13-5-03 Nossa Bandeira Cristovam - Ministério da Educação

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do Ministério da Educação
Ministério
da Educação
Nossa Bandeira
Cristovam Buarque*
Quando nossa bandeira foi criada, em 1889, o Brasil tinha pelo menos 70% de
seus adultos analfabetos. Mesmo assim, os novos dirigentes republicanos
escolheram uma bandeira que só seria compreendida por 30% da população,
aqueles que sabiam ler “ordem e progresso”. Os demais não lhes importavam. Por
lei, a bandeira de 30% da população tornou-se a bandeira de todos os brasileiros,
inclusive daqueles que não sabiam reconhecê-la plenamente.
Cem anos depois, diminuiu a percentagem, mas aumentou o número absoluto
dos brasileiros impedidos de reconhecer plenamente sua bandeira. No Brasil de
hoje, 20 milhões de brasileiros não conhecem sua bandeira porque não conseguem
ler o lema nela escrito.
Um ano antes da nova bandeira, e da República, o Brasil ainda passava a
vergonha de ser um país escravocrata. Cento e treze anos depois, ainda não
completou a abolição, nem a república. A desigualdade social, especialmente na
educação e na saúde, são vergonhosas, incompatíveis com uma república. Como,
por exemplo, o fato de o Brasil gastar por ano, em média, R$ 250 mil com a
formação de uma pessoa de classe média ou alta, enquanto gasta apenas R$ 3,2 mil
com uma pessoa pobre.
Nenhuma das modernas monarquias diferencia tanto seu povo de sua
aristocracia. O Brasil tem a república mais aristocrática do mundo moderno, e sua
bandeira é um exemplo disso. Até hoje, a República tem uma bandeira não
reconhecida por 15% a 20% de sua população adulta.
Para corrigir esse absurdo, é possível mudar a bandeira, retirando as letras
para que os analfabetos reconheçam apenas as estrelas. Afinal, no lugar de mudar a
realidade, a elite brasileira tem o costume de fingir que resolve os problemas do
povo.
Foi assim com a proibição do tráfico de escravos para inglês ver, com a Lei
do Ventre Livre e com a Lei do Sexagenário. Foi assim com a falsa república
aristocrática, com o desenvolvimento sem distribuição de renda, com a ditadura em
nome da liberdade e com a nova democracia sem qualquer reforma social até este
momento, 18 anos depois.
No lugar de mudar a bandeira para fingir que ela é de todos, o certo é adotar a
bandeira da alfabetização de todos os brasileiros. Não mais apenas a continuação
de programas de alforria de alguns analfabetos, com os quais seriam necessárias
décadas para resolver o problema, mas com ações concretas para alfabetizar todo o
Brasil em quatro anos.
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS – BLOCO L – 9º ANDAR – SALA 905 – CEP 70047-900 – BRASÍLIA-DF
FONE: (0**61) 410-8133 – FAX: (0**61) 410-9195/9196 – E-mail: [email protected]
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Como sempre acontece nos momentos de radicalizar a serviço do povo,
muitos levantam dúvidas sobre a possibilidade deste objetivo. Alguns dizem que
não é eficiente gastar dinheiro para alfabetizar adultos que pouco poderiam
oferecer à economia nacional. Primeiro, 20 milhões de pessoas que aprendem a ler
e a escrever tornam-se uma considerável força de trabalho. Portanto, econômica.
Depois, pode até não ser eficiente, mas é decente. E a decência deve vir na frente
da eficiência.
Outros dizem que é tecnicamente impossível, sem perceber o absurdo de
achar que cem milhões de alfabetizados não conseguem alfabetizar os outros 20
milhões. Se cada um dos três milhões de universitários dedicasse o tempo de uma
disciplina adicional ao longo do curso, seis horas por semana, durante um
semestre, seria possível alfabetizar 20 milhões de adultos em apenas um ano.
Como um país que produz R$ 1,321 trilhão por ano, exporta R$ 208 bilhões e
gasta R$ 13,7 bilhões com publicidade para que os brasileiros conheçam os
produtos e serviços produzidos pela sua economia não pode reservar, no máximo,
R$ 0,25 bilhão anuais para que seus compatriotas conheçam a bandeira do Brasil?
Isso, no caso de não contarmos com nenhum alfabetizador voluntário.
Mas não basta alfabetizar os adultos. É preciso fechar a torneira pela qual são
produzidos anualmente novos analfabetos. É o caso das crianças sem escola, que
não aprendem a ler e que, conseqüentemente, não dão continuidade aos estudos.
O Brasil tem os recursos. Tem um Presidente da República comprometido
com a educação do povo brasileiro em um momento no qual todos percebem a
necessidade de superar os 115 anos de uma abolição incompleta e de uma
república aristocrática, que nunca investiu na educação de seu povo.
É possível. E a hora é essa.
Nesta semana, ao mesmo tempo em que, no Rio de Janeiro, é aberta a Bienal
do Livro, um dos maiores eventos culturais do planeta, milhões de brasileiros
estarão excluídos da beleza e da riqueza que esta feira cultural propicia. Excluídos
até mesmo do direito de conhecer a Bandeira Nacional desfraldada. Além de
mostrar e vender livros, a Bienal poderia ter sua bandeira: dentro de quatro anos,
nenhum brasileiro esteja excluído do direito de viver o clima da Bienal de 2007. O
lema seria: “Que todos os brasileiros sejam capazes de conhecer sua bandeira”.
Nossa bandeira é fazer a bandeira ser de todos.
(*) Ministro da Educação, senador pelo Distrito Federal e professor da Universidade de
Brasília.
Brasília, 13-5-2003
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