De ouvidos bem abertos

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16
novembro2011
Jornal Unesp
Comunicação
Excelsior, Pavel Tchelitchew
De ouvidos bem abertos
O canadense R. Murray
Schafer, “pai da ecologia
sonora”, propõe um exercício
simples para que as pessoas
reaprendam a escutar
A
bra seus ouvidos – escute e
sinta o mundo ao seu redor.
É o que propõe o canadense R. Murray Schafer, considerado o
pai da “ecologia sonora”, teoria que
analisa como interpretamos e como
somos afetados pelos sons naturais e
artificiais ao nosso redor.
O compositor, escritor, educador
e ambientalista participou de três
eventos promovidos pelo Instituto
de Artes, Câmpus de São Paulo, em
setembro, e compartilhou suas ideias
para estimular a percepção do som
em educadores e estudantes. Em
meio ao caos sonoro de cidades como
a capital paulista – em que motores de
ônibus e carros roncam, buzinas disparam, alto-falantes gritam, pessoas berram –, Schafer disse que estamos destruindo nossa audição. E propôs um
primeiro passo para recuperar nossa
capacidade de escutar as nuances dos
sons: fazer uma caminhada sonora.
É um exercício simples, que não
custa nada e pode ser feito em apenas alguns minutos. Você planeja seu
roteiro – que pode ser a sua rua, o
caminho para seu trabalho, uma trilha
no campo, entre outros – e caminha,
sozinho ou em grupo (mas sem conversar), com os ouvidos abertos para
todos os sons do ambiente. Se quiser,
pode levar um gravador ou um bloco
e uma caneta para fazer anotações. A
ideia da experiência, segundo Schafer,
é melhorar a sensibilidade auditiva
das pessoas, na busca por sonoridades
agradáveis e saudáveis.
Em uma caminhada sonora de 1
minuto pelo Câmpus de São Paulo,
Para saber mais
A Afinação do Mundo
Editora Unesp / 384 páginas
O Ouvido Pensante
Editora Unesp / 400 páginas
Schafer observou que a grande maioria dos sons era alta e mecânica. “Pude
perceber a sonoridade do vento por 1
segundo somente”, contou ele, concluindo que aquele era um ambiente
sonoro horrível.
Mudança – Por isso, esses pequenos exercícios são importantes, destacou Schafer. “Nada vai acontecer
a não ser que as pessoas comecem a
pensar que os ambientes seriam melhores se tivessem menos ruídos”, incitou ele. A partir daí, elas poderão
exigir das autoridades governamentais mudanças para melhorar a acústica das cidades. “Precisamos reduzir os
sons desnecessários e permitir a volta
de algumas sonoridades da natureza.”
O compositor destaca que diversos
estudos comprovam o efeito destrutivo da poluição sonora sobre a audição. A maioria das pessoas não ficará
surda, mas terá a capacidade auditiva
prejudicada, de acordo com Schafer.
“Isso se chama presbiacusia”, afirmou
ele, referindo-se à perda gradual auditiva devido à degeneração progressiva do ouvido interno.
Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a
exposição a elevados níveis de ruído
pode desencadear problemas cardiovasculares, alterações de sono, estres-
se, ansiedade e irritabilidade, além, é
claro, de problemas de audição. Para
a entidade, todo e qualquer som que
ultrapasse os 40 decibéis no período
noturno já pode ser considerado nocivo à saúde.
Uma boa notícia é que alguns países europeus já estão fazendo a lição
de casa para melhorar o ambiente sônico, destacou Schafer. “Existem experiências para reduzir o barulho emitido por carros, caminhões e ônibus”,
exemplificou. O compositor lembrou
ainda iniciativas bem-sucedidas em
terminais de ônibus que poderiam ser
implantadas no Brasil. “A partida de
uma determinada linha de ônibus, por
exemplo, pode ser anunciada com um
som particular, em vez de ser divulgado pela voz”, disse ele, acrescentando
que nações como Suécia, Noruega,
Finlândia e Alemanha já implantaram
soluções antirruído como essa.
Composição musical – Pensando nas gerações que estão por vir,
o compositor sugeriu que ambientes
externos como playgrounds infantis
poderiam preservar a sensibilidade
auditiva dos futuros cidadãos. “Esse
espaço não deve estar localizado em
uma rua movimentada, com muito
trânsito”, afirmou ele. “E as crianças
podem ter à disposição instrumen-
tos musicais para brincar e produzir
sonoridades.”
Schafer lembrou que o mundo é
uma composição musical, “feita de
sons altos, baixos, agudos, graves,
agradáveis ou desagradáveis”. “Da
mesma forma que é possível melhorar os sons de uma peça musical, também é possível aprimorar os sons de
um ambiente, e é com isso que estamos envolvidos”, explicou.
Eliza Muto
Leonardo Abicair
Schafer numa “caminhada sonora”
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