V REA – Reunião Equatorial de Antropologia VIV ABANNE

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V REA – Reunião Equatorial de Antropologia
VIV ABANNE – Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
Comunicação Coordenada: 0010 - Mapeando os Novos Estudos Sobre/Com
Crianças na Antropologia: Um Diálogo Entre o Fazer e o Refletir
Etnografia das infâncias: a criança como interlocutora de suas experiências
Luciana Soares da Cruz1
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre as novas formas de pesquisar
crianças dentro do campo da Antropologia. As novas abordagens antropológicas sobre
as crianças, em que as mesmas são inseridas na pesquisa como interlocutoras de suas
experiências objetivando efetivá-las enquanto objeto de estudo antropológico, exigem
do pesquisador um cuidado especial para que a fala da criança não seja “contaminada”
pelas visões pré-existentes que os adultos têm sobre estas. São objetos de reflexão desse
trabalho as inovações metodológicas da etnografia das infâncias, através da introdução
e/ou renovação de conceitos (cultura, sociedade) que percebem a criança não mais como
um ser humano incompleto, mas como um sujeito social participante e que, enquanto
categoria histórica e social, contribui para produção das sociedades adultas. Á luz de um
referencial teórico-metodológico que engloba a antropologia e a sociologia da infância,
busca-se compreender como a pesquisa com crianças, a partir de uma observação
participante, ampliou o leque de instrumentos possíveis de serem utilizados neste
processo investigativos (desenhos, fotografias, entrevistas, redações) e como o uso de
tais instrumentos se propõe a dissolver a relação de neutralidade entre observado e
observador, no caso, entre a criança e o adulto. É intenção desta reflexão demonstrar a
importância do tema no âmbito das atuais pesquisas antropológicas e evidenciar a
necessidade de contribuir para o desenvolvimento desta antropologia da criança,
reconhecendo que novos sujeitos são, dia após dia, inseridos nos estudos que envolvem
a humanidade.
Palavras-chave: Antropologia. Etnografia. Criança.
1
Aluna do programa de pós-graduação stricto sensu em Antropologia da Universidade Federal do Piauí,
turma 1.2015. Pesquisa em andamento: O lugar da criança no quilombo: um estudo etnográfico na
comunidade Barro Vermelho – Paulistana (PI), sob a orientação da professora Dr. Maria Lídia Medeiros
de Noronha Pessoa.
2
Introdução
“Adulto: Persona que en toda cosa que hable, primero ella”. 2
Falar sobre os estudos das infâncias exige o reconhecimento de todo significado
presente na pluralidade deste termo. Entender que as crianças (e suas infâncias) são
situadas em contextos diversos, o que torna suas experiências igualmente distintas, é
imprescindível para aqueles que se colocam no desafio de realizar pesquisa sobre/com
crianças. Assim, a compreensão de que o que é ser criança não pode ser pensando como
algo fixo e universalizante, e sim como algo que se transforma dentro de realidades
específicas no qual parece ser um dos pontos de consenso entre os pesquisadores dos
pequenos.
Antropologia e sociologia preocupam-se cada vez mais em elaborar mecanismos
teórico-metodológicos que colaborem para as pesquisas que envolvem crianças. Na
Antropologia, especificamente, as inovações metodológicas são seguidas da introdução
e/ou renovação de conceitos (cultura, sociedade) que percebem a criança não mais como
um ser humano incompleto, mas como um sujeito social participante e que, enquanto
categoria histórica e social, contribui para produção das sociedades adultas.
Sobre a recente contribuição da disciplina para os estudos sobre crianças, citemos
o pensamento de Cohn (2003, p.9) que afirma:
Por isso, não podemos falar de crianças de um povo indígena sem
entender como esse povo pensa o que é ser criança e sem entender o
lugar que elas ocupam naquela sociedade — e o mesmo vale para as
crianças nas escolas de uma metrópole. E aí está a grande contribuição
que a antropologia pode dar aos estudos das crianças: a de fornecer
um modelo analítico que permite entendê-las por si mesmas; a de
permitir escapar daquela imagem em negativo, pela qual falamos
menos das crianças e mais de outras coisas, como a corrupção do
homem pela sociedade ou o valor da vida em sociedade.
