Augusta G. Heller, César Augusto Antunes, Eluza M. Nardino Enck Augusta G. Heller César Augusto Antunes Eluza M. Nardino Enck Freqüentemente surgem em nossos consultórios duas preocupações básicas e que aparecem logo no início do tratamento. A primeira diz respeito à duração do processo analítico. Os pacientes desejam saber quanto tempo ficarão em análise. O que será que os leva a essa préocupação? Poderia ser resultante do próprio processo que os leva à consulta? Uma luta interna entre aspiração à independência e à autonomia e seus aspectos dependentes? Freud, em seu trabalho “Sobre o início do tratamento” (1913), respondia a essa questão através da fábula de Esopo, no diálogo entre o filósofo e o caminhante que queria saber quanto tempo teria sua jornada, ao que o filósofo respondia: “comece a andar”. Dessa maneira, procurava esclarecer que a dificuldade em determinar a duração de uma análise estaria relacionada à imprevisibilidade inerente a todo processo que envolve a complexidade de cada ser humano, no sentido de que o caminho só pode ser conhecido conforme for percorrido; o tempo, só depois de percorrê-lo. A segunda questão também requer que pensemos atentamente no seu sentido: “Qual o valor da consulta?” Com relação ao “custo da sessão”, Freud acreditava que: “Um analista não discute que o dinheiro deve ser considerado, em primeira instância, como meio de autopreservação e de obtenção de poder, mas sustenta que, ao lado disto, poderosos fatores sexuais acham-se envolvidos no valor que lhe é atribuído” (1913, p.173). Ele percebeu que as questões relativas ao dinheiro tendiam a ser tratadas pelas pessoas civilizadas da mesma maneira que as questões sexuais, com a mesma incoerência, pudor e hipocrisia, e recomendava que se evitasse lidar com esse assunto sob domínio dessas resistências. Na busca de um entendimento para essa questão, abriram-se, para nós, alguns vértices de investigação, pois, no encontro de dois sujeitos, existe, no discurso de cada participante, um sentido manifesto e um sentido latente. Em seu sentido manifesto, o valor da consulta para o analista pode representar o reconhecimento de sua capacidade como analista. Para o paciente, o quanto ele se dispõe a investir em um tratamento que dê conta de seu sofrimento psíquico. Porém, a questão central deste trabalho reside na busca do sentido latente, implicado no valor da consulta. Mateus liga para o analista e estabelece o seguinte diálogo: “Olá, eu queria marcar uma hora, quem me deu o teu nome foi a Joana, que é terapeuta da minha namorada, só que tem duas coisas, eu tenho dois nomes de terapeutas, porque eu tenho que ver horário, pois trabalho em outra cidade, mas o principal é saber qual o valor da tua consulta”. Somos levados a pensar, porque, na busca de amenizar seu sofrimen- Augusta G. Heller, César Augusto Antunes, Eluza M. Nardino Enck to, é este um aspecto com o qual a pessoa tanto se preocupa – o quanto, mais do que com o como (aliviar sua dor). Pensamos que Mateus não poderia estar se referindo somente à quantia a ser gasta – conteúdo manifesto. Na função de analista, teríamos que pensar que outros sentidos estariam imbricados nesta pergunta. A que se refere a indagação? Onde está o desconhecido? Ele irá se construir a partir do encontro. O valor financeiro irá sustentar o valor da análise durante algum tempo, enquanto não se constituir o campo analítico. Um outro paciente, Amanda, manifesta esse conflito da seguinte maneira: procura análise devido a freqüentes brigas que vem tendo com os pais e que se iniciaram quando a mãe descobriu seu relacionamento homossexual. Para Amanda, a mãe sempre foi uma mulher passiva e submissa ao pai, descrito como dominador e autoritário. Ela tem a fantasia que o pai tenta controlar seus pensamentos. Da história infantil chama atenção que ela sempre esteve muito ligada ao pai, enquanto a irmã, mais ligada à mãe. Os dois nunca permitiram a proximidade da mãe e da irmã, a ponto de essas se considerarem excluídas da relação. No primeiro encontro, apesar de dizer que sabe que a análise se realiza com a freqüência de quatro vezes por semana, ela pensa em fazer duas. Ao retornar, na sessão seguinte, diz que saiu triste e deprimida. Considerando-se fechada, acha que pela primeira vez conseguiu se