A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. A TRANSFORMAÇÃO DO NATURAL AO SOCIAL: Capitalismo e crises sociais Vanice Teresinha Gomes Mestre em Desenvolvimento Regional pela UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul – RS. Coordenadora do Curso de Administração da Unibalsas – Faculdade de Balsas. RESUMO Este artigo busca, a partir do entendimento das matrizes temporais e espaciais, ressaltar a importância das diferentes formas de modernização das sociedades, levando em consideração o capitalismo e suas crises sociais. Um processo que pode ser lento e gradual, onde os aspectos sociais se configuram como elementos pré-capitalistas, nem sempre destruídos pela modernização e que permitem avaliar alguns elementos necessários para o desenvolvimento de qualquer região. Palavras-chave: Capitalismo, Crises Sociais, Desenvolvimento. THE TRANSFORMATION OF THE NATURAL SOCIAL: Capitalism and social crises ABSTRACT This article seeks to, from the understanding of temporal and spatial matrices, highlight the importance of different forms of modernization of societies, taking into account capitalism and its social crises. A process that can be slow and gradual, in which social elements are configured as pre-capitalist, not always destroyed by modernization and which allow the assessment of some elements necessary for the development of any region. Keywords: Capitalism, Social Crises, Development. 1 INTRODUÇÃO Alguns movimentos ocupam papéis centrais na história econômica mundial, onde a crise, marcada por períodos atravessados pelo capitalismo, reflete a relação entre o movimento de centralização e descentralização da economia; implicando em questões sociais, políticas, econômicas e no próprio desenvolvimento desigual. Sendo assim, é importante entender as origens, determinação, coerência interna e diferenciação dos espaços urbanos contidas na estrutura capitalista e não somente a escala espacial enquanto delimitação de espaço. 1 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. Dentro desta perspectiva, o que se pretende com esta análise é interpretar a passagem do natural ao social, através do entendimento das matrizes temporais e espaciais, bem como das formas de atuação das diferentes sociedades no processo de modernização, do significado do capitalismo e suas crises sociais, onde a humanização ‘desumanizadora’ pode ser crescente. 2 A CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MODERNO: UMA REVISÃO TEÓRICA A trajetória dos camponeses no processo de construção de um mundo moderno passa a ser considerada um obstáculo que precisa ser realocado no contexto histórico ou mesmo “domesticado” para não atrapalhar a inserção do capitalismo que normalmente está associado às crises econômicas e sociais. Crises estas que se apresentam na forma de crises sociais ou por acumulação do capital, decorrentes da desempregabilidade, gerando pobreza e violência. A passagem do natural ao social se dá a partir da migração de uma sociedade de cultura de subsistência para uma sociedade de produção de acumulação capitalista. Uma transição que não ocorre de forma pacífica, pois enfrenta uma diversidade de crises e revoluções políticas e sociais. Caracterizada por um processo onde cada Nação consegue manter suas particularidades, apesar das semelhanças com outras que tenham utilizado a mesma metodologia de transição. Fator este ocasionado, também, em decorrência do processo de constituição das sociedades que diferem em questões de espacialidade e temporalidade do sistema produtivo e as diferentes fases ou períodos de ocorrência. Ao examinar o “território”, Poulantzas (1981) aborda a matriz espacial em três importantes momentos da história da civilização. O autor destaca que apesar das diferenças entre as matrizes espaciais das sociedades antigas e feudais, elas repetem aspectos comuns da matriz espacial do capitalismo. O espaço antigo no ocidente possui um centro, a polis. Um espaço concêntrico, mas aberto no sentido de que ele não tinha exterior e se inscrevia num espaço cujas características eram a homogeneidade e a simetria e não a diferenciação e a hierarquia. Cidades que não eram separadas porque estavam fechadas para o exterior e sim porque se voltavam para seu próprio centro, não apenas como elos de uma série, mas como dispersões de um elo único. Na feudalidade medieval também se verifica a existência de um espaço homogêneo, contínuo, reversível e aberto. Tanto que nunca se peregrinou como na Idade Média, individual ou coletivamente. As cidades, os domínios e os feudos são abertos e voltados por uma série de epicentros, para um centro umbilical chamado Jerusalém. As fronteiras que separam as muralhas não são brechas que se atravessam para passar de uma cidade para outra e sim encruzilhadas de um 2 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. mesmo caminho. Neste caso, na nação moderna o processo de trabalho capitalista é tendencialmente mundializável, visto que apesar de ser feito de distâncias, de brechas e de fracionamentos, ele não tem fim. Os trabalhadores diretos são liberados do solo apenas para serem enquadrados nas fábricas. (POULANTZAS, 1981). A matriz temporal capitalista se mostra diferente das matrizes pré-capitalistas em decorrência, provavelmente, das novas relações de produção e divisão social capitalista do trabalho. A introdução do maquinismo, da grande indústria e do trabalho em série caracteriza um tempo estritamente controlado pelo relógio, pois passa a ser segmentado, cumulativo, irreversível e orientado para o produto. Esta matriz permite a construção de um conceito científico da história conforme