RBMFC Sumário EDITORIAL Os Títulos de Especialista João Werner Falk ................................................................................................................................................. 162 ARTIGOS Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica: considerações a partir de um estudo qualitativo em uma unidade de Atenção Primária à Saúde Angélica Manfroi e Francisco Arsego de Oliveira ................................................................................................ 165 Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal (Brasil, 1991-2001) Regina S. Rodrigues, Ana Claudia F. M. Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira .................. 177 Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG Lidiane Cristina Custódio, Fabrício Silva Prata, Gabriel Sanábio, Janaína Félix Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val ................................................................................ 189 Fortalecendo a Atenção Primária à Saúde no Brasil com a Medicina de Família e Comunidade Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson ............................................................................ 196 As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica Fernando Antônio Mourão Flora .......................................................................................................................... 203 Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde Daniel Victor Arantes ............................................................................................................................................ 217 RELATO DE CASO Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras ..................................................................................... 228 RESUMOS DE TESE Avaliação da Implementação do Programa Saúde da Família no Município do Rio de Janeiro Carla Moura Cazelli ............................................................................................................................................. 235 Atividade física no Programa Saúde da Família em municípios da 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná - Brasil Silvano da Silva Coutinho .................................................................................................................................... 236 Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontros e desencontros entre profissionais de saúde e usuários Priscila Frederico Craco ....................................................................................................................................... 238 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.2 nº 7 p. 160-247 out / dez 2006 RBMFC Summary EDITORIAL The Especialist Titles João Werner Falk .................................................................................................................... 162 ARTICLES Difficulties in high blood pressure treatment compliance: considerations based on a qualitative study in a primary health care unit Angélica Manfroi e Francisco Arsego de Oliveira .............................................................................................. 165 Suicide in young people: risk factors and quantitaive space-time analysis Regina S. Rodrigues, Ana Claudia F. M. Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira ................ 177 Assessment of occupational stress in Community Health Agents of the metropolitan region of Belo Horizonte - MG Lidiane Cristina Custódio, Fabrício Silva Prata, Gabriel Sanábio, Janaína Félix Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val .............................................................................. 189 Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson .......................................................................... 196 The historical development of modern medicine: implications for an approach to psychological problems in the medical practice Fernando Antônio Mourão Flora ........................................................................................................................ 203 The impact of weight reduction therapy on blood pressure levels in primary care Daniel Victor Arantes .......................................................................................................................................... 217 CASE RELATE American Tegumentary Leishmaniasis: Fluconazole therapy Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras ................................................................................... 228 THESE ABSTRACTS Implementation Assessment of the Family Health Program in the city of Rio de Janeiro Carla Moura Cazelli ........................................................................................................................................... 235 Physical Activity in the Health Family Program, in cities of 5th Regional of Health in Paraná State - Brazil Silvano da Silva Coutinho .................................................................................................................................. 236 Communicative Action Toward The Health care of the Family: Meetings and failure in meetings among professionals of health and users Priscila Frederico Craco ..................................................................................................................................... 238 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.2 nº 7 p. 160-247 oct / dec 2006 RBMFC Editorial Os Títulos de Especialista The Specialist Titles João Werner Falk* Cada vez mais, e nos diversos campos de atuação da Medicina, os Títulos de Especialista passam a ser valorizados, inclusive com melhor remuneração e como prérequisito necessário para inscrição em concursos ou seleções públicas. Recentemente, isso passou a ser mais evidente na Medicina de Família e Comunidade (MFC) do que na maioria das outras especialidades médicas, uma vez que não há mercado de trabalho na área de saúde que venha crescendo mais no Brasil do que o da Atenção Primária à Saúde (APS), principalmente na Estratégia Saúde da Família. Para qualquer uma das 53 especialidades médicas reconhecidas no Brasil, o Conselho Federal de Medicina, por meio dos seus Conselhos Regionais (CRM), só pode registrar como especialistas (concedendo o Certificado de Registro de Qualificação de Especialista) os médicos que apresentarem pelo menos um destes dois documentos: Certificado de Conclusão de Residência Médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM); Título de Especialista concedido por Associação ou Sociedade Brasileira da respectiva especialidade, que seja filiada à Associação Médica Brasileira (AMB) e cujo edital do concurso para Título de Especialista siga as normas da AMB e seja aprovado pela mesma1. Esse é o caso da SBMFC e dos Editais de Concurso para Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade (TEMFC). Residência e Título de Especialista são certificados de natureza diferente, sendo independentes. Um médico pode ter um ou ambos, mas um ou outro dá direito ao especialista registrar-se como tal em um CRM. Por determinação da AMB, não é mais permitido ser concedido Título de Especialista somente por excelente currículo ou por comprovação de conclusão de Residência Médica. Atualmente, é sempre necessário no mínimo uma prova escrita, além da análise de currículo2. Já os Certificados de Conclusão de Cursos de Especialização têm seu reconhecimento na Academia, bem como grau de importância no mercado de trabalho e *Diretor de Titulação e Certificação SBMFC. 162 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Sociedade Brasileira de Medicina de Família Editorial nos currículos, inclusive na etapa de análise de currículos nos Concursos para Títulos de Especialista. Mas estes certificados não são suficientes para registro do médico como especialista nos Conselhos de Medicina. É bom lembrar que o Código de Ética Médica e as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbem o médico de divulgar ser especialista, por meio de cartões de visita, receituários, placas de consultório, convênios etc, sem que ele tenha o Registro de Qualificação de Especialista expedido por um CRM3. Os Títulos de Especialista valorizam o trabalho do profissional, aumentando o seu prestígio e o de sua especialidade perante os demais médicos e frente à sociedade como um todo. Isto é particularmente relevante na MFC. Passou a época em que era freqüente alguém defender que todo médico, mesmo o recém-formado, estaria em plenas condições de trabalhar em Atenção Primária à Saúde. Hoje, em todo o mundo, a exigência é de especialistas em Medicina de Família e Comunidade, ou nomes equivalentes, conforme o país. Isso vem qualificando a APS, aumentando a resolutividade e ajudando a reorganizar os sistemas de saúde. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem dando prioridade à organização de Concursos para Título de Especialista em MFC, tendo realizado seis concursos em pouco mais de três anos, dois dos quais policêntricos, com a aplicação de suas provas escritas, respectivamente, em dez e oito capitais, simultaneamente. Contudo, após cinco concursos concluídos, somente 1.442 médicos inscreveram-se e compareceram às provas e 605 conseguiram conquistar o TEMFC. Isso é muito pouco, se comparado aos mais de 30 mil médicos atuando em APS no Brasil na atualidade. Mas é parcialmente explicado pela baixa permanência, em média, dos profissionais na Saúde da Família, o que faz com que a grande maioria destes raramente alcance o pré-requisito mais freqüente para se inscrever no TEMFC: três anos completos de prática profissional em APS, trabalhando como Médico de Família e Comunidade. O outro pré-requisito possível também é raro, Residência credenciada em MFC, e boa parte dos ex-residentes já conseguiu o TEMFC. Este ainda relativamente pequeno número de titulados em MFC restringe a possibilidade da maioria das cidades exigir o registro de especialista em MFC para ingresso de médicos na APS, como alguns municípios já fazem, e como deverá ser no futuro para todos, pois haverá poucos candidatos disponíveis com esse pré-requisito. Assim, é muito importante aumentar o número de titulados, sem reduzir as exigências de qualidade para aprovação no TEMFC, mas por meio do aumento do número de inscritos nos próximos concursos. Nesse sentido, a SBMFC realiza o seu sexto concurso, e o Ministério da Saúde decidiu apoiar a SBMFC, tanto na divulgação da importância do TEMFC, quanto financeiramente, no sétimo Concurso, de forma que ele possa ter inscrições gratuitas e que sua prova objetiva, em dezembro de 2007, possa ser aplicada simultaneamente em um número ainda maior de cidades que nas duas experiências policêntricas anteriores. Uma nova exigência refere-se a recertificação, a cada cinco anos, para os Títulos de Especialista de todas as especialidades médicas, obrigatório para quem se titulou a partir de janeiro de 2006 e opcional para os demais. É o chamado Certificado de Atualização Profissional, que somente precisará de provas para os 163 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Sociedade Brasileira de Medicina de Família Editorial médicos que não conseguirem um número de pontos de participação em eventos ou outras formas comprovadas de atualização profissional. Essa pontuação não é difícil de ser obtida e estimula a educação médica continuada, além da qualificação dos médicos de todas as especialidades4. Pesquisa com base nos primeiros três concursos para TEMFC, relacionando as características de formação e de experiência profissional dos candidatos com seus desempenhos nesses concursos, mostrou a grande importância da Residência Médica em MFC para a formação desse especialista e a pouca efetividade de Cursos de Especialização Multiprofissionais em Saúde da Família; além disso, evidenciou piora do desempenho no concurso de médicos com mais idade e mais tempo transcorrido desde a graduação, evidenciando a necessidade de programas de educação médica continuada, incluindo estratégias de ensino à distância, que ajudem a superar a dificuldade das grandes distâncias em nosso país de dimensão continental5. O estímulo ao estudo e à atualização dos profissionais em MFC, tanto pela preparação para os mesmos conquistarem o TEMFC, como para suas recertificações de especialistas, é uma das formas que a SBMFC tem utilizado como contribuição para uma melhor atenção à saúde da população brasileira. Referências: 1. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1785/2006. D.O.U. 22 de junho de 2006, Seção I, p.127. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1785_2006.htm Acesso em: 28 jun. 2007. 2. Associação Médica Brasileira. Normativa de Regulamentação para Obtenção de Título de Especialista ou Certificado de Área de Atuação. São Paulo: AMB; 2004. 3. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1246/1988. D.O.U. 26 de janeiro de 1988. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/index.asp?opcao=codigoetica&portal= Acesso em 28 jun. 2007. 4. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1.772/2005. D.O.U. 12 de agosto de 2005, Seção I , p. 141-142. Disponível em: http://www.cna-cap.org.br/resolucao.php4 Acesso em: 28 jun. 2007. 5. Falk JW. A Especialidade Medicina de Família e Comunidade no Brasil: aspectos conceituais, históricos e de avaliação da titulação dos profissionais. 194f. [Tese]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), 2005. 164 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica: considerações a partir de um estudo qualitativo em uma unidade de Atenção Primária à Saúde Difficulties in high blood pressure treatment compliance: considerations based on a qualitative study in a primary health care unit Angélica Manfroi1 Francisco Arsego de Oliveira2 RESUMO A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença crônica, cujo controle é essencial para a prevenção de complicações, em longo prazo, relacionadas à morbidade e à mortalidade cardiovascular e cerebral, dentre outras. O tratamento da HAS baseia-se em medidas não-farmacológicas e farmacológicas. Considerase adesão a um tratamento o grau de coincidência entre a orientação médica e o comportamento do paciente. Na Unidade de Saúde Parque dos Maias, observa-se a dificuldade na manutenção da pressão arterial dos hipertensos, de forma continuada, que pode estar relacionada à falta de adesão destes pacientes ao tratamento. O objetivo do estudo é avaliar os fatores envolvidos na dificuldade de adesão ao tratamento anti-hipertensivo sob o ponto de vista do paciente. Para isso, partimos da pesquisa qualitativa, com entrevistas abertas e semi-estruturadas, individuais, com 13 pacientes adultos hipertensos, inscritos no Programa de Hipertensos da Unidade de Saúde Parque dos Maias. Como resultado, verificamos questões que dificultam a adesão ao tratamento: a) fase inicial assintomática; b) uso de medicamento somente quando pensam que a pressão está elevada (relacionam o aumento a sintomas que crêem ser ligados à HAS, como cefaléia, náuseas, ou quando “ficam nervosos”); c) impressão de cura com conseqüente abandono dos fármacos, quando, na realidade, a pressão está controlada; d) desgosto de ter de tomar remédios continuamente, de ser “dependentes” deles; e) sintomas adversos dos fármacos como disfunção erétil e tosse; f) dieta hipossódica é difícil de ser seguida, principalmente pelo fato de os familiares terem de se habituar a ela; g) necessidade de consultas médicas mensais para fornecimento de prescrições para a retirada do medicamento na unidade de saúde; h) falta de medicamento gratuito na unidade de saúde, em algumas instâncias; i) alguns pacientes ficam “escravos” dos horários da ministração de medicamentos, o que dificulta sua rotina diária. A conclusão PALAVRAS-CHAVE: - Hipertensão; - Atenção Primária à Saúde; - Pesquisa Qualitativa. KEY-WORDS: - Hypertension; - Primary Health Care; - Qualitative research. 1 Médica de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, SC, Brasil. Médico de Família e Comunidade, Serviço de Saúde Comunitária - Grupo Hospitalar Conceição, Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. 2 165 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica é que é muito importante a equipe de saúde conhecer headache, nausea, or when they “get nervous”); c) as dificuldades dos pacientes em aderir ao tratamen- the idea of cure and abandonment of treatment while, to anti-hipertensivo com o objetivo de tentar corrigi- in fact, their blood pressure is but under control; d) las, juntamente com o paciente, para melhor controle resistance in taking the medication in a systematic da HAS. Enfatiza-se, principalmente, a importância way, making them “dependent”; e) side effects of the da comunicação no relacionamento médico/equipe- drugs, such as erectile dysfunction and coughing ; f) paciente, o que envolve a confiança e, por conseguin- difficulty in following a hyposodic diet, besides the fact te, possibilidades de maior adesão ao tratamento. that the relatives have to get used to it as well; g) the need for monthly appointments in order to obtain a refill of the medication at the health care unit: h) lack of free medication at the health care unit; i) some ABSTRACT patients feel they are “slaves” of the schedule they Introduction: High blood pressure (HBP) is a have to follow because it is interfering with their daily chronic disease whose control is essential for routine. Conclusion: It is important that the health care preventing long-term complications related to professionals know the patients’ difficulties to be cardiovascular mortality and morbidity. The treatment compliant with anti-hypertensive treatment so they for HBP is based on non-pharmacological and can try correcting the problems together with the pharmacological measures. Treatment compliance is patient for a better control of HBP. It has to be pointed characterized by the degree of coincidence between out that the trust resulting from a good doctor/patient medical orientation and patient behavior. On Primary relationship contributes greatly to a better treatment Health Care level there are often difficulties in compliance of the patient. maintaining a systematic control over the blood pressure of hypertensive patients, probably due to I. Introdução the lack of treatment compliance of these patients. Não há dúvidas de que, atualmente, a hiper- Objective: Assess the factors involved in the difficulty tensão arterial sistêmica (HAS) constitui um sério pro- of compliance with anti-hypertensive treatment from blema de saúde pública em todo o mundo. A HAS é the patients’ point of view. Methodology: Qualitative comprovadamente um fator de risco para uma série research, with open and semi structured individual de outras doenças e agravos à saúde, sendo, por- interviews with 13 hypertensive adults, enrolled in the tanto, considerada a origem das doenças crônico- Program for Hypertensive Patients of a Primary degenerativas1. Em relação a dados brasileiros, sua Health Care Unit in Porto Alegre, Brazil. Results: prevalência oscila entre 15 e 20% na população Factors hampering treatment compliance were: a) adulta2. Em Porto Alegre (RS), a prevalência de HAS initial asymptomatic phase; b) use of medication only atinge a cifra de 19,2%3. when patients think their blood pressure is high (the A HAS é considerada uma doença crônica, increase is associated with symptoms patients com longo curso assintomático, evolução clínica believe to be a consequence of HBP such as lenta, prolongada e permanente, podendo evoluir para 166 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica situações de complicação, sendo um dos principais pressão arterial pode estar relacionado à falta de fatores de morbidade e mortalidade cardiovascular e adesão do paciente hipertenso ao tratamento indi- 4 cado. cerebrovascular . Dessa forma, a HAS é um problema de saúde A adesão do paciente a uma determinada pública cujo controle, de forma continuada, é terapia depende de vários fatores que incluem, dentre essencial e visa à prevenção de alterações irrever- outros, os relativos à relação médico-paciente, às síveis no organismo e relacionadas à morbimorta- questões subjetivas do paciente, às questões refe- lidade associadas à doença, exigindo, portanto, rentes ao tratamento, à doença, ao acesso ao serviço ações nos níveis individual e coletivo. de saúde, à obtenção do medicamento prescrito e à O tratamento da HAS baseia-se em medidas continuidade do tratamento7. Neste sentido, é de não-farmacológicas e farmacológicas. Em relação fundamental importância que o médico esclareça, aos cuidados não-farmacológicos, os objetivos refe- continuadamente e em linguagem acessível ao nível rem-se a mudanças no estilo de vida, incluindo os de compreensão do paciente, conceitos básicos cuidados com dieta com restrição de sal, redução quanto ao significado da HAS, sua etiologia, evolução, de peso, atividade física regular, abandono do taba- conseqüências, cuidados necessários, fármacos gismo e do álcool. Dentre as medidas farmacológicas, utilizados e seus potenciais efeitos colaterais. Além há inúmeras classes de anti-hipertensivos disponí- disso, é importante que haja vínculo suficiente entre veis, variando o seu mecanismo de ação, a sua potên- médico e paciente, para que este se sinta engajado 5 cia, posologia e efeitos adversos . no seu tratamento. Uma vez que o paciente se sinta Em que pese o grande avanço científico e esclarecido sobre sua doença, e que se estabeleça tecnológico no manejo da hipertensão arterial ocorrido o elo médico-paciente, o paciente tende a assumir nos últimos anos, uma das grandes dificuldades responsabilidade pelos cuidados com sua saúde, jun- atuais refere-se à adesão dos pacientes aos tamente com o médico8. tratamentos instituídos, ou seja, até que ponto o Além da relação médico-paciente, deve-se paciente segue as recomendações dadas pelo considerar, também como fator importante, que os médico ou outro profissional de saúde para o controle pacientes hipertensos experimentam a influência de do seu problema de saúde. Considera-se adesão a variados determinantes de adaptação às doenças um tratamento o grau de coincidência entre a pres- crônicas que dependem da característica de perso- crição médica – o que inclui as orientações não- nalidade do indivíduo, dos seus mecanismos de farmacológicas – e o comportamento adotado con- enfrentamento de problemas, do seu autoconceito, cretamente pelo paciente. No caso da HAS, envolve da sua auto-imagem e da sua auto-estima, da a extensão em que o comportamento do indivíduo experiência prévia com a doença e/ou doenças e, (em termos de uso efetivo do medicamento, reali- ainda, das atitudes dos cuidadores da área de saúde. zação de mudanças no estilo de vida e compare- As respostas emocionais dos pacientes devem ser cimento às consultas médicas) coincide com o consideradas, já que, muitas vezes, está presente o conselho médico6. Assim, o controle inadequado da mecanismo de regressão, em que o paciente mani- 167 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica festa um comportamento infantilizado, apresentando- Saúde Comunitária (SSC) do Grupo Hospitalar Con- se emocionalmente dependente na realização de ceição (GHC), um complexo de saúde vinculado ao suas atividades, nas quais se incluem, principalmente, Ministério da Saúde, que oferece atenção à saúde os cuidados com sua saúde9. nos níveis primário, secundário e terciário. Em relação Sendo a HAS uma doença sem manifesta- à APS, o Serviço de Saúde Comunitária é composto ções clínicas, pelo menos precocemente, os paci- de 12 Unidades Básicas de Saúde, situadas na zona entes também podem apresentar sentimentos norte da cidade de Porto Alegre, cobrindo uma popu- naturais de negação frente à doença, com uma lação de mais de 120 mil habitantes. A Unidade de conseqüente não-adesão ao tratamento anti- Saúde Parque dos Maias presta atendimento, desde hipertensivo. Isto é, torna-se perfeitamente com- 1992, a uma população composta por 2.137 famílias preensível que um paciente que não se sente “doen- cadastradas, perfazendo 8.482 pessoas. Deste total, te”, sob o ponto de vista estritamente biomédico, evite a população adulta compreende 4.535 pacientes, ten- o uso de medicamentos9. do 327 hipertensos cadastrados. Neste mesmo sentido, como a HAS é uma É freqüente, nessa unidade de saúde, o relato doença assintomática até que as complicações da equipe sobre a dificuldade de se manter a pressão evidenciem-se em longo prazo, os pacientes podem arterial dos pacientes hipertensos em níveis aceitá- não perceber a importância de manter um tratamento veis, de forma continuada, até mesmo entre os paci- continuado. Além disso, as mudanças de estilo de entes que se consultam regularmente. Uma das ex- vida requerem dedicação e persistência. Muitos plicações para esse problema pode ser a falta de ade- fármacos, por sua vez, apresentam efeitos adversos, são dos pacientes ao tratamento proposto. exigem horários especiais para as ingestões diárias, Dessa forma, este trabalho teve como objeti- significam custo adicional no orçamento doméstico, vo avaliar os fatores envolvidos na dificuldade de ade- dentre outros inúmeros fatores que podem dificultar são ao tratamento anti-hipertensivo (medidas não far- o seguimento do tratamento da HAS por qualquer macológicas) sob o ponto de vista do paciente. Assim, pessoa. buscou-se entender os fatores que dificultam o segui- Pelo fato de a HAS ser uma doença crônica que exige cuidado continuado, dependendo desse mento adequado das orientações fornecidas pelo médico e demais integrantes da equipe de saúde. somatório de fatores e da relação entre eles, a terapia proposta pode ter êxito completo ao que se propõe II. Metodologia Realizou-se uma pesquisa qualitativa, cujos ou fracassar parcial ou completamente. Buscando explorar de forma mais apro- focos principais eram as entrevistas com os pacientes fundada essas questões no âmbito da Atenção moradores do bairro Rubem Berta, Vila Parque dos Primária à Saúde (APS), foi realizada uma pesquisa Maias I, pertencentes à área de atendimento da de caráter qualitativo junto à Unidade de Saúde Unidade de Saúde Parque dos Maias e inscritos no Parque dos Maias, em Porto Alegre (RS). A Unidade Programa de Hipertensos do SSC/GHC. de Saúde Parque dos Maias integra o Serviço de 168 O Programa de Hipertensos desenvolvido na Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica unidade tem como objetivo o acompanhamento tratamento anti-hipertensivo como um todo. As entre- sistematizado dos pacientes hipertensos, visando ao vistas foram gravadas em fita cassete, após ter sido manejo adequado da HAS. As atividades previstas obtido o consentimento pós-informação do paciente no programa são: o cadastro dos pacientes, a distri- para participação na pesquisa. O projeto de pesquisa buição de medicamentos e o atendimento individual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do ou em grupo mensal. Nesse Programa, estão incluí- Grupo Hospitalar Conceição. dos pacientes adultos hipertensos de ambos os sexos, de diferentes raças e variados níveis de formação III. Resultados educacional, crenças religiosas e situação conjugal. Do total de 13 entrevistados, dez eram do sexo No presente estudo, não foram incluídos pacientes feminino e três do sexo masculino. As idades variaram pediátricos, pacientes com hipertensão secundária de 34 a 70 anos. Grande parte desses informantes nem gestantes com doença hipertensiva específica não possuia o ensino fundamental completo, não ha- da gestação. Também foram desconsiderados paci- vendo pacientes analfabetos. A maioria dos pacientes entes com outras doenças crônicas que requeiram não exercia atividade remunerada atualmente, rece- modificações no estilo de vida e uso de fármacos de bendo auxílio previdenciário em torno de um salário forma continuada. O estudo foi divulgado para todos mínimo. Uma única paciente não reclamou da sua os pacientes hipertensos da Unidade. A participação situação financeira atual, pois recebia de três a quatro dos mesmos ocorreu de forma espontânea, com assi- salários mínimos mensais, somando-se o auxílio pre- natura de termo livre-esclarecido. videnciário à atividade de cozinheira em um restau- Para a coleta das informações foram feitas rante. Apenas dois pacientes moravam sozinhos. Dos entrevistas individuais pela autora a pacientes 13 entrevistados, cinco participaram, pelo menos específicos, com duração média de 30 minutos, na uma vez, da atividade em grupo do Programa de Hi- própria Unidade de Saúde. Ao final do estudo, foram pertensos, sendo uma delas freqüentadora assídua entrevistados 13 pacientes. A técnica utilizada nas dessa atividade. entrevistas foi a de entrevista aberta, conforme Em uma perspectiva inicial, chamou atenção metodologia de Minayo9, somada a um roteiro semi- o fato de que os pacientes entrevistados demons- estruturado, a partir de um modelo citado na lite- traram desconhecimento sobre o que significa “ter ratura10. hipertensão”. Muitos não sabiam tratar-se de uma No decorrer das entrevistas, procurava-se doença. Mesmo assim, pareciam estar cientes da abordar questões relativas ao entendimento do importância de realizar algum tipo de cuidado para paciente a respeito da HAS, sua experiência prévia manter a pressão arterial controlada, como neste com a doença, as formas de controle, a noção da depoimento de uma paciente de 70 anos: cronicidade da doença e a potencial lesão em órgãos- “Eu não sei o que é [HAS], não sei se é alvo. Discutia-se, além disso, o seu conhecimento doença. Às vezes, eu penso que é até um senti- acerca dos tipos de tratamento existentes, a sua mento, uma coisa que se altera com os problemas utilização, bem como as dificuldades encontradas no da pessoa, assim, um mal-estar, acho que não chega 169 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica a ser doença.” iniciaram o uso de medicamentos, passaram a apre- É importante comentar a questão da ausência sentar efeitos adversos, o que fez esses pacientes de sintomas da HAS, por longo período, até que, se sentirem-se, a partir de então, “doentes”. Na