abrir com alguém e assim chega sugerindo a possibilidade de fazer análise quatro vezes por semana. Nesse momento, esbarra na questão do “valor” da análise. Amanda alega que, para que ela pudesse fazer quatro sessões semanais, precisaria da ajuda financeira da mãe. Esta se negou a ajudá-la, dizendo que seria conveniente que desistisse, porque não teria o retorno que ela, mãe, esperava. Dessa maneira, expressa um conflito que, apesar de estar colocado em sua relação com a mãe, nos fala da luta interna entre os aspectos dependentes e o desejo de autonomia psíquica. Que valor se poderia pensar em atribuir a um trabalho de resgate do “si mesmo”, quando o preço pago ao longo de cada uma dessas histórias teria sido tão alto, a ponto de levar ao aprisionamento do sujeito? Qual o valor da consulta, quando a dúvida que se ergue é por quanta dor se precisará passar para vir a “ser” o contador da sua história? A dor de ser colocado em contato com a sua verdade? Betty Joseph (1972, p.97) diz que: “Existem pessoas que são tão intolerantes à dor ou à frustração (ou em quem dor e frustração são tão intoleráveis) que sentem a dor, mas não sofrem e, portanto, não se pode dizer que a descobrem”. Já Bion (1991, p.19) diz que “o paciente que não sofre dor é incapaz de ‘sofrer’ prazer”. Há um tipo de dor que emerge em momentos em que acontece um rearranjo no equilíbrio mantido pela personalidade e que se faz acompanhar por uma alteração do estado mental que, em alguns casos, é o que traz o paciente à análise. “Em outros momentos, esse movimento é parte do processo analítico e, se puder ser resolvido, poderá ser um passo muito positivo em termos de progresso e integração” (JOSEPH, 1972, p.97). Joseph sugere que essa dor está ligada a uma sensação de existir separadamente. Diante disso, nos perguntamos: será que Amanda desiste de existir quando desiste da análise – des-existe? Será que Mateus, que inicia e permanece em tratamento, apesar de seus temores e desconfianças, permanece em busca da existência de seu ser? De alguma maneira, quando alguém procura um tratamento, é porque, embora sua vida, até então, pudesse ser aparentemente satisfatória e importantes áreas de ansiedades psicóticas e defesas viessem funcionando de forma relativamente bem-sucedida, o tipo de modalidade patológica particular sucumbe, e o que ele vivencia é algo novo e desconhecido. Thomas Ogden (1996, p.5), ao se referir ao sujeito da psicanálise, o analisando, diz que este “não vivencia novamente seu passado; o analisando vivencia seu passado como sendo criado pela primeira vez no processo de estar sendo vivido no e por meio do terceiro analítico”. Já o analista “não vivencia o passado do analisando; ele vivencia sua própria criação do passado do analisando, gerada na sua vivência do terceiro analítico”. Augusta G. Heller, César Augusto Antunes, Eluza M. Nardino Enck Esse passado resgatado só poderia ser criado por esse par, em cada encontro, onde nunca se está absolutamente só consigo mesmo e a experiência de existir está sendo criada com o outro. Isso dá condições a uma recontextualização fundamental de vivências até então clivadas, impossíveis de integrar e utilizar. Então, por tudo isso, qual o valor da consulta? Esse poderá ser um dos enigmas que permeia o nosso trabalho, o qual teremos de suportar, evitando assim uma resposta manifesta que nos colocaria no lugar do Oráculo que responde a Édipo. O valor da consulta estará no espaço do encontro de duas pessoas e deverá ser construído pelo par analítico. Que valor tem o paciente para si mesmo? É muito difícil responder a isso quando as teias narcisistas não permitem o pensar em si, ou só permitem o pensar em si enquanto outro metido em si, e não separadamente, como Amanda. O encontro que se pensa vir a acontecer se dará através da análise e da relação com o analista, gerando a possibilidade de ressignificações de vivências desde o mais remoto passado. Assim, o paciente se coloca diante de um binômio: tenho que dar tanto (todo o próprio ser) e é tudo (do nada) que tenho, tudo do qual fui destituído. Para Amanda, no seu aspecto identificado com o narcisismo materno, qualquer preço, por menor que seja, é muito; para o seu nada, mesmo que hipoteticamente pudesse ser um tratamento gratuito, mesmo assim