abordado por Marx (s/d) e outros historiadores modernos. Nesta transição para o mundo moderno os camponeses se tornaram uma classe sujeita à violência das experiências da modernização japonesa e alemã ou mesmo disponíveis às ações das revoluções comunistas do processo modernizador. Mas, nem sempre as sociedades sofreram uma ruptura radical, algumas formações econômico-sociais passaram por um processo lento e gradual conservando inclusive elementos pré-capitalistas. Esta movimentação pode ser ilustrada em três vias, conforme Moore (1983): - A primeira via, a qual chamou de via da revolução burguesa, que aliou o capitalismo à democracia parlamentar após as revoluções Puritana, Francesa e a Guerra Civil. Nesta via a Inglaterra, França e Estados Unidos ingressaram em épocas sucessivas, partindo de sociedades diferentes. Foram movimentos violentos e um processo longo de alteração política até atingir a democracia moderna ocidental. - A segunda, também capitalista, transcorreu através de políticas reacionárias até atingir o fascismo, sem ocorrência de surtos revolucionários. Neste contexto inicia-se o desenvolvimento efetivo da indústria na Alemanha e Japão (Revolução vinda de cima). - Por fim, a terceira via, a comunista, originária, embora não exclusivamente das revoluções entre camponeses, na Rússia e China. Em 1960, a Índia entrou no processo para também se tornar uma sociedade industrial moderna, porém de uma forma um tanto quanto incerta e sem passar por nenhuma das revoluções citadas acima. A partir deste histórico é possível afirmar que o capitalismo é uma sociedade essencialmente mercantil, destarte a produção não é para satisfação pessoal e o desenvolvimento da força produtiva é uma tendência onde os pequenos proprietários ou mesmo os grandes empresários são produtores independentes, livres para comercializarem seus produtos (mercadorias). 3 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. A mercadoria aqui pode ser considerada como um embrião de uma célula, isto é, a particularidade do capital. Por isto, o produtor da mercadoria é caracterizado como possuidor da “coisa” que exerce influência no mercado, seja no momento em que vai ao mercado para oferta ou aquisição de bens, para realizar o processo de troca. Na economia mercantil, a produção social, sob forma de mercadoria passa a ter um determinado valor, e para a troca é necessário a utilização de um símbolo: o dinheiro, que representa um intermediário essencial nas relações sociais, criando assim as chamadas relações de produção. Estas relações de produção têm diferentes elementos: meios de produção, força de trabalho e terra que pertencem consecutivamente às classes sociais capitalistas, trabalhadores assalariados e proprietários de terras. Estas relações possuem uma forma social específica, diferenciada de outras formações: os meios de produção aparecem como capital; o trabalho como trabalho assalariado; e, a terra como objeto de compra e venda. Na sociedade feudal, a terra pertence ao senhor feudal, o trabalho e os meios de produção ao servo, caracterizando uma relação social de subordinação e dominação, uma relação direta. Na sociedade capitalista, o trabalhador assalariado e o proprietário da terra são possuidores de mercadoria, independentes um do outro. Neste caso, o capitalista necessita comprar do trabalhador sua força de trabalho e do proprietário da terra o direito de uso da mesma. O trabalho passou a ser também uma mercadoria ao tempo que se encontra incorporado como força de trabalho na produção, mas que devido ao avanço tecnológico tem encontrado dificuldades em se manter no mercado, ocasionando as crises de desemprego. No marxismo é possível verificar esta lógica de produção de mercadorias. Marx verificou que o problema central do modo de produção capitalista não reside na questão da exploração da mão-de-obra, mas sim na ineficiência da exploração de toda mão-de-obra disponível, ou seja, de todos os homens, mantendoos assim inseridos no sistema produtivo. Com a falta de trabalho inicia-se para alguns o processo de provação social e, muitos destes excluídos acabam por migrar inclusive para a prática de atos criminosos, outros migram para o mercado informal de trabalho que também é uma forma de reduzir custos de produção, mantendo ou ampliando a margem de lucro do capital. No fetichismo da mercadoria de Marx, conforme Rubin (1987) as relações sociais fluem através das coisas e as coisas têm poder de estabelecer relações sociais e os homens relações materiais. As relações de produção entre senhores de terras e servos é determinada pela técnica de produção e distribuição dos elementos técnicos da produção (terra, gado e ferramentas, entre outros). Estas relações são estabelecidas com base na distribuição das coisas entre eles e pelas 4 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. coisas e não por meio das coisas, o que infere que as pessoas estão diretamente vinculadas umas as outras. No processo capitalista, o dinheiro vem como forma de valor, caracterizando sempre compra e venda de mercadoria e estas relações podem ocorrer de diversas formas: entre capitalistas e operários; capitalistas e membros da sociedade (compradores/vendedores); capitalistas industriais e outros grupos capitalistas (comerciais e financeiros). Destas relações surgem novas formas econômicas e sociais como capital comercial e lucro comercial, capital de juros entre outros. Este processo acaba por se tornar um ciclo, pois o produtor precisa produzir mercadorias de consumo. Para realizar sua produção precisa de dinheiro, se não tiver este valor disponível precisa recorrer a quem possua tais reservas, para tanto terá que pagar juros, o que irá afetar o preço da mercadoria, tornando mais difícil sua venda em relação à possível concorrência já estabelecida. 