Processo n.º 2818-70.2010.811.0040

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ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE SORRISO
PRIMEIRA VARA
Processo n.º 2818-70.2010.811.0040
Vistos etc.
1. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE PRECEITO
COMINATÓRIO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E
MULTA COMINATÓRIA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE MATO GROSSO em face do MUNICÍPIO DE
SORRISO/MT e do ESTADO DE MATO GROSSO (qualificados nos
autos).
2. Narra o autor que a assistida Rosalina Vanzetto, usuária
do SUS, possui enfermidade denominada retinopatia diabética e catarata, que
lhe vem ocasionando baixa acentuada de acuidade visual de ambos os olhos.
3. Informa que a paciente necessita se submeter à
realização do exame de angiofluoresceinografia ocular, conforme prescrito
pelo oftalmologista Dr. Antonio Vilmar P. Alves. Segundo narra o membro
do Parquet, por ocasião do comparecimento da paciente à Secretaria
Municipal de Saúde de Sorriso/MT para agendamento do procedimento, foi
informada que não há previsão para realização do exame, o que foi ratificado
pelo Município em resposta ao ofício enviado pela Promotoria de Justiça.
4. Em síntese sustenta que a omissão estatal relativa à não
prestação do exame atenta contra a garantia constitucional da saúde, bem
como contra o princípio da dignidade da pessoa humana, motivo por que
formulou os pedidos insertos nos itens “k (1-8)” usque “n” de fls. 54/57.
5. À inicial, fls. 08/58, foram coligidos os documentos de
fls. 59/67.
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6. Tutela de urgência deferida parcialmente às fls. 70/75.
7. Citado (fl. 91), o Município de Sorriso contestou o ação
às fls. 92/108. Em sede de preliminar argumentou a ilegitimidade ativa do
Ministério Público para propor a presente demanda por se tratar de direito
individual que fugiria das atribuições institucionais do órgão previstas na
Constituição. No mérito postulou pela improcedência dos pedidos com base
na aplicação do princípio da reserva do possível, bem como alegou que a
prolação de uma decisão em desfavor da municipalidade por parte do juízo
feriria os princípios da separação dos poderes – por se tratar de matéria afeta
exclusivamente ao Poder Executivo – e da legalidade – posto que criaria
despesa não prevista no orçamento público, e, também, por que o
fornecimento de tratamento médico não consta no rol previsto na portaria n.º
2.577/2006, do Ministério da Saúde.
8. Suscitou, também, o chamamento da União ao processo,
nos termos do art. 77, da Lei Adjetiva Civil, pleito que deve ser indeferido nos
termos em que se verá adiante.
9. O Estado de Mato Grosso foi citado à fl. 213, tendo
apresentado contestação às fls. 109/117. Em sede de preliminares pleiteou a
extinção do feito, sob a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público.
No mérito, baseou-se na tese de que a prescrição de tratamentos, de caráter
excepcional, de alto custo ou não, tem natureza jurídica de ato médico, não
podendo ser imposto ao Estado, porque despido do atributo de coercitividade,
afirmando que tal fato violaria os arts. 2º e 5º, caput, 60, § 4º, III, 194,
parágrafo único, inciso I e 196/197 da Carta Magna. Por fim, alegou, ainda, a
aplicação do princípio da reserva do possível, opondo-se, também, à multa
cominatória e aos honorários advocatícios.
10. O Ministério Público apresentou impugnação às
objurgatórias às fls. 119/166 e 167/206.
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11. Vieram-me os autos conclusos.
É o breve RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
12. Trata-se, como visto linhas volvidas, de AÇÃO CIVIL
PÚBLICA DE PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER C.C. MEDIDA LIMINAR ajuizada pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face do MUNICÍPIO
DE SORRISO/MT e do ESTADO DE MATO GROSSO (adrede
qualificados).
13. Quanto ao chamamento da União para integrar a lide,
sem perder de vista que se trata de hipótese de competência comum entre os
entes da federação, conforme determina o art. 23, II, da Carta Política de 1988,
vislumbro, por um prisma processual, a ocorrência de litisconsórcio passivo
facultativo, posto que, tendo em vista que cada unidade da federação possui
legitimidade autônoma, tendo, portanto, o dever de satisfazer a prestação
exigida independentemente de outras pessoas políticas, cabe ao autor escolher
de quem exigirá a prestação em juízo.
14. Não é outro o entendimento do egrégio Tribunal de
Justiça de Mato Grosso acerca do tema:
“RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO
DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – MINISTÉRIO PÚBLICO –
MEDICAMENTO – COMPETÊNCIA SOLIDÁRIA DA
UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS – ARTIGO 23,
INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
CHAMAMENTO AO PROCESSO DA UNIÃO – ARTIGO
77 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – SUS –
DESCENTRALIZAÇÃO – RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO - DECISÃO MODIFICADA. O artigo 23, inciso
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II da Constituição federal estabelece competência comum
entre a União, Estados e Municípios em relação à saúde.
