na LXII Edward Jackson Memorial Lecture, descreveu o desenvolvimento GAA no olho
operado de pacientes submetidos a vvpp. Constatou ainda
que olhos fáquicos após a vvpp desenvolviam GAA
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
olhos pseudofáquicos.5
Chang postulou que o desenvolvimento de GAA poderia estar relacionado com o stress
da cavidade vítrea para a câmara anterior e que tal insulto
levaria a alterações na malha trabecular com consequente
cristalino seria um factor protector ao tamponar parte dos
radicais livres.5
mais elevada perto da superfície da retina do que no vítreo
gradiente de concentração na cavidade vítrea10 podendo esta
alteração persistir durante muitos meses após a cirurgia.11
Ao difundir para a câmara anterior e até à malha trastress
cultando o escoamento do humor aquoso e predispor ao
aparecimento de GAA de início tardio.4,5 Uma vez que o
Variação da Pressão Intraocular Após Vitrectomia com 23 Gauge
Adicionalmente o cristalino pode servir de barreira à difusão
12
5
O aumento do risco de desenvolvimento de GAA após
vvpp e o papel protector do cristalino foi primeiro reportado por Chang5, e posteriormente apoiado por estudos
publicados por Luk e colaboradores4 e por Koreen e colaboradores,1 sendo este último estudo uma continuação dos
casos publicados inicialmente por Chang.
Já Yu e colaboradores2 num estudo retrospectivo de
441 pacientes submetidos a vvpp não encontraram um
aumento de incidência de GAA após vvpp bem como
pacientes fáquicos e pseudofáquicos. Resultados semelhantes foram obtidos por Lalezary e colaboradores.3
Se por um lado a subida de PIO após vvpp encontrada no presente estudo é consistente com os achados de
Chang1,5 e Luk,4 já o papel protector do cristalino na subida
da PIO não foi aparente nos nossos resultados (X2
contribuir para uma redução da PIO.13-16 A remoção deste
pode levar a um aumento da saída de humor aquoso ao
provocar um aprofundamento da câmara anterior e a uma
diminuição da secreção ao estirar o corpo ciliar pela contração da cápsula.16
Apesar de a diferença não ser estatisticamente signium número superior de casos com hipertensão intraocular.
É possível que o tamanho de amostra e duração do follow-up
de se tratar de um estudo não aleatorizado poderá não se
ter conseguido controlar algumas variáveis confundentes,
reduzindo assim a sua potência.
mente trata-se de um estudo retrospectivo o que pode ter
induzido um viés de seleção. Segundo, e à semelhança de
outros estudos publicados,2,4,5 o grupo de pacientes pseude pacientes fáquicos. Uma vez que a catarata é mais prevalente na população mais idosa, pacientes mais velhos
têm maior probabilidade de já terem sido submetidos à
em simultâneo com a vvpp.
Outros três possíveis factores confundentes são a
ausência de grupo controlo assim como os vários diagnósticos e procedimentos cirúrgicos realizados em simultâneo
com a vvpp. Contudo, e paralelamente a outros autores4
após análise estatística, a idade, diagnóstico bem como o
tipo de procedimento e o cirurgião em questão, não pare-
A vitrectomia é uma das cirurgias oftalmológicas mais
frequentemente realizadas. Com base nos nossos resultados
e na literatura publicada até à data parece ser fundamental
o controlo cuidado e continuado da PIO, bem como a avaSão necessários estudos prospectivos com maior número de
doentes e follow-up mais prolongado para esclarecer de
forma cabal esta questão.
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Trabalho apresentado no 54º Congresso Português de
Oftalmologia
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