reali- não tratada adequadamente, comecem a surgir as dade, os sintomas do “sentir-se doente”, neste caso, complicações decorrentes da doença. Devido à au- são os relativos aos efeitos colaterais dos medica- sência de sintomas, vários pacientes entrevistados mentos e não à HAS em si. Nessa situação, o fato de referiram que abandonaram o tratamento. Retomaram- estarem usando remédio devido à HAS significa que, no após uma crise hipertensiva, alguma complicação se há sintomas, estes são devidos à doença recém- decorrente da HAS ou devido a outro problema de saú- diagnosticada. de em que o monitoramento da pressão se fez pre- “Logo [após o diagnóstico de HAS] comecei a sente. Outros informantes, mesmo assintomáticos usar remédio. Depois, eu parei uns quatro meses. e sem apresentar nenhuma complicação decorrente Não sentia nada antes, para que tomar, se me sentia da HAS, acreditam ser importante manter o tratamen- fraca tomando? Achava que iria dar certo, assim, sem to adequado, principalmente como prevenção de remédio, mas não adiantou, vim aqui, estava com a complicações a longo prazo. Esses pacientes assin- pressão alta de novo... Voltei a tratar.” tomáticos informaram que “não se sentem doentes”, Uma questão recorrente em alguns relatos foi por mais que tenham de tomar os medicamentos de o que podemos chamar de “sonho de cura da HAS”. forma continuada. Há, por outro lado, os casos em Este desejo, na realidade, apareceu de forma um que os pacientes sentem-se doentes justamente de- tanto contraditória, em algumas respostas. Mesmo pois de iniciado o tratamento anti-hipertensivo. Isso se os pacientes que referiram saber ter de usar medica- explica pelo fato de que, antes de se saberem hiper- mentos continuamente, cientes de não haver cura tensos, esses pacientes tinham suas vidas livres de da HAS, em algum momento da entrevista demons- cuidados e do uso de medicamentos. A partir do diag- traram vontade de “um dia não precisar mais usar nóstico de HAS, entretanto, necessitaram usar medi- medicamentos” para a HAS, devido justamente à sua camentos de forma contínua e buscar um estilo de cura: vida mais saudável. O fato de terem de usar medica- “Ah, mas eu imagino... Estou com essa idade, mentos é que os fez se sentirem doentes, como é mas imagino que um dia vou parar de tomar remédio exemplificado pelo comentário de um paciente de 63 para a pressão. Imagino o médico me dizendo que anos: fiquei curada.” “Antes de ficar hipertenso, eu não tinha Há também os que acreditam que “curaram” nenhum problema de saúde. Foi saber que minha a doença no momento em que atingem o controle pressão é alta, que tudo começou a complicar. Tenho adequado dos níveis de pressão arterial com o uso que tomar remédio, sempre, todos os dias. Isso me do tratamento prescrito. Assim, muitos pacientes lembra, todo dia, que sou doente.” abandonam o tratamento farmacológico nesse Também há os que eram assintomáticos até momento, ao invés de mantê-lo e seguir com o suces- o diagnóstico de HAS feito pelo médico. Quando so no controle da HAS. Soma-se a isso o fato de esses 170 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica pacientes, muitas vezes, estarem previamente assin- ram ao controle/descontrole da pressão arterial e tomáticos: dificuldades ou não em seguir o que consideram “Eu estava com a pressão boa, não sentia correto fazer. Na grande maioria dos relatos, apare- nada, parei de tomar os remédios. Para que tomar ceu o “problema de nervos” como sendo o respon- se não tinha nada?” sável pelo aumento da pressão arterial. Apesar de Alguns pacientes referem sintomas especí- não ter sido explicitado exatamente nestes termos ficos, como dor de cabeça e tonturas, quando julgam em nossa pesquisa, há relatos na literatura que rela- estar com a pressão arterial elevada. É importante cionam a própria expressão “hipertensão” a um estado ressaltar que os pacientes que referiram algum sinto- emocional em que o indivíduo estaria “muito tenso” 11. ma, relacionando-o como conseqüência de pressão Além disso, os informantes também referem arterial elevada, não a mediram para conferir se, de o uso inadequado dos medicamentos, a dieta com fato, estava alterada, na vigência dos sintomas refe- muito sal (relacionam a dieta rica em gorduras como ridos. Além de relacionarem seus sintomas com au- responsável por alterar a pressão arterial), o taba- mento da pressão, não questionam que estes pos- gismo, a ingestão de bebidas alcoólicas e as dores sam estar relacionados a outras causas, dentre elas em geral. Aparece aqui o sentimento de “missão cum- os efeitos colaterais dos fármacos utilizados para prida” quando se sentem cumprindo aquilo que julgam tratamento da pressão arterial. Neste sentido, a partir ser “o correto” e, juntamente, a sensação de controle do momento em que o diagnóstico está consolidado, da pressão arterial, bem como dos sintomas parece haver uma ênfase em atribuir à pressão alta atribuídos ao aumento da pressão arterial. Por outro qualquer sintoma apresentado pelo paciente. lado, o contrário também ocorre, ou seja, o sentimen- Por outro lado, os pacientes demonstraram ter uma boa noção das complicações cardiovascula- to de culpa caso não sigam as recomendações médicas. res e cerebrovasculares relacionadas à HAS. Uma das “Antes [do diagnóstico], era liberado tudo motivações para seguir o tratamento é o medo de ter assim. Não tinha preocupação em ter que ficar me um acidente vascular cerebral (AVC) ou infarto agudo cuidando. Depois, é tomar remédio para cuidar da do miocárdio, as complicações cardiovasculares mais pressão, é parar com sal, cafezinho, cigarro, coisas temidas pelos pacientes e atribuídas à HAS. que eu estava sempre fazendo. Agora é tentar “Se eu não tratasse, eu já teria morrido, teria diminuir. Assim, os remédios ajudam a cuidar e lutam sofrido alguma coisa. Acho que a pessoa tem um contra as outras coisas que fazem mal, entende? Só limite. Quando fui parar no hospital, eu cheguei ao que as coisas que fazem mal eu estava acostumada, meu limite. A pressão estava altíssima, e se a pessoa gosto de fazer, então complica, né?” não faz tratamento, assim, certinho, acho que não Foi interessante notar que, mesmo quando tem como agüentar, o coração começa a disparar, seguiam as orientações médicas, tais como parece que a gente está subindo nas nuvens, pode modificações no estilo de vida, uso correto de medi- dar derrame, enfarte.” camentos, consultas e aferições da pressão arterial Há alguns fatores que os pacientes relaciona- 171 freqüentes, alguns pacientes demonstraram insatis- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica fação com o descontrole dos seus níveis tensionais. avaliar a decisão dos pacientes hipertensos em tomar Esse sentimento pode ser melhor exemplificado com ou não os medicamentos, Benson e Britten apontam o depoimento de uma informante de 70 anos: esta questão como importante, na qual se enfatiza a “Meu Deus, eu faço tudo tão direitinho, então resistência ao uso de medicamentos de uma maneira por que tem dia que ela está 13 por 7, hoje está 15 geral, o que se reflete, também, no uso dos anti-hiper- por 8. Então é com isso aí que eu me irrito, e às vez tensivos12. A fala de uma informante de 64 anos nos parece que quanto mais se mede a pressão, mais ajuda a entender essa questão: sobe, mais fica sem aquele controle. Então eu fico irritada com isso aí.” “Eu gostaria de não depender do remédio, mas fazer o quê? E, na minha idade, a tendência é a Outra questão que chamou atenção é a per- gente ir tomando cada vez mais remédios. Com a cepção de que há uma pressão certa para cada idade, as coisas começam a aparecer. Por tudo isso, paciente: “o meu normal” de pressão arterial. Os estou me cuidando agora, para não ficar uma velha pacientes se acostumam com certos valores que se cheia de coisas.” repetem e acreditam ser este o seu padrão normal Quando nos referimos a tratamentos de uso de pressão arterial, mesmo conhecendo os valores contínuo, não podemos esquecer a questão dos efei- ideais. Fica, então, a questão do papel dos profis- tos adversos dos medicamentos como um motivo sionais de saúde, principalmente o do médico, na importante para o abandono do tratamento. Dois en- educação do paciente e no ajuste adequado dos trevistados relataram que quase abandonaram o medicamentos, visando ao melhor controle da pres- tratamento devido a efeitos indesejáveis provocados são arterial desses pacientes. É comum observar que pelos fármacos. Porém, após a troca destes, os pa- muitos médicos deixam-se influenciar por este padrão cientes sentiram-se motivados a seguir o tratamen- próprio estabelecido pelos pacientes, tolerando níveis to, uma vez que os sintomas adversos foram supri- mais elevados da tensão arterial. midos. Mesmo tendo a consciência da importância Uma vez que o esquecimento de tomar a do uso do medicamento para controle da HAS, alguns medicação pode ser um fator importante na dificulda- pacientes demonstraram inconformidade em ter de de de adesão ao tratamento, tentou-se abordar esta “depender do remédio”. O fato de terem de tomar um questão durante as entrevistas. Contrariamente à nos- remédio continuamente, como em qualquer trata- sa idéia inicial, os informantes não pareceram ter difi- mento de longo prazo, visando à manutenção da culdades em lembrar de tomar os remédios. Quando saúde, gera insatisfação. Melhor seria, segundo percebem a importância de se tratar, os medicamen- esses pacientes, “não ter de tomar nenhum medica- tos passam a ser parte de sua rotina. Também é im- mento”. Soma-se a isso, mais uma vez, a questão portante ressaltar os horários prescritos pelos médi- da ausência de sintomas. Isto é, parece realmente cos, o que, em algumas situações, pode dificultar o incompreensível ficar dependente de medicamentos dia-a-dia dos pacientes, principalmente se estes não para tratar uma “doença” que não apresenta nenhum sabem como adaptar os horários de uma forma ade- sintoma. Em um estudo qualitativo com o objetivo de quada e cômoda. 172 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica “Eu não esqueço não. Só que antes tomava pacientes consultam mensalmente para revisão com de manhã, e agora mudou para de 8 em 8 horas, e os médicos e para renovação das prescrições. Nos isso ficou ruim, eu quase esqueci de tomar o da tarde, casos em que o paciente está com sua pressão sob esses dias. Teve outro dia que eu estava cansada, controle, alguns médicos fazem prescrições para queria tirar uma sesta, mas estava preocupada com dois ou três meses. Percebemos que essa sistemá- o horário do remédio, dormi olhando para o relógio tica gera satisfação para o paciente, que se sente para não esquecer.” adequadamente atendido. Porém, há casos em que Em se tratando de uma população de baixa o paciente necessita de consulta mensal para obter renda, é importante que os medicamentos sejam as receitas, ou porque o médico assim o prefere, fornecidos gratuitamente, uma vez que a necessidade mesmo sendo o caso de um paciente com pressão de compra destes pode interferir negativamente no sob controle, ou porque a pressão está continuamente orçamento doméstico e, assim, ser um fator de não- “descontrolada”. Nessa situação, há certa insatisfa- adesão ao tratamento. Alguns pacientes também ção por parte do paciente, pois é ele que tem de relacionam à baixa renda a dificuldade de manter uma marcar consulta sempre que os fármacos estão por “dieta saudável” conforme prescrição médica. Além acabar, mesmo havendo facilidade na marcação de disso, surgiu o problema da chamada “peregrinação” consultas para as pessoas vinculadas ao grupo de a outras unidades de saúde para se tentar conseguir hipertensos. Em muitos casos, os pacientes saem um determinado medicamento, quando este estava de uma consulta com o seu retorno no mês seguinte em falta na unidade de origem. Percebe-se, então, agendado. Mesmo havendo a facilidade de acesso que tal “peregrinação” é uma constante na vida para esses pacientes, o fato de terem de se consultar desses pacientes, em sua busca por medicamento mensalmente com o médico, simplesmente para re- gratuito, considerado um direito, que em princípio ceberem a prescrição, não seria uma forma desesti- deveria ser disponibilizado pelo município, para todas mulante à adesão, muito pelo fato de o paciente ser as unidades de saúde; porém, na prática, muitas lembrado, a cada mês, de que “está doente”: esse é, vezes, isso não ocorre. na verdade, o motivo da consulta com o médico. “Quando a gente vai à farmácia [da unidade Assim, cabe o seguinte questionamento: os pacientes de saúde] pegar e não tem. Aí, vai à outra [unidade cuja pressão encontra-se sob controle e que necessi- de saúde] e também não tem. Semana passada eu tam apenas dos medicamentos para a manutenção consultei, não tinha o remédio, o rapaz disse para vir de sua saúde não deveriam ter mais liberdade “em na segunda-feira, não tinha chegado. Daí, tive de cuidar-se sem tanta dependência do médico?” comprar duas vezes o captopril, isso não pode ser assim.” “O problema é que para ti pegar remédio tem que ter receita. Então, eu queria que se agilizasse a receita. Lá no Postão [unidade de referência], dão um Na Unidade de Saúde Parque dos Maias, a tipo de receita que dura seis meses, mas eles dão o prescrição dos medicamentos anti-hipertensivos, na primeiro mês, depois tenho que pegar no posto sua maioria, tem validade mensal. Dessa forma, os próximo de casa, que é aqui. Por que tem que con- 173 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica sultar todo o mês para contar a mesma coisa, só equipe. Tal tipo de relacionamento deve ser enfatiza- porque tem que ter receita? Eu acho muita coisa vir do, pois é muito comum em nosso país, com conse- todo mês. Minha mãe vai ao grupo de hipertensos qüências desastrosas no seguimento desses indiví- do posto onde mora e não precisa nem de receita, duos. A seguir, um bom exemplo de como a paciente eles deram uma ficha para ela, e ela vai sempre ao expressa a sua culpa por não ter seguido as orienta- grupo, eles anotam na ficha os remédios que ela ções do médico: pega.” “Eu sei que fui bem orientada pelos médicos, Acredita-se que a relação médico-paciente é entendeu? As falhas que aconteceram, no caso, um fator importante, se não fundamental, para a foram minhas mesmo, sabe? Porque eu fui rebelde, manutenção do tratamento. Nessa relação, faz-se não quis fazer [o tratamento]. Aqui no posto, todos necessário que o médico esteja disponível para o paci- são bons para a gente.” ente na compreensão de seu processo saúde/ Por fim, outra questão que consideramos rele- doença, com o objetivo de auxiliá-lo nos cuidados com vante valorizar foi o acesso aos serviços prestados a sua saúde. Resolvemos expandir esse conceito, pela Unidade de Saúde. Como os pacientes atendi- aqui, para a relação com a equipe de saúde como dos pertencem à sua área de atuação, a maioria deles um todo e percebemos que os pacientes sentem-se mora muito perto, o que facilita o acesso, sendo um bem atendidos pela equipe da Unidade de Saúde. Fica aspecto facilitador para a adesão ao tratamento anti- uma dúvida, no entanto: o sentir-se bem atendido hipertensivo. significa ser, de fato, bem orientado pela equipe sobre sua doença e os cuidados necessários para o seu IV. Considerações Finais tratamento, ou os pacientes referem-se ao fato de Em se tratando da adesão a um tratamento, serem tratados com respeito e cordialidade enquanto percebemos que há inúmeras questões envolvidas usuários da Unidade de Saúde? Além disso, pelo fato no sucesso ou no fracasso em obtê-la. Neste trabalho, de muitos pacientes considerarem os médicos (ou a abordamos algumas das questões que surgiram em equipe) os detentores do conhecimento, por mais que entrevistas com alguns pacientes. Evidentemente, a a saúde seja sua, e por mais que deva haver uma HAS e o seu tratamento adequado envolvem uma aliança com objetivos comuns estabelecidos entre multiplicidade de fatores extremamente complexos, ambos para o sucesso terapêutico, parece estabele- que exigem de todos os envolvidos o emprego de cer-se uma relação em que o paciente assume uma estratégias combinadas que dêem conta dessa atitude passiva. Muitos profissionais, obviamente, complexidade13. De qualquer forma, ao falarmos de assumem uma atitude paternalista, de “donos da ver- adesão, devemos sempre considerar a subjetividade dade”, direcionando as condutas a serem desempe- que faz com que cada indivíduo, de acordo com as nhadas pelos pacientes. Dessa forma, este tipo de suas vivências, conhecimentos, crenças e valores, relação médico-paciente faz com que esse último tenha um comportamento muito próprio em relação não se sinta responsável por sua saúde, pois essa ao significado de “sentir-se doente”. Isso reflete na responsabilidade é transferida para o médico ou a forma como esse indivíduo manifesta-se quando 174 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica abordamos essas questões. Da mesma maneira, paciente que não se comunica com o seu médico é também não podemos desconsiderar as crenças do um candidato muito forte a abandonar o seu trata- médico, ou da equipe de saúde, as quais, muitas mento. Ao longo do tempo, nós, médicos, deixamos vezes, podem não coincidir com as crenças e os de nos comunicar com eles e, sem dúvida, uma co- interesses do paciente. municação adequada entre médico e paciente melho- Um dos aspectos principais neste tema diz ra o desfecho clínico15. respeito, então, às percepções diferentes em relação É, portanto, fundamental enfatizar que o foco à saúde e à doença por parte do médico – e da equipe passa, conforme esta visão, do seguimento ade- de saúde – e dos pacientes. Esse é um dos fatores quado para a comunicação adequada. E essa é determinantes sobre a “aceitação” ou não do “diag- uma mudança radical no sentido de que a respon- nóstico” de HAS dado pelo médico e o tratamento a sabilidade do tratamento volta a ser dividida entre ser seguido. médico e paciente. Não bastará, por exemplo, simples- Nesse sentido, como afirma Chockalingam e mente prescrever um determinado tratamento e es- cols., a educação dos pacientes hipertensos é perar que o paciente “educado” o siga. O médico e essencial, mas, em determinadas situações, não toda a equipe de saúde terão mais uma atribuição: a será suficiente para fazer com que o paciente siga arte da comunicação, pois esta será fundamental no as recomendações estabelecidas como corretas à caminho para o sucesso terapêutico, no que diz res- luz do conhecimento científico atual14. peito a toda a sua complexidade, tanto individual como O que a experiência desta pesquisa aponta é coletivamente. o caminho inverso: não somente educar o paciente, mas iniciar uma abordagem terapêutica que inclua V.Referências uma negociação sobre o tratamento e o seu segui- 1. Fuchs FD. Hipertensão arterial sistêmica. In: mento partindo das concepções que o paciente tem Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária a respeito da sua doença. É bom ressaltar que, com baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre (RS): isso, não se está negando o conhecimento técnico Artmed; 2004. p. 641-56. ou se abandonando as convicções profissionais. O 2. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. Rev que se propõe é o estabelecimento de uma parceria Bras Clin Terap. 1998; 24 (6):231-72. entre pacientes e médicos, cujo objetivo maior é o 3. Fuchs FD, Moreira LB, Moraes RS, Bredemeier M, controle adequado da HAS e uma redução nas suas Cardozo SC. Prevalência de hipertensão arterial complicações. sistêmica e fatores associados na região urbana de Isso pode parecer óbvio à primeira vista, mas Porto Alegre. Arq Bras Cardiol. 1994; 63:473-9. acreditamos que os médicos possam estar falhando 4. Lessa I. Doenças crônicas não transmissíveis. In: nesta área. De pouco adianta saber de forma O adulto brasileiro e as doenças da modernidade: aprofundada a fisiopatologia da HAS e os tratamentos Epidemiologia das doenças não transmissíveis. São mais modernos disponíveis se não se consegue uma Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1998. p. 29-42. comunicação adequada com os pacientes. E um 5. Joint National Committee on Prevention, Detection, 175 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. The 15. Van Wieringen, JCM, Harmsen JAM, Bruijnzeels seventh report of the Joint National Committee on MA. Intercultural communication in general practice. Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of Eur J Public Health. 2002; 12: 63-8. High Blood Pressure. JAMA. 2003; 289: (19): 2560-72. 6. Horwitz RI, Horwitz SM. Adherence to the treatment and health outcomes. Arch Intern Med. 1993; Endereço para correspondência: 153:1863-8. Angélica Manfroi 7. Chizzola PR, Mansur AJ, Luz PL, Bellotti G. Rua Antônio Dias Carneiro, 557 Compliance with pharmacological treatment in Florianópolis – SC outpatients from a brazilian cardiology referral center. CEP: 88051-200 São Paulo Med Journal. 1996; 114:1259-64. 8. Unger T. Patient-doctor interactions in hypertension. Endereço eletrônico: J Hum Hypertens. 1995: 41-6. [email protected] 9. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 1993. 269 p. 10. Nobre F, Pierin A, Mion Júnior D. Adesão ao tratamento: o grande desafio da hipertensão. São Paulo: Lemos Editorial; 2001. p. 26. 11. Center for Disease Control and Prevention. Health beliefs and compliance with prescribed medication for hypertension among black women – New Orleans 1985-86. In: Brown Peter J. Understanding and applying medical anthropology. Mountain View: Mayfield; 1998. p. 248-50. 12. Benson J, Britten N. Patient’s decisions about whether or not to take antihypertensive drugs: qualitative study. BMJ. 2002; 325; 873-7. 13. Schroeder K, Fahey T, Ebrahim S. How can we improve adherence to blood pressure-lowering medication in ambulatory care?: systematic review of randomized controlled trials. Arch Int Med. 2004; 164 (7):722-32. 14. Chockalingam A et al. Adherence to management of high blood pressure: recommendations of the Canadian Coalition for High Blood Pressure Prevention and Control. Can J Public Health. 1998; 89 (5): 15-7. 176 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal (Brasil, 1991-2001) Suicide in young people: risk factors and quantitaive space-time analysis Regina S. Rodrigues* Ana Claudia F. M. Nogueira** Jorge Antolini*** Victor Berbara**** Cátia Oliveira***** RESUMO O suicídio representa atualmente um sério problema de Saúde Coletiva, sendo a segunda causa de morte em jovens na Itália, na França e no Reino Unido e a terceira nos EUA. Este trabalho objetiva estudar a mortalidade por suicídio em adolescentes residentes nas cinco regiões do Brasil, comparativamente, no período de 1991 a 2001, revendo também os principais fatores de risco (FR) descritos na literatura. Metodologia: trata-se de um estudo epidemiológico, com enfoque sobre a Saúde Mental Juvenil. Foram utilizados os dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. Realizou-se a revisão da literatura por meio dos Sistemas Lilacs e Medline, além de livros temáticos. A discussão, de forma contextualizada, teve por base o Pensamento da Complexidade proposto por Edgar Morin. Resultados: foram registrados 69.811 óbitos por suicídio no período estudado, sendo 6.985 casos no grupo dos adolescentes. Os maiores Coeficientes de Mortalidade/100 mil habitantes ocorreram preponderantemente na região sul (1992 a 1994; 1996 a 1998; 2001), seguida pela região centro-oeste. Os principais FR descritos foram história de tentativas anteriores, ideação suicida, maus tratos, condições socioeconômicas precárias, doenças crônicas severas, impulsividade, depressão e esquizofrenia. O suicídio reflete características e valores relevantes de uma sociedade. Representa um sistema complexo e deve ser sempre analisado no contexto individual, social e coletivo. A atuação do profissional de Atenção Primária à Saúde (APS) é fundamental para a prevenção, por meio da identificação dos fatores e situações de risco, no contexto individual, familiar e comunitário. PALAVRAS-CHAVE: - Suicídio; - Saúde do Adolescente; - Epidemiologia; KEY-WORDS: - Suicide; - Adolescent Health; - Epidemiology; * Médica, especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria e especialista em Epidemiologia aplicada à Saúde Mental, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. ** Médica Clínica Geral, Secretaria Municipal de Saúde e Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil. *** Médico Clínico Geral, Hospital Universitário Gaffré Guinle, UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil. **** Médico Epidemiologista, Secretaria Municipal de Saúde, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil. ***** Sanitarista, Mestre em Saúde Pública, Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria de Estado de Saúde, Rio de Janeiro, Brasil. 177 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal ABSTRACT I. Introdução A adolescência é um dos períodos de Suicide is today a huge public health problem desenvolvimento caracteristicamente marcado por (OMS, 2000). It is the second leading cause of death intensas transformações biológicas, sociais e psico- among young people in Italy, France and the United lógicas, sendo vulnerável a diversos agravos, inclusi- Kingdom and the third in the United States. The aim ve relativos à saúde mental. of this paper was to develop a comparative study of O suicídio representa atualmente um grave mortality from suicide in adolescents living in the five problema de Saúde Coletiva. Segundo a Organização regions of Brazil during the period 1991-2001, and to Mundial de Saúde (OMS-2000)1, as estimativas rea- review the risk factors (RF) described in the literature. lizadas indicam que, em 2020, as vitimas poderão Methodology: this is an epidemiological study ascender a 1,5 milhões. Estima-se ainda que um nú- focusing on juvenile mental health using the data of mero de 10 a 20 vezes superior tentará o suicídio2. Os the Mortality Information System of the Ministry of jovens representam um grupo de elevada vulnerabi- Health. The review of the literature was performed lidade em diversos países: o suicídio representa a using the data- bases Lilacs and Medline as well as segunda causa de morte de jovens na Itália, na França books dealing with the issue. The discussion is based e no Reino Unido e a terceira causa nos EUA, tendo on Edgar Morin’s concept of “complexity” in a dobrado a taxa de mortalidade entre 1960-20013. contextualized form. Results: 69.811 deaths from O suicídio é a principal causa de morte na suicide were registered during the period under study, Suíça, na faixa dos 14 aos 25 anos, correspondendo 6.985 from these in the group of adolescents. The a um suicídio a cada três dias e 15 a 20 mil tentativas/ highest mortality coefficients/100 thousand ano4. inhabitants occurred in the south of the country (1992 No Brasil, os Coeficientes de Mortalidade por to 1994; 1996 to 1998; 2001), followed by the central- suicídio entre 1980 e 2000 foram considerados relati- west. The principal risk factors described in the vamente baixos quando comparados a outros países, literature were history of previous attempts, suicidal ocupando o 71º lugar na classificação mundial, segun- ideas, ill treatment, precarious socio-economic do a OMS1. Em jovens residentes em capitais brasilei- conditions, severe chronic disease, impulsivity, ras, estudo realizado por Souza et. al.5 apontou para depression and schizophrenia. Suicide reflects uma certa elevação das taxas de suicídio entre 1979 characteristics and relevant values of a society. It e 1998, e, entre as causas externas, o suicídio ocupa represents a complex system that should always be a sexta posição. analyzed in the context of the individual, the society Deve-se considerar, contudo, a baixa qualida- and the community. The acting of the primary health de dos dados registrados no boletim de óbito como care professional in the sense of identifying the risk possível fator de subestimativas dos óbitos por suicí- factors in the individual, familiar and community dio no Brasil. context is fundamental in the prevention of suicide. 178 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal cometeram suicídio apresentavam algum dos seguin- II. Objetivos Este trabalho objetiva estudar os Coeficientes tes transtornos, em ordem decrescente de risco: de- de Mortalidade (CM) por suicídio em jovens no Brasil, pressão (todas as formas), transtornos de personali- no período de 1991 a 2001, nas diversas regiões do dade (anti-social e border-line com traços de impulsi- país, além de analisar os principais fatores e compor- vidade, agressividade e freqüentes alterações de hu- tamentos de risco neste grupo etário, incluindo a mor, alcoolismo e especialmente para adolescentes, ideação suicida e as tentativas, em uma abordagem abuso de substância, esquizofrenia e problemas afeti- reflexiva e transdisciplinar. vos). - Epidemiologia: III. Material e Método Foi analisada a série histórica de suicídios em Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo aplicado à Saúde Mental de Adolescentes. adolescentes nas regiões brasileiras entre 1991 e 2001. Para os cálculos de CM, foram utilizados os dados No período de 1991 a 2001 foram registrados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) 69.811 óbitos por suicídios no Brasil. Destes, 6.985 referentes ao período de 1991 a 2001. As taxas foram (10,05%) ocorreram em adolescentes (entre 10 e 19 calculadas por 100 mil habitantes. Foram analisadas anos de idade). as variáveis sexo e faixa etária em cada região do Os Coeficientes de Mortalidade (CM)/100 mil país, de forma comparativa, na construção desta habitantes para a população geral brasileira oscilaram série histórica. entre 3,51, em 1991 e 1992 (menores índices), e 4,47, Para a avaliação dos fatores e comportamentos de risco, realizou-se a revisão da literatura por meio dos Sistemas Lilacs e Medline, além de consulta de livros temáticos. em 2001 (maior índice). Em adolescentes, o menor CM foi registrado em 1992 (1,49) e o maior, em 2001 (2,26). Quando são analisadas as cinco regiões Considerando o suicídio resultante da intera- brasileiras, para a população geral o maior CM ocor- ção de múltiplos fatores, optou-se, a nível reflexivo reu no sul em todos os anos da série, variando de na discussão, pela Abordagem do Paradigma da Com- 6,63, em 1993, a 8,86, em 1998. Em 2001, o CM desta plexidade proposto por Edgar Morin. região representou 1,89 vezes a taxa nacional (8,47 e 4,47, respectivamente). A região centro-oeste ocupou o segundo lugar IV. Resultados Segundo Friedrich, citado por Feijó, o “suicídio é cometido quando o indivíduo sente-se incapaz de em CM em todo o período. Em 2001, último ano da série histórica, o CM foi de 5,78 (gráfico 1). dominar uma situação insuportável, tem a convicção Para os adolescentes, o sul apresentou os de que não pode sair dela, desespera-se pela perda maiores CM nos anos de 1992 a 1994, 1996 a 1998 e de controle sobre o ambiente; enfim, quando todas 2001, seguido pelo centro-oeste, o qual ocupou o as maneiras de agir fracassaram”6. primeiro lugar nos demais anos da série (gráfico 2). Segundo a OMS1, a maioria dos indivíduos que 179 Os menores CM, tanto para a população geral Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal quanto para os adolescentes, ocorreram na região de 10 a 19 anos, os CM variaram de 0,65 (1992) a nordeste em todo o período estudado. Para a faixa 1,46 (2001), representando um aumento de 2,24 vezes Coeficiente de Mortalidade por Suicídio/100.000 habitantes no Brasil e Regiões - População Geral 1991-2001 Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. Coeficiente de Mortalidade por Suicídio por 100.000 habitantes no Brasil e Regiões - Adolescentes 1991-2001 Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. 