A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O uso do território do Rio Grande do Norte pelo setor eólioelétrico e suas implicações nos municípios de Galinhos, Guamaré e Macau MARCOS ANTÔNIO ALVES DE ARAÚJO1 Resumo O trabalho objetiva entender como tem se dado o uso do território do estado do Rio Grande do Norte pelo setor eólio-elétrico e suas implicações nos municípios de Galinhos, Guamaré e Macau. As análises feitas evidenciam que, embora a energia eólica seja uma atividade com alto potencial de geração de lucros, ela se realiza nesses municípios a partir de elevados custos sociais, alterando as paisagens locais, com a instalação das turbinas eólicas e das torres de transmissão; criando novos fluxos de objetos, ações e informações; gerando entropias, tensões e conflitos territoriais envolvendo as populações locais, o Estado e as empresas do setor eólico; e promovendo uma valorização seletiva do espaço geográfico potiguar. Palavras-chave: Energia Renovável, Energia Eólica, Território. Abstract This paper aims the understanding on how the Rio Grande do Norte´s territory has been used by the Electrical-Aeolian sector and its implications on the cities of Galinhos, Guamaré and Macau. The analyses show that, even though the Aeolian energy is an activity with high potential in generating profits, it happens in these cities under high social costs. It changes local landscapes with the turbines installation and transmission towers; it creates new flows of objects, information and actions. It generates entropy, tension and land conflicts involving local inhabitants, the State and the Aeolian companies as well as causing selective valuation on the Potiguar´s geographical space. Key Words: Renewable Energy, Aeolian Energy, Territory. 1 – Introdução A energia elétrica tem se feito presente no decorrer de variados momentos históricos da humanidade, se constituindo em um elemento essencial, quiçá vital, para o crescimento econômico, o desenvolvimento das sociedades modernas capitalistas e a satisfação da maioria de suas necessidades e/ou demandas. A evolução da ciência e o progresso técnico têm possibilitado o uso de diversos recursos naturais como fontes de obtenção de energia elétrica ao longo da formação histórica de tais sociedades. Esses avanços técnico-científicos têm buscado uma maior diversificação das matrizes energéticas, garantindo uma maior continuidade, regularidade e segurança ao fornecimento de energia, necessárias para o fortalecimento e o crescimento das economias capitalistas. Sob a égide do modo de produção capitalista, as inovações tecnológicas no setor elétrico apresentam características econômicas e sociais importantes, 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). E-mail de contato: [email protected] 6984 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO sobretudo pelo aumento de produtividade industrial que elas podem gerar, pelo surgimento de inúmeros e diversos objetos técnicos cada vez mais perfeitos e usados na vida cotidiana moderna e pelos efeitos na dinâmica de funcionamento da sociedade. As inovações no setor elétrico têm contribuído, por exemplo, para a construção de grandes centrais e usinas hidrelétricas, termoelétricas e termonucleares e para a adoção de sistemas integrados de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A partir de 1970, em decorrência do avanço do meio técnico-científicoinformacional no mundo, com a expansão das atividades industriais, a modernização do campo e o aumento do consumo de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e demais objetos técnicos, a demanda por energia tem crescido vertiginosamente. Isso levou os Estados nacionais e as empresas do setor elétrico buscarem a ampliação da matriz energética de suas formações socioespaciais por meio de investimentos em novas fontes alternativas de energia. Nesse contexto, a geração de energia eólica – possibilitada pela descoberta de lugares com potencialidades eólicas, pelos investimentos públicos e privados e pelas inovações no setor eólio-elétrico – tem ganhado destaque e importância no circuito global de produção de eletricidade. O estado Rio Grande do Norte (Mapa 01), localizado no Nordeste do Brasil, tem se inserido nesse circuito a partir da instalação de parques eólicos em vários de seus munícipios. Mapa 01 – Localização geográfica do estado do Rio Grande do Norte. Fonte: Elaborado por Rafael Pereira da Silva a partir de malha cartográfica do Brasil e do RN - 2004. 