Essa nova antropologia da criança, na qual as mesmas são inseridas na pesquisa
como interlocutoras de suas experiências objetivando efetivar a criança enquanto
sujeito/objeto de estudo antropológico, exige do pesquisador um cuidado especial para
2
Andrés Felipe Bedoya, 8 anos. IN: NARANJO, Javier. Casa de las estrelas: el universo contado por los
niños. Colômbia: Editora Aguillar, 2009.
3
que a fala da criança não seja “contaminada” pelas visões pré-existentes que os adultos
têm sobre estas.
Contribuições de Margaret Mead para Antropologia da criança
Os estudos dedicados à compreensão do universo infantil dentro da antropologia
coincidiram com a emergência de um debate ainda hoje caro aos antropólogos: a
pesquisa de campo. Os trabalhos de Margaret Mead são de grande relevância para
compreensão do uso da etnografia em pesquisas sobre/com crianças. A fixação da
pesquisadora em fazer da experiência de campo uma atividade legitimadora da tarefa do
antropólogo e sua preocupação em entender a transformação da criança em adulto
através de um processo de socialização em que a cultura serviria para moldar a
personalidade dos indivíduos resultaram em um vasto material etnográfico sobre as
infâncias não ocidentais.
O paradigma da época de Mead era outro, a escola culturalista de Franz Boas
defendia a compreensão das sociedades através da cultura, do relativismo cultural.
Mead seguiu a risca os ensinamentos de Boas nas várias experiências etnográficas que
vivenciou e embora tenha sido criticada pelo conceito substantivo de cultura, ela
certamente deve ser lembrada pelos pesquisadores das infâncias menos pelo uso do
termo cultura do que pela sua concepção de criança. Sobre esta importante contribuição
de Margaret Mead, Delalande (2011, p. 66) afirma que:
Margaret Mead (1928) fragiliza a ideia de um determinismo biológico,
mostrando particularmente que os mais novos das ilhas de Samoa não
passam pela crise de adolescência, demonstrando que aquilo que foi
entendido como um fenômeno natural é relativo ao contexto cultural.
(...) os trabalhos da antropóloga americana e de outros depois dela
permitiram romper com o modelo de uma criança única na diversidade
das culturas humanas.
No espaço de tempo que compreende os trabalhos de Mead e a atual antropologia
da criança, muita coisa foi debatida, revisitada, reformulada. Novas indagações foram
postas, tais como: é possível pesquisar crianças livre de um olhar adultocêntrico? Como
adentrar no universo infantil? Que ferramentas utilizar na pesquisa sobre/com crianças?
O pesquisador realmente consegue ouvir e fazer ouvir as vozes das crianças?
4
Importante dizer que Margaret Mead é, direta ou indiretamente, grande
colaboradora no levantamento destas questões. Problematizar, atualizar ou, ainda,
simplesmente criticar as suas abordagens contribuem para os debates relacionados às
pesquisas sobre o universo infantil. Sua experiência etnográfica deixou mais que um
legado de vasto material a ser revisitado, deixou também questões sobre as quais ainda
nos debruçamos para tentar resolver.
A Etnografia na pesquisa sobre/com criança
A etnografia é, sem dúvida, um ponto de união entre as várias disciplinas
dedicadas aos estudos da infância3. A recorrência a esta como a maneira mais eficaz de
ouvir o que as crianças têm a dizer tornou-se mais intensa nas últimas duas décadas. Ao
mesmo tempo, ampliaram-se as possibilidades de uso de diversas ferramentas
metodológicas no processo de escuta dos pequenos. Sobre isso, Delgado (2011, p. 199)
diz que:
No meu entendimento, o campo da socioantropologia da infância
apresenta ferramentas metodológicas que possibilitam maior
expressão das crianças, entendendo que suas linguagens não abrangem
somente a oralidade. Por isso, considero importante o diálogo com as
metodologias visuais, incluindo desenhos, fotografias e filmagens,
sobretudo entre crianças muito pequenas.