180 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal nas taxas entre estes anos. da APS o mais capacitado para perceber e atuar em A região norte apresentou-se em terceiro lugar tempo hábil: estudos realizados por Le Heuzey7 em relação aos CM mais baixos (exceto em 1994) indicaram que 70% dos adolescentes haviam procu- para os adolescentes. rado um médico generalista ou da área de Saúde A região sudeste apresentou desenho da Escolar dias antes da concretização do ato. tendência próxima à curva nacional. Ocupou o terceiro A OMS sumariza os principais itens para lugar para os menores CM dentre as regiões para a avaliação e manejo de pacientes com risco para suicídio1. população geral e o segundo para os adolescentes. Fatores de risco (FR) para o suicídio em jovens Le Heuzey3 cita a seguinte classificação para V. Discussão O diagnóstico precoce do risco para suicídio é fundamental para a prevenção, sendo o profissional avaliação de jovens com risco de suicídio: - “Suicidé”: é um indivíduo que alcançou a morte por Risco de suicídio: identificação, manejo e plano de ação. Risco de Suicídio Sintoma Avaliação Ação 0 Nenhum - 1 Com problemas emocionais Perguntar sobre pensamentos suicidas Escutar com empatia 2 Idéias vagas de morte suicidas Perguntar sobre pensamentos Escutar com empatia 3 Ideação suicida vaga (plano e método) Avaliar a intencionalidade Explorar as possibilidades Identificar apoio 4 Idéias suicidas sem transtornos psiquiátricos Avaliar a intencionalidade (plano e método) Explorar as possibilidades Identificar suporte 5 Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves Avaliar a intencionalidade (plano e método) Encaminhar para um psiquiatra Estabelecer um contrato 6 Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves ou agitação e tentativas prévias Ficar com o paciente (para prevenir o acesso aos meios letais) Hospitalizar Fonte: OMS, 2000. 181 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 - Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal suicídio. Maus-tratos na infância - “Suicidant”: é o indivíduo que realizou pelo menos A violência durante a infância ou, às vezes, uma tentativa de suicídio. na própria adolescência representa considerável fator - “Suicidaire”: possui idéias de suicídio ou expressa de risco (FR) para o suicídio. Estes jovens apresentam desejos de suicidar-se. um risco três vezes superior de suicídio quando comparados a adolescentes sem história de violência física, sexual ou psíquica. Situações de abandono e Tentativas Histórias de tentativas anteriores são um dos frieza afetiva, principalmente por parte dos pais, principais fatores de risco para o suicídio em qualquer também representam FR para o suicídio de jovens10. grupo etário. As tentativas são de 30 a 60 vezes mais Condições socioeconômicas precárias freqüentes que o suicídio, sendo mais comuns em Marx aponta as injustiças sociais e a opressão jovens que em idosos e ocorrendo principalmente no como causa de suicídio em mulheres jovens, citando sexo feminino. A taxa de recidivas entre jovens é de diversos casos, representando um dos diversos 30 a 40%, ocorrendo principalmente nos seis primei- sintomas das desigualdades sociais11. Estudos re- ros meses após a tentativa7. centes corroboram esta análise7,12 : elevadas taxas Estudos apontaram que 56% dos suicidas de condições socioeconômicas precárias (p<0,0001) morrem na primeira tentativa, especialmente os ho- estão associadas a doenças psiquiátricas (p<0,0001)13. mens, com 62% de mortalidade comparados com 38% das mulheres. Dentre os sobreviventes, até 12% acabam se suicidando, representando um risco 38 vezes maior que a população em geral7. Doenças crônicas Doenças crônicas estigmatizantes, dolorosas e/ou incapacitantes também representam FR para o suicídio entre jovens. Dentre estas, destacam-se o diabetes mellitus, a insuficiência renal crônica, a Ideação Estudos realizados por Rey Gex e analisados asma, a obesidade e a mucoviscidose. Estudos reali- por Le Heuzey3 indicaram que entre 9.268 adoles- zados por Marcelli (1995) apontam para um processo centes, 26% apresentavam idéias suicidas. Estudos de ódio contra o corpo-sede da doença e responsável realizados por Miotto citado por Santos, Anelli e pelos sofrimentos do adolescente7,11,14. Sermous8, em 2003, em adolescentes italianos de A AIDS representa importante fator de risco 15 a 19 anos, revelaram presença de ideação suicida para o suicídio, o qual deve ser sempre investigado em 30,8% das jovens e 25,3% dos rapazes. nestes pacientes8. Kandel, ao avaliar o risco para suicídio em 597 adolescentes, encontrou forte associação entre Impulsividade ideação suicida e uso de drogas. Em muitos casos Determinadas características comuns aos houve relação entre o uso de drogas e sentimentos adolescentes, como a natural impulsividade que os depressivos, principalmente em mulheres9. leva a “atuar em um curto-circuito de pensamento 182 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal transformado em ação”, podem ser consideradas fa- de álcool e/ou drogas e 70% tinham comportamento tores suicidas10. anti-social17. Usuários de heroína apresentaram uma taxa 14 vezes maior para suicídio, segundo Darke et al.18. Antecedentes familiares Estudos apontaram para 40% de estresse pós- Estudos realizados por Sher & Zalsman traumático e 31% de idéias suicidas em adolescentes apontaram para a elevada associação entre abuso 15 de álcool e depressão em adolescentes suicidas17,19. após o suicídio realizado por familiar . Fleischmann et al. observaram também que o abuso de substâncias estava presente em 40,8% Suicídio de amigos e colegas Já foram relatadas “epidemias” de suicídio dos suicídios em jovens20. entre adolescentes após o suicídio de um amigo ou O uso de drogas aumenta consideravelmente colega de escola, conhecido como “efeito Werther”, o risco de depressão, idéias, tentativas e suicídio em alusão ao clássico romance de Goethe, principal- consumado entre os jovens. mente nos primeiros seis meses após o óbito. Nos Segundo pesquisa coordenada pelo Centro dois anos seguintes, há um risco elevado de depres- para o Avanço da Ciência com 19 mil adolescentes são, porém sem ideação suicida4,15. de 132 escolas, os profissionais de saúde devem pensar seriamente no risco de suicídio em adolescentes que relatem episódios de uso de drogas21. Drogas e álcool Um estudo realizado por Garfinkel et al. em 1982, em um hospital de emergências pediátricas, Outros transtornos mentais – Patologias psiquiá- com 505 crianças e adolescentes internados por tricas tentativa de suicídio, apontou uma elevada prevalên- Há uma elevada prevalência dos seguintes cia de uso abusivo de drogas e/ou álcool pelos famili- transtornos psiquiátricos em jovens suicidas, tais ares e/ou pelos próprios pacientes. A maior parte das como a depressão, a ansiedade e o abuso de subs- tentativas ocorreu à noite, após a escola, na própria tâncias. A esquizofrenia e os transtornos alimentares residência e devido à overdose de drogas16. também representam fatores de risco, segundo os Alcoolismo é menos freqüente em adolescen- estudos de Evans et al., em 200522. tes do que em adultos jovens, porém mais da metade das tentativas de suicídio envolveram ingestões prévias de álcool, que parece funcionar como fator 3 de desinibição e impulsividade . Depressão e suicídio em adolescentes Estudos epidemiológicos verificaram que 8,3% dos adolescentes nos EUA apresentaram A autópsia psicológica realizada por Shafü et al., em 20 crianças e adolescentes entre 12 e 19 anos transtorno depressivo23, sendo que 4,9% podem apresentar a forma “major” da doença24. que haviam cometido suicídio, revelou que 85% Determinados transtornos do sono, como haviam manifestado ideação suicida, 40% já haviam insônia e pesadelos, têm sido associados a um risco cometido pelo menos uma tentativa, 70% abusavam aumentado de suicídio. Contudo, parece que o link 183 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal entre insônia e suicídio passa pela presença de aptidão definida para o suicídio”28, além das baixas transtornos depressivos25. O gesto suicida em jovens temperaturas (invernos mais rigorosos), fato ampla- pode revelar uma esquizofrenia ou outro transtorno mente estudado como “Depressão do Inverno” e/ou mental severo que até então encontrava-se silenci- “Suicídio Sazonal”29,30,31. oso26. As taxas relativamente baixas observadas nas regiões mais quentes, sob o ponto de vista climático (nordeste, norte e sudeste), poderiam corroborar a V. Conclusão “O suicídio não é apenas um problema mé3 dico, mas de toda a sociedade” . hipótese do efeito climático. Além disso, estas regiões são compostas na maioria dos estados, de clima Abordagens simplistas não possibilitam per- afetivo mais caloroso, informal, cordial e predisposto cepções profundas. A complexidade, enquanto teoria ao lazer: fatores que podem ser considerados bené- científica, inspira-se nos Sistemas Complexos. Para- ficos para um psiquismo resiliente12,32. Nos Estados digmas com base em visões unilaterais e certezas Unidos da América, foram observadas baixas taxas absolutas e simples não oferecem base segura à de suicídio em adolescentes de origem hispânica análise de situações tão complexas quanto o suicídio quando comparados aos de origem anglo-saxônica, de jovens. Segundo Edgar Morin, “quando o simples os quais apresentam taxas elevadas, apesar do já não basta, é preciso passar ao elo, à espiral, inte- melhor padrão aquisitivo e menor risco de discrimi- grando a velha lógica ao jogo complexo”. O todo é nação social deste segundo grupo. Fatores proteto- mais que a soma das partes: a abordagem do suicídio res, como maior afetividade, ternura e apoio, são enquanto problema coletivo, dadas as cifras mundiais, utilizados para justificar esta diferença, reforçando a requer a visão da parte (o indivíduo) na rede do todo importância do território familiar e comunitário para a (a família, a comunidade, a sociedade pós-moderna): saúde mental, principalmente em faixas etárias mais as relações funcionam de forma complexa, ultrapas- vulneráveis como a adolescência33. Estudos mais sando a linearidade parte/todo, uno/diverso27. aprofundados, do tipo qualitativo, de base antropoló- Alguns fatores podem ser levantados como gica-cultural, psicossocial e psicológicas são neces- hipóteses explicativas para a diferença observada na sários para compreender melhor estas diferenças mortalidade por suicídio entre os adolescentes resi- entre os Coeficientes de Mortalidade entre as regiões. Dessa forma, a abordagem inter e trans- dentes nas diversas regiões. São relevantes as diferenças entre os Coe- disciplinar, por meio do diálogo de respeito e abertura ficientes de Mortalidade entre as regiões. Além dos entre os diferentes olhares e distintos saberes (mé- fatores relativos à qualidade dos dados nos boletins dico, psicológico, psicossocial, sociológico, antropoló- de óbito, outros fatores podem, ao menos em parte, gico etc.), torna-se fundamental para a compreensão explicar as altas taxas na região sul: fatores de ordem e intervenção sobre o suicídio e tentativas a nível afetivo-culturais e antropológicos, como explica individual, familiar e comunitário. Como nos ensina Durkheim, citado por Silva, 2005. “Cada sociedade Morin: “Hoje, a nossa necessidade histórica é encon- tem portanto, em cada momento de sua história, uma trar um método capaz de detectar, e não ocultar, as 184 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal ligações, as articulações, as solidariedades, as inter- sul e os menores no nordeste podem indicar caracte- dependências e as complexidades34,35,36,37,38,39. rísticas socioculturais distintas, ocorrendo maior risco A fragmentação do indivíduo dificulta a para o suicídio em adolescentes em culturas euro- abordagem do mesmo como ser-de-relações: com peizadas. Contudo, deve-se atentar para a possibi- sua família, com seu grupo social, com sua comu- lidade de uma melhor qualidade dos dados nos esta- nidade. A formação atual das Universidades das áreas dos do sul42. Biomédicas não prepara os estudantes para serem Segundo Minayo et al., o diálogo entre os profissionais capazes de abordar seus futuros paci- diferentes saberes, na busca da compreensão das entes de forma não-especializada. Fenômenos com- interfaces entre os campos subjetivo e objetivo, plexos, quando se transformam em epidêmicos1 a possibilita uma abordagem mais profunda desse nível mental, exigem uma avaliação profunda, sem fenômeno43. separar indivíduo e sociedade. E aí se encontra a questão do suicídio. Os questionamentos sobre o auto-extermínio, principalmente em jovens, segundo Hillman, Na atual sociedade pós-moderna, na qual a proporcionam a análise da intensa situação de sofri- produtividade e o progresso são valores essenciais, mento humano, tornando-se, assim, um “Paradigma a morte prematura de jovens, que significa a opção de Vida”43. voluntária pelo auto-extermínio, traduz questiona- Diversas especificidades situacionais, de mentos silenciosos e constitui um dos fenômenos cunho orgânico, familiar, antropológico-culturais e mais intrigantes para os profissionais das áreas da psicossociais podem associar-se como possíveis saúde e sociais. O problema crucial é saber quando fatores desencadeantes da concretização do desejo e de que forma indivíduos com potencial suicida de auto-extermínio, culminando no ato suicida. Este transformarão suas fantasias ou ideações em atos estudo não pode estabelecer qualquer relação por 27 concretos . não dispor de dados relativos às questões subjetivas A intencionalidade revela o papel consciente dos jovens que se mataram. “ Para mensurar o do jovem para o auto-extermínio, a motivação revela desespero humano e medir as potencialidades para as razões psíquicas para o desejo da morte, os o suicídio, individuais e grupais”14, abordagens qualita- precipitadores são os agentes, fatos ou circuns- tivas são necessárias. tâncias, que, de maneira aguda ou crônica, conside- Além disso, não se pode deixar de mencionar rando-se também o tipo de personalidade da vítima, que óbitos por suicídio, devido ao tabu que cerca este “justificariam” o ato, e os métodos escolhidos indicam evento, podem ser notificados no boletim de óbito uma trajetória entre ideação, tentativas e morte como causa externa do tipo ignorado, induzindo à opcional que deve ser percebida durante a avaliação subnotificação do agravo, fato esse que pode ocorrer do profissional de saúde responsável pelo paciente a em qualquer região, mas principalmente naquelas de fim de que medidas intervencionistas sejam instituídas organização religiosa mais rigorosa. 17,40,41 em tempo hábil Nosso estudo busca constituir um alerta para . Este estudo revelou que os maiores CM no 185 os profissionais de saúde que atendem crianças e Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal adolescentes, na tentativa de diagnosticar precoce- Infância e na Adolescência. In: Do Suicídio. São Paulo: mente situações de risco para o suicídio. Papirus; 1998. p. 61-87. 11. Marx K. Sobre o suicídio. São Paulo: Boitempo; Referências 2006. p.13-30. 1. OMS. Prevenção do Suicídio: Um Manual para 12. Chavagnat JJ. Prévention du Suicide. Motrouge Profissionais de Saúde em Atenção Primária. [s.l.]: (FR): John Libbey Eurotext; 2005. p.57-69. OMS; 2000. 13. Beautrais A, Joyce P, Mulder R. Risk Factors for 2. Bertolote JM, Fleishmann A. A Global Perspective serious Suicide Attempts among youths aged 13 in the Epidemiology of Suicide. 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Nogueira Rua Conde de Bonfim, n° 370/815 Rio de Janeiro – RJ CEP: 20520-054 Endereço Eletrônico: [email protected] 188 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG Assessment of occupational stress in Community Health Agents of the metropolitan region of Belo Horizonte - MG Lidiane Cristina Custódio* Fabrício Silva Prata** Gabriel Sanábio** Janaína Félix Braga** Laura Amaral e Silva** Priscilla das Graças Morreale** Ricardo Costa-Val*** RESUMO Estudo de revisão que buscou justificar a importância de se avaliar o estresse dos Agentes Comunitários de Saúde e a correlação deles com a atividade ocupacional, uma vez que as situações vivenciadas pelos mesmos, nas diferentes áreas de risco, bem como o contato direto com a comunidade, representam agentes estressantes de relevante magnitude. Sabe-se que a presença de trabalhadores estressados na equipe resulta em insatisfação, diminuição da produtividade e má assistência de saúde à comunidade. Portanto, especial atenção deve ser dada aos profissionais propensos a reações mais intensas aos agentes geradores de estresse, o que resulta em benefícios tanto para a equipe de Saúde da Família quanto para a comunidade assistida. ABSTRACT This review aims at showing the importance of assessing stress in Community Health Agents and the correlation of this stress with their activity, given that the situations they face in the different risk areas and the direct contact with the community are considered highly stressing factors. It is known that the presence of stressed agents in a team leads to discontent, reduced productivity and low-quality health assistance for the community. Special attention should thus be paid to professionals with an inclination to react intensely to stress factors, not only in benefit of the Family Health team but also of the assisted community. PALAVRAS-CHAVE: - Estresse; - Auxiliares da Saúde Comunitária; - Saúde do Trabalhador. KEY-WORDS: - Stress; - Community Health Aides; - Occupational Health. *Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Vale do Rio Verde, Professora do curso de Fisioterapia do Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. **Graduandos doCurso de Fisioterapia do Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. ***Mestre, Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Vale do Rio Verde, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. 189 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG dade e pelo alto consumo de energia despendido nas I. Introdução O interesse pelo estudo do estresse no trabalho tem-se destacado nos últimos anos devido fases anteriores, com falência do órgão mobilizado na SAL e manifestação de doenças orgânicas. ao impacto negativo que ele é capaz de proporcionar Estresse ocupacional é determinado pela na saúde e no bem-estar dos empregados e, percepção que o trabalhador tem das demandas conseqüentemente, no funcionamento e na efetivi- existentes no ambiente de trabalho e por sua habili- dade das organizações. Sabe-se que trabalhadores dade para enfrentá-las4. Segundo Jex5, as definições estressados possuem capacidade produtiva dimi- de estresse ocupacional são determinadas pelos nuída, abstém mais do serviço, causam maior número agentes estressantes. de acidentes de trabalho e aumentam os custos finan- Os eventos são considerados estressantes ceiros das empresas e organizações, investidos em quando são percebidos desta forma pelo indivíduo. seus problemas de saúde1. Os fatores cognitivos têm um papel central no pro- Miyamoto e Selye definem o estresse como o cesso que ocorre entre estímulos potencialmente es- resultado inespecífico de qualquer demanda capaz tressantes e as respostas do individuo a eles6. Carac- de resultar em um efeito negativo na esfera mental, terísticas situacionais e pessoais podem, assim, inter- física ou emocional do ser humano, provocado por ferir no julgamento do indivíduo. 2,3 um agente estressante . Seus estudos revelaram De acordo com Glowinkowski e Cooper7,8, es- que a exposição prolongada ao agente estressante tes agentes constituem-se em fatores intrínsecos ao resulta em reações de defesa e adaptação, designada trabalho, como repetição de tarefas, pressões de à síndrome geral de adaptação. Essa síndrome tempo e sobrecarga. Este último pode ser dividido 3 caracteriza-se por três fases, assim designadas : em dois níveis: quantitativo e qualitativo. A sobrecarga - Fase de alarme: reação do organismo à excitação quantitativa diz respeito ao número excessivo de tare- de agressão ou de fuga ao estressor, podendo ser fas a serem realizadas. Já a sobrecarga qualitativa manifestada clinicamente por taquicardia, tensão refere-se à dificuldade do trabalho, ou seja, as deman- crônica, dor de cabeça, sensação de esgotamento, das que estão além das habilidades ou aptidões do hipocloremia, pressão no peito, extremidades frias, trabalhador. Inúmeras variáveis de natureza pessoal e dentre outros. - Fase de resistência: fase de alerta, acrescida de situacional também influenciam o estresse ocupacio- reações orgânicas direcionadas a um determinado nal. Em relação às variáveis situacionais, destaca- órgão-alvo, desencadeando a Síndrome de Adapta- se o suporte social encontrado pelo trabalhador, o ção Local (SAL), na qual predominam sintomas qual pode ser recebido do supervisor, dos colegas psicossociais como ansiedade, medo, isolamento de trabalho ou mesmo de pessoas fora do trabalho. social, oscilação de apetite, impotência sexual, dentre Quanto às variáveis pessoais que influenciam o outros. estresse ocupacional, o estilo de enfrentamento - Fase de exaustão: fase avançada na qual se obser- (coping) do empregado frente aos eventos geradores va extenuação do organismo pelo excesso de ativi- de estresse consiste na principal variável individual, 190 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val foco central de muitos estudos1. Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG português e tem como objetivo correlacionar o estresse com a atividade ocupacional realizada pelo trabalhador. Uma versão reduzida desse questionário, II. Avaliação do estresse A avaliação do estresse e sua relação com a originalmente elaborado por Karasek (49 perguntas), atividade ocupacional nos profissionais que compõem foi elaborada na Suécia por Tores Theorell em 1988, a equipe de Saúde da Família, especialmente nos contendo 17 questões que avaliam: a demanda (5 Agentes Comunitários de Saúde, possibilitam a questões), que é caracterizada por tempo e veloci- compreensão e a correlação do estresse com a dade na realização do trabalho e presença de tarefas complexa atividade ocupacional desenvolvida por contraditórias; controle (6 questões), que é definido estes. como a possibilidade do trabalhador utilizar suas Essa avaliação pode ser realizada utilizando- habilidades intelectuais para a realização de seu tra- se instrumentos elaborados pelos próprios balho, bem como possuir autoridade suficiente para profissionais do programa de saúde ou pelos gerentes tomar decisões sobre a forma de realizá-lo, e apoio das unidades, executores de políticas organizacio- social (6 questões), que são os níveis de interação nais. Outros instrumentos específicos, validados e social, existentes no trabalho, tanto com os colegas auto-aplicados podem também ser utilizados, como quanto com os chefes. Para ambas as dimensões, o Inventário de Sintomas de Stress (ISSL) e a Job as opções de resposta são apresentadas em escala Stress Scale. tipo Likert (1-4), variando entre freqüentemente, nun- O Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp – ISSL foi validado em 1994 por Lipp 9,10 ca/quase nunca e concordo totalmente e discordo totalmente. .O Esses instrumentos permitem a exploração instrumento é composto de três quadros, cada um de algumas dimensões do estresse no ambiente de se referindo a uma das fases do estresse, segundo trabalho que pode ser complementada com a utili- o modelo trifásico de Selye (alerta, resistência e zação de outros métodos qualitativos contribuindo exaustão). Permite avaliar os sintomas de estresse assim para a elaboração de medidas mais efetivas tanto a nível cognitivo quanto somático e possibilita de controle e combate aos agentes estressantes rela- ainda identificar a fase de estresse em que o indivíduo cionados à atividade ocupacional. e Guevara com base nos conceitos de Selye se encontra. O respondente aponta o sintoma de estresse que tem apresentado, especificado em cada III. O profissional da saúde e o estresse quadro, em 24 horas, uma semana ou um mês. Os A área de saúde é sabidamente caracterizada dois primeiros quadros referentes às fases de alarme por uma atividade profissional estressante. É comum e resistência, respectivamente, contam com 15 itens a queixa de estresse por parte dos profissionais deste cada e o terceiro quadro, que permite o diagnóstico setor, sejam eles médicos, enfermeiros, psicólogos, do estresse já em fase de exaustão, possui 23 itens. dentre outros. Espera-se, entretanto, que o estresse A avaliação é feita em termos percentuais do teste. apresentado por esses profissionais venha acompa- O Job Stress Scale11, foi validado para o 191 nhado por esforços de enfrentamento capazes de Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG gerenciar as conseqüências das fontes de estresse sidade, as reações orgânicas direcionadas a um de- e retornar o indivíduo a um nível estável de funciona- terminado órgão-alvo com sintomas psicossociais, 12 características da fase de resistência, podem levar à mento homeostático . Em 1994, o Ministério da Saúde definiu a Es- extenuação do organismo na fase de exaustão3. tratégia Saúde da Família como o eixo de reorgani- Se, durante as atividades, a equipe de saúde zação da Atenção Básica à Saúde com o objetivo se depara com situações conflituosas ou de difícil geral de melhorar o estado de saúde da população resolução, os profissionais da saúde poderão apre- por meio da construção de um modelo assistencial sentar alterações psicofisiológicas, as quais são de atenção fundamentado na promoção, proteção, capazes de causar reações no organismo com diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da componentes físicos e/ou psicológicos causando o saúde, em conformidade com os princípios e as estresse15. diretrizes do Sistema Único de Saúde13. Atenção es- Os Agentes Comunitários de Saúde consti- pecial deve ser dada aos agentes comunitários de tuem o primeiro contato entre a unidade e a população saúde, que representam o elo entre a equipe de Saúde de seu território de abrangência. Assim, atenção deve da Família e a comunidade. Dentre as suas atribui- ser dispensada aos mesmos, uma vez que repre- ções profissionais, destaca-se o mapeamento da sentam um elo entre a equipe de saúde e a comu- comunidade com a identificação de microáreas de nidade, sendo essencial capacitá-los para terem um risco, bem como o cadastramento das famílias por discernimento em relação a quais informações 13 poderão ser compartilhadas com o restante da equipe meio de visitas domiciliares . Estudos sobre a realidade da Estratégia de e se tais informações são ainda potencialmente Saúde da Família no Brasil apontam para a existência benéficas à comunidade10,13. Associado a esse fato, de pontos positivos na proposta, principalmente no algumas atividades exercidas pelos Agentes Comuni- que diz respeito à ruptura com a lógica taylorista de tários de Saúde exigem certo conhecimento sobre organização e gestão do trabalho, e também para patologias e noções do processo saúde-doença, 14 problemas em relação às condições de trabalho . exigindo maior conhecimento dos mesmos sobre quais os cuidados devem ser providenciados e IV. O trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde tomados nos enfermos em consonância com os de- O trabalho desenvolvido pelos Agentes mais profissionais do Programa de Saúde da Famí- Comunitários de Saúde mostra algumas situações lia16. na relação trabalhador-usuário, que demandam certo Freqüentemente, o trabalho da equipe de gasto de energia e adaptação em virtude do contato Saúde da Família e especialmente dos Agentes direto com a realidade. O fato de residirem na área Comunitários de Saúde exige a necessidade de se de abrangência de trabalho somado às caracterís- produzir muito em pouco tempo, bem como a repe- ticas individuais de cada trabalhador podem desen- tição de tarefas. Segundo Glina17, os trabalhadores cadear o processo de estresse9,12. O estresse repre- recebem sobrecargas tanto qualitativas, quanto senta uma situação de risco, e, dependendo da inten- quantitativas, representando alto volume de trabalho 192 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG mental por unidade de tempo e complexidade do executores de políticas organizacionais, visto que, no trabalho frente a capacidades e experiências do esquema mental de reciprocidade dos trabalhadores, trabalhador. a noção de organização doadora é estruturada a partir Essas sobrecargas representam fatores de atos gerenciais, sendo essas ações o início da estressantes em um ambiente ocupacional represen- troca social que, por sua vez, levam os empregados tando uma preocupante situação, potencialmente a se posicionarem como beneficiários e a acredita- causadora de doenças nos trabalhadores, já que a rem no suporte organizacional. O resultado final des- combinação entre altas demandas e baixos controles sa atitude é a criação de vínculos afetivos entre sobre o trabalho é sabidamente situação de estresse trabalhadores e a estrutura organizacional na qual ocupacional. estão inseridos, o que leva a um maior comprometi- 18 Glina et. al. avaliaram a correlação entre a mento dos mesmos. saúde mental e o trabalho, concluindo que, de maneira geral, quanto menor a autonomia do trabalhador V. Conclusão na organização de suas atividades, maiores as A avaliação da incidência de sintomas psico- possibilidades destas gerarem transtornos na esfera lógicos, a determinação das fases de estresse apre- mental. Além disso, o excesso de trabalho e a pres- sentadas pelos agentes comunitários de saúde e sua são por maior produtividade estão presentes em todos correlação com as situações vivenciadas pelos os degraus da hierarquia profissional. mesmos, nas diferentes áreas de risco, justificam- Quanto ao suporte social, a existência de um se, uma vez que o contato direto com a comunidade ambiente calmo e agradável de trabalho e um bom é um agente estressante de relevante magnitude. relacionamento entre os profissionais constituem fato- Além disso, sabe-se que, dentre os profissionais da res determinantes para a efetividade do trabalho em área da saúde, aqueles que atuam na comunidade 19 equipe. Segundo Tamayo , variáveis de suporte or- têm maior dificuldade adaptativa aos fatores estres- ganizacional que envolvem processos de gestão e santes, uma vez que não só se expõem continua- gerenciamento podem diminuir a exaustão emocional. mente a problemas de naturezas diversas, mas são Esses processos devem ser executados de forma frequentemente surpreendidos por eles9,12. participativa e colaboradora, tendo ainda a caracte- Em relação ao contexto organizacional, a pre- rística de tornarem elementos incentivadores do sen- sença de trabalhadores estressados na equipe é ca- timento de valorização profissional nos subordinados. paz ainda de provocar o desenvolvimento de ativida- Ações que melhoram as relações sociais dentro do des ineficientes, desorganizadas e com comunicação ambiente de trabalho e a presença de políticas claras deficitária, o que leva a uma insatisfação e diminuição de divulgação de informação, atualização e planeja- da produtividade, resultando em uma má assistência mento são também medidas sabidamente redutoras de saúde à comunidade9,12. A presença do estresse do estresse ocupacional18. e a incapacidade para enfrentá-lo podem resultar ainda Siqueira 20 sugeriu que os gerentes devem conscientizar-se da importância de seus papéis como 193 em enfermidades físicas e mentais. A avaliação do estresse ocupacional dos Agen- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG tes Comunitários de Saúde se justifica, visto que o Psicológica. 