6985 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Sendo assim, dada a relevância do Rio Grande do Norte no cenário nacional e internacional, no que concerne ao potencial e à produção de energia eólica, o presente trabalho2 objetiva entender como tem se dado o uso do seu território pelo setor eólio-elétrico e suas implicações nos municípios de Galinhos, Guamaré e Macau, localizados no litoral setentrional do estado. Esses municípios, em virtude da existência e da abundância de um recurso natural capaz de gerar lucros e do qual a mais-valia pode ser auferida, têm se tornado alvo de interesses de empresas ligadas ao setor das energias renováveis, com a instalação de parques eólicos em áreas que apresentam potencialidades de geração de eletricidade. Esses parques eólicos, apoiados no tripé ciência-tecnologia-informação, surgem no estado do Rio Grande do Norte com o intento de suprir uma demanda atual e futura de um mercado brasileiro cada vez mais ávido por energia elétrica. 2 - Justificativa A justificativa para a escolha do Rio Grande do Norte enquanto recorte espacial desse estudo se assenta no fato preponderante de que tal estado se constitui no maior produtor eólio-elétrico do Brasil, ganhando destaque nacional e internacional nos projetos eólicos licitados ao longo dos leilões federais de comercialização de energia, e sendo visto pelos empreendedores como um dos ambientes mais atrativos para a realização de investimentos nessa fonte renovável de energia. Se, até pouco tempo, o Rio Grande do Norte era importador de energia, hoje passou a ser um provedor nacional de energia, despachando os megawatts gerados nos parques eólicos no Sistema Interligado Nacional (SIN). Quanto a escolha de Galinhos, Guamaré e Macau, como recortes empíricos desse trabalho, se deve ao fato de que tais municípios foram os primeiros do estado a apresentar resistência popular à instalação de parques eólicos, com repercussões na mídia local e nacional. No que se refere a escolha da atividade eólica como tema problematizador decorre do fato de que ele ainda é carente de investigações no âmbito das ciências humanas, em especial da Geografia. A maioria dos trabalhos acadêmicos sobre a 2 Esse trabalho é parte integrante de uma proposta de tese, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia, da UFRN, na área de concentração em “Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território”, e na linha de pesquisa “Território, Estado e Planejamento”, sendo orientada pelo Professor Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo. 6986 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO energia eólica no Brasil são desenvolvidos pelas ciências exatas. Essa escassez de trabalhos geográficos talvez possa ser explicada pelo próprio fato da energia eólica ser uma atividade recente no espaço geográfico brasileiro, com reflexos em sua participação na matriz energética nacional que, embora em crescimento, ainda é consideravelmente pequena. No Brasil, os primeiros aproveitamentos da força dos seus ventos datam de 1992, com a instalação de um aerogerador no arquipélago de Fernando de Noronha/PE. Com 75 kW e 17 metros de diâmetro, instalada numa torre de 23 metros, esse aerogerador foi o primeiro implantado em território nacional (PARQUE EÓLICO ALEGRIA 2014). Concernente ao Rio Grande do Norte, o primeiro parque eólico surgido no estado data do ano de 2004, com a instalação no município de Macau, pela Petrobrás, para autoconsumo. Nesse sentido, esse trabalho tem sua devida relevância e originalidade, trazendo contribuições significativas aos estudos geográficos não apenas pela possibilidade de contribuir com as pesquisas acadêmico-científicas, mas por colocar um tema recente num patamar de reflexões e discussões que ainda não são apropriadas de modo sistemático e crítico pela ciência produzida no Brasil. 3 – Metodologia A construção desse trabalho se deu em dois momentos: o primeiro, a partir do desenvolvimento de pesquisa bibliográfica e documental. E, o segundo, por meio da coleta de dados secundários e primários. No primeiro momento foi feito um levantamento amplo de trabalhos (artigos, dissertações e teses) sobre o tema energia eólica. Esse levantamento se deu a partir de consultas ao site da Biblioteca Brasileira Digital de Teses e Dissertações (BDTD), a partir do link: http://bdtd.ibict.br/, em que foi possível ter acesso, através da ferramenta de busca, às dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação stricto sensu do Brasil sobre energia eólica. A maioria das dissertações e teses que tivemos acesso foi defendida no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia, vinculado a Escola Politécnica, a Faculdade de Economia e Administração, ao Instituto de Eletrotécnica e Energia, e ao Instituto de Física, da Universidade de São Paulo; e no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Energético, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do 6987 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Rio de Janeiro. Feita a localização desses trabalhos acadêmicos realizamos o download e