As pesquisas etnográficas dedicadas ao entendimento do mundo infantil em seus
diferentes contextos têm atentando para algumas importantes indagações. Christina
Toren (2010, p. 40) argumenta sobre a importância de colocar as crianças em situação
participante dentro da investigação que busca compreender os significados que estas
atribuem às situações que vivenciam. Assim:
Descobrir que sentido as crianças estão dando ao mundo é importante
para a análise etnográfica não simplesmente porque possibilita um
relato mais completo e sutil de como a vida é vivida em qualquer
esfera específica e como a transformação naquela mesma esfera é um
aspecto de sua continuidade, mas porque nos possibilita tornar
analíticas as categorias das pessoas cujas vidas estamos tentando
analisar, seja em nossos próprios lares ou em outro lugar do mundo.
3
Exemplo disso são as atuais pesquisas da denominada socioantropologia das infâncias. Também
podemos destacar os estudos realizados nas áreas da pedagogia, história, geografia e psicologia.
5
Toren (2010) nos alerta que para compreendermos os significados que as crianças
atribuem aos seus mundos é preciso conceder a elas a oportunidade de fala. É preciso
colocar os pequenos na condição de interlocutores de suas experiências e que isso só é
possível de ser feito reconhecendo a criança como um ser vivo autônomo, que atribui
sentido ao mundo de maneira intersubjetiva. O respeito a essa autonomia4 serve de
orientação para as pesquisas com os pequenos por conceder a estes um papel ativo não
apenas no relato de suas experiências, mas na compreensão destas.
Clarice Cohn (2005, p. 7) observa que a Antropologia tem contribuído de diversas
maneiras para o desenvolvimento de pesquisas sobre crianças na atualidade. Esta
contribuição pode ser observada no âmbito dos métodos de pesquisa, no qual o uso da
etnografia tem ganhado espaço nestes estudos. Quanto ao uso da etnografia, afirma a
autora:
A etnografia, para falar muito brevemente, é um método em que o
pesquisador participa ativamente da vida e do mundo social que
estuda, compartilhando seus vários momentos, o que ficou conhecido
como observação participante. Ele também ouve o que as pessoas que
vivem nesse mundo têm a dizer sobre ele, preocupando-se em
entender o que ficou conhecido como o ponto de vista do nativo, ou
seja, o modo como as pessoas que vivem nesse universo social o
entendem. Portanto, usando-se da etnografia, um estudioso das
crianças pode observar diretamente o que elas fazem e ouvir delas o
que têm a dizer sobre o mundo.
A observação participante, de que fala Cohn, altera-se ao longo do processo de
renovação dos conceitos antropológicos e da revisão de antigas dicotomias como
objetivismo/subjetivismo, que colocavam o observador em situação de neutralidade em
relação ao observado. No caso específico da pesquisa com criança, questiona-se a
sobreposição do adulto/pesquisador à criança/pesquisada.
As reflexões de Flávia Pires (2007) em Ser adulta e pesquisar crianças são
importantes para o entendimento dessa nova abordagem etnográfica, que pretende
adentrar no universo dos meninos e meninas para, assim, compreender as diferentes
formas destes vivenciarem suas infâncias.
Em suas pesquisas sobre infância e religião, Pires (2007, p. 229) coloca em
discussão a necessidade, ou não, do uso de uma metodologia específica no estudo
4
A autonomia aqui apresentada é relativa. Sabe-se da influência determinante exercida pelos adultos
em relação às crianças. Ainda assim, os pequenos têm, em suas experiências com o mundo, maneiras
particulares de significá-lo.
6
sobre/com crianças e, ao mesmo tempo, problematiza o lugar ocupado pelo pesquisador
nesta investigação. As estratégias utilizadas para adentrar no cotidiano dos pequenos
permitiram uma reflexão sobre a relação adulto/criança durante o percurso
investigativo, em que a autora opta por um caminho diferente:
Talvez seja necessário discorrer um pouco sobre a opção de chamar as
crianças para desenhar em minha casa. O leitor pode se perguntar o
motivo pelo qual eu não priorizei a casa das crianças, o seu ambiente
“natural”, a fim de levar a cabo a pesquisa. Quero esclarecer que
frequentei as casas das crianças e as observei em interação familiar.
No entanto, apostei também na pesquisa com as crianças entre si,
longe do olhar disciplinador do adulto.