O Sistema Único de Saúde é um órgão com base na
descentralização, com direção única das secretarias
estaduais em cada Município ou Estado da Federação, de
sorte que o fato da União Federal ser responsável pela
importação e registro do referido medicamento não impõe
sua incorporação no pólo passivo da demanda e nem
retira a lide do núcleo de competência da Justiça Estadual.
Inadmissível o chamamento ao processo da União, pois
não estão presentes as possibilidades contidas no artigo 77
do Código de Processo Civil.” (TJ/MT – 3ª Câmara Cível
– Agravo de Instrumento n.º 66554/2009 – Rel. Des.
Evandro Stábile, j. 05/10/2009 – grifamos)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
– OBRIGAÇÃO DE FAZER – FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS –CHAMAMENTO DA UNIÃO AO
PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE ANTE A AUSÊNCIA
DE QUAISQUER DOS REQUISITOS CONTIDOS NO
ARTIGO 77, INCISOS I A III, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL
E MUNICÍPIOS – DECISÃO REFORMADA – RECURSO
PROVIDO. Ante a responsabilidade solidária entre União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, quaisquer um
desses, possuem legitimidade para figurar no pólo passivo
da demanda. Uma vez que não estão presentes no caso em
tela os requisitos contidos na inteligência do artigo 77, I a
III do Código de Processo Civil, não há que se falar em
chamamento ao processo.” (TJ/MT – 3ª Câmara Cível –
Agravo de Instrumento n.º 40485/2009 – Rel. Dr. Antônio
Horácio da Silva Neto, j. 06/07/2009 – grifamos)
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15. Isto posto, indefiro o pleito de chamamento da União
ao processo.
16. O exame dos autos demonstra ser cabível à espécie o
julgamento antecipado da lide, ex vi do art. 330, I, do Código de Processo
Civil, vez que toda a prova necessária ao julgamento do feito já se encontra
nos autos, inocorrendo a necessidade de dilação probatória. Ademais, em tais
casos, reza a jurisprudência:
“Presentes as condições que ensejam o julgamento
antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera
faculdade, assim proceder.” (REsp 2.832-RJ, STJ, 4ª.
Turma, DJU de 17.09.90)
“Processo civil – Cerceamento de defesa – Julgamento
antecipado da lide. Inexiste cerceamento se os fatos
alegados haveriam de ser provados por documentos, não
se justificando a designação de audiência.” (REsp 1.344RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 4.12.89)
17. Tecidas essas considerações, passo a examinar a
questão isagógica suscitada pelos demandados.
18. Não assiste razão aos requeridos em relação à
ilegitimidade do Ministério Público para formular os pedidos em debate em
favor do Srª. Rosalina Vanzetto.
19. Isso por que a tese apresentada olvida as atribuições
constitucionais do órgão estabelecidas no art. 127, da Magna Carta de 1988, in
verbis:
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindoWANDERLEI JOSÉ DOS REIS
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lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (grifo
nosso)
20. O texto constitucional é claro ao atribuir ao Ministério
Público a incumbência de zelar pelos direitos individuais indisponíveis. In
casu, o direito para o qual se busca a tutela é o direito à saúde, que
irrefutavelmente sustenta natureza de direito fundamental, portanto,
irrevogável, irrenunciável, inalienável, intransmissível e indisponível.
21. Sem prejuízo, o direito à saúde é, também, direito
social, cuja tutela cabe ao Parquet nos termos da disposição supra, assim
definido no texto constitucional:
“Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.” (grifamos)
22. Outrossim, é função institucional do Ministério Público
“zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia”, nos termos do art. 129, II, da Constituição Cidadã
de 1988, hipótese perfeitamente aplicável ao caso.