1994; 11(3):43-49. baixo controle e as altas demandas exigidas pelo tra- 11. Alves MGM. Versão resumida da “job stresss scale” balho podem contribuir para o desenvolvimento do adaptação para o português. Rev Saúde Pública. estresse em relação à atividade ocupacional. 2004; 38(2): 164-71. Especial atenção deve ser dada aos profis- 12. Camelo SH. Sintomas de Estresse nos sionais propensos a reações mais intensas aos estí- Trabalhadores Atuantes em Cinco Núcleos de Saúde mulos estressantes, o que resulta em benefícios tanto da Família. Rev Latino-am Enfermagem. 2004; para a equipe de Saúde da Família quanto para a co- 12(1):14-21. munidade assistida. 13. Brasil. Ministério da Saúde. Programa de Saúde da Família. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1994. 14. Ribeiro EM. A teorização sobre o processo de VI. Referências 1.Tamayo A. Validação da Escala de Estresse no Trabalho. Estudos de Psicologia. 2004; 9(1):45-52. 2. Miyamoto ST. Fisioterapia Preventiva Atuando na Ergonomia e no estresse no Trabalho. Rev. Fisioter. trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde de Família. Cad. Saúde Pública. 2004; 20(2):438-446. 15. Lipp MEN. Stress: conceitos básicos. In: Lipp ME, Organizadora. Pesquisas sobre stress no Brasil: Univ. 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Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga, Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG Endereço para correspondência: Lidiane Cristina Custódio Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH Depto. de Fisioterapia Av. Professor Mário Werneck, 1685 Belo Horizonte – MG – Cep: 30455-610 Endereço eletrônico: [email protected] 195 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil Fortalecendo a Atenção Primária à Saúde no Brasil com a Medicina de Família e Comunidade Cynthia Haq* Gustavo Gusso** Maria Inez Padula Anderson*** ABSTRACT This paper reviews the development of the specialty of family medicine with attention to strategies that may be used to strengthen Brazilian health care with appropriately trained family doctors. These strategies include establishing academic departments of family and community medicine in all Brazilian medical schools, ensuring a common core curriculum in training programs, and defining standards for the evaluation and certification of family doctors. These strategies could enhance the quality, scope and effectiveness of the Brazilian Family Healthcare Program. RESUMO O presente artigo resgata o desenvolvimento da Medicina de Família e Comunidade como especialidade, com enfoque nas estratégias capazes de fortalecer o sistema de saúde brasileiro com médicos de família adequadamente capacitados. Tais estratégias envolvem o estabelecimento de departamentos de Medicina de Família e Comunidade em todas as escolas médicas brasileiras, a garantia de um currículo básico comum para os programas de treinamento e a definição de padrões para a avaliação e a certificação de médicos de família. A implementação destas estratégias pode contribuir para um aumento da qualidade, abrangência e eficácia do Programa Saúde Família Brasileiro. Atenção Primária; Medicina de Família e Comunidade; Avaliação Profissional. KEY WORDS: - Family Practice; - Employee Performance Appraisal; - Primary Health Care; PALAVRAS CHAVE: - Medicina de Família e Comunidade; - Avaliação de Desempenho; - Atenção Primária à Saúde. *Professor of Family Medicine and Community Health Sciences, University of Wisconsin School of Medicine and Public Health, USA **Family and Community Doctor, Director of Brazilian Society of Family and Community Medicine and Consultant of Department of Primary Health Care of Ministry of Health. ***Professor of Family and Community Medicine, Head of Department of Family and Community Medicine, Rio de Janeiro State University and President of Brazilian Society of Family and Community Medicine 196 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil applies to all countries irrespective of their stage of I. The development of family medicine Since the beginning of western medical development”. It recommended that every medical science most physicians have been generalists who school provide opportunities for students to train in could provide care for patients of all ages and for most family practice settings and that, in order to raise the problems. The exponential rise of medical information standards of family medicine, all graduates choosing and technology that began after WW II resulted in rapid family practice should undergo a period of postgraduate developments in medical therapies and specialization training specifically designed to meet their needs in among doctors. Specialists offered new therapies to this field of medicine 2. This concern was again improve the quality and duration of life for many reflected in the 1995 World Health Assembly Resolution patients. Yet, most people still desired personal WHA 48.8 that urged all member countries to support relationships with health professionals who could reform of basic medical education “to take account of provide comprehensive care for common problems, the contribution made by general practitioners to primary who could care for all members of the family and who health care-oriented services” 3. could coordinate referrals to specialists as needed. While medical school training introduces The growth of medical information and students to the basics of primary health care, therapies in the last century resulted in the need for postgraduate training for family medicine was physicians to master a greater body of knowledge for developed to provide opportunities for medical school providing high-quality comprehensive primary health graduates to become ‘specialists in primary health care. Specialty training and certification after medical care’, to ensure delivery of comprehensive high-quality school can ensure that family doctors demonstrate health care services across the life span. Family required competencies. Family medicine training medicine postgraduate training evolved at different programs are a manifestation of the response of health rates in different areas of the world. In 1966, the United systems and academic medical centers to provide Kingdom started a general practice vocational training comprehensive health services to meet the needs of program. During the same decade Canada, the United 1 individuals, families and communities . States and several other countries initiated programs As early as 1963, a World Health Organization Expert Committee on Professional and Technical Education of Medical and Auxiliary Personnel defined family physicians as “practicing physicians that have the essential characteristic of offering to all members of the families they serve direct and continuing access to their services… These doctors accept responsibility for total care either personally or by arranging for the use of specialized clinical or social resources.” The committee noted that “in every country of the world there appears to be a dearth of family physicians, this 197 specifically designed to train family doctors. By 1995, at least 56 countries had developed family medicine training programs4. Family medicine training programs have been established through a variety of mechanisms, most often in partnerships with medical schools, in community hospitals and/or with practicing community physicians5,6 . Family medicine postgraduate or residency training programs engage students and faculty in providing comprehensive care for patients of all ages as well as orientation to the care of families and Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil communities. In this process, family doctors become programs were not popular was that there weren´t familiar with the problems, resources and special places to work as “General Community Doctors”. needs of the people they serve, and are able to adapt Health centers were organized based on policlinic education, research and service programs to respond model:one internist, one pediatrician and one gynecologist. to these needs. Numerous studies have confirmed that But other reasons could be appointed as well like the well-trained family physicians provide high-quality, cost- current distrust in the specialty by medical students effective health care services to patients of all ages. because of lack of contact during medical school. In Health outcomes of individuals and populations can be 2001, the name of General Community Medicine was improved through access to family doctors and changed to Family and Community Medicine but the comprehensive primary health care services7. program reminded the same. Today, Family and Despite the demonstrated value of family Community Medicine is one of the 52 specialties doctors, family medicine is not yet recognized or recognized by the Brazilian Medical Association, the established as a distinct medical specialty in many Federal Medical Council and the National Committee nations. However this situation is rapidly changing as of Medical Residency (Comissão Nacional de many countries are working to establish formal Residência Médica-CNRM), a committee of the Ministry programs to train and certify family doctors. Family of Education, which regulates all Medical Residency medicine training programs have been established in programs in Brazil. most Latin American countries and are in various stages of development in many African and Asian nations. In 1994 the Brazilian government launched the Family Health Program (FHP) and in 1998 the FHP was adopted as a strategy for reorganizing primary II. The Development of Family and Community care (Brazil, Ministry of Health 1994 and 1998). The Medicine in Brazil FHP provided employment opportunities for family In Brazil, although programs to train generalist physicians started in the 1980s, family medicine is still doctors in the public sector so the specialty could expand to other cities and institutions. not considered an attractive specialty and the field has Despite the advent of the FHP and incentives not been able to attract a sufficient number of trainees provided by the Federal Government (National to meet the needs of the population. Directives for the Curriculum of the Graduate Course The Brazilian National Committee of Medical in Medicine - Diretrizes Nacionais do Curso de Residency recognized the specialty of General Graduação em Medicina - RESOLUÇÃO CNE/CES Nº Community Medicine in 1981. For many years this 4, de 7 de novembro de 2001) to teach undergraduate discipline was restricted to a few places and educational medical students primary health care (PHC), few institutions such as UERJ in Rio de Janeiro, Murialdo students choose the specialty of Family and Community and GHC in Porto Alegre among others. Some family Medicine. Factors that discourage student selection doctors worked in the private sector in locations such include unattractive work places, insufficient information as Fundação Rubem Berta (RS), Cassi (diverse about the specialty and shortage of teachers. There states) and Firjan (RJ). One reason why these are only few departments and teachers of family 198 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil medicine in the medical schools. Many students and hospitals, public health officials and private insurers. faculty do not understand that family medicine is a Departments of family and community medicine comprehensive discipline nor do they realize that require human and physical resources to deliver the postgraduate training is required. Many young full spectrum of family medicine education, services physicians opt for established specialties such as and research programs. Human resources include pediatrics or internal medicine and then seek employment faculty, physicians and staff with time available to teach in the FHP. and adequately supervise trainees, develop curricula, and conduct research. Practicing community family III. Establishing Departments of Family and doctors may be recruited as part-time clinical supervisors Community Medicine or tutors. Physical resources include centers that Many actions are needed for promoting family integrate teaching and clinical services. In these and community medicine among medical students. centers, patient care may be provided by teams that The first priority is to develop academic departments include practicing physicians, residents or students in order to recruit and prepare highly qualified family in training, nurses, social workers, and other health physicians. Universities are in urgent need of family professionals. Family medicine teaching centers, which and community medicine faculty. Family and community may be incorporated into community physicians’ practices medicine faculty who understand and can demonstrate or community health centers, may also serve as comprehensive primary health care will be able to show important sites for primary care research. that this specialty is much more than an amalgam of Departments of family and community medicine internal medicine, gynecology, pediatrics and surgery. often require governmental and institutional financial Family and community medicine includes a defined support. Once established, clinical revenues, research body of knowledge. Family and community medicine grants and hospitals often finance a substantial faculty are able to practice and teach more effectively proportion of services. Departments usually begin with when supported in academic environments. a small number of faculty and staff members. As Departments or units of family and community teaching, clinical and research programs grow and medicine provide leadership for establishing the resources increase, additional members may be discipline in academic settings and for organizing recruited. Specialists in other fields and those with resources to conduct teaching, patient care, and PhD degrees can be valuable teachers of family research programs that address the health needs of medicine, however community-based family physicians the community. Departments of family and community that understand the practice and who have interest in medicine require participation of leaders who teaching are essential. Community or district hospitals understand and support the important principles, are often important partners in the development and functions and roles of family medicine. These leaders support of departments of family and community may include government authorities, medical association medicine. Faculty physicians and residents in training representatives, practicing family doctors in the provide important clinical services for these institutions. community, staff from medical schools and teaching A partnership approach ensures mutual benefits for 199 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil the community, the hospital and the department. In some countries, departments of family and by the population. Strategies to attract students to careers in family medicine are summarized below: community medicine are well established and enjoy • Recruit and admit students interested in primary care a reputation similar to that of any other department in and community service. their respective academic institutions. In other • Emphasize primary care in the required curriculum. countries, where family medicine is not fully recognized • Offer high-quality rotations in health centers with as a discipline and a specialty, the establishment of a family doctors. department may contribute to creating the momentum • Provide opportunities for students to work one on that will lead to full recognition and development of the one with family doctors. profession. • Ensure sufficient family and community medicine specialty training programs. IV. How to attract students to family and • Provide incentives to encourage selection of careers community medicine careers in family practice. Academic departments of family and • Offer a variety of career opportunities in family community medicine can provide opportunities for medicine. students to interact with family physicians during • Support family medicine graduates with competitive medical school. When interacting with family physicians salaries and career paths. in classroom and clinical settings and perceiving family doctors as valued members of health teams, V. Establishing associations, standards for training, students are more likely to consider family practice quality and certification careers8.Enthusiastic family doctors who demonstrate Family practice associations provide a rich humanistic values, provide high-quality patient care array of expertise and resources to assist in the and excellent teaching can serve as positive role development of the specialty. They provide opportunities models that many students will wish to emulate. On to locate colleagues with shared interests and to the other hand, if students are not put in contact with collaborate on joint projects. Providing appropriate family medicine during their education they may be continuing medical education for family doctors is an unaware of the content and challenges associated important service of national associations. This with family practice and will be less likely to select this includes conducting educational programs, sponsoring as a career. educational journals, and certifying that educational In some countries, government policies activities are well designed and appropriate for regulate the number of specialty training positions for improving the skills of family doctors. Family medicine family medicine and other medical disciplines through networks at the local, regional, national and international financial incentives or legislation. If these policies are levels allow colleagues to develop specific aspects based on sound information regarding projected health of the specialty such as teaching, research or quality workforce needs, incentives can be provided for attracting improvement in greater depth. students to select careers that match the care needed 200 Another important activity of professional Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil organizations is training new doctors in their chosen as legal residency must be called Continuing Medical discipline and certifying that they are properly trained. Education. Currently, in Brazil, there are wide variations in the Another option for family and community medicine curriculum and qualifications of those identifying physicians to achieve standards is through Continuing themselves as family doctors. Until standards are Medical Education. The Royal New Zealand College of established, disseminated and enforced, there will be General Practitioners, for example, provides options wide variations in the skills and confusion as to the for candidates to qualify for specialty certification identity and even the value of family doctors. National through clinical training and examinations or through organizations can exert considerable influence on practice eligibility routes. In some countries, the standards training programs by establishing minimum training for training and re-certification of family doctors are requirements and core competencies for certification9. more stringent than for other specialties. The The process of certification can be supervised certification process for family doctors may include by professional family medicine associations or assessments of consultation and communication certifying bodies can be organized independently. skills, practice management skills, ethical standards, There are a variety of approaches to certification10. patient satisfaction and medical chart audits. In many Certification can be obtained through two separate countries, family doctors are required to complete a pathways in Brazil: 1) studying in a residency training minimum number of hours of continuing medical program recognized by the ministry of education; or education annually in order to maintain their certification. 2) meeting defined standards of professional In the United States, the American Board of Family performance in the setting of the practice and passing Practice was the first specialty society to require an examination. The Certification of Family and members to pass a re-certification examination every Community Medicine (TEMFC) examination given by seven years. In Brazil, this process started in 2006; the Brazilian Society of Family and Community from this year forward all specialists must achieve Medicine is the only exam authorized by the Brazilian 100 points every 5 years through distance education Medical Association. This certification includes two stages: courses, attending meetings or engaging in other 1) analysis of the curriculum, which requires at least activities approved by the Brazilian Medical Association. 3 years of medical practice; and 2) passing an exam. VI. Summary: Completion of a medical residency recognized by the During the last 12 years, the Brazilian Ministry Ministry of Education and the TEMFC have the same legal of Health has been developing the “Programa de value in Brazil. Legally, only a residency recognized by Saúde da Família” (Family Health Program) to provide the National Committee of Medical Residency can be high-quality health care for the Brazilian population. called “medical residency” (Art 1° § 2.º It is forbidden Today there are more than 27,000 physicians engaged to use the term “Medical Residency” for any medical with this program although less than 2.000 are family training program that has not been approved by the physicians. Family and community medicine is already National Committee of Medical Residency, Law Nr. strengthening primary health care and improving the 6.932, of July 7, 1981). Those activities not recognized quality of the Brazilian Family Health Program. 201 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil However, many more family and community medicine 7. Starfield B, Shi L, Macinko J. Primary care impact physicians need to be trained, certified and recruited on health outcomes: A literature review. Milbank to fully address the primary health care needs of the Quarterly. 2005; 83(3): 457-502. country. Family and community medicine faculty, 8. Campos-Outcalt D et al. The effects of medical departments, certification and continuing medical school curricula, faculty role models, and biomedical education programs are essential to enhance the research support on choice of generalist physician growth and quality of this specialty. careers: a review and quality assessment of the literature. Academic Medicine, 1995, 70: 611-619. VII. References: 9. Pereira Gray DJ. History of the Royal College of 1. Boelen C, Haq C, Hunt V, Rivo M, Shahady E. General Practitioners — the first 40 years. British Improving Health Systems: the Contribution of Family Journal of General Practice. 1992; 42: 29-35. Medicine; a Guidebook. Singapore: Wonca (World 10. Royal College of General Practitioners. Fellowship Academy of Family Doctors), Bestprint publications; by assessment. London, Royal College of General 2002. Practitioners, 1995 (Occasional Paper 50, 2nd ed.). 2. World Health Organization. Training of the physician for family practice. Eleventh report of the Expert Address: Committee on Professional and Technical Education Cynthia Haq of Medical and Auxiliary Personnel. Geneva: World University of Wisconsin School of Medicine and Public Health Organization; 1963. (WHO Technical Report Health 4235 Health Sciences Learning Center Series; 257). 750 Highland Avenue - Madison, WI 53705 - EUA 3. World Health Organization. The Reorientation of Medical Education and Medical Practice for Health for E-mail: All. World Health Assembly Resolution WHA48.8. [email protected] Geneva: World Health Organization; 1995 (WHA48/ 1995/REC/1: 8-10). 4. Haq C, Ventres W, Hunt, Mull D, Thompson R, Rivo M, Johnson P. Where There is No Family Doctor: The Development of Family Medicine Around the World. Academic Medicine. May. 1995;70(5): 370-80. 5. Hansen M. An educational program for primary care: definitions and hypotheses. Journal of Medical Education. 1970; 45: 1001-1015. 6. Golden A, Carlson DG, Hagen JL. A definition of primary care for educational purposes in. In: The art of teaching primary care. New York: Springer; 1982. 202 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica The historical development of modern medicine: implications for an approach to psychological problems in the medical practice Fernando Antônio Mourão Flora* RESUMO Os problemas psicológicos são muito comuns nos consultórios dos médicos generalistas. Incluem, pela incidência, os transtornos somatomorfos e os episódios depressivos com sintomas somáticos. Esses distúrbios não apresentam nenhuma patologia orgânica. A Clínica foi, em seus primórdios, classificadora. A doença recebeu uma organização hierarquizada em famílias, gêneros e espécies. O papel do médico era o de descobrir a doença no doente. A doença se apresentava segundo os sintomas e os sinais. A Clínica baseava-se na anatomia patológica e na fisiopatologia. Devido a esta longa tradição secular, que o condicionou a investigar o “orgânico”, o médico não está preparado para cuidar de pacientes com problemas psicológicos. Isso porque não encontra o substrato anátomo e fisiopatológico a que foi exercitado a descobrir. Uma proposta para capacitar o médico generalista a lidar com as emoções na prática médica é o “grupo Balint”. Trata-se de um método de capacitação em seminários de grupo, com sessões semanais e duração de dois anos, fundamentado em apresentação de casos. O objetivo é obter uma mudança de personalidade do generalista, limitada, porém significativa, de maneira a habilitá-lo a cuidar de seus pacientes com problemas psicológicos. ABSTRACT Patients with psychological problems are very common in the offices of general practitioners. Grouped according to their incidence these problems include somatoform disorders and episodes of depression with somatic symptoms. These disorders have no organic basis or known physiological cause. In its early beginnings, medicine and medical regard were classificatory. Disease was organized hierachically into families, PALAVRAS-CHAVE: - Medicina Clínica; - Relação Médico-Paciente; - Somatização; PALAVRAS CHAVE: - Clinical Medicine; - Physician-Patient Relations; - Somatoform disorders. *Médico, Mestre em Saúde Pública, SMS Belo Horizonte, MG, Brasil. 