A busca do pesquisador de uma aceitação, por parte das crianças, em suas
atividades rotineiras exige uma postura no qual a diferença de idade deve ser
relativizada para que meninos e meninas vejam o observador não como uma criança,
mas como um adulto diferente, disposto a partilhar com elas suas experiências.
Novas técnicas de pesquisa sobre/com crianças
No processo de escuta dos pequenos, a utilização de novas técnicas de pesquisas
tem-se ampliado. Complementares à observação participante, na qual já é comum o uso
de entrevistas e desenhos como forma de registro das atividades infantis, fotografias e
filmagens, surgem como uma alternativa a este desafio.
O emprego de dispositivos metodológicos que envolvem a participação das
crianças
no
processo
de
pesquisa
surge
como
facilitador
nesta
relação
observador/observado, contribuindo para o estabelecimento de uma relação de
confiança mútua, em que o adulto/pesquisador deixa de ser visto como alguém que se
coloca em posição superior a dos pequenos.
A preferência pelo registro escrito (redações, cartas) em investigações sobre/com
crianças tem sofrido críticas por este ser considerada uma ferramenta metodológica
muitas vezes excludente, já que priva a participação daqueles que não dominam a
escrita5. Não é o caso de se abandonar esta prática investigativa, mas de associar a esta
novas possibilidades, como as técnicas visuais.
5
São exemplos: crianças pequenas, pertencentes a sociedades não letradas ou mesmo não
alfabetizadas.
7
A fotografia surge como uma dessas possibilidades. Retratar as infâncias através
do registro visual permite inserir uma maior quantidade de sujeitos na pesquisa, ao
mesmo tempo em que oportuniza ao pesquisador perceber como as crianças
representam o mundo a seu redor. Para isso, é necessário instrumentalizar os pequenos
para o manuseio destas ferramentas, uma atividade interativa que promove uma
aproximação entre os sujeitos envolvidos na pesquisa. Ainda sobre as vantagens do uso
da fotografia, Gobbi (2011, p. 134-135) afirma que:
A fotografia é aceita, sem causar celeuma, como auxiliar do caderno
de notas na documentação fiel de elemento da cultura material e
tecnológica de um povo; como facilitadora da entrada do antropólogo
no universo a ser investigado; como mote de conversas em uma
situação de entrevistas, e como fonte de informação mais segura e
objetiva, em uma etapa posterior ao trabalho de campo, quando o
pesquisador não se encontra mais em contato com o seu objeto de
estudo (...)
A utilização da fotografia nas pesquisas participativas sobre/com crianças como
complementar a outras ferramentas de investigação demonstra a preocupação dos
recentes estudiosos de infâncias em produzir um texto etnográfico polifônico, ou seja,
construído a partir de uma relação intersubjetiva entre etnógrafo e etnografado
(CLIFFORD, 1998).
A opção pela filmagem segue a mesma lógica do uso da fotografia. O que se
pretende é não perder aspectos das experiências infantis não captados de forma
completa pelo etnógrafo em um primeiro olhar. Da mesma maneira, aos pequenos é
oferecida a oportunidade de atuação na produção e atuação do filme, o que geralmente é
bem-vindo pelas crianças.
As entrevistas também passaram por alterações ao longo dos debates
metodológicos envolvendo os estudos das infâncias. Situada como mais tradicional, a
entrevista limita-se a investigação com crianças maiores e, ainda sim, está susceptível às
variações provocadas pela intervenção dos meninos e meninas durante sua realização.
Mesmo as entrevistas de tipo aberto (mais utilizadas na atualidade), nas quais o que se
propõe são conversas informais de modo a deixar a criança mais a vontade para falar, a
possibilidade de comprometimento da espontaneidade dos pequenos é muito grande.
Alguns pesquisadores têm optado por fazer uso desse recurso apenas com os
adultos. Considerando que as crianças significam seus mundos de um modo particular e
8
que nesta significação está inclusa sua relação intersubjetiva com os adultos, a inserção
destes últimos nos estudos das infâncias parece inevitável6. Assim, faz-se uso de
entrevistas semiestruturadas com os adultos que fazem parte do cotidiano dos
pequenos7.
Os desenhos infantis também aparecem como ferramenta metodológica das
pesquisas realizadas com meninos e meninas. Concebido como produto da cultura
infantil8, o desenho carrega consigo a subjetiva infantil, no qual os pequenos
representam, no papel, suas várias maneiras de significar o mundo.