iniciamos a leitura, ainda em curso. Além disso, utilizamos a ferramenta de busca do Google com intento de localizar outros trabalhos sobre energia eólica, em especial artigos científicos. A leitura de tais trabalhos foi fundamental para a obtenção de uma visão geral acerca do assunto. Ainda nesse primeiro momento foi construída a fundamentação teórica, mediante as discussões realizadas no âmbito da disciplina “O território como categoria de análise social”, ofertada no semestre 2015.1, no Programa de PósGraduação em Geografia, da UFRN, se aportando na produção intelectual do professor Milton Santos, no que diz respeito a teoria do espaço geográfico, ao conceito de técnica e às categorias de análise referentes ao território usado, ao território abrigo e ao território recurso. Segundo Milton Santos (2008, p.63), o espaço geográfico é considerado “[...] um conjunto indissociável, solidário e contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não consideradas isoladas, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Assim, temos sistemas de objetos e sistemas de ações se interagindo, se complementando e se realizando mutuamente, de modo que os primeiros condicionam a forma como se dão as ações e os segundos impulsionam a criação de objetos novos. A compreensão do espaço geográfico, à luz da teoria miltoniana, leva a definição da técnica, no âmbito das ideias, enquanto base fundamental para a interpretação e explicação do espaço e, no contexto empírico, como principal forma de relação do homem com o meio. Pari passu com a política, a técnica dá sentido e significado ao meio. Mais do que instrumento, forma e produção, a técnica é, num sentido mais largo, amplo e totalizante, ação, é norma, é imaterialidade (SANTOS, 2008). É o elo principal de intermediação do espaço com o tempo, da geografia com a história, do ser com o vir a ser. Seu uso é múltiplo e sua realização no lugar é relativa e heterogênea, podendo tanto ressignificar o lugar, como ser ressignificada por ele. No contato com a existência empírica e entre a recusa e a aceitação parcial ou total, a técnica é redefinida pelo lugar e, ao mesmo tempo, modifica a axiologia do lugar (SANTOS, 2008). 6988 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Essas perspectivas de análise do espaço e da técnica possibilitam uma apreensão do território usado, apresentado, segundo Antônio Carlos Robert Moraes, pela primeira vez por Milton Santos, no ano de 2000, durante o Encontro Nacional de Geógrafos, realizado na cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina. Diante disso, o território usado, conforme entendimento de Milton Santos, é sinônimo de espaço geográfico e constitui um todo complexo, onde se tece uma teia de relações complementares e conflitantes. Para ele, o território usado leva em consideração a interpendência e inseparabilidade que envolve a materialidade (incluindo a natureza) e o seu uso pelas relações de trabalho e pela ação política. É para o território usado que todas as ações humanas convergem, onde a história do homem é tramada pelos fios de seu fazer e das manifestações de sua existência. Contudo, o território pode ser usado de maneiras variadas e com finalidades das mais distintas possíveis. Por exemplo, se para os agentes hegemônicos do setor eólio-elétrico o território do Rio Grande do Norte é usado como recurso, garantia de realização dos seus interesses corporativos, para as populações locais (consideradas aqui como agentes não-hegemônicos) esse mesmo território é usado como abrigo, mediante o desenvolvimento contínuo de estratégias de adaptação ao meio geográfico local e de sobrevivência nos lugares. Assim, temos interesses distintos e, na maioria das vezes, conflituosos no uso do território por agentes hegemônicos e não-hegemônicos. Para Milton Santos (2004, p.22), o território só se torna importante e utilizável para a análise social “[...] quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam”. Ainda no primeiro momento de construção do trabalho, a pesquisa documental foi importante para a aproximação com o objeto empírico. Nessa pesquisa destacam-se os seguintes documentos: A indústria dos ventos e o Rio Grande do Norte Brasil – 2014, publicado pelo Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE); o Atlas do Potencial Eólico do Estado do Rio Grande do Norte, publicado, em 2003, pela Companhia Energética do Rio Grande do Norte (COSERN) e Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); e o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro e o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2014 (ano base 2013), publicados, respectivamente, nos anos de 2001 e 2014, pelo Governo Federal. 