203 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica genera and species. The role of the physician was to Nos exemplos citados acima, o paciente com discover the patient’s disease. The disease presented distúrbio neurovegetativo é um homem de meia-idade itself through symptoms and signs. Medical practice was com problemas financeiros, a senhora emagrecida based on anatomical pathology and physiopathology. perdeu seus sobrinhos, assassinados, e a cliente Due to this secular tradition during which he was dispnéica está em uma crise conjugal devido à infi- conditioned to investigate the “organic”, the physician delidade do marido. Portanto, são pacientes que se is not prepared for providing care to patients whose consideram doentes fisicamente, mas que, inconsci- problems are of psychological nature. The anatomical entemente, apresentam problemas psicológicos co- and physiopathological substrate he was trained to mo causa de seus sintomas. discover is lacking. As estimativas variam; todavia, calcula-se que The “Balint group” represents a proposal for entre um quarto e um terço dos pacientes que re- capacitating the general practitioner for dealing with correm ao generalista estão em uma condição de the emotional in his medical practice. This is done in estresse psicossocial3. O que se constata é que o two-weekly seminars during a two-years’ period, based médico não está preparado para atender a estes on case reports. The objective of this initiative is to casos nem sabe qual conduta adotar2,4. provoke a limited but significant change in the personality Procuremos, inicialmente, delimitar este of the general practitioner for enabling him to provide contingente de pacientes. Pode-se entender por care to his patients presenting with psychological “problemas psicológicos” na prática médica uma problems. ampla rede de patologias, que abarca, pela incidência, os transtornos somatomorfos e os episódios depressivos com sintomas somáticos5,6. Trata-se de uma I. Introdução Um paciente chega à consulta do generalista com o problema de distúrbios neurovegetativos que série significativa de patologias atribuídas à influência exercida sobre o corpo pelas emoções7. o impedem de adormecer; outro se queixa de Um expressivo número de indivíduos rotulados fraqueza, perda de peso e de apetite. Em um aten- como nervosos, neurastênicos, psicastênicos, histé- dimento de urgência, uma cliente apresenta uma “dra- ricos, neuróticos e psicopatas, doentes funcionais, mática” dispnéia, simulando uma crise de asma. Os doentes psicógenos, doentes psicossomáticos pode exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente. apresentar distúrbios funcionais8. Esse é o cotidiano do médico: uma parte de seus Detenhamo-nos aos transtornos somato- pacientes apresenta uma sintomatologia em que não morfos pelo seu mimetismo com as doenças físicas5. é detectada nenhuma patologia orgânica. Muitas Incluem o transtorno de somatização, o transtorno vezes, o médico considera que esses pacientes “não conversivo, o transtorno doloroso, a hipocondria e o 1 têm nada” ou que são pessoas “nervosas”, cujas transtorno dismórfico corporal7,9. doenças estão “em suas cabeças”2. A peça teatral O Segundo H. J. Weitbrecht8, os transtornos doente imaginário, de Molière, é uma sátira deste tipo somatomorfos (ou funcionais) do organismo com- de patologia. põem um grupo heterogêneo de distúrbios que não 204 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica apresenta nenhuma patologia orgânica. O primário estabelecida. Esses pacientes requerem mais tempo nestes pacientes é uma atitude ou desenvolvimento de consulta e são considerados “difíceis”, ou no termo psíquico anormais, que secundariamente dão lugar em inglês, doctor shoppers 1. a disfunções vegetativas, vasculares ou neuroendócrinas. Esses problemas clínicos, pois, são freqüentes e associados com altos custos diretos e indiretos. Os transtornos somatomorfos situam-se na Os pacientes com transtornos somatomorfos são fronteira da Medicina e da Psiquiatria. Possuem os submetidos a uma enorme bateria de exames com- atributos seguintes: (a) a tendência do paciente a “ex- plementares e procedimentos diagnósticos inúteis. perienciar” e a comunicar sintomas somáticos; (b) os Os resultados falso-positivos podem levar a trata- sintomas não são sustentados por achados patoló- mentos equivocados, complicações, morbidade des- gicos; (c) o paciente atribui suas queixas a uma doen- necessária e desperdícios7. ça física; (d) o paciente procura ajuda médica para Por se situarem na fronteira entre disciplinas, os sintomas; (e) o estresse psicossocial, assim como existe pouca pesquisa sobre o diagnóstico e o a vulnerabilidade da personalidade ao estresse, pode tratamento dos transtornos somatomorfos. A avalia- ser uma característica associada (embora o paciente ção de seu tratamento pelo generalista pode ser não reconheça e até mesmo negue qualquer ligação considerada como insatisfatória3. Os médicos cen- entre os sintomas e causas psicológicas). O denomi- tram-se no alívio dos sintomas, por meio da prescri- nador comum desses distúrbios é que tendem a se ção de medicamentos, como é o procedimento pa- 4 manifestar como se a anatomia não existisse . A maioria destes pacientes é vista e tratada drão. Várias tentativas terapêuticas acabam não dando resultado, frustrando o médico e o paciente10,11. sintomaticamente por médicos generalistas, por es- A questão a ser elucidada neste artigo refere- pecialistas (não-psiquiatras) ou por adeptos da medi- se à abordagem dos problemas psicológicos (em cina alternativa. São muito comuns nos consultórios sentido genérico) na prática médica e a falta de pre- dos médicos generalistas. Calcula-se em um terço paro dos generalistas para abordá-los. Assim, a pri- o número de consultas em Atenção Primária à Saúde meira pergunta a ser respondida é explicar por que o em que nenhuma patologia orgânica é identificada generalista está despreparado para lidar com estas (na experiência de consultório do médico de família patologias de fundo emocional, tão freqüentes em sua de Waco, Texas, em uma amostra de 1.073 pacientes prática. O meio para decifrar este paradoxo será a foram identificados 120 com transtornos somatomor- análise de discurso do ensaio O Nascimento da Clíni- fos)3. ca, do filósofo estruturalista Michel Foucault. Existe o risco de diagnosticar erroneamente Uma vez explicado o paradoxo, o ponto é um transtorno funcional neurótico onde na realidade como capacitá-lo para cuidar dos clientes com esses existe uma doença orgânica. Não é fácil fazer o diag- distúrbios. Por fim analisa-se o método Balint como nóstico de transtorno somatomorfo. É evocado pelo estratégia para habilitar os generalistas no manejo generalista quando o paciente apresenta, repetida- dos problemas psicológicos de seus clientes. mente, queixas vagas e variadas, sem uma etiologia 205 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica A medicina das espécies patológicas consi- II. O Nascimento da Clínica O médico, condicionado a se ocupar do derava o hospital um lugar artificial, onde a doença “orgânico” por uma longa tradição secular, não está alojada incidia no risco de perder suas características preparado na sua prática cotidiana para lidar com os originais. Ela podia sofrer toda forma de complicação, problemas psicológicos de seus pacientes. Isso que os médicos chamavam de “febre” dos hospitais porque não encontra o substrato anátomo e fisio- ou das prisões. O lugar natural da doença era o da patológico a que foi exercitado a descobrir. É costume, vida: a família. Diferente do internista, que lidava com então, emitir o seguinte juízo, eivado de conseqüên- doenças desfiguradas, o médico que tratava em cias: “O doente não tem nada”. Somente é possível domicílio “adquire em pouco tempo uma verdadeira entender esta postura à luz da história da estruturação experiência, fundada sobre os fenômenos naturais da Clínica através do tempo. de todas as espécies de doenças”15. O papel do mé- O Nascimento da Clínica é o título do livro do 12 dico era o de descobrir a doença no doente, escondida filósofo Michel Foucault que faz um estudo arqueo- nele como um criptograma. A doença possuía uma lógico do saber médico ocidental, por meio de uma organização que lhe era própria. O doente era um análise estrutural de seus textos. Procedemos a um “acidente” da doença, o objeto transitório do qual ela sumário de sua obra, apresentada a seguir. se apossava. Segundo Cabanis16: “as diferentes do- Desde a Renascença, ocorreu uma mudança enças servem de texto”. O doente era o veículo por na tradição médica, que vinha desde o século V, na meio do qual este texto se exprimia, às vezes de Grécia, com a longa história dos sistemas, ou seja, forma complicada e embaralhada. Girbal descrevia da influência da metafísica. Pode-se situar o nasci- o domínio clínico17: mento da medicina moderna no final do século XVIII. “Esclarecer o princípio e a causa de uma do- Passou-se a privilegiar o empírico (a percepção) e a ença através da confusão e da obscuridade dos sin- razão, com o abandono das teorias, dos velhos sis- tomas; conhecer sua natureza, suas formas, suas temas e de suas especulações imaginárias. A experi- complicações; distinguir na primeira olhada todas as ência clínica pôs por terra o dogma aristotélico e ini- suas características e todas as diferenças [...]”. ciou o discurso científico. O exame clínico procurava estabelecer a Nos seus primórdios, esta medicina era clas- relação entre os fenômenos, os antecedentes e os sificatória. A experiência médica do século XVIII ocu- distúrbios constatados, de forma a poder pronunciar pou-se, constitucionalmente, de organizar um campo um nome: o da doença. Uma vez feita essa desig- nosológico. Estudava-se “a maneira como a natureza nação, deduzia-se facilmente as causas, o prognós- produz e entretém as diferentes formas de doenças”, tico, as indicações. Tratava-se, portanto, da desco- no dizer de Sydenham13. A doença recebeu uma orga- berta de uma “verdade”, escondida, já presente no nização hierarquizada em famílias, gêneros e espé- corpo do doente: o nome da doença. cies. Frier14 ensinava: “O conhecimento das doenças A clínica consistia na arte de “demonstrar é a bússola do médico; o sucesso da cura depende mostrando”. Cabanis18 assim explicava o ensino mé- de um conhecimento exato da doença”. dico: “O professor indica a seus alunos a ordem pela 206 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica qual os objetos devem ser observados, para serem passivo e tornava-se representação da doença. melhores percebidos e gravados na memória”. A clínica supunha a visibilidade da doença, o Acompanhe-se a descrição das aulas de clínica cirúr- olhar e o objeto entrelaçados pela natureza e pela gica de Desault, em 1781, no Hôtel-Dieu: origem. Era o olhar médico que abria o segredo da “Sob os olhos de seus expectadores, fazia doença e era essa visibilidade que a tornava penetrá- trazer os doentes mais graves, classificava suas vel à percepção. O olhar que observava evitava intervir: doenças, analisava as características, definia a conduta era mudo e sem gesto. A pureza do olhar do clínico a ser adotada, praticava as cirurgias necessárias, estava ligada a certo silêncio que permitia escutar: prestava conta dos seus procedimentos e de seus “Toda teoria silencia ou sempre some ao pé do leito motivos, mostrava as mudanças diárias e apresentava do doente”, na expressão de Corvisart22. Também de- o estado das partes após a cura... ou demonstrava via ser contido o imaginário, que antecipava sobre o sobre o corpo privado de vida as alterações que que se percebia, descobria relações ilusórias e fazia 19 haviam tornado a arte inútil” . falar o que era inacessível aos sentidos. O olhar clí- Desde a Renascença, a Clínica foi, provavel- nico tinha esta propriedade paradoxal de ler a nature- mente, a primeira tentativa para fundar uma ciência za no momento em que percebia um espetáculo. Pinel23 fundamentada unicamente no campo perceptivo e assim o descrevia: uma prática guiada pelo exercício do olhar. Segundo “Os sinais exteriores pegos do estado do pul- Petit20: “É preciso, tanto quanto possível, tornar a so, do calor, da respiração, das funções de raciocínio, ciência ocular”. Na tradição médica do século XVIII, a de alteração dos traços do rosto, das afecções ner- doença se apresentava ao observador segundo os vosas ou espasmódicas, da lesão dos apetites natu- sintomas e sinais. rais, formam, por suas diversas combinações, qua- O sintoma ocupava um lugar especial porque dros diversos, mais ou menos distintos ou claramente era a forma sob a qual se apresentava a doença. De delimitados [...]. A doença deve ser considerada como tudo o que era visível, era o mais próximo do essencial um todo indivisível, desde o seu início até o seu tér- e era a primeira transcrição da natureza inacessível mino, um conjunto regular de sintomas característicos da doença. Os sintomas deixavam transparecer a fi- e uma sucessão de períodos”. gura invariável, retraída, visível e invisível da doença. Para Broussonnet21: O exercício da observação clínica abria um novo espaço: o espaço concreto do corpo, massa “Nós entendemos por fenômeno, toda mudan- opaca onde se escondiam segredos, lesões invisíveis ça notável do corpo sadio ou doente; daí a divisão e o mistério mesmo da vida. A medicina dos sintomas entre aqueles que pertencem à saúde e os que engendrou aquela dos órgãos e das causas, uma designam a doença: estes últimos confundem-se clínica com base na anatomia patológica, a idade de facilmente com os sintomas ou aparências sensíveis Bichat. da doença”. A Medicina só podia ter acesso ao que a fun- Por essa simples oposição às formas da saú- dava cientificamente, contornando, com lentidão, os de, o sintoma deixava de ser um fenômeno natural obstáculos da religião, da moral e dos preconceitos. 207 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica Isso até se admitir que o cadáver fazia parte, sem dos órgãos será necessariamente invariável” 25. Da contestação religiosa ou moral, do campo da Medici- mesma forma que as nosologias tradicionais come- na. Morgagni, na metade do século XVIII, não teve çavam por uma definição das classes mais gerais, a dificuldades para fazer suas autópsias. Como o anatomia patológica lançava as bases de uma história Sepulchretum (Bonet, 1700), o tratado de Morgagni das alterações comuns a cada sistema, quaisquer (De sedibus, 1760) procurava estabelecer que a ana- que fossem os órgãos ou as regiões afetadas. tomia patológica fundava a Clínica, que as lesões ex- A questão era como ajustar a percepção ana- plicavam os sintomas. A concepção era de que a ana- tômica à leitura dos sintomas. Corvisart buscava a tomia definia a forma fundamental da espacialização confirmação da nosologia pela autópsia: era preciso local e, por uma relação de contigüidade, as vias da “comparar sempre os fenômenos sensíveis e pró- comunicação fisiológica ou patológica. prios da vida saudável de cada órgão, com as alte- A maior descoberta de Bichat foi um princípio para decifrar o espaço corporal, que era ao mesmo rações que cada um deles apresenta na sua lesão”22. Laënnec26 seguia a direção inversa: tempo intra, inter e trans-orgânico. O elemento “A anatomia patológica é uma ciência que tem anatômico foi deslocado de sua condição primeira por objetivo o conhecimento das alterações visíveis na espacialização, que passou a ser o tecido. Bichat24 que o estado doentio produz sobre os órgãos do corpo comparava a sua descoberta com a de Lavoisier: humano. A abertura de cadáveres é o meio de adquirir “A química tem seus corpos simples que este conhecimento; mas para que tenha uma utili- formam compostos pelas combinações diversas dade direta [...] é preciso juntar a observação dos possíveis [...]. Igualmente, a anatomia tem seus te- sintomas ou as alterações de funções que coincidem cidos simples que [...] por suas combinações formam com cada espécie de alterações de órgãos”. os órgãos”. Com a anatomia patológica, a relação médico- Os diferentes tecidos eram as matérias- paciente tornou-se uma experiência na qual o olhar primas dos órgãos, mas os ultrapassavam, formando do médico era o elemento decisivo do espaço pato- vastos sistemas nos quais o corpo humano encon- lógico e de sua armação interna. O contato não era trava sua unidade concreta. A análise tecidual de possível senão sobre o fundo de uma estrutura, na Bichat tornava possível estabelecer formas patoló- qual o medical e o patológico se entrelaçavam, do gicas gerais, para além das repartições geográficas interior, na plenitude do organismo. A medicina e a de Morgagni. A anatomia patológica tinha construído cirurgia não eram mais que uma só e mesma coisa, um fundamento sólido: a análise real segundo super- na medida em que o deciframento dos sintomas se fícies perceptíveis. Desenhavam-se, por meio de uma ajustava à leitura das lesões. leitura diagonal do corpo, grandes famílias de doen- O olhar médico passou por uma verdadeira ças, tendo os mesmos sintomas maiores e o mesmo “revolução” (a medicina das reações patológicas) tipo de evolução. Alcançava-se, enfim, um funda- com o tratado de Broussais, em 1816, Examen de la mento objetivo, real e indiscutível, de uma descrição doctrine27. Nele foi exposto um método clínico aplicado das doenças: “Uma nosografia baseada na alteração ao agravo orgânico, que propunha “extrair da fisiologia 208 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica os traços característicos das doenças e discernir, por de seu depoimento a respeito de seu estado interior, uma análise cuidadosa, os apelos muitas vezes con- o interrogatório de seus antecedentes patológicos e fusos dos órgãos doentes”. Esta medicina de órgãos familiares, de seu perfil pessoal, dos diversos apare- afetados comportava três momentos: 1) determinar lhos do organismo, o exame físico e os exames com- qual órgão estava em sofrimento, o que se faz a partir plementares. Nas palavras de Sournia28: dos sintomas manifestos; 2) “Explicar como um órgão “Para poder propor a cada um de nossos do- entra em sofrimento” e 3) “Indicar o que é preciso entes um tratamento perfeitamente adaptado à sua fazer para que deixe de sofrer”. Broussais tinha fixado doença e a ele mesmo, nós procuramos ter uma idéia o último elemento da “maneira de ver” do clínico. objetiva e completa de seu caso, reunimos num pron- A evolução histórica e concreta do olhar médico moderno havia acabado a sua estruturação. tuário que lhe é pessoal (sua “observação”) a totalidade de informações que dispomos sobre ele. Nós o “observamos” da mesma maneira que nós observamos os astros ou uma experiência de laboratório”. III. A tradição clínica e os seus efeitos Vamos revisitar o texto de Foucault e procurar O olhar clínico, além de herdar uma “ordem extrair, a partir da proto-clínica do século XVIII, os pela qual os objetos devem ser observados para efeitos sob o conhecimento, as habilidades e as atitu- serem melhor percebidos e gravados na memória”, des do médico nos dias de hoje. prossegue com o hábito de recolher os sinais e os Vimos que, na Renascença, ocorreu uma ver- sintomas da doença. O doente é a fonte primária das dadeira mutação do saber médico, com a recusa das informações, que são processadas pelo observador. teorias, o abandono dos velhos sistemas e da meta- Seu discurso dá acesso à percepção que possui do física da Idade Média. Em seu lugar, passou-se a próprio corpo e de suas alterações. O exame “físico” valorizar o empírico, a experiência clínica. Era o início (em inglês, médico é physician), método de investi- da Ciência moderna, que nos dias atuais tem sua gação do espaço concreto do corpo, guarda toda sua expressão mais estruturada na chamada Medicina centralidade enquanto exercício da habilidade do Baseada em Evidência. O termo evidência expressa clínico na identificação dos sinais patológicos, mesmo o que é comprovado cientificamente, o que é demons- com todos os avanços científicos dos exames com- trado experimentalmente. plementares. É uma etapa indispensável da experiên- Essa é a habilidade essencial que foi transmitida desde os primórdios da Clínica: observar as cia clínica, usando praticamente os mesmos meios que a invenção de Laënnec29. evidências, o que pode ser percebido. A advertência No plano do conhecimento, a influência da me- subtendida nesta instrução é de que devem ser conti- dicina classificadora, calcada no modelo botânico, dos: o imaginário, a teoria, o que é inacessível aos perpetuou-se até hoje. O conhecimento das doenças, sentidos. A prática deve ter base no exercício do “olhar”. apesar do acúmulo de informações, é um saber indis- Isso está emblematicamente expresso na pensável para o clínico. O trabalho investigativo, desde chamada “Observação clínica”, o roteiro de sistema- o primeiro olhar sobre a aparência do paciente, de- tização das informações sobre o paciente, por meio sencadeia o raciocínio clínico e constitui um “vai e vem” 209 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica entre as informações colhidas e a memória do apren- os distúrbios orgânicos; quando se deparam com as dido pelo médico. Cada caso é a montagem de um dificuldades emocionais de seus pacientes, encon- quebra-cabeças e, com o auxílio de um raciocínio hi- tram-se despreparados para abordá-las. Esta é a potético-dedutivo, o clínico vai estabelecendo a rela- necessidade que levou aos seminários sobre “proble- ção entre os fenômenos, comparando com o que sabe, mas psicológicos em Medicina Clínica”, organizados até descobrir a doença, nomear o diagnóstico e esta- pelo pioneiro, Dr. Michael Balint, psiquiatra e psicana- 30 belecer a terapêutica . lista. A atitude do médico foi se cristalizando até Vejamos os resultados da investigação sobre chegar ao papel social de um observador neutro, com este tema, efetuada por Balint e compilada em sua a atenção voltada para a doença e os seus múltiplos obra: O Doutor, o seu Paciente e a Doença31. Esta disfarces. Este investigador das pistas que o levam pesquisa levou mais de cinco anos, iniciando-se em a identificar o mal que acomete o doente, incorre, por 1952, na Tavistock Clinic (Londres), e realizada com vezes, no erro de “esquecer” a pessoa por trás da 14 generalistas. doença. Tal é o risco a que o expõe o personagem que A constatação inicial foi a mesma que já tinha encarna, e que foi moldado através de, pelo menos, sido feita nos primórdios da Clínica: existe uma três séculos. clivagem entre a ciência médica tal como é exercida Então, o médico adquiriu uma segunda natureza que o condicionou a aceitar somente o que pas- nos hospitais e a prática geral que se faz no consultório do generalista. sa pelo crível do empírico, da percepção. Uma das Os especialistas-professores dos generalis- mais poderosas influências que herdou foi a valori- tas nas escolas de Medicina inclinam-se a diagnosti- zação do conhecimento extraído da morte e consubs- car patologias no âmbito de suas especialidades, até tanciado na anatomia patológica. A autópsia permitiu porque não atendem longitudinalmente. As doenças que o olhar clínico penetrasse no espaço interno do descritas pelos “rótulos” da medicina hospitalar, corpo, para assim constatar as lesões nos órgãos. nestes casos, não ajudam o generalista a compreen- Chegamos, pois, ao comentário de Foucault: “o cadáver aberto e exteriorizado é a verdade interior der os verdadeiros problemas com os quais se defronta. da doença, é a profundidade exposta da relação Nos consultórios dos generalistas, os proble- médico-paciente”12. Nele estão sintetizados os princi- mas dos pacientes apresentam-se, muitas vezes, pais efeitos da tradição clínica sob o médico de hoje: sob a forma de “uma doença da pessoa inteira”. Os a habilidade aguçada da percepção (o olhar clínico), casos analisados revelam que algumas pessoas não o conhecimento racional do “espetáculo” da doença, conseguem enfrentar as dificuldades de suas vidas em toda a sua crueza concreta (“orgânico”), e a atitu- e “fogem” ficando doentes. de neutra de observador/investigador dos fenômenos A estimativa é de que pelo menos um quarto patológicos do corpo humano. dos pacientes consultados sejam casos psicológicos. IV. O doutor, o seu paciente e a doença Se o médico tem a oportunidade de vê-los no início Os médicos foram habilitados para lidar com 210 do processo patológico, pode perceber que tais pa- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica cientes “oferecem” ou propõem diversas doenças, ente a “organizar” a sua doença em torno do desvio até que se fixam a uma doença precisa e “organiza- encontrado. O passo seguinte será convencer o pa- da”. No entanto, os generalistas, influenciados pelos ciente da utilidade da prescrição para os seus sin- especialistas, evocam preliminarmente um diagnósti- tomas, embora precise de algo diferente. co “orgânico”, mesmo quando as evidências apontam O outro recurso utilizado pelo generalista para um problema psicológico. Os médicos conside- diante de um “caso difícil ” é o de encaminhar o ram que a doença física é mais séria e perigosa que paciente ao(s) especialista(s) para um diagnóstico uma doença funcional. Conhecem mais as patologias mais preciso (“perpetuação da relação professor- orgânicas e, então, sentem-se seguros, em um terre- aluno”). Em toda situação deste tipo, em que o doente no mais firme do que quando se deparam com altera- “oferece” uma doença “atípica” ao generalista, le- ções funcionais ou psíquicas. As doenças são catalo- vando-o a pedir ajuda ao especialista, ocorre uma gadas em uma sorte de classificação hierárquica, cor- “colusão no anonimato” ou de “diluição de responsa- respondendo à gravidade das lesões anatomopato- bilidades”. O sentido desta expressão é a de que o lógicas. paciente pode ser referenciado a diferentes especia- Cada médico tem um modelo ideal do com- listas, sem que ninguém assuma a responsabilidade portamento que deve adotar uma pessoa quando está por ele enquanto pessoa. O doente vira um prontuário doente. Esta missão ou “função apostólica” se ex- impessoal, freqüentemente circulando entre diferen- pressa em sua conduta. Trata-se da tendência do tes especialistas, que também se confundem diante médico de alimentar expectativas ilusórias sobre o de um quadro rebelde a se encaixar nos rótulos ou paciente, com base em seus próprios valores. Espera esquemas. O generalista, que não deveria deixar de enquadrá-lo em um diagnóstico e “convertê-lo” às conhecer as conseqüências das condutas dos espe- virtudes da medicalização. cialistas, acaba por delegar suas responsabilidades. O roteiro habitual seguido pelo generalista é Assim, podem ser tomadas decisões vitais – às ve- dominado pelo medo de deixar passar alguma doença zes após terem sido consultados diferentes especia- física. O receio é o de fazer um diagnóstico de trans- listas –, sem que ninguém se sinta plenamente res- torno funcional neurótico onde possa existir uma do- ponsável. ença orgânica. Utiliza-se de duas estratégias securi- Os doentes cujos distúrbios possam ser zantes: os exames complementares e a referência a atribuídos a prováveis alterações anatômicas e fisio- especialistas. lógicas são de uma categoria superior, enquanto os A “eliminação por exames físicos apropriados” neuróticos engrossam o contingente do que sobrou, constitui uma rotina obrigatória na prática diária. O uma vez realizado o diagnóstico diferencial. O genera- método de escolha é pedir exames complementares lista orgulha-se de ter despistado uma doença física, à exaustão, até que um sinal físico acidental, e muitas mas incomoda-o defrontar-se com uma neurose. Está vezes sem significação, possa ser responsabilizado despreparado para lidar com os problemas psicoló- pela sintomatologia. Esta “resposta” do médico tem gicos. Diante da angústia e da pressão crescente do a conseqüência iatrogênica de induzir, levar, o paci- paciente, pode mesmo se sentir culpado: seus exa- 211 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica mes mais criteriosos não esclareceram a “doença” confiança compartilhadas entre o médico e o pacien- e o tratamento atualizado que instituiu, não trouxe o te, que foram acumuladas, às vezes, durante anos alívio esperado. O paciente, por sua parte, quer saber de convívio. o nome da sua doença, o diagnóstico, a razão da O “remédio médico”, sendo o doutor em si medicação não ter funcionado. Diante desta deman- mesmo uma poderosa “medicação”, é o “medica- da, recebe como resposta que “nada tem”, o que equi- mento” mais usado na prática, mas pode ser decisivo vale a ter a sua “oferta” rejeitada e a ficar com o seu para a cura naqueles episódios em fases precoces problema não resolvido. “desorganizadas”. Muitos casos poderão ser solucio- A solução de Balint já estava contida em sua nados nesses estágios, tornando desnecessário o tese inicial, exposta acima: “Nós pensamos que cer- encaminhamento para psicoterapia com um psicote- tas pessoas que, por uma razão ou por outra, não rapeuta. Trata-se, de fato, de uma psicoterapia breve, podem enfrentar os problemas de suas vidas se li- em que o médico aprende a se servir de si mesmo 31 vram ficando doentes” . como instrumento terapêutico, assim como um cirur- O generalista deve ter discernimento para gião usa um bisturi. saber quais são os casos em que é essencial tratar Resta abordar a questão de como os genera- uma doença física e em quais ele precisa ajudar o listas podem adquirir o mínimo de aptidões para lidar paciente a assumir os seus problemas pessoais. com as emoções de seus clientes. Para chegar ao nível de desvelar o que está Comecemos por compreender por que, psico- oculto, é preciso que o generalista proceda a um diag- logicamente, evitam explorá-las. Deixemos de lado a nóstico “aprofundado”, isto é, que contemple os pro- questão de sua formação voltada para o “orgânico” blemas da personalidade global. A metodologia a ou a sua falta de preparo para lidar com as emoções. seguir, “a entrevista prolongada”, implica na habilidade A explicação do autor é que, quando uma pessoa está da “escuta” por parte do médico. doente fisicamente, o clínico está em uma situação É necessário ampliar os limites da anamnese diferente e distante de sua condição, embora se soli- padrão, sem deixar de reconhecer o valor das infor- darize com ela. Mas, quando o paciente está infeliz mações pertinentes assim obtidas, porque “aquele em sua relação com o mundo, o médico pode sentir- que faz perguntas obtém respostas, mas nada além se pessoalmente implicado, devido a seus próprios disso”. problemas. Procura, a partir daí, evitar situações que O generalista responsável pelo paciente deve estar em condições de acompanhar o curso de