seria caro. Para o resgate de sua individualidade, percebe que precisará tanto da função do analista, que pensa que jamais poderá pagar ou deverá pagar com seu próprio ser, como o fez com a mãe. Qual o significado de dizermos que uma análise é cara ou barata? Qual os diferentes sentidos para essas palavras? No dicionário “Aurélio” (FERREIRA, 1986) encontramos os seguintes significados para barato: “que custa um preço baixo, módico; [...] que não exige grandes despesas; [...] comum, vulgar, banal” (p.231). Para caro encontramos: “que custa um preço elevado; [...] que exige grandes despesas; [...] obtido com grandes sacrifícios; [...] que é tido em grande valor ou estima; querido, amado” (p.355). Assim, a questão trazida pelo paciente de ser uma análise cara ou barata vai muito além do mero problema monetário, porque, como vimos na definição dos termos, vai dizer respeito também aos atributos desse encontro. Talvez essa descoberta comece a se tornar possível quando o processo analítico conseguir liberar os fragmentos da verdade histórico-vivencial de desfigurações, transfigurações e marcas deixadas no presente real objetivo. Assim, ressituá-la nos lugares do passado aos quais pertencem poderá possibilitar a emergência de um ser mais verdadeiro. O paciente que, naquele momento, indagava o valor da consulta necessitará de um tempo significativo de caminhada para obter a verdadeira resposta a sua pergunta. Serge Leclaire (1990, p.10-13) diz que: La práctica psicoanalítica se funda en la revelación del trabajo constante de una fuerza de muerte: la que consiste en matar al niño maravilloso (o terrorífico) que de generación en generación atestigua los sueños y deseos de los padres; no hay vida sin pagar el precio del asesinato de la imagen primera, extraña, en la que se inscribe el nacimiento de todos. [...] No basta en absoluto matar a los padres; lejos de ellos, se debe matar también la representación tiránica del niño-rey: yo (je) empieza en esse instante, marcado ya por la inexorable segunda muerte, la outra, de la que nada hay que decir. A partir do aporte freudiano, pensamos na ação específica e no auxílio alheio como caminhos para a construção do “si mesmo”. Por um lado, alguém que ainda não está constituído como sujeito emite um grito, forma de expressar sua necessidade, esperando que um outro, que ainda não é reconhecido como outro, vá ao seu encontro, preferencialmente carregado de desejo. Assim se dá o primeiro encontro, mítico, de uma necessidade que busca um desejo no outro para satisfazer essa demanda. Encontro você; Você sobrevive ao que lhe faço à medida que A reconheço como um não-eu; Uso você; Esqueço-me de você; Você, no entanto, se lembra de mim; Estou sempre me esquecendo de você; Perco você; Estou triste. Essa é a dor: dor do desencontro e de um novo e criativo encontro com o “si mesmo”. Esse é o tributo do crescimento e do reconhecimento do “valor”. A maioria das pessoas que nos procuram vem com uma necessidade de auxílio que é objetiva dentro da sua subjetividade, apesar de não sabêlo. O que se põe nesse primeiro momento poderá ser da ordem do sinistro – tão familiar, íntimo e assustador, porque permaneceu dentro do sujeito como registro e que poderá vir a ser representação. Será que os pacientes de hoje expressam mais intensamente essa necessidade, ou nós é que estamos mais bem “aparelhados” para escutar a demanda do necessário, acompanhando-os ao longo dessa trajetória do registro à representação-palavra, da necessidade ao desejo? Abrindo mais Augusta G. Heller, César Augusto Antunes, Eluza M. Nardino Enck Amanda vai atrás de uma necessidade que ainda não foi satisfeita: ser encontrada por uma mãe que a deseje, sem que para isso tenha de perverter aquilo que poderia ser um encontro, mas que na sua vivência se tornou um aprisionamento. Quando nos encontra, estamos nós com o desejo disparado, desejo de analisar, de entender, de dar sentido ao sem-sentido – ou ao não-sentido. O que Amanda procura é poder “ser” desejada como outro, quando o outro possa reconhecer o que é a sua necessidade, enquanto “vir a ser”. Winnicott (1968, p.92) diz, através de uma poesia, o que representa para o bebê o encontro com a mãe: espaços simbólicos nesse encontro, podemos permitir essa trajetória através de