6989 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO No segundo momento, realizamos a coleta de dados secundários no banco de informações de geração disponível no site da ANEEL, sobre as fontes de energia explorada no Brasil, a distribuição dos empreendimentos eólicos em operação, em construção e outorgados, a potência energética fiscalizada e outorgada nesses empreendimentos, e o levantamento das principais empresas do setor eólico presentes no território potiguar, identificando sua origem a partir de consultas ao site das mesmas. De posse dos dados coletados foi possível construir quadros e obter informações quantitativas sobre aspectos da energia eólica no Brasil e no Rio Grande do Norte. A obtenção de dados primários acerca dos desdobramentos da instalação de parques eólicos nos municípios de Galinhos, Guamaré e Macau ocorreu por meio de conversas informais com representantes do conselho gestor da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT), de observações in loco realizadas durante as visitas técnicas do curso Técnico Subsequente em Guia de Turismo, do IFRN, feitas ao longo do ano de 2013, e da análise das falas de moradores, divulgadas na mídia digital (escrita e audiovisual) local e nacional, referentes a insatisfação de alguns sujeitos locais diante do uso corporativo do território pelas empresas do setor eólico. 4 – Resultados e Discussão O processo de formação e consolidação do sistema elétrico brasileiro se deu a partir da utilização e exploração intensa do potencial de fontes renováveis existente em abundância no território nacional, proporcionando o crescimento da oferta de energia, sobretudo por meio da construção de grandes empreendimentos hidrelétricos. Dados da ANEEL, atualizados em 10 de junho de 2015, apontam que 65,42% da potência energética instalada e fiscalizada, no Brasil, advêm de fonte hídrica, explorada por meio das seguintes unidades geradoras de energia elétrica: Central Geradora Hidrelétrica (Potência ≤ 1.000 kW), Pequena Central Hidrelétrica (1.000 kW > Potência ≤ 30.000 kW) e Usina Hidrelétrica (Potência > 30.000 kW). Sendo assim, a matriz energética brasileira tem nos recursos hídricos a sua principal fonte de geração de energia. Complementa a hídrica, as seguintes fontes: a fóssil, com 19,04% da produção energética nacional; a biomassa, com 9,68%; a nuclear, com 1,41%; a solar, com 0,01%; e a eólica, com 4,44% (ANEEL, 2015). 6990 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Embora a participação da fonte eólica na matriz energética brasileira ainda seja pequena, o setor eólio-elétrico encontra-se em franca expansão no território nacional, se avaliado o número de empreendimentos do tipo eólico em operação, em construção e outorgados. Segundo a ANEEL (2015), existem, no Brasil, 278 empreendimentos eólicos em operação, produzindo 6.179.449 kW; 121 em construção, com capacidade de geração de 2.999.910 kW; e 308 outorgados, porém ainda não entraram em construção, com potência outorgada de 7.185.204 kW. Sem dúvidas, o setor eólico é um dos que mais tem crescido no país, com perspectivas de atingir 7,9% da energia produzida pelo seu sistema elétrico, ficando atrás apenas da hidro e termoeletricidade (ANEEL, 2015). Esse crescimento da fonte eólica na participação da matriz energética brasileira tem ocorrido tanto por fatores externos, como por internos, a saber: a crise do petróleo, deflagrada na década de 1970, com a busca por outras e novas fontes de energia, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis utilizados para a produção elétrica; a ascensão de uma ideologia verde e de sua crescente preocupação com os riscos socioambientais gerados por algumas fontes de energia; a emergência de fontes complementares de energia; a revolução técnico-cientifica, que promoveu a superação de barreiras tecnológicas diminuindo os custos de fabricação, circulação e montagem dos objetos eólicos; a formulação de programas governamentais de incentivo às fontes alternativas de energia elétrica; os riscos de colapso no sistema de abastecimento elétrico; a necessidade de diversificação da matriz energética brasileira; a descoberta de áreas com potencialidades eólicas; e o aumento da demanda de energia a partir da expansão do consumo. Atualmente, a maioria dos empreendimentos eólicos em operação no Brasil está concentrada na região Nordeste, mais precisamente no Rio Grande do Norte. Com base em dados da ANEEL (2015), esse estado se constitui em uma das frentes de expansão da geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, possuindo a maior capacidade produtiva eólio-elétrica em operação da nação, a partir dos 81 parques eólicos instalados, produzindo 2.119.223 kW, o que representa 34% da produção nacional (Quadro 01). 