3 A PROBLEMÁTICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO RETARDATÁRIA Na América Latina, conforme Cardoso de Mello (1986) o processo capitalista passou ser dominante a partir do nascimento das economias capitalistas exportadoras; teve êxito devido à reprodução do capital não estar assegurada de forma endógena. As forças produtivas capitalistas não devem ser consideradas apenas revoluções do processo trabalhista efetivada pela mecanização oriunda do processo produtivo. Necessariamente, devem ser consideradas as condições endógenas necessárias à reprodução e expansão capitalista. Este processo está diretamente relacionado ao processo de acumulação do capital, o qual se define a partir de uma dinâmica de acumulação especificamente capitalista, isto é, ultrapassa a simples questão do aumento do excedente produzido pelo trabalhador derivado da introdução do progresso técnico. (...) constituição de forças produtivas capitalistas em termos de processo de criação das bases materiais do capitalismo. (...) em termos da constituição de um departamento de bens de produção capaz de permitir a autodeterminação do capital (...), de libertar a acumulação da estrutura técnica do capital (CARDOSO DE MELLO, 1986, p. 97-8). A industrialização capitalista da América Latina é um movimento específico e determinado através da economia exportadora capitalista nacional e pelo período de ocorrência, onde a economia mundial já se encontra constituída e o capitalismo monopolista torna-se dominante em escala mundial. Por isto, é considerado um processo de industrialização capitalista retardatário. Em relação ao Brasil, Cardoso de Mello (1986) refere que os pré-requisitos necessários para o surgimento do capital industrial e das grandes indústrias estão diretamente relacionados à 5 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. economia cafeeira, assentada nas seguintes condições básicas: gerar uma massa de capital monetário, concentrada nas mãos de uma determinada classe social, passível de se transformar em capital produtivo industrial; transformar a força de trabalho em mercadoria; e, promover a criação do mercado interno de consideráveis proporções. 5 CONCLUSÃO Ao tratar sobre industrialização e capitalismo, a maioria dos estudos, em relação aos aspectos sociais, são realizados por sociólogos e economistas e estão relacionados às consequências sociais da industrialização; analisam “vantagens” e “inconveniências” de certo tipo de processo com o objetivo de orientar este processo para uma determinada direção. A “industrialização em si mesma é considerada unicamente como progresso das forças produtivas” e o estudo dos aspectos sociais ficam reduzidos à forma de divisão dos frutos da industrialização. (SILVA, 1986, p.13). No entanto, para identificar os “obstáculos” da industrialização e os meios pelos quais podem ser superados é necessário considerar o desenvolvimento das forças produtivas como formas passíveis de adaptação à reprodução das relações de produção dominantes, cujo desenvolvimento se dá, também, nas relações sociais capitalistas. “A industrialização representa essa transformação (revolucionarização) do processo de trabalho pelas relações de produção capitalista”. (SILVA, 1986, p.14). A passagem do natural ao social resumidamente passa pela migração de uma sociedade de cultura de subsistência para uma sociedade de produção de acumulação capitalista. Esta passagem foi uma transição que enfrentou diversas crises, revoluções políticas e sociais, dentro de um processo algumas vezes lento e gradual, no qual elementos sociais pré-capitalistas nem sempre foram destruídos pela modernização capitalistas, ou seja, demonstrou a possibilidade de conciliação entre o “antigo” e o “moderno”. É fato também que a metodologia da modernização escolhida por um país deve alterar as dimensões dos problemas para os próximos a optarem por este mesmo método, pois este processo é uma constante construção. Assim podemos mencionar que o capitalismo é uma etapa da história em que as ideias apresentadas por Marx em relação à produção do valor podem servir para analisar impasses capitalistas, embora bem mais complexos nos dias de hoje, assim como a necessidade de superação em questões com o desemprego, consumo, demandas, políticas econômicas e sociais e desigualdades, entre outros elementos importantes para o desenvolvimento de qualquer região. 6 A Transformação do Natural ao Social: Capitalismo e Crises Sociais - Revista Científica da Faculdade de Balsas – Ano I, número 1, 2010. 6 REFERÊNCIAS BECKER, Dinizar F. e BANDEIRA, Pedro S. Respostas regionais aos desafios da globalização. v.2. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. CARDOSO DE MELLO, João Manuel. O capitalismo tardio. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. GERTH, H. H.; WRIGHT, Mills. Ensaios de sociologia. Editora LTC: Rio de Janeiro, 1946. MARX, Karl. O Capital. Resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Moraes, [s/d]. MOORE Jr., B. As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1983. MOORE Jr., Barrington. As origens sociais da ditadura e da democracia. Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Martins Fontes, 1983. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1981. RUBIN, Isaak Illich. A Teoria Marxista do valor. São Paulo, Editora Polis, 1987. SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origem da Indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. 7