sua poderiam levá-lo a examinar os seus conflitos pessoais. história de vida, de forma a poder contextualizar uma Segue-se que o generalista tem a necessida- eventual doença psicológica. Só assim pode alcançar de de “uma mudança de personalidade considerável, uma ampla compreensão das “ofertas” de seus ainda que limitada”. Como obtê-la? pacientes, ou seja, fazer um diagnóstico “aprofun- Balint propõe como método seminários de dado”. Trata-se de bem “administrar” o “fundo mútuo grupo, de oito generalistas coordenados por um de investimento”, isto é, todas as experiências e a psiquiatra/psicanalista, em encontros semanais. O 212 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica número foi fixado para proporcionar uma participação relação médico-paciente, das emoções na interação. intensa e um material suficientemente diversificado. É a chamada “contratransferência”, isto é, a forma Isso porque se trata de provocar uma nova atitude no como o generalista utiliza sua personalidade, suas médico, o que implica em expô-lo à situação real e crenças, seu saber, seus modos habituais de reação levá-lo a reconhecer os problemas e as formas que etc. As discussões dos seminários fornecem o motor podem ser empregadas para tratá-los. As discussões da “mudança de personalidade considerável, ainda semanais de casos são as matérias-primas para a que limitada”. O que se produz durante os seminários da relação de cada generalista com os seus clientes. é que o generalista toma consciência de seu envolvi- É possibilitado ao generalista, sob demanda, uma su- mento pessoal e de suas resistências em suas rela- pervisão individual de seus casos, ou seja, uma hora ções com o paciente e com o resto do grupo. por semana de “entrevista particular”. Esses seminários duram dois anos, em ses- Um dos objetivos é o de desenvolver nos mé- sões semanais, capacitando o generalista a tratar dicos a sensibilidade diante dos problemas emocio- uma grande parte dos seus pacientes com problemas nais de seus pacientes, de modo que possam com- psicológicos. Habilitam-no a impedir, com uma inter- preendê-los melhor e com maior profundidade. Um venção precoce, o paciente de “organizar” sua doen- outro é ajudá-los a aprender a empregar esta com- ça em torno de qualquer sinal físico de pouca impor- preensão de forma a obter um efeito terapêutico. Para tância. A profundidade da penetração do generalista alcançar esses fins, é indispensável modificar a perso- no conflito do paciente depende de sua própria nalidade do médico, particularmente quando atua no personalidade, isto é, de sua função apostólica. exercício profissional. Deve aprender a perceber e a Assim, pode chegar a identificar o “conflito” que levou tolerar os fatores emocionais de seus pacientes, que o paciente a se queixar, descobrindo o verdadeiro pro- antes rejeitava ou ignorava, além de aceitá-los como blema em sua vida. Em outras palavras, o generalista dignos de sua atenção. Balint chamou a totalidade é capaz de manejar com competência o “remédio deste processo como “mudança de personalidade limi- médico”, o “medicamento” mais freqüente da prática tada, todavia significativa”. geral. A essência do método de capacitação, o “grupo 32 Por fim, conheçamos a avaliação do método Balint” , é fazer com que o médico tome consciên- dos seminários de discussão em grupo para os gene- cia de toda sua responsabilidade terapêutica, cerce- ralistas32. Dentre os chamados “desertores”, aqueles ando-lhe qualquer rota de fuga; comparar sua manei- que abandonavam os seminários após certo tempo, ra de tratar a seus pacientes com a de outros colegas podem ser descritos os seguintes grupos: os médi- do seminário; utilizar o grupo para demonstrar que cos que padeciam de uma patologia mental grave toda terapia necessariamente implica um tipo especí- (neurose severa ou borderline; os “superiores”, médi- fico de interação entre o paciente e o médico. cos prestigiosos, de profundo “fervor apostólico”, co- O foco está centrado no subjetivo e pessoal, mo possível defesa contra a insegurança; os médicos muitas vezes fora do controle consciente. O mais escrupulosos e sensitivos, que necessitavam de importante nos seminários de grupo é a análise da “receitas” para as situações; os médicos com uma 213 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica ansiedade neurótica diante da mudança; os médicos Mostramos que os fatores estressantes psico- com defesas sólidas e eficazes, que preferiam evitar lógicos e sociais podem se “metamorfosear” em uma série de temas. distúrbios somatomorfos ou outros, camuflando-se Na avaliação de Balint, os generalistas que atrás dos sintomas, e que os esforços terapêuticos acompanharam até o fim os seminários eram médi- são de utilidade duvidosa se as verdadeiras causas cos “natos” ou muito talentosos, que “experienciavam” não forem abordadas.“Uma doença ‘funcional’ signi- uma satisfação “profunda” no exercício profissional. fica que o paciente teve um problema que tentou Citemos dois depoimentos de generalistas resolver com uma doença”31. que participaram dos grupos Balint: “O maior benefí- Os fatores estressantes psicológicos e soci- cio veio de escutar as estórias das relações médico- ais mais comuns na vida adulta abarcam a ruptura paciente contadas pelos outros participantes do de relações afetivas íntimas, a morte de um familiar grupo”33. E ainda: “Acredito que os seminários torna- ou amigo próximo, as dificuldades econômicas, a sa- ram-me melhor em meu trabalho [...]. Posso afirmar úde física precária e os acidentes e a violência que que certamente me ajudaram a lidar com menos atingem a integridade física. Esses fatores desenca- 34 ansiedade com pessoas diferentes ou difíceis” . Os deiam distúrbios em pessoas vulneráveis, isto é, com seminários permitiram aos médicos perceber que as maior risco de adoecer. pessoas “difíceis” eram suas semelhantes, que esta- Propusemos o grupo Balint como um método vam pedindo ajuda, e não tentando criar situações que capacita o médico generalista a lidar com as sem saída. emoções na prática médica, por meio de uma “peque- Todavia, o generalista precisa de pelo menos na“, mas significativa mudança de personalidade”32. dois anos de capacitação para se beneficiar de um O objetivo é que saiba se servir do “remédio médico”, grupo Balint. ou seja, de si mesmo, na relação com o paciente. V. Conclusões VI. Referências A moderna concepção sobre a etiologia das 1.Koyazu T. Schematic understanding of the worried doenças é a de que muitos fatores interagem para patient with somatoform disorder. In: On Y. (Eds.) 35 produzi-las . De acordo com este modelo de Engels, Somatoform Disorders. A Worldwide Perspective. os fatores biopsicossociais estão envolvidos nas Keio University: Springer; 1999. p.218-221. causas, manifestações, curso e evolução da saúde 2.Kirmayer LJ. Rhetorics of the body: medically e das doenças. Os papéis relativos dos fatores bio- unexplained symptoms in sociocultural perspective. In: lógicos, psicológicos ou sociais podem variar entre Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide os indivíduos ou entre os períodos da duração da vida. Perspective. Keio University: Springer; 1999. p. 271-283. Procuramos demonstrar, ao longo deste tra- 3.Couchman G. Approach to the treatment of balho, que os médicos possuem “pontos cegos” em somatoform disorders in general practice. In: Ono Y. relação aos fatores psicológicos e sociais, privile- (Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide Perspective. giando os biológicos, devido à sua formação36. Keio University: Springer; 1999. p. 229-231. 214 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica 4.Jablensky A. The concept of somatoform disorders: Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p 7. a comment on the mind-body problem in psychiatry. 15.Dupont de Nemours P. Idées sur les secours à In: Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide donner aux pauvres malades dans une grande ville, Perspective. Keio University: Springer; 1999. p. 3-10. Paris, 1786. Foucault M. Naissance de la Clinique. 5.Tierney Jr LM, McPhee SJ, Papadakis MA. 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In: Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A 1963. p.90. Worldwide Perspective. Keio University: Springer; 22.Corvisart JN. Essai sur les maladies et les lésions 1999. p. 240-245. organiques, du coeur et des gros vaisseaux, 1818. 12.Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Presses Universitaires de France; 1963. Universitaires de France; 1963.p.107,137. 13.Sydenham TH. Médecine pratique. Paris, 1784. 23.Pine, P. La médecine clinique, Paris, 1815 Foucault Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses M . Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p.3. Universitaires de France; 1963. p.94. 14.Frier F. Guide pour la conservation de l’homme, 24.Bichat X. Traité des membranes, 1807 Foucault M. Grenoble, 1789. Foucault M. Naissance de la Clinique. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires 215 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemas psicológicos na prática médica de France; 1963. p.133. Família da Universidade Federal de Minas Gerais – 25.Bichat X. Anatomie générale appliquée à la UFMG. physiologie et à la médecine, 1801 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; Orientadora: Profa. Ocirema T. Rothe-Neves 1963. p.130. 26.Laënnec R. Article Anatomie pathologique, Dictionnaire Endereço para correspondência: des Sciences Médicales). Foucault M. Naissance de Fernando A. M. Flora la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; Rua Santa Rita Durão, 466/1702 1963. p.137. Belo Horizonte–MG 27.Broussais FJV. Examen de la doctrine , Paris. CEP 30140-110 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p.189. Endereço eletrônico: 28.Sournia JCh. Logique et morale du diagnostic, Paris, [email protected] 1962 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p.112. 2002; 30. 29.Laënnec R. Traité de l’auscultation médicale, Paris, 1819 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p.137. 30.Cutler P. Como solucionar problemas em clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 31.Balint M. Le médecin, son malade et la maladie. 3. ed. Paris: Éditions Payot & Rivages; 1996. 32.Balint M. La capacitación psicológica del médico. Barcelona: Editorial Gedisa S. A. 1* ed. 1984. 33.Southgate L. Journal of the Balint Society. 2002; 30. 34.Horder J. Journal of the Balint Society. 2002; 30. 35.A Report of the Surgeon General. Disponível em htpp://www.surgeongeneral.gov./library/mentalhealth/ chapter2/sec3.html, 1999. 36.Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Ministério da Saúde, Unesco; 2002. p.291-312. Este artigo foi adaptado da Monografia apresentada pelo autor ao Curso de Especialização em Saúde da 216 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde The impact of weight reduction therapy on blood pressure levels in Primary Care Daniel Victor Arantes* RESUMO A prevalência de sobrepeso/obesidade cresce em ritmo acelerado nas últimas décadas em todo o mundo.Dados recentes do IBGE mostram que no Brasil 41,1% dos homens e 40,0% das mulheres apresentam excesso de peso, sendo os índices para obesidade respectivamente 8,9 e 13,1% de toda a população brasileira. A situação é ainda mais crítica em pessoas de baixa renda e escolaridade, onde os índices cresceram mais expressivamente. A obesidade figura como um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares e há vasta evidência científica de que pequenas reduções ponderais promovem benefícios clínicos significativos. Fica evidente então que oferecer tratamento adequado para sobrepeso/obesidade na Atenção Primária à Saúde pode ter grande impacto na saúde e qualidade de vida da população e nos custos finais com saúde. O objetivo deste estudo é avaliar o impacto e a replicabilidade de um programa de redução do sobrepeso/obesidade nos níveis de pressão arterial de um grupo de pacientes da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Realizou-se um estudo retrospectivo analítico dos dados clínicos de pacientes submetidos a tratamento para a redução ponderal da USF Bandeiras, em Anápolis/GO. O consentimento livre e informado foi obtido dos pacientes. Os critérios de inclusão/exclusão foram aplicados para corrigir desvios, resultando numa amostra homogênea de 28 pacientes. Foram obtidos os níveis de pressão arterial e peso antes e após o tratamento. Foram calculadas as médias aritméticas de peso, altura e pressão arterial e comparadas entre o início e seis meses de acompanhamento. Houve redução média de 8,42kg no período de seis meses na população avaliada e dos níveis de Pressão Arterial Sistólica (PAS) em 0,64mmHg e Pressão Arterial Diastólica (PAD) em 0,84mmHg para cada redução de 1kg. Os dados do estudo corroboram com os encontrados na literatura, onde para cada 1kg de perda ponderal há redução de 0,88 e 0,72 mmHg nas PAS e PAD, respectivamente. O tratamento da obesidade engloba mudanças de hábitos de vida que em conjunto com a redução ponderal promovem benefícios clínicos significativos já observáveis em reduções inferiores PALAVRAS-CHAVE: - Sobrepeso; - Obesidade; - Hipertensão; PALAVRAS CHAVE: - Overweight; - Obesity; - Hipertension; *Médico de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde de Anápolis, Anápolis, Goiás, Brasil. 217 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde a 10% do peso inicial, em especial naqueles que submitted to weight reduction therapy in a public apresentam comorbidades. O diagnóstico é simples primary care unit called ‘Unidade de Saúde da Família e o acompanhamento de baixo custo, principalmente Bandeiras’ in Anápolis, State of Goiás, Brazil. Informed se for estruturado com atividades educativas em consent from the patients was obtained. Exclusion and grupo e motivação para mudanças de hábitos de inclusion criteria were applied to correct deviations, vida. A farmacoterapia pode ser útil e segura, desde resulting in a homogeneous sample of 28 patients. que figure como coadjuvante no tratamento. Este Blood pressure and weight levels were obtained before estudo mostra como pode ser simples executar um and after the treatment. The arithmetic means of programa estruturado, de baixo custo e efetivo, com weight, height and blood pressure at the beginning of replicabilidade dos benefícios descritos na literatura the treatment were compared with those obtained six científica. months after the treatment was started. There was a mean reduction of 0,64mmHg in the systolic blood pressure (SBP) levels and of 0,84mmHg in the ABSTRACT diastolic blood pressure (DBP) levels for each 1kg of In the last decades the incidence and prevalence weight loss. These data confirm those found in the of overweight and obesity are increasing drastically literature, indicating for each weight loss of 1kg a over the world. It is estimated that in Brazil 32% of adults reduction of 0,88 and 0,72mmHg in SBP and DBP are overweight and 8% obese, totalizing 40% of adults respectively. Weight reduction of at least 10% over the weight levels recommended for a healthy life. provides significant clinical benefit, especially in The situation is even more critical in the low-income patients with metabolic syndrome and/or cardiovascular population with poor educational level, where the problem disease. The diagnosis is simple and the treatment is advancing even faster. Obesity figures among the cost effective, especially if provided by means of a most important risk factors for cardio-vascular diseases standardized program including educational group and there is strong scientific evidence that even modest activities motivating the patients to change their life weight reduction leads to significant clinical benefits. habits. Pharmacotherapy may be useful and secure Thus, offering treatment for overweight and obesity in in primary care if offered as adjunctive treatment. This primary care can evidently improve the health and study shows that a standardized primary care-based quality of life of the population and reduce the final weight reduction program can be inexpensive and public health expenditures. The purpose of this study effective for promoting the clinical benefits well is to evaluate the applicability and impact of a weight described in the scientific literature. reduction program on the blood pressure levels of a group of patients assisted in a public primary care I. Introdução program called ‘Estratégia de Saúde da Família’ (Family A prevalência de obesidade vem crescendo Health Strategy) and to propose ways for standardizing nas ultimas décadas em ritmo acelerado, inclusive this program. A retrospective analytic study was no Brasil. A Organização Mundial de Saúde estima conducted for comparing the clinical data of patients que 1 bilhão de pessoas esteja acima do peso em 218 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde todo o mundo, sendo que destes 310 milhões já fi- volvimento dos anti-hipertensivos. Os principais me- guram nos índices que caracterizam obesidade (IMC canismos envolvidos na associação entre obesidade 1 = 30 kg/m²) . Os países desenvolvidos já apresentam e hipertensão parecem ser o aumento do tônus do índices alarmantes, como 65% da população nos Sistema Nervoso Simpático decorrente de maiores Estados Unidos com sobrepeso/obesidade, sendo concentrações de leptina, insulina, ácidos graxos li- 31% já obesos2,3,4. No Brasil os índices estão em vres, aldosterona e também maior atividade do Sis- expansão nas últimas décadas. Cerca de 40% da tema Renina-Angiotensina-Aldosterona, aumento de população adulta esta acima do peso, sendo os índices endotelina-1 e diminuição de óxido nítrico. Todos es- de obesidade 8,9 e 13,1% da população adulta de ses processos em interação promovem maior reten- homens e mulheres, respectivamente1. Há crescente ção de água e sódio e vasoconstricção, desencade- magnitude da obesidade em crianças, adolescentes ando a hipertensão arterial11. e adultos. Os índices crescem mais entre mulheres Programas de redução ponderal são efetivos em idade reprodutiva e nas classes menos favorecidas. tanto em subgrupos populacionais com hipertensão Estudos nacionais alertam para a importância de quanto na população geral, embora os resultados ações de iniciativa pública e privada que abordem o sejam mais animadores em pacientes obesos hiper- problema de forma mais ampla5,6,7. tensos em uso de medicações, com efeito aditivo aos A obesidade tem sido ainda apontada como o anti-hipertensivos12,13. Estruturar então um programa maior componente da síndrome metabólica 8, que com prioridade de atendimento ao nível de saúde 9 originalmente foi descrita por Reaven , composta por pública para pacientes que já apresentem comorbi- obesidade, resistência insulínica, hipertensão, diabetes dades, como hipertensão arterial, pode ser estratégia ou intolerância a glicose, hiperinsulinemia e dislipidemia, válida tanto pela maior necessidade quanto pela pos- esta caracterizada por elevação dos triglicérides e sibilidade de melhores benefícios nestes pacientes. baixos índices de HDL colesterol. Todos são fatores de O estilo de vida contemporâneo tem sido risco para a aterosclerose, comprometimento vascular implicado como grande responsável pela ocorrência freqüentemente associado aos maiores índices de da epidemia. A urbanização, a proliferação de cargos mortalidade no Brasil e no Mundo10. Descobertas re- sedentários, a tecnologia, a maior oferta de alimentos centes identificaram mecanismos envolvidos no de- densamente energéticos, promovem um balanço senvolvimento de obesidade, dentre eles a leptina, calórico positivo que, em interação com fatores ge- um potente anorexígeno endógeno secretado pelo néticos, leva ao fenótipo obesidade2,3,4,14. No Brasil a tecido adiposo. Assim como a insulina, a leptina obesidade tem crescido principalmente em classes freqüentemente encontra-se aumentada no indivíduo de baixa renda e escolaridade5,6,7. Supõe-se então obeso, caracterizando o processo denominado resis- que atividades educativas constituem instrumento tência leptínica. Seu mecanismo regulatório é comple- muito válido no combate à obesidade. Devem ser xo e ainda não foi elucidado, mas promete revolu- esclarecidos os benefícios de mudanças de compor- cionar o tratamento da obesidade assim como ocor- tamento, com incentivo à prática regular de exercícios reu com o tratamento da hipertensão com o desen- e a hábitos alimentares saudáveis, não só por meio 219 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde de campanhas educativas de divulgação na grande 15 pacientes e o atendimento de cada grupo foi rea- mídia, mas também pela orientação individualizada lizado em período de quatro horas/semana; cada gru- oferecida a pacientes selecionados. Políticas públicas po se reunia então mensalmente (45 minutos), para que visem à educação e à adequação de áreas para discutir a necessidade e os benefícios de práticas re- lazer podem ser de baixo custo e ter grande impacto gulares de atividade física (30 a 60 min de caminhada nos custos finais com saúde. por dia) e alimentação (dieta hipocalórica balanceada O tratamento da obesidade engloba mudan- de 1200 a 1500 kcal/dia). Após a reunião, cada paci- ças de hábitos de vida que, em conjunto com modes- ente era atendido individualmente em triagem de enfer- ta redução ponderal (10% do peso inicial), promovem magem, que coletava dados sobre pressão arterial e benefícios clínicos significativos, em especial para peso, além da consulta médica, onde era realizada aqueles que já apresentam comorbidades15,16,17,18. O avaliação clínica. O suporte medicamentoso era ofe- diagnóstico é simples e o acompanhamento pode ser recido quando indicado, de acordo com consenso vi- de baixo custo, principalmente se for estruturado com gente20. Para uma avaliação objetiva dos resultados, atividades educativas em grupo e motivação para foram propostas comparações clínicas e laboratoriais mudanças de hábitos de vida, com incentivo à prática antes e após o tratamento. Devido à limitação de re- de atividade física regular. A farmacoterapia pode ser cursos, apenas os valores diretamente obtidos na uni- útil e segura, desde que figure como coadjuvante no dade de saúde foram escolhidos para comparação, tratamento19. O objetivo deste estudo é implantar um como os níveis de PAS e peso dos pacientes antes e programa piloto de tratamento de sobrepeso/ após os seis meses de acompanhamento. Agentes obesidade em pacientes do Programa de Saúde da Comunitários de Saúde realizaram a pesagem dos Família e, a partir dos resultados e da experiência, pacientes em uma única balança, calibrada mensal- abrir discussão e propor caminhos para intervir de mente. Os níveis de PAS foram aferidos pela única forma efetiva neste quadro alarmante. técnica de enfermagem da unidade por meio de esfigmomanômetro, calibrado mensalmente. Todos os dados foram coletados imediatamente antes de cada II. Material e métodos Foi realizado um estudo prospectivo e analítico consulta e registrados nos prontuários médicos. As com base na implantação de ambulatório piloto para atividades educativas foram conduzidas pelo médico tratamento de sobrepeso/obesidade na Unidade e pela enfermeira da unidade com os pacientes Bandeiras do Programa Saúde da Família (ESF) de reunidos antes das consultas individualizadas. Foram Anápolis/GO, no ano de 2004. Sessenta pacientes abordados temas como causas da obesidade e seus com indicação de redução ponderal, hipertensos ou riscos, doenças relacionadas, benefícios da redução não, com pressão arterial sistêmica (PAS) compensa- ponderal, necessidade de reeducação alimentar e ati- da, foram acompanhados ambulatorialmente em pro- vidade física regular, indicações, contra-indicações, tocolo de tratamento para sobrepeso/obesidade. O vantagens e desvantagens da farmacoterapia. Na fa- ambulatório foi estruturado da seguinte forma: os 60 se final do estudo, foram analisados os prontuários pacientes foram subdivididos em quatro grupos de dos pacientes e os dados coletados em ficha individual 220 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde que continha código identificador do paciente, sexo, médias populacionais para dados pareados através altura, peso e pressão arterial da primeira (pré- do teste t de Student, que a 1% de significância tratamento) e última consulta (após seis meses de concluiu que há significância estatística nos resulta- tratamento). Os seguintes critérios de inclusão/ex- dos obtidos. clusão foram aplicados na análise de dados: foram Os resultados obtidos no ambulatório piloto incluídos nos resultados apenas os pacientes que de sobrepeso/obesidade estruturado na Unidade de obtiveram alguma redução de peso ao final dos seis Saúde da Família Bandeiras, descritos neste estudo, meses; foram excluídos os pacientes do sexo mas- como a redução de 0,64/0,84mmHg na PA para cada culino por sua pequena expressão na amostra inicial; 1kg de peso perdido, corroboram com os dados da foram excluídos os que apresentavam alguma altera- literatura, onde para cada 1kg de peso há redução de ção na prescrição dos medicamentos anti-hiper- 0,88 e 0,72mmHg nas pressões sistólica e diastólica, tensivos no período do estudo; foram excluídos do respectivamente12,13. Há inequívoca evidência na estudo os pacientes que não cumpriram pelo menos literatura de que a perda de peso é uma importante cinco das seis consultas ou que abandonaram o contribuição para o tratamento de hipertensão, em tratamento. Foram consideradas na discussão as especial em pacientes que já utilizam anti-hiperten- principais estratégias para um tratamento efetivo e sivos. Os resultados encontrados neste estudo mos- as potencialidades e vantagens de um programa efe- tram que benefícios clínicos podem ser alcançados tivo de tratamento de sobrepeso/obesidade na APS. em programas de redução ponderal em uma unidade pública de APS. V. Resultados e discussão O tratamento de sobrepeso/obesidade exige Vinte e oito pacientes dos 60 inclusos no uma equipe bem capacitada para que os resultados programa preencheram os critérios de inclusão/ sejam obtidos, o que seria mais bem alcançado em exclusão, e seus dados foram selecionados para programas estruturados especificamente para aten- compor os resultados. A amostra final foi composta ção à redução ponderal ou com treinamento adequa- por pacientes do sexo feminino, com idades entre 34 do das equipes de Saúde da Família, nos moldes do e 60 anos. Não foram obtidos dados de escolaridade que já é feito para hipertensão e diabetes. O diagnós- e renda. A altura média do grupo selecionado foi tico é simples e de baixo custo, exigindo apenas 1,59m. Os pesos médios, inicial e final, do grupo foram medidas simples como a medida do peso, altura e 84,26 e 75,84kg. Houve redução média de 8,420kg da circunferência abdominal. Há melhora clínica com no período de seis meses. O IMC variou de 33,2 para modestas reduções ponderais, inclusive de doenças 29,9kg/m². Os níveis de PAS no início e fim dos seis correlacionadas, como hipertensão arterial, diabetes meses foram, respectivamente, 125x85 e 112x75mmHg. e dislipidemias15,16,17,18. A ênfase na importância de Houve redução dos níveis de pressão PAS em educação quanto aos hábitos de vida e de acompa- 0,64mmHg e PAD em 0,84mmHg para cada 1kg de nhamento contínuo do paciente são regra nos estudos redução ponderal na população estudada. Os dados internacionais que se referem ao tratamento de sobre- foram avaliados por meio do teste de diferença entre peso/obesidade17,18,19,20,21. 