elementos que estão presentes na transferência. Existe na pergunta Qual o valor da consulta uma metáfora a ser compreendida e decifrada, que implica um longo caminho em que muitos “valores” precisarão ser contemplados, “contados”, “contabilizados”, num contexto em que o valor da consulta, dito em seu conteúdo manifesto, é a fantasia do personagem que clama por ser descoberto e reconhecido. O pagamento, o custo e o valor do tratamento, vistos de forma concreta e objetiva por muitos de nossos pacientes, contêm imbricada em sua essência uma subjetividade que não pode ser alcançada no momento da busca. Freud diz: “Nada na vida é tão caro quanto a doença – e a estupidez” (FREUD, 1913, p.176). Em nossa prática diária, em nossos consultórios, freqüentemente nos deparamos com esta questão: Qual o valor da consulta? A partir de duas situações clínicas, procuraremos uma compreensão de alguns fatores inconscientes presentes nessa interrogação. Quando um paciente nos questiona sobre o valor da consulta, do que estará falando? Parece ser importante pensar que não se trata somente de uma questão financeira. Por mais realísticos que possam ser os motivos concretos que levam a essa preocupação, acreditamos que a neurose ou, de outro modo, a disponibilidade interna para os investimentos psíquicos e a forma de sua aplicação interferem significativamente na condição de gasto e investimento a que o paciente se propõe para o tratamento. Na busca de pensar um pouco mais sobre essas questões foi que decidimos discuti-las, resultando neste breve estudo. How much does an Appointment Cost? In our daily practice, in our offices, a question is frequently presented to us: How much is a psichoanalyst’s visit worth? From two clinical situation we will look for a comprehension of some inconscious factors present in this questioning. When a pacient asks us about the cost of a visit, what is he talking about? It seems rather important to think that it is not merely a financial issue. As much realistic ¿Cuál es el Valor de la Consulta? En nuestra práctica cotidiana, en nuestros consultorios, frecuentemente nos deparamos con esta cuestión: ¿Cuál es el valor de la consulta?A partir de dos situaciones clínicas procuraremos una comprensión de algunos factores inconscientes presentes en esta interrogación. Cuando un paciente nos cuestiona sobre el valor de la consulta, ¿de qué estará hablando?. Parece ser importante pensar que no se trata solamente de una cuestión financeira. Aunque sean reales los motivos concretos que llevam a esta preocupación, acreditamos que la neurosis, o de otro modo, la disponibilidad interna para las investiduras psíquicas y su forma de aplicación, interfieren significativamente en la condición de gasto e investidura a que el paciente se propone para el tratamiento. En la búsqueda de pensar un poco más estas cuestiones fue que decidimos discutirlas y resultó en este breve estudo. Valor; Descoberta de si mesmo; Encontro. Worth; Self discovering; Meeting. Valor; Descubierta de sí mismo; Encuentro. BION, W.R. A medicina como modelo. In:______. A atenção e interpretação. Rio de Janeiro: Imago, 1991. FERREIRA, A.B.H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Augusta G. Heller, César Augusto Antunes, Eluza M. Nardino Enck as the real reason leading to this concern can be, we believe that the neurosis or even the internal availability for the psychic investiments and it’s way of aplication interfere greatly in the condition of spending an investing to wich the pacient agrees to undergo for his treatment. This paper aims to reflect upon these questionings. FREUD, S. (1913). Sobre o início do tratamento. In:______. S.E. Rio de Janeiro: Imago. JOSEPH, Betty. (1972). Em direção à experiência da dor psíquica. In: FELDMAN, M.; SPILLIUS, E. B. (Org.). Equilíbrio psíquico e mudança psíquica: artigos selecionados de Betty Joseph. Rio de Janeiro: Imago. LECLAIRE, S. Matan a un niño. Buenos Aires: Amorrortu, 1990. OGDEN, T. O terceiro analítico: trabalhando com fatos clínicos intersubjetivos. In:______. Os sujeitos da psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. WINNICOTT, D.W. (1968). A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências. In:______. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1994.