Sendo uma criação das crianças, os desenhos carecem da interpretação de seus
autores; logo, estas são convidadas a atribuir sentido aquilo que desenharam o que
amplia o entendimento do pesquisador sobre as representações infantis. Assim, o
desenho diz muito sobre quem o realiza, sobre como é interpretado por quem o realiza
e, ainda, a respeito do contexto em que foi realizado.
São muitas as possibilidades de usos de recursos metodológicos nos estudos
infantis. A tarefa de escolher que ferramentas utilizar na investigação sobre/com
crianças parece sugerir mais uma adequação das mesmas ao contexto da pesquisa do
que suscitar a criação de uma metodologia específica para pesquisa com meninos e
meninas.
Considerações finais
O trabalho de escuta das crianças ainda parece ser um desafio dentro dos estudos
infantis. Se por um lado os debates sobre esta temática têm contribuído para revisitar/
renovar importantes conceitos da Antropologia9 por outro, ainda persiste a necessidade
de partilhar estes estudos de forma mais eficaz, a fim de tornar as vozes das crianças
audíveis para o mundo.
Empregar metodologias participativas que consideram os diferentes significados
atribuídos por meninos e meninas a seus contextos diversos é uma tarefa desafiadora
6
A participação de adultos em investigações sobre/com crianças não é consenso entre os estudiosos das
infâncias. Para um aprofundamento deste debate ver: Corsaro (2011), Sarmento e Pinto (1997) e Toren
(1999).
7
Parentes e educadores aparecem como os sujeitos mais recorrentes nestes estudos.
8
Corsaro (2011), em seu trabalho “Sociologia da infância”, introduz o conceito de “reprodução cultural”,
no qual “inclui a ideia de que as crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas
contribuem ativamente para a produção e mudança culturais”. Assim, as crianças são vistas como
reprodutoras de uma cultura apresentada a elas pelo mundo dos adultos, mas, ao mesmo tempo, estas
são percebidas como sujeitos produtores e transformadores dessa cultura.
9
Cultura é um dos exemplos de conceito revisitado nos estudos sobre as infâncias. Nas pesquisas com
crianças, a cultura deixa de ser pensada no singular e ganha um sentido plural e dinâmico.
9
que exige dos pesquisadores uma constante (re)significação do uso de suas ferramentas
metodológicas. Assim, nos falam Soares, Sarmento e Tomás (2005 p. 54-55):
Considerar a alteridade da infância implica ter em linha de conta o
conjunto de aspectos que a distinguem do Outro-adulto, o que
significa o reconhecimento das culturas da infância como modo
específico, geracionalmente construído, de interpretação e de
representação do mundo. O contributo das metodologias participativas
neste âmbito tenta desenvolver um trabalho de tradução e
desocultação das vozes das crianças, que permaneceram ocultas nos
métodos tradicionais de investigação, através de perspectivas
geracionais etnocêntricas, onde a incapacidade das crianças é
invocada com o argumento de proteção da criança contra a sua própria
irracionalidade e incompetência.
A relação adulto/criança dever ser pensada não mais a partir da dominação do
primeiro sobre o último, mas como uma relação de troca frutífera na busca pela
produção de sentidos. Pesquisar crianças não exige que adulto/pesquisador se torne
criança, mas que este seja aceito no universo dos pequenos como um “adulto diferente”.
Em relação à oposição mundo dos adultos/crianças, Arriès (1981) afirma que a
negação dessa dicotomia contribuiu para definir a infância como uma etapa diferente
(não oposta) da vida adulta, em que a criança assume um novo papel nas sociedades
modernas.
É exatamente sobre essas crianças socialmente ativas, interlocutoras de suas
experiências, que as atuais pesquisas da socioantropologia têm buscado dar conta. E
nesse empreendimento ao mesmo tempo sedutor e desafiador, os pesquisadores buscam
compreender as particularidades de um universo ainda pouco desvendado, o universo
infantil. Estes estão cientes que o caminho para alcançar este entendimento não pode ser
direcionado de outra forma que não seja pelas próprias vozes dos pequenos.
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