221 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde A prática regular de atividade física deve ser observado com o uso de sibutramina, com redução extensivamente encorajada, incluindo-se atividades posterior, de acordo com a redução ponderal, prática domésticas, pequenas caminhadas e atividades de de atividade física e dieta balanceada hipossódica. lazer em geral 22. Caminhadas regulares ou exercício Orlistat não é absorvido pelo lume intestinal e impede equivalente são imprescindíveis para adequada perda a absorção de gorduras quando ingerido às refeições. e manutenção do peso. Devem ser iniciadas aos pou- Eventos adversos como flatulência, cólica abdominal cos, de acordo com a tolerabilidade e avaliação indivi- e esteatorréia têm sido observadas principalmente dualizada de cada paciente, sendo o nível aumenta- se utilizado com dietas ricas em gorduras, no entanto do gradativamente até um ritmo entre o caminhar e o constitui medicação extremamente segura e útil. correr cerca de uma hora, todos os dias23,24,25. Mesmo Atenção deve ser dada à redução de absorção de vi- pacientes idosos com insuficiência cardíaca e/ou pós- taminas lipossolúveis20,34. Outros medicamentos, como infarto do miocárdio se beneficiam do treinamento fí- dietilpropiona e femproporex, encontram-se disponí- sico, incluso em programas de reabilitação cardiores- veis em nosso meio, mas carecem de estudos de efi- piratória26,27,28,29. cácia e segurança a longo prazo20,35,36,37. Podem ser Ainda há muitos mitos acerca do tipo ideal de utilizados em doses baixas em monoterapia, em pa- alimentação para perda e controle do peso, o que fa- cientes bem selecionados, evitando-se uso abusivo, vorece proliferação de dietas da moda que, em sua desenvolvimento de tolerância e ocorrência de maioria, não promovem perda significativa em longo eventos adversos sérios. As famosas “fórmulas para prazo. De uma forma geral deve-se incentivar redução emagrecer”, difundidas em nosso meio, não devem gradativa de alimentos ricos em carboidratos simples ser utilizadas. Estas, freqüentemente, contém benzo- (açúcar em geral), gorduras (principalmente satura- diazepínicos, hormônios tireoidianos, preparações her- das) e aumento da ingestão de frutas e verduras. É bais, laxativos e diuréticos, não indicados para perda recomendado seguir dieta regular e balanceada, de peso. São utilizados para controle de efeitos cola- contendo pelo menos um representante de cada gru- terais de anorexígenos em altas doses e para poten- po alimentar em cada refeição (carboidrato, proteína cializar a perda de peso. Levam a iatrogenia, como e gorduras insaturadas), sempre em pequena supressão do hormônio tireotrópico (TSH), com hipo- quantidade e rica em vitaminas, sais minerais e fi- tireoidismo após descontinuação (triac, tiratricol), inte- bras, além de ingerir leite e seus derivados, de prefe- rações medicamentosas, dano hepático grave (kawa rência desnatados, no mínimo duas vezes ao dia. kawa), síndrome serotoninérgica (fluoxetina), colite Deve-se realizar pelo menos cinco refeições ao dia (laxativos, como cáscara sagrada), taquiarritimias e com intervalos de três horas 30,31,32,33 infarto do miocárdio (efedrina), acidentes, lapsos de . Atualmente já estão disponíveis medicações eficazes e seguras para o tratamento de obesidade. Sibutramina e orlistat são as mais estudadas e já foram aprovadas para uso em longo prazo pelo FDA 20,34 memória, dependência, ansiedade de rebote, insônia crônica (benzodiazepínicos)38,39,40,41,42. Essas estratégias podem ser utilizadas em . obesos com comorbidades nos quais determinadas Um aumento discreto da pressão arterial pode ser medicações sabidamente promovem perda de peso. 222 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde Bupropiona, sertralina e fluoxetina podem ser de es- ponderais. Uma equipe composta por médico, enfer- colha em pacientes obesos com transtorno depres- meiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários sivo, sendo as duas últimas também indicadas em de saúde, todos devidamente capacitados para o transtornos de ansiedade (transtorno obsessivo com- acompanhamento do paciente obeso, pode ser o sufi- pulsivo, estresse pós traumático, pânico, ansiedade ciente para oferecer atendimento adequado à maior generalizada, fobia social generalizada) e transtornos parte da população. Uma equipe adicional, responsá- alimentares (bulimia nervosa, transtorno de compul- vel pela assistência a várias unidades de saúde, com- são alimentar periódica). Deve haver cuidado com posta por educador físico, fisioterapeuta e nutricionis- polifarmácia pela possibilidade de graves interações ta, poderia oferecer grandes benefícios ao acompa- medicamentosas20,42. Metformina constitui boa opção nhamento de pacientes especiais, portadores de dis- 43,44,45,46 e topiramato em pacien- túrbios que dificultem a dieta e exercícios, como osteo- tes com epilepsia ou com necessidade de prevenção artrose avançada, associação de vários distúrbios me- em diabéticos tipo 2 47 de crises de enxaqueca . Hormônios tireoidianos, tabólicos ou obesidade refratária. Um programa es- freqüentemente incorporados em ‘fórmulas para truturado com meta de redução de 10% do peso inicial emagrecer’, somente estão indicados no caso de já traria benefícios clínicos significativos com impacto disfunções tireoidianas como o hipotireoidismo clínico na saúde e qualidade de vida da população e redução 48 e subclínico . Novos medicamentos em breve devem subseqüente dos custos com saúde. Seis meses nor- ser lançados, como rimonabant, um antagonista cana- malmente são o suficiente para alcançar esta meta, binóide com resultados promissores nos estudos pré- tempo durante o qual o paciente deve ser assistido comerciais realizados até o momento49. mensalmente para verificar aderência e monitorar o É ainda importante frisar que todas as estra- tratamento. Desta forma, um programa nos moldes tégias acima descritas, em especial se associadas, do avaliado por este estudo atenderia efetivamente conduzem a redução ponderal de cerca de 10% do 1.200 pacientes por ano. Como infra-estrutura mínima peso inicial em seis meses a um ano com conseqüen- é exigida balança, fita métrica, esfigmomanômetro e te redução dos níveis de pressão arterial em longo estetoscópio, além de dois ou três consultórios e um prazo. O tratamento é considerado efetivo se há ma- pequeno auditório para atividades educativas em gru- nutenção do peso ao longo dos anos. po. Pacientes com obesidade mórbida são ainda mi- Com base nesses dados, quando se pensa noria e exigem maior infra-estrutura e conseqüen- em estruturar um programa de tratamento de obesi- temente maiores custos, devendo ser referenciados dade ao nível de saúde pública, algumas reflexões para centros de atendimento secundário e terciário. são imprescindíveis para o melhor gerenciamento de recursos. A maior demanda consiste em pacientes VI. Comentários finais com sobrepeso/obesidade com IMC entre 28 e 40mg/ A obesidade vem crescendo em níveis alar- kg2, onde o tratamento clínico é pelo menos a primeira mantes e está relacionada a maior mortalidade e a escolha. Coincidentemente estes são os pacientes piora da qualidade de vida. O diagnóstico é simples e que mais se beneficiariam de modestas reduções de baixo custo, exigindo apenas medidas como peso, 223 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde altura e da circunferência abdominal. Há melhora discussion 363. clínica com modestas reduções ponderais (5 a 15% 5.Kac G, Velásquez-Meléndez G. A transição do peso inicial), inclusive de doenças relacionadas, nutricional e a epidemiologia da obesidade na América como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemias. Latina. Cad. Saúde Pública. 2003; 19(supl.1). Vários estudos apontam para a necessidade de pro- 6.Pinheiro AR, Freitas SF, Corso AC. Uma abordagem gramas efetivos no controle de peso da população. epidemiológica da obesidade. Rev. Nutr. out./dez. 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O estudo mostra como pode ser simples 10.Criqui MH. Obesity, risk factors, and predicting executar um programa estruturado, de baixo custo e cardiovascular events. Circulation. 2005 Apr efetivo, com replicabilidade dos benefícios descritos 19;111(15):1869-70. na literatura científica. Também não restam dúvidas 11.Rahmouni K, Correia ML, Haynes WG, Mark AL. de que o sucesso no controle da obesidade terá gran- Obesity-associated hypertension: new insights into de impacto na ocupação dos serviços médicos, cus- mechanisms. Hypertension. Dec 6.2005 Jan;45(1):9- tos com a saúde, pensões e auxílios doença e na 14. Epub 2004 Dec 6. qualidade de vida da população. 12. Davy KP, Hall JE. Obesity and hypertension: two epidemics or one? Am J Physiol Regulatory Integrative V. Referências Comp Physiol. may 1, 2004; 286(5): R803 - R813 1.IBGE - Pesquisa de Orçamentos Familiares de 13.Neter JE, Stam BE, Kok FJ, Grobbee DE, Geleijnse 2002-2003. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ JM. 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Herbal Obes Res. 2004 Aug;12(8):1197-211. 226 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde Agradecimentos À Equipe de Saúde da Família da Unidade Jaiara e à acadêmica de enfermagem Karina Valle, pelo auxílio na condução do estudo. Endereço para correspondência: Daniel Victor Arantes Praça James Fanstone,10, Ed. D. Dayse (Plamheg), 2º Andar, Centro. Anápolis, GO - CEP 75020-330 Endereço eletrônico: [email protected] 227 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Relato de Caso Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol American Tegumentary Leishmaniasis: Fluconazole therapy Vicente Lopes Monte Neto* Mirella Maia Soares Véras** RESUMO O tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) se constitui em um desafio à saúde pública, devido a diversos fatores, dentre eles: a dificuldade de acesso às regiões florestais, a via de administração da droga de primeira escolha ser exclusivamente parenteral e a necessidade de monitoramento de seus efeitos adversos. Este estudo relata três casos de LTA tratados com Fluconazol. Utilizou-se esse medicamento pelos seguintes motivos: existência de alguma contra-indicação, efeitos adversos e resposta parcial ou inexistente ao uso do Antimoniato. Verificou-se a completa reepitelização da lesão nos três casos. Sabe-se, no entanto, da necessidade de estudos clínicos posteriores mais abrangentes, tendo um grupo controle, para confirmação dos resultados aqui obtidos. ABSTRACT The treatment of American Tegumentary Leishmaniasis (ATL) constitutes a challenge for public health. This is due to a series of factors, amongst them: difficult access to the forest regions, the exclusively parenteral route of administration of the first-choice drug and the need of monitoring adverse effects. This study describes three cases of ATL treated with Fluconazole. This drug was used for the following reasons: existence of some contraindication, adverse effects and only partial or inexistent response to Antimony treatment. Complete reepitheliazation of skin wounds was verified in all three cases. However, further and more extensive clinical studies including control groups will be necessary for confirming the results obtained in the present study. PALAVRAS-CHAVE: - Leishmaniose Americana; - Fluconazol / uso terapêutico. PALAVRAS CHAVE: - Leishmaniasis Cutaneos; - Fluconazole / Therapeutic Use. *Médico de Família e Comunidade, especialista em MFC – Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Ceará. **Fisioterapeuta, mestre em Saúde Pública, especialista em Saúde da Família, professora da Universidade Federal do Ceará – UFC. 228 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol primeira escolha – no caso o Antimoniato pentavalente I. Introdução Não obstante o grande avanço da civilização, – ser exclusivamente parenteral e a necessidade de lamentavelmente a humanidade ainda padece sob o monitoramento dos efeitos adversos desse medica- julgo de algumas moléstias infecto-parasitárias com mento5. idade milenar. É o caso da Leishmaniose Tegumentar Neste contexto, o presente trabalho objetiva Americana (LTA), enfermidade polimórfica da pele e descrever três casos de pacientes com Leishmaniose das mucosas, não-contagiosa, de evolução crônica, Tegumentar Americana, no município de Meruoca caracterizada pela presença de lesões ulcerosas, (CE), período de julho a dezembro de 2005, tratados únicas ou múltiplas, localizadas ou difusas, causadas com Fluconazol, medicamento de fácil posologia e, por parasitos protozoários do gênero Leishmania1. provavelmente, com menos efeitos adversos do que Estima-se que, no mundo, 90% dos casos de o Antimoniato pentavalente. Leishmaniose Cutânea ocorram no Brasil, Afeganistão, Irã, Peru, na Arábia Saudita e na Síria e 90% dos casos de Leishmaniose Cutâneo-Mucosa ocorram 2 II. Material e Método Trata-se de um estudo do tipo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa realizado, no no Brasil, na Bolívia e no Peru . No Brasil, onde a LTA distribui-se em todos período de julho a dezembro de 2005, em Meruoca, os estados federativos, no período entre 1980 e 2005, cidade localizada na zona fisiográfica do sertão foram confirmados, em valores absolutos, 610.256 centro-norte do Ceará, região serrana, fazendo divisa casos – dos quais 24.291 em 2005. No Ceará, nesse com Coreaú, Massapê, Alcântaras e Sobral. Sua mesmo período, registraram-se 54.379 casos – dos população, de 11.340 habitantes, divide-se na mes- 3 quais 1.666 em 2005 . No município de Meruoca, local ma proporção entre urbana e rural6. Possui três onde foi realizado este trabalho, notificaram-se 65 equipes de Saúde da Família, criadas em 2001, e 4 casos de LTA em 2005 . um Hospital Municipal. Não é difícil suspeitar que esses números A coleta das informações foi realizada por reflitam a inexistência de um sistema de saúde efici- meio de análise dos prontuários dos pacientes ente e eficaz capaz de atuar em medidas preventivas constantes em arquivos do Hospital Municipal e das e de educação, a fim de contribuir para um controle três equipes de PSF daquela cidade. Utilizou-se, epidemiológico rigoroso, atuando na cadeia de trans- ainda, o serviço de informática da secretaria de saúde missão, no diagnóstico e na condução clínica efetiva do município para obtenção de outros dados neces- dos casos de LTA. sários para a realização desta pesquisa. Outro fator que contribui para alta prevalência O estudo foi realizado, tendo como base a evo- de LTA e como um dos obstáculos para o controle lução clínica de três casos de pacientes acometidos por dessa enfermidade é a terapêutica ora existente. Isso LTA, escolhidos para serem tratados com Fluconazol, devido a alguns aspectos peculiares como: o difícil tendo em vista apresentarem algum tipo de contra- acesso às regiões florestais, lugares de maior inci- indicação, reações adversas, resistência ou resposta dência de LTA; a via de administração da droga de parcial ao Glucantime . 229 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 ® Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol Os critérios utilizados para definição dos função hepática e renal. Em seu ECG foi observada casos de LTA foram: diagnóstico clínico-epidemio- alguma alteração e, por conseguinte, contra-indicação lógico e o resultado positivo na pesquisa direta de expressa pelo cardiologista a fazer uso de Glucantime . parasitas em material de raspado ou punção aspi- Decidiu-se, assim, iniciar o tratamento com Fluconazol, 7 rativa da lesão corado pelo método de Giemsa . ® via oral, na dose de 300mg/dia, instituído em oito O estudo foi conduzido de acordo com os semanas e retorno programado para 15 dias. Passa- preceitos éticos constantes na Resolução 196/96 das dos esses dias, o paciente voltou apresentando feri- diretrizes e normas reguladoras de pesquisa envol- mento já com sinais evidentes de melhora e foi agen- vendo seres humanos, incorporando sob a ótica do dada nova consulta em 20 dias. Após esse período, indivíduo e das coletividades os quatro referenciais o paciente retornou com lesão evoluindo progres- básicos da bioética: autonomia, beneficência, justiça sivamente para reepitelização e, no final de oito sema- e não-maleficência, visando a assegurar os direitos nas de terapia, verificou-se a cicatrização total da e deveres que dizem respeito à comunidade científica, lesão. aos sujeitos da pesquisa e ao Estado8. Caso 2 Paciente de 54 anos, parda, feminina, casada, III. Descrição dos casos agricultora, natural de Meruoca, compareceu à Unida- Caso 1 Paciente de 59 anos, masculino, pardo, de referindo surgimento de três lesões ulceradas, casado, agricultor, natural de Meruoca (CE). Compa- dolorosas e edema em membro inferior esquerdo, receu à Unidade referindo ferida única, em região de associada à linfadenopatia inguinal, há três meses, coxa direita, coincidindo com surgimento de que não melhorava com o uso de medicamentos linfadenopatia inguinal, há 30 dias, negando febre e a tópicos. Negou a presença de febre ou episódio de presença de outros ferimentos. Residia em casa de trauma em região da perna. Residia em casa de sítio, feita de tijolos, dentro de zona florestal e apre- tijolos, próxima à zona de florestas, e tinha condição sentava nível socioeconômico baixo. Em seu exame socioeconômica razoável. Seu exame físico apresen- físico, tinha bom estado geral, eutrófico, hipertenso, tava bom estado geral, eutrófica, normotensa, deambulação normal, apresentando lesão única, apresentando três lesões úlcero-crostosas, doloro- úlcero-crostosa, em região látero-proximal de coxa sas, em região de maléolo medial de membro inferior direita, drenando secreção seropurulenta, indolor, esquerdo, com drenagem de secreção seropurulenta, associada à linfadenopatia inguinal direita, de pequeno associada à linfadenopatia indolor, móvel, consistên- volume, móvel e de consistência elástica. Devido ao cia elástica, de moderado volume em região inguinal fator clínico-epidemiológico sugestivo, solicitou-se esquerda, com deambulação levemente claudicante. pesquisa direta de leishmanias, tendo resultado Solicitou-se, então, pesquisa direta de leishmanias, positivo. Visto isso, a fim de se iniciar o tratamento com resultado positivo. Visto isso, a fim de se iniciar convencional para LTA, foram solicitados: eletrocar- o tratamento convencional, foram solicitados: hemo- eletrocardiograma (ECG), hemograma completo e grama completo, função renal, função hepática e 230 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol ECG, com respectivos resultados sem quaisquer que três membros da família, inclusive ela, estavam alterações. Iniciou-se um ciclo de 20 dias com em tratamento para LTA. Também referiu que a crian- Glucantime®, com uma aplicação diária, endovenosa, ça estava inapetente e astênica. Negou, porém, a na dosagem de 15mg/kg peso. No decorrer do pri- presença de febre ou linfadenopatia. Residia em casa meiro ciclo, a paciente começou a referir intensa mial- de tijolos de estrutura ruim, dentro de zona florestal e gia, sendo-lhe prescritos analgésicos e antiinflama- apresentava condições socioeconômicas precárias. tórios, com melhora de quadro álgico. Ao término de Segundo o exame físico, tinha bom estado geral, 20 dias, não se verificou resposta ao tratamento. Fez- mucosas hipocoradas (++/4+), emagrecida, presen- se uma pausa de 15 dias para posterior reavaliação ça de duas lesões em membro superior esquerdo, da lesão. Terminado esse tempo, a paciente compa- úlcero-crostosas, com discreta drenagem de secre- receu com quadro inalterado. Um novo ciclo de 30 ção seropurulenta, odor fétido e sinais de infecção dias foi iniciado, com a paciente voltando a referir secundária. Solicitou-se, então, considerando o fator intensa mialgia, não obstante uso de analgésicos e clínico-epidemiológico bastante sugestivo, pesquisa antiinflamatórios. Mesmo assim, prolongou-se o trata- direta de leishmanias, hemograma completo, função mento até os 40 dias, associando-se a antibiotico- renal, hepática e ECG; com resultado positivo para terapia oral, tendo em vista a suposta existência de formas de leishmanias. Os demais exames solicita- infecção secundária. Concluído esse último ciclo, não dos não tiveram alterações, exceto uma leve anemia, se verificou resposta favorável, e a paciente estava condição já esperada, conforme exame físico. Iniciou- bastante sintomática, queixando-se de fortes dores se, portanto, um ciclo de 20 dias de Glucantime® na musculares e artralgia, relatando, ainda, que um outro dose de 15mg/kg/peso/dia, endove- nosa, com uma médico sugerira seu internamento para realização de aplicação diária, e, simultaneamente, introduziu-se terapêutica com Anfotercina B. Decidiu-se fazer uso antibioticoterapia oral e tópica, devido à coexistência de Fluconazol na dosagem de 300mg/dia, via oral, de infecção secundária. No final do ciclo, não se veri- uma tomada diária, durante seis semanas, programan- ficou grande resposta à terapêutica instituída, decidin- do-se seu retorno em 15 dias. Conforme agendamen- do-se prolongar o tratamento por mais dez dias, to, paciente retornou apresentando melhora conside- sendo, na ocasião, solicitados novos exames, para rável – a lesão mostrava sinais evidentes de reepiteli- monitoramento. Ao término de 30 dias, observou-se zação. Ao final da sexta semana, verificou-se a cicratri- pouca resposta. A mãe foi orientada a voltar com a zação completa da lesão e a paciente assintomática. criança, após 15 dias, para reavaliação. No período Foi dada alta após três meses de cicatrização da lesão. programado, a criança retornou com as lesões evoluindo com pouca melhora. Optou-se por um novo ciclo de 20 dias, com a mesma posologia aplicada anterior- Caso 3 Criança de oito anos, parda, sexo masculino, mente. Ao término de 20 dias, observou-se apenas natural de Meruoca, acompanhada da mãe, compare- resposta parcial, quando, enfim, decidiu-se pelo uso ceu à Unidade referindo duas lesões ulceradas, de Fluconazol na dose 50mg/kg/peso/dia, uma toma- profundas e dolorosas, há 30 dias. A mãe relatava da, durante seis semanas e programado retorno em 231 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol 15 dias. Mais uma vez, percebeu-se reposta favorá- fosse com Glucantime, fosse com Fluconazol, após vel, com o processo de reepitelização das lesões se debelar o processo infeccioso bacteriano com evoluindo progressivamente. No final de seis sema- antibioticoterapia oral e/ou tópica, diferentemente da- nas, verificou-se cicatrização total das lesões. quilo que supõe Merchan-Hamann12. Considerando as semelhanças e diferenças IV. Discussão dos casos relatados e as possíveis falhas terapêu- É oportuno iniciar esta discussão mencio- ticas, porventura existentes na condução da LTA, nando que várias podem ser as causas de falhas te- verificou-se, neste estudo, que o Fluconazol agiu de rapêuticas quanto ao uso de Glucantime® na LTA. forma muito positiva, quando usado posteriormente As variações da eficácia terapêutica dessa droga na ao Glucantime ou isoladamente, constituindo-se em LTA podem ser conseqüências de diferentes es- uma valiosa alternativa de tratamento nos casos quemas posológicos, podendo apresentar falha na escolhidos para tal terapêutica, porque apresentavam forma de Leshmaniose Cutânea e, principalmente, alguma contra-indicação e/ou efeitos adversos ao uso na forma mucosa9. do Antimoniato pentavalente - Glucantime ou porque ® ® Embora os estudos não possam ser absolutamente comparáveis, devido a diferentes esquemas posológicos utilizados, o insucesso terapêutico pode ocorrer com estes medicamentos na LTA10. respondiam parcialmente ou eram resistentes a essa droga. Observou-se, ainda, uma eficácia de 100%, nos três casos tratados com essa droga, percentual Sobre os três casos, aqui estudados, vale esse superior ao encontrado por Alrajhi, em seu relatar algumas características: a semelhança na estudo preliminar13, o qual indicou uma eficácia de história epidemiológica, pois a residência desses 79% no tratamento de Leishmaniose causada por L. pacientes era localizada próxima ou dentro da zona major, quando comparado ao placebo (34%). florestal; as condições socioeconômicas precárias – exceto a paciente do caso 2 –; a existência de ex- V. Considerações Finais tremo de idade – no caso 3, uma criança –, fato que Verificou-se uma excelente resposta, ao se poderia favorecer a falha terapêutica com o prescrever Fluconazol, de forma isolada, em paciente Glucantime® pela baixa imunidade comumente com cardiopatia, cujo uso de Glucantime é contra- encontrada nesses hospedeiros11. indicado. Percebeu-se, também, a efetividade do ® No caso 2, a paciente apresentava três lesões Fluconazol, após uso do Antimoniato, em pacientes em maléolo de membro inferior esquerdo, o que com resposta parcial ou provavelmente resistentes facilitaria surgimento de infecções bacterianas a essa droga. secundárias. As lesões localizadas abaixo dos joe- Em vista disso, sugere-se, que o Fluconazol lhos são as mais freqüentemente infectadas, porém constitui em uma valiosa alternativa de terapêutica, sem nenhuma influência no processo de cura da LTA12. podendo ser usado isoladamente ou como coadjuvan- Observou-se, contudo, em inúmeras vezes, te no tratamento de pacientes portadores de a inegável resposta positiva à terapêutica instituída, Leishmaniose Tegumentar Americana – LTA –, os 232 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol quais apresentem alguma contra-indicação para o Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004. uso do Antimoniato pentavalente, na existência de 6. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e resposta parcial ou de resistência a essa droga. Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Apesar disso, sabe-se da necessidade da Disponível em: [http//www.Ibge.gov/censo] Acesso realização de estudos clínicos mais aprofundados, em: 20.06.2006. com grupo-controle para confirmação dessa hipótese. 7. Brasil. Ministério da saúde. Fundação Nacional de Ressalta-se, ainda, a necessidade de se in- Saúde. In: Guia de Vigilância Epidemiológica. 2002. vestir na descoberta de novas drogas que facilitem o p. 501-524. tratamento da LTA, devido às dificuldades que se 8.Guathier JHM et al. Pesquisa em enfermagem: enfrenta na terapêutica, ora existente, conforme fato- novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: res já mencionados. Porém, qualquer esforço na bus- Guanabara Koogan, 1998. ca de tratamento ideal não terá muito valor se não 9.Romero GA, Guerra MV, Paes MG, Macedo VO. houver um sistema de saúde eficiente e eficaz no Comparison of cutaneous leishmaniasis due to diagnóstico e na condução clínica dos casos de LTA, Leishmania (Viannia) braziliensis and L. (V.) guyanensis capaz de promover um controle epidemiológico in Brazil: therapeutic response to meglumine rigoroso que atue na cadeia de transmissão, bem co- antimoniate. The American Journal of Tropical Medicine mo estimulando medidas educativas e, quiçá, a des- and Hygiene. 2001. p.456-465. coberta de uma vacina eficaz. 10.Oliveira MRF, Macêdo VO, Carvalho M, Barral A, Marotti JG, Bittencourt A, Abreu MVA, Orge MGO, Lessa VI. Referências HA, Marsden PD. Estudo evolutivo da leishmaniose 1.Genaro O. Leishmaniose Tegumentar Americana. mucosa causada por Leishmania (Viannia) braziliensis In: Neves Davi P et al. Parasitologia Humana. 9 ed. em Três Braços, Bahia. Revista da Sociedade São Paulo: Atheneu; 1998. 41p. Brasileira de Medicina Tropical. 1995. 2.Paraguassu-Chaves CA. Geografia Médica ou da 11.Dietze R, Araújo RC, Lima MLR, Venexat JÁ, Saúde (Espaço e doença na Amazônia Ocidental). Marsden PD, Barreto AC. Ensaio terapêutico com Rondônia: Edufro; 2001. Glucantime em sagüis (Callithrox jacchus) infectados 3.Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de com uma cepa de Leishmania donovani aparentemente Vigilância Sanitária. Disponível em: [http/ resistente ao tratamento. Revista da Sociedade www.portal.saúde.gov.br]. Acesso em: 05.09.2006. Brasileira de Medicina Tropical. 1985. p.39-42. 4.Ceará. Secretaria de Saúde do Estado. Indicadores 12.Merchan-Hamann E. Ensaio terapêutico com e Dados Básicos para a Saúde no Ceará. Fortaleza quatro esquemas de antimonial no tratamento da (CE): SSE; 2005. p 104. leishmaniose cutânea causada por Leishmania (Viannia) 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância braziliensis. [Dissertação], Universidade de Brasília. em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Manual Brasília (DF), 1989. de recomendações para diagnóstico, tratamento e 13.Alrajhi AA, Ibrahim EA, De Vol EB, Khairat M, Faris acompanhamento da co-infecção Leishmania-HIV. RM, Maguire JH. Fluconazol for the treatment of 233 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol cutaneous leishmaniasis caused by Leishmania major. N Engl J Med. 2002. p.891-895. Endereço eletrônico: [email protected] 234 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Resumo de Tese Avaliação da Implementação do Programa Saúde da Família no Município do Rio de Janeiro Implementation Assessment of the Family Health Program in the city of Rio de Janeiro Carla Moura Cazelli RESUMO O Programa de Saúde da Família (PSF) do Município do Rio de Janeiro teve o seu primeiro projeto implantado em 1995, na Ilha de Paquetá, sofrendo sua efetiva expansão em 1999, para as comunidades do Borel (Tijuca), Parque Royal (Ilha do Governador), Canal do Anil (Jacarepaguá), Vilas Canoas (São Conrado) e Vilar Carioca (Campo Grande). O objetivo deste trabalho é avaliar o processo de implementação do Programa nessas comunidades, com vistas à identificar aspectos problemáticos e estratégias de melhoria para a sua efetiva atuação. Além disso, ainda que sem perspectiva de generalização dos seus achados, ele pretende prover elementos a serem considerados na expansão do Programa, especialmente no contexto de um grande centro urbano como o Rio de Janeiro. A pesquisa realizada constitui-se em um estudo de casos múltiplos, focado em um grande centro urbano. Envolveu investigação documental, a análise de indicadores de desempenho do Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB), e a análise de entrevistas com o Gerente Central do PSF na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro bem como profissionais das Equipes de Saúde da Família (ESF) e moradores das comunidades selecionadas. Entre os aspectos cobertos destacam-se: condições físicas do Programa, composição, forma de seleção, contratação e acompanhamento das equipes de profissionais, mecanismos de educação continuada para as equipes, participação do PSF na referências de pacientes para especialistas ou outros níveis de atenção e o papel da violência urbana. Os resultados obtidos permitiram a sistematização de fatores facilitadores e limitantes da implementação do PSF nas comunidades estudadas, incluindo perspectivas da gestão central, das equipes e dos usuários. Dissertação de mestrado. Disponível em: Orientadora: Margareth Crisóstomo Portela http://teses.cict.fiocruz.br/cgi- Escola Nacional de Saúde Pública-Fiocruz Rio de Janeiro, 2003. bin/wxis1660.exe/lildbi/iah/ PALAVRAS-CHAVE: - Programa de Saúde da Família; - Avaliação de Programas; 235 - Serviços Básicos de Saúde; - Serviços de Saúde Comunitária. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Resumo de Tese Atividade física no Programa Saúde da Família em municípios da 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná - Brasil Physical Activity in the Health Family Program, in cities of 5th Regional of Health in Paraná State - Brazil Silvano da Silva Coutinho RESUMO O objetivo geral desta pesquisa foi identificar e analisar as percepções dos Secretários Municipais de Saúde da 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná acerca da realização de atividades físicas no Programa Saúde da Família (PSF). Como objetivos específicos elegemos caracterizar e analisar a prática da atividade física nos PSFs dos referidos municípios, bem como, verificar a inserção de profissionais de educação física nessas equipes do PSF. Tomamos como pressuposto teórico as discussões sobre promoção da saúde presentes nas Conferências Internacionais de Promoção da Saúde, buscando articulá-las à teoria e a prática da atividade física. Trata-se de um estudo descritivo exploratório (TRIVIÑOS, 1992), com abordagem qualitativa, sendo os sujeitos constituídos de onze secretários de saúde dos municípios da regional citada, e também nove profissionais da área da saúde que são responsáveis pelas atividades físicas realizadas no PSF destes municípios. Os dados empíricos foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os secretários de saúde, e também dos questionários aplicados com os profissionais de saúde responsáveis pela realização das atividades físicas. A organização dos dados foi feita conforme ferramenta metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC (LEFÈVRE, 2000). Após construirmos os DSCs, elegemos três unidades temáticas, a partir dos conteúdos: Processo de Educação em Saúde, Atividades Físicas no PSF, Prevenção e Promoção da Saúde. Como considerações finais, ressaltamos: o processo de educação em saúde demonstra ter um caráter mais modelador que emancipatório. O entendimento de promoção da saúde está mais ligado à uma visão limitada do processo saúde-doença, pautado no conceito de saúde como ausência de doenças, com alguns apontamentos para uma visão mais ampliada, abarcando aspectos sociais e psicológicos. Verificamos de forma incipiente a realização de atividades físicas em nove equipes de PSF nos municípios participantes da pesquisa, principalmente a caminhada, sob a iniciativa e responsabilidade de profissionais da saúde (quatro enfermeiras, três fisioterapeutas e dois profissionais de Educação Física). Sobre a prática da atividade física no PSF, os gestores a identificam como uma estratégia na prevenção de doenças crônicas, em especial, obesidade, diabetes e hipertensão. Na perspectiva de se aproximar à um conceito mais ampliado de promoção da PALAVRAS-CHAVE: - Atividade física; - prevenção de doenças; 236 - Programa Saúde da Família; - promoção da saúde. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Silvano da Silva Coutinho Atividade física no Programa Saúde da Família em municípios da 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná - Brasil saúde, os gestores ressaltaram que a atividade física inserida na estratégia do PSF pode trazer outros benefícios além dos biológicos, tais como: desenvolvimento da autonomia para realização dos afazeres do dia-a-dia, melhoria do convívio social, interferência em situações de risco social, educação em saúde e como opção de lazer, no entanto, ainda de forma incipiente. Para tanto, sugerimos que é preciso se (re) pensar a formação dos profissionais da saúde, em especial, a do profissional de Educação Física, buscando uma visão de promoção da saúde, que abarque todas as suas possibilidades, potencialidades, bem como, sua complexidade. Também é preciso vislumbrar outras estratégias que ampliem as possibilidades da atividade física ser incorporada de forma mais sistematizada e ampliada, na atenção à saúde, valorizando o conhecimento da área de Educação Física na construção do SUS. Dissertação de Mestrado Orientadora: Pereira, Maria José Bistafa Pereira Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) Ribeirão Preto, 2005 Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/ tde-03122005-102018/ 237 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Resumo de Tese Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontros e desencontros entre profissionais de saúde e usuários Communicative Action Toward The Health care of the Family: Meetings and failure in meetings among professionals of health and users Priscila Frederico Craco RESUMO Na atualidade vivenciamos, nacional e internacionalmente, uma crescente revalorização do tema família com priorização e expansão de serviços de Atenção Primária à Saúde, como estratégia de reorganização do setor saúde e de mudança do modelo assistencial. Novas propostas em discussão e aplicação têm ocupado um lugar de destaque na reconstrução das práticas de saúde no Brasil. Neste cenário, ressalta-se a dimensão comunicacional do encontro entre profissionais de saúde e usuários, como um processo de diálogo, que garanta e estimule uma crescente integração entre as finalidades técnicas do trabalho e os projetos de vida dos usuários. Este estudo teve por objetivo compreender as comunicações e ações dos sujeitos (profissionais de saúde e usuários) envolvidos no cuidado à saúde da família e interpretar as possibilidades e dificuldades da ação comunicativa neste cuidado. A Teoria da Ação Comunicativa defendida por Habermas (1987) é a referência teórica fundamental. A esta foram acrescidas a conceituação de Dialógica do Cuidado proposta por Ayres (2002) e a categoria do trabalho vivo em ato proposta por Merhy (2000). Utilizamos a abordagem qualitativa de pesquisa, com a observação participante e a entrevista semiestruturada como métodos de coleta de dados. A pesquisa foi desenvolvida em uma Unidade de Atenção à Saúde da Família do município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. A interpretação dos dados teve como eixo norteador os horizontes normativos dos profissionais de saúde e dos usuários, basicamente com relação aos ideais de: vida, saúde, trabalho, família, assistência à saúde (cuidado) e relacionamento. A discussão da temática teve como preocupação central a necessidade de reorganização das práticas de saúde, apostando no cuidado como categoria central e na comunicação como elemento transformador na construção de novos modos de cuidar, mais humanos e acolhedores, na saúde e na enfermagem e em especial na saúde da família. Destacamos as dimensões da ação comunicativa e da linguagem nos movimentos ora de aproximações (encontros), ora de distanciamentos (desencontros) entre os profissionais de saúde e os usuários. Uma categoria empírica central que emergiu do material empírico foi os encontros e desencontros dos sujeitos em interação. Foi possível identificar que os desencontros entre o saber popular PALAVRAS-CHAVE: - Comunicação; - Cuidado; - Saúde da Família 238 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 Priscila Frederico Craco Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontros e desencontros entre profissionais de saúde e usuários e o saber técnico-científico geraram importantes dores) e os não-técnicos (usuários, famílias, as que assimetrias comunicacionais. A linguagem codificada, necessitam de cuidados). as invasões, controles e cobranças no espaço das visitas domiciliares e os diferentes horizontes Dissertação de Mestrado normativos, onde o “campo da amizade” e o “campo Unidade Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto do tratamento” presentes no ato de cuidar, muitas (EERP) vezes se mesclam e se confundem, revelaram-se Orientadora:, Maria Cecilia Puntel de Ayres Almeida, como barreiras na comunicação, que clamam por Ribeirão Preto, 2006 cuidados. A hierarquia e a falta de solidariedade entre os profissionais da equipe de saúde geraram, Disponível em: também, significativos entraves no diálogo e “esbar- http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/ rõ es ” de espaços, tempos, ritmos e saberes. A tde-27112006-155728/ classificação das famílias em vermelha, amarela e verde, mostrou-se como um veio que questionava se estávamos ainda sob o paradigma do risco ou se deslocamos os horizontes normativos para o conceito de vulnerabilidade. Já, a atitude cuidadora de “escutar/ ouvir” e estar sensível aos sofrimentos e dores do outro surgiu como um valor importante compartilhado por ambos os sujeitos em interação. Entre os encontros visualizados na comunicação destacamos o encontro de sentimentos e a emergência do “Cuidado Afetuoso/Amoroso”, onde o afeto e a espiritualidade foram valorizados no ato de cuidar. O encontro de valores humanos e éticos, onde o alfabeto do bom cuidado foi composto por quatro atitudes: calor humano, respeito, confiança e envolvimento. O encontro de sujeitos, onde o grupo de artesanato surgiu como uma opção por uma melhor qualidade de vida e de saúde. E o encontro de alegrias e risos, onde o ritual festivo e a descontração surgiram deslizando para o espaço do cuidado. Concluímos que o amadurecimento do diálogo entre os sujeitos transita pela construção de pontes lingüísticas e pelo compartilhamento de horizontes normativos entre os técnicos (profissionais de saúde, os que querem ser cuida- 239 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instrução aos autores Instrução aos autores da Revista Brasileira Cartas ao Editor O Editorial é de responsabilidade do editor da de Medicina de Família e Comunidade A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (RBMFC) é uma publicação trimestral da revista, podendo ser redigido por terceiros por solicitação dele. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comu- A seção Artigos Originais é composta por arti- nidade, que tem por finalidades: sensibilizar profissio- gos resultantes de pesquisa científica, apresentando nais e autoridades da área de saúde sobre a área de dados originais de descobertas com relação a aspec- interesse da Medicina de Família e Comunidade; esti- tos experimentais ou de observação, voltados para mular e divulgar temas e pesquisas em Atenção Pri- investigações qualitativas ou quantitativas em áreas mária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio entre de interesse da APS. Artigos originais são trabalhos academia, serviço e movimentos sociais organizados; que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência, promover a divulgação da abordagem interdisciplinar tecnologia e arte das ciências da saúde que contribu- e servir como veículo de educação continuada e per- em para a evolução do conhecimento sobre o homem, manente no campo da Medicina de Família e Comuni- a natureza e a inserção social e cultural. O texto – dade, tendo como eixo temático a APS. contendo introdução, material ou casuística, métodos, Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selho Científico e Editorial, como também por resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25 laudas. pareceristas convidados ad hoc. O processo de ava- A seção Artigos de Revisão é composta por arti- liação por pares preserva a identidade dos autores e gos nas áreas de Gerência, Clínica, Educação em suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho Saúde. Os artigos de revisão são trabalhos que apre- Editorial somente na fase final de avaliação. sentam síntese atualizada do conhecimento disponí- Todos os trabalhos deverão ser escritos em vel sobre matérias das ciências da saúde, buscando português, com exceção dos redigidos por autores es- esclarecer, organizar, normalizar e simplificar aborda- trangeiros não-residentes no Brasil, que poderão fazê- gens dos vários problemas que afetam o conhecimento lo em inglês ou espanhol. humano sobre o homem e a natureza e sua inserção social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publi- Tipos de Trabalho A revista está estruturada com as seguintes cados em revistas científicas e devem ter até 20 seções: laudas, contendo introdução, desenvolvimento e con- Editorial clusão. A seção Diretrizes em MFC é composta por Artigos Originais Artigos de Revisão artigos estruturados dentro das normas da Associa- Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade En- ção Médica Brasileira para diretrizes clínicas, valida- saios dos pela SBMFC. Sua confecção, sob orientação da Relatos de Experiência Diretoria Científica da SBMFC, é uma proposta de or- Resumos de Tese ganizar e referendar o trabalho dos MFC no Brasil. 240 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instrução aos autores A seção Ensaios visa à divulgação de artigos letra Arial (tamanho 11), espaçamento entre linhas 1,5 e com as análise crítica sobre um tema específico rela- numeração seqüencial em todas as páginas. As notas cionado à Medicina de Família e Comunidade e deve de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível, ser apresentada em uma média de 5 a 10 laudas. assim como as tabelas e os quadros – que devem ser A seção Relatos de Experiência é composta de compreensão independente do texto. de artigos que relatam casos ou experiências os quais Os autores deverão informar seus nomes e explorem um método ou problema por meio do exem- ende- reços completos e quais organizações de fomen- plo. Os relatos de caso apresentam as característi- to à pesquisa apoiaram os seus trabalhos, fornecendo cas do indivíduo estudado – com indicação de sexo e inclusive o número de cadastro do projeto. idade, podendo este ser humano ou animal –, ressal- Os trabalhos que envolverem pesquisas com tam sua importância na atuação prática e mostram seres humanos deverão vir acompanhados da devida caminhos, condutas e comportamentos para a solu- autorização do Comitê de Ética da Instituição. ção do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas, com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimen- Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência de apresentação: to e conclusão. A seção Resumos de Tese, que deve ter ape- 1. Título em português e também em inglês(*). nas 1 lauda, tem como proposta a divulgação da pro- 2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s) dução científica na temática do periódico. Nela, de- sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indi- vem ser expostos resumos de dissertações de cação da Instituição a qual está vinculado, cargo e mestrado ou teses de doutoramento/livre-docência titulação. defendidas e aprovadas em universidades brasileiras 3. Resumo do trabalho em português, no qual ou não. Os resumos deverão ser encaminhados com fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos o título oficial da Tese, informando o título conquistado, empregados e as principais conclusões do trabalho. o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igual- 4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo mente, o nome do Orientador e o local onde a tese de 5 palavras-chave ou descritores do conteúdo do está disponível para consulta. trabalho, apresentados em português de acordo com Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su- o DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da gestões sobre a revista são bem recebidas. As car- BIREME - Centro Latino Americano e do Caribe de tas, contendo comentários sobre material publicado, Informação em Ciências da Saúde – URL: <http:// devem ter no máximo 2 laudas. decs.bvs.br/>. Os trabalhos a serem submetidos à aprecia- 5. Abstract – versão do resumo em inglês(*). ção do Conselho Científico deverão ser encaminhados 6. Key words – palavras-chave em inglês, de por e-mail para a Secretaria da Sociedade Brasileira de acordo com DeCS(*). Medicina de Família e Comunidade ou ao Editor da re- 7. Artigo propriamente dito, de acordo com a vista. O padrão de formatação exigido é Word for estrutura recomendada para cada tipo de artigo, ci- Windows – versão 6.0 ou superior -, página padrão A4, tada no item 2. 241 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instrução aos autores 8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) de- Caldas CP. Memória dos velhos trabalhado- vem ser enviadas à parte, com indicação na mar- res. [Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medi- gem do local de inserção no texto; as fotografias em cina Social, Universidade do Estado do Rio de Janei- preto e branco devem ser apresentadas em papel ro; 1993. brilhante. 9. Referências: são de responsabilidade dos Evento autores e deverão ser limitadas às citações do texto, Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implan- além de numeradas segundo a ordem de referência, tação das ações de assistência integral à saúde da mu- de acordo com as regras propostas pelo Comitê In- lher no PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde ternacional de Revistas Médicas (International Coletiva; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasi- Committee of Medical Journal Editors). Requisitos uni- leira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328. formes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos. Disponível em: <http://www.icmje.org>. Documento eletrônico Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Mari- (*) A versão do título do trabalho, do resumo e das nho. Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católi- palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo ca de Minas Gerais, 1995-1998. da própria revista, salvo eventual decisão ao contrá- Apresenta textos sobre urbanismo e desenvol- rio em época futura que, se vier ao caso, será vimento de cidades. Disponível em: comunicada no Editorial da revista. www.gcsnet.com.br/oamis/civitas. Exemplos: Acesso em: 27 nov. 1998. Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação. Periódico Valla VV. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; Os artigos são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. Avaliação por pares: os artigos recebidos são (5): 46-53. protocolados na secretaria da revista e encaminhados tanto ao editor geral quanto aos editores associ- Livro Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Ja- ados, para a triagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuição ao Conselho Editorial e Científico, neiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. em conformidade com as áreas de atuação e especialização dos membros, bem como o assunto tra- Capítulo de livro Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro tado no artigo. Todos os textos são submetidos à do Centro de Saúde. In: ________. Educação popu- avaliação de dois consultores – provenientes de ins- lar nos serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: tituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um HUCITEC; 1997. p. 65-69. processo duplo cego, que os analisam em relação aos seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência Dissertação 242 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instrução aos autores dos objetivos; metodologia; informações inteligíveis; exemplares da revista em que o seu estudo foi publi- citações e referências adequadas às normas técni- cado. cas adotadas pela revista e pertinência à linha editorial da publicação. Os consultores preenchem o for- Ética em pesquisa mulário de parecer, aceitando, recusando ou reco- Com relação às pesquisas iniciadas após ja- mendando correções e/ou adequações necessárias. neiro de 1997, nas quais exista a participação de se- Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) res humanos nos termos do inciso II.2 da Resolução autor(es), para os ajustes e reenvio, e aos consulto- 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde (“pesquisa res para nova avaliação. O resultado é comunicado que, individual ou coletivamente, envolva o ser hu- ao(s) autor(es), e os artigos aprovados ficam dispo- mano de forma direta ou indireta, em sua totalidade níveis para publicação em ordem de protocolo. Não ou partes dele, incluindo o manejo de informações serão admitidos acréscimos ou modificações após ou materiais”), sempre que pertinente, deve ser de- a aprovação. clarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Declaração de responsabilidade dos autores Todas as pessoas responsáveis como auto- Os trabalhos devem ser enviados para: res devem responder pela autoria dos trabalhos, ten- Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Co- do como justificada a sua participação de forma sig- munidade - SBMFC nificativa no trabalho para assumir responsabilidade Correspondência pública pelo seu conteúdo. Deverão, portanto, assi- Rua 28 de Setembro, 44 sala 804 nar a seguinte declaração de autoria e de responsa- Rio de Janeiro - RJ bilidade: Cep: 20551-031 “Declaro que participei de forma significativa Tel/fax: 21 2264-5117 na construção e formação deste estudo ou da análise e interpretação dos dados, como também na re- Endereço eletrônico: dação deste texto, tendo, enquanto autor, responsa- [email protected] bilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovo para ser submetido à publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem outro com conteúdo semelhante de minha autoria foi publicado ou submetido à apreciação do Conselho Editorial de outra publicação.” Artigos com mais de um autor deverão conter uma exposição sobre a contribuição específica de cada um no trabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a publicação de seu trabalho, três 243 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instructions to authors Instructions to authors of the Brazilian Journal Letters to the Editor of Family and Community Medicine The Brazilian Journal of Family and Community The Editorial is responsibility of the editor of Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of the journal, but can be prepared by third persons on the Brazilian Society of Family and Community his request. Medicine, aimed at sensitizing professionals and health authorities to this field of interest, stimulating The section Original Articles is dedicated to and disseminating Primary Health Care (PHC) issues reports on scientific investigations, presenting origi- and investigations, and facilitating interchange between nal data on findings from experiments or observation academic institutions, health care services and with emphasis to qualitative or quantitative studies in organized social movements. The periodical also fields of interest for PHC. Original articles are aims to promote an interdisciplinary approach to this criticisms or creations on science, technology and area and to serve as a vehicle for continued and the art of health sciences, contributing to the evolution permanent education in the field of Family and of knowledge about Man, nature and social and cultu- Community Health, with emphasis to the central ral inclusion. The papers - including introduction, subject PHC. material or rationale, methods, results, discussion and Manuscripts will be reviewed by members of conclusion – should not exceed 25 pages. the Scientific and Editorial Board as well as by outside The section Reviews is composed by articles referees. This peer-review process safeguards the about Health Management, Clinics and Health identity of authors and their institutions of origin, which Education. Review articles are papers presenting an only will be revealed to the Editorial Board in the end up-to-date synthesis of available knowledge on health of the evaluation process. science subjects, with the intent to elucidate, organi- All manuscripts should be prepared in ze, normalize and simplify approaches to the different Portuguese language. Foreign authors, not living in problems affecting human knowledge about Man and Brazil, can submit their papers in English or Spanish. nature and social and cultural inclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing, evaluating and synthesizing investigations already published in Categories and formats of papers The journal is divided into the following scientific journals and should not exceed 20 pages, including introduction, rationale and conclusion. sections: Editorial Original articles The section Directives in FCM receives articles Review articles prepared according to the norms for Clinical Directives Directives in Family and Community Medicine of the Brazilian Association of Physicians, validated Essays by the BSFCM. The purpose of these articles - Case reports prepared under the guidance of the Scientific Board These Abstracts of the BSFCM – is to organize and reference the work 244 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instructions to authors independently from the text. Corresponding authors of physicians involved in FMC in Brazil. The section Essays publishes critical analyses should inform their full names and addresses. The regarding specific topics related to Family and funding sources by which the work was supported Community Medicine. Articles should have 5 to 10 should be stated. Articles describing investigations on human pages. Case Reports are articles addressing cases or experiences by exploring a method or problem subjects must include a statement referring institutional ethics committee clearance. based on an example. These articles indicate details such as sex and age of the studied individual – human Manuscripts should be structured as below: or animal – emphasize their importance in practice and indicate ways, procedures and conducts for 1. Title solving the problem. Articles for this section should 2. Complete names – first name(s) followed not exceed 8 pages and include introduction, rationale by family name(s) of the author(s) 3. Abstract giving a clear synthesis of the and conclusion. The section Abstracts of Theses is aimed at publishing scientific production in the field covered by the journal in form of abstracts of master’s and purpose, describing the methods used and main conclusions of the study. 4. Key words – a minimum of 3 and a defended in Brazilian maximum of 5 key words or describers of the contents universities or abroad. Abstracts should not exceed of the work, following the norms of DeCS, available at one page, state the official title of the dissertation, the http://decs.bvs.br/ doctor ’s dissertations academic degree achieved, date and place where the thesis was defended and indicate the name of the supervisor and where the dissertation is available for 5. Text of the article, according to the recommendations for each category given above. 6. Figures (graphs, diagrams and tables) according to the recommendations given above. consultation. In the section Letters to the Editor, readers are 7. References: are responsibility of the authors invited to express their opinion and make suggestions and should be arranged numerically according to the to the journal. order in which they appear in the text, according to Articles should be submitted by electronic mail, the rules of the International Committee of Medical directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Journal Editors, Uniform Requirements for Family and Community Health or to the Editor. Papers Manuscripts Submitted to Biomedical Journals, should be typed in word processor Word for Windows available at http://www.icmje.org – version 0.6 or superior – paper size ISO A4, font Arial, size 11, space between lines 1,5, and all pages should be numbered sequentially. References should Examples: Periodical be kept to the necessary minimum. The same refers Valla VV. Educação popular e saúde diante das to tables and figures, which should be understandable formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; 245 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instructions to authors responsibility of the authors. (5): 46-53. Peer-review procedure: received articles are registered by the Secretariat of the journal and Book Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Ja- submitted to the Scientific and Editorial Board for screening, preliminary evaluation and posterior neiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. distribution to ad hoc referees with specific expertise in the subject addressed by the article. All Book chapter Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro manuscripts are submitted to two referees, coming do Centro de Saúde. In: ________. Educação popu- from institutions different from those of the author(s) lar nos serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: who, in a double-blind review process, assess them HUCITEC; 1997. p. 65-69. with respect to the following aspects: pertinence of the title in relation to the content, structure of the manuscript, pertinence and clearness of objectives, Dissertation Caldas CP. Memória dos velhos trabalhado- methodology, intelligible information, conformity of res. [Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medi- citations and references with the technical norms cina Social, Universidade do Estado do Rio de Janei- and alignment with the editorial line of the journal. ro; 1993. The referees fill in the review form accepting or rejecting the manuscript or suggesting improvements and/or necessary corrections. In this Event Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implan- case, the manuscript is returned to the author(s) for tação das ações de assistência integral à saúde da revision and resubmission, followed by a new mulher no PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on evaluation. The result is communicated to the Collectyive Health; 2000, Salvador. Salvador: Associ- author(s) and accepted articles will be published ação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coleti- following the order of registry. No additions or va; 2000. p.328. modifications in manuscripts already accepted for publication will be admitted. References from the internet Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Ma- Responsibility Statement rinho. Developed by: Pontifícia Universidade Católi- All individuals named as authors for having ca de Minas Gerais, 1995-1998. Presents texts on participated substantially in the submitted study have urbanism and city development. Available at: <http// to take public responsibility for the integrity of their www.gcsnet.com.br/oamis/civitas>. Accessed: Nov work and consequently sign the following 27. 1998. Responsibility Statement: Review procedures and publication of “I hereby declare to have participated substantially in the conception and design of the submitted manuscripts. The articles are of the full and exclusive 246 present work and in the writing of the manuscript, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006 RBMFC Instructions to authors taking public responsibility for its integrity. I have read the final version of this work and agreed to its submission for publication. The work in its present or a similar form has not been published elsewhere, nor is it currently under consideration for publication in another periodical.” Articles prepared by more than one author should state the specific contribution of each of them. The authors of each article will receive three exemplars of the edition in which their study was published. Ethics in experimentation Articles based on investigations involving human subjects should declare in the text that the investigation has beencleared by the responsible Ethics Committee on Human Experimentation. Manuscripts should be submitted electronically to: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC Contact Address: Rua 28 de Setembro, 44 sala 804 Rio de Janeiro - RJ Cep: 20551-031 Tel/fax: 21 2264-5117 e-mail: [email protected] Projeto gráfico e diagramação (miolo) www.itpropaganda.com.br 247 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006