6991 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Usinas eólicas Estados Qtde. de usinas Potência fiscalizada (kW) % Rio Grande do Norte 81 2.119.223 34% Ceará 59 1.233.272,4 20% Rio Grande do Sul 53 1.297.081,19 21% Bahia 37 959.290 16% Santa Catarina 15 242.499,5 4% Outros 33 328.083 5% Total 278 6.179.449 100% Quadro 01 - Distribuição geográfica das usinas eólicas em operação no Brasil, em 2015. Fonte: Organização do autor a partir de dados da ANEEL obtidos e atualizados em 29/06/2015. No Rio Grande do Norte, os parques eólicos em operação estão concentrados, majoritariamente, nos municípios João Câmara e Parazinho, situados na microrregião da Baixa Verde; de Pedra Grande, Rio do Fogo e São Miguel do Gostoso, localizados na microrregião do Litoral Nordeste; de Galinhos, Guamaré, Macau e São Bento do Norte, situados na microrregião de Macau; e de Areia Branca e Ceará-Mirim, localizados nas microrregiões de Mossoró e Macaíba, respectivamente (Quadro 02). Usinas eólicas Munícipios Qtde. de usinas Potência fiscalizada (kW) João Câmara 22 576.160 Parazinho 17 426.000 Guamaré 8 284.450 Pedra Grande 8 132.400 Areia Branca 6 160.400 Ceará-Mirim 5 145.800 São Bento do Norte 3 80.000 São Miguel do 3 51.200 Gostoso Galinhos 2 115.230 Rio do Fogo 2 77.300 Macau 2 70.270 Outros 3 12,6 Total 81 2.119.223 Quadro 02 - Distribuição geográfica das usinas eólicas em operação no RN, em 2015. Fonte: Organização do autor a partir de dados da ANEEL obtidos e atualizados em 29/06/2015. Em meio a proliferação de parques eólicos, os quais são formados por um conjunto de aerogeradores, centrais de distribuição, torres de transmissão e demais objetos técnicos, nunca antes descortinados na paisagem desses municípios produtores, o território do Rio Grande do Norte tem sido usado por empresas e consórcios nacionais e internacionais, dentre as quais podemos destacar as seguintes: a CPFL Renováveis, a Multiner, a Eletrobrás-Eletrosul e a Petrobrás, de 6992 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO origem brasileira; a Energimp-Impsa, de origem argentina; a Elecnor – Enerfin, a EDP Renováveis e a Enerbrasil-Iberdrola, de origem espanhola; a Wobben, de origem alemã; e a Pacific Hydro, de origem australiana (CERNE, 2014). A expansão do setor eólico no estado do Rio Grande do Norte a partir do uso corporativo do seu território fez surgir diversos conflitos territoriais envolvendo as empresas do setor, o Estado e as populações locais. No ano de 2012, alguns habitantes de Galinhos se mobilizaram contra a execução de um projeto de instalação de aerogeradores em áreas de dunas do município. Conforme notícia divulgada pelo jornal A Tribuna do Norte, o projeto, do Consórcio Brasventos, formado pelas empresas J Malucelli Energia, Eletronorte e Furnas, previa a instalação de 35 aerogeradores numa área de 719 hectares, grande parte em área de dunas, explorando o potencial eólico dessa área por 30 anos, de acordo com a licença prévia concedida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA)3. Na época, o presidente da Associação de Bugueiros de Galinhos afirmava que a reivindicação da comunidade era pela “[...] não implantação dos aerogeradores na área das dunas. Nós queremos preservar a área do jeito que ela está hoje e ainda queremos transforma-la numa área de preservação ambiental” (ARAÙJO, 2012). Mesmo com as primeiras pesquisas iniciadas pelo Consórcio em 2008, a então secretária de turismo do município alegava que a comunidade somente teve acesso ao relatório de impacto ambiental que concedia licença para a execução do projeto em novembro de 2012. Segundo ela, a partir do conhecimento do documento foi realizada “[...] três audiências públicas com o intuito de impedir a instalação dos aerogeradores na área das dunas, mas a empresa está intransigente e não atendeu às nossas solicitações” (ARAÙJO, 2012). Além dos conflitos surgidos em Galinhos, a instalação de aerogeradores na RDSEPT4, localizada nos municípios de Guamaré e Macau, ocorrida de maneira 3 ARAÚJO, Ricardo. Moradores reagem à usinas eólicas. Jornal A Tribuna do Norte, Natal/RN, 08 jan. 2012. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/moradores-reagem-a-usinaseolicas/208373>. Acesso em: 06/07/2015. 4 A RDSEPT, localizada nos municípios de Macau e Guamaré, se constitui numa unidade de conservação estadual, vinculada ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Criada em 18 de julho de 2003 pela Lei 8.349 de iniciativa popular, a reserva teve como objetivos principais: garantir a fixação dos moradores das 6993 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO arbitrária e sem o estabelecimento de diálogo com o conselho gestor da reserva, porém autorizados pelo órgão ambiental estadual (IDEMA) gerou, igualmente, revolta dos moradores locais, em especial daqueles sujeitos envolvidos diretamente com o processo histórico de criação dessa unidade de conservação. Os moradores dessas localidades têm sido afetados por problemas diversos, como: a poluição visual, causada pelo conjunto de aerogeradores; a mudança de caminhos, ou seja, de alguns dos itinerários feitos pelos pescadores artesanais, o que os proíbe de circular por lugares próximos das turbinas eólicas; e, por conseguinte, a criação de corredores de passagem para os pescadores dentro da reserva, o que acaba os privando do direito de transitarem por lugares historicamente conhecidos e reconhecidos. A partir da presença das empresas do setor eólico no Rio Grande do Norte, a constituição do seu território passou a apresentar um novo arranjo, uma nova disposição, uma nova configuração, com novas formas-conteúdo, fixos, fluxos, normas, informações, enfim verticalidades dotadas de racionalidades e intencionalidades, as quais se apresentam de maneira estranha e exógenas aos fins/interesses dos lugares, porém em concordância com os ditames do mercado global. 5 – Considerações finais A partir da difusão do meio técnico-científico e informacional no Brasil, embora de modo desigual, seletivo e pontual, e o consequente aumento na demanda por energia elétrica, a inserção e expansão do setor eólico no território nacional têm ocorrido sob a tutela de um aparato discursivo hegemônico e intencional do Estado, das empresas, das instituições e da grande mídia. Esses agentes hegemônicos do capital informam ao restante da sociedade civil que o investimento em projetos de energia eólica se faz necessário para garantir a geração contínua de crescimento econômico, de modernização das bases materiais e de desenvolvimento regional, deslegitimizando as mobilizações e resistências das populações locais contra a presença dos empreendimentos eólicos, comunidades tradicionais de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho, principalmente dos pescadores, de suas famílias e de suas futuras gerações; garantir o direito de uso da terra, do estuário, da restinga, da praia e do mar; e garantir a continuidade do desenvolvimento das atividades pesqueiras. 6994 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO permitindo, com isso, a aceitação da racionalidade dos objetos e das ações eólicas, e legitimando os processos verticais concernentes à instalação, na maioria das vezes, arbitrária dos parques eólicos. No Rio Grande do Norte, em especial nos municípios de Galinhos, Guamaré e Macau, o setor eólio-elétrico tem instalado seus objetos e materializado suas ações a partir de verticalidades alheias aos interesses horizontais dos lugares, porém favoráveis e subordinados a uma lógica econômica globalizada das racionalidades corporativas, gerando tensões no uso do território e transformações na organização e na dinâmica territorial do meio geográfico atual potiguar. 6 – Referências bibliográficas ARAÚJO, Ricardo. Moradores reagem à usinas eólicas. Jornal A Tribuna do Norte, Natal/RN, 08 jan. 2012. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/moradores-reagem-a-usinas-eolicas/208373>. Acesso em: 06/07/2015. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Capacidade de Geração de Energia Elétrica do Brasil. Disponível em: <http:// http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.cfm>. Acesso em: 29/06/2015. BRASIL. Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Brasília: Ministério de Minas e Energia, Eletrobrás, Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, 2001. Disponível em: <http://www.cresesb.cepel.br/publicacoes/download/atlas_eolico/Atlas%20do%20Pot encial%20Eolico%20Brasileiro.pdf>. Acesso em: 29/06/2015. . CENTRO DE ESTRATÉGIAS EM RECURSOS NATURAIS E ENERGIA (CERNE). A indústria dos ventos e o Rio Grande do Norte Brasil - 2014.Natal: CERNE, 2014. Disponível em: < http://cerne.org.br/pdf/cartilha2014.pdf>. Acesso em: 29/06/2015. COMPANHIA ENERGÉTICA DO RIO GRANDE DO NORTE (COSERN) / AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Potencial eólico do estado do Rio Grande do Norte. Rio Grande do Norte: COSERN, 2003. Disponível em: <http://www.cresesb.cepel.br/publicacoes/download/atlas_eolico/atlas_eolico_RN.pdf >. Acesso em: 07/09/2014. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Anuário estatístico da energia elétrica – 2014. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <http://www.epe.gov.br/AnuarioEstatisticodeEnergiaEletrica/Anu%C3%A1rio%20Est at%C3%ADstico%20de%20Energia%20El%C3%A9trica%202014.pdf>. Acesso em: 29/06/2015. PARQUE EÓLICO ALEGRIA. A energia eólica. Disponível em: <http://www.parqueeolicoalegria.com.br/energia-eolica#>. Acesso em: 07/09/2014. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 2008. ______. Território e sociedade: entrevista com Milton Santos. Entrevistadores: Odete Seabra, Mônica de Carvalho e José Corrêa Leite. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. 6995