23. Ademais a jurisprudência do egrégio Tribunal de
Justiça de Mato Grosso assenta-se no mesmo sentido:
“REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA – AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
–
FORNECIMENTO
DE
MEDICAMENTOS À PESSOA NECESSITADA –
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO
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MINISTÉRIO PÚBLICO E EXISTÊNCIA DE
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO
–
REJEIÇÃO – MÉRITO – COMPROVAÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA E PATOLOGIA (MENINGITE) –
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS DE
FORNECER OS MEDICAMENTOS NECECESSÁRIOS
AO
TRATAMENTO
DA
SAUDE
–
DEVER
CONSTITUCIONAL – SENTENÇA RATIFICADA. A teor
dos artigos 127 e 129 da CF/88, o Ministério Público
detém legitimidade ativa para ajuizar ações em defesa de
direitos individuais indisponíveis, tal qual o direito à vida
e à saúde dos hipossuficientes. O Município, Estado e a
União são solidariamente responsáveis por resguardar a
garantia fundamental à saúde, razão pela qual pode a
parte demandar contra um ou todos entes federativos, não
havendo falar em litisconsórcio necessário, inteligência do
artigo 196 da CF/88. Restando comprovado nos autos a
hipossuficiência e a patologia à qual se encontra
acometida o autor/representado, resta incontestável o seu
direito de receber do Município os medicamentos
necessários ao seu tratamento, uma vez que nos termos do
artigo 196 da CF/88 a saúde é direito de todos e dever do
Estado (entes federados), cabendo a este garantir aos
cidadãos o fornecimento de medicamentos indispensáveis
para manutenção e tratamento da saúde.” (TJ/MT – 4ª
Câmara Cível – Reexame Necessário n.º 16360/2009 –
Rel. Drª. Marilsen Andrade Addario, j. 25/05/2009 –
grifamos)
“REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA – RECURSO
DE APELAÇÃO CÍVEL – PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL
NA
DEFESA
DE
INTERESSE
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INDIVIDUALIZADO
E
IDENTIFICAVEL
–
REJEITADA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO –
REJEITADA
–
AÇÃO
COMINATÓRIA
PARA
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER DIREITO À VIDA E À SAÚDE – GARANTIA
CONSTITUCIONAL – DEVER DO ESTADO – O
APELADO É PORTADOR DA DOENÇA DIABETES
MELLITUS – NECESSIDADE DO MEDICAMENTO
INSULINA HUMALOG LISPRO – NEGATIVA DE
COBERTURA
–
ILEGALIDADE
–
NÃO
CONHECIMENTO DO REEXAME – RECURSO
IMPROVIDO. Dispõem os parágrafos 2º e 3º do artigo
475 do Código de Processo Civil, que não há necessidade
de submissão ao reexame a sentença prolatada
desfavoravelmente à União, Estado, Distrito Federal,
Município e às respectivas autarquias e fundações de
direito público, quando o valor concretamente envolvido
na causa não superar 60 (sessenta) salários mínimos. É de
ser reconhecida a legitimidade do Parquet para a defesa
de interesses individuais indisponíveis, conforme se
verifica do artigo 127 da CF/88. Todos os entes públicos
que
compõem a
organização federativa
têm
responsabilidade solidária, portanto, o Estado de Mato
Grosso tem o dever de fornecer medicamentos àqueles que
não têm como adquiri-los em farmácia ou drogarias. Todo
cidadão tem direito à vida e à saúde, tal como previsto no
artigo 6° e artigo 196 da Constituição Federal, bem como
em seu artigo 197, que estabelece a relevância pública nas
ações e serviços de saúde. Por isso, o Estado deve prover
as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”
(TJ/MT – 4ª Câmara Cível – Apelação/Reexame
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Necessário n.º 33396/2009 – Rel. Desª. Clarice Claudino
da Silva, j. 14/09/2009 – grifamos)
24. Nestes termos, rejeito a questão isagógica arvorada.
25. Quanto ao mérito da demanda, de proêmio, deve-se
ressaltar que os demandados não se voltam contra a alegada necessidade da
realização do exame postulado pelo demandante e, tampouco, questionaram
sua responsabilidade pela prestação da saúde, posto que o primeiro requerido
se levanta apenas contra a divisão da responsabilidade sem negar a parte que
lhe toca, o que torna os fatos incontroversos neste sentido.
26. Conforme relatado alhures, evocou-se o princípio da
reserva do possível para justificar a omissão Estatal, numa tentativa de
infundir a ideia de que o Estado não está obrigado a prestar o serviço posto em
discussão nos autos ante a impossibilidade econômica e financeira de atendêlo, entendimento com o qual não pode comungar o Poder Judiciário.
27. Há que se elucidar que, embora o Estado esteja
obrigado a buscar um sem fim de finalidades que lhe são impostas pelo texto
constitucional e pelas leis infraconstitucionais, fato inafastável é que a saúde é
serviço público de primeira necessidade que deve sempre ter a preferência do
administrador público.
28. Deve-se ter em mente, também, que o direito à saúde é,
senão o principal, um dos direitos de prestação primordiais, consagrado pelo
legislador constituinte, plenamente exercível contra o Estado, aqui entendido
em sentido amplo, abarcando quaisquer dos entes da federação.
29. Essa disposição é ululante no texto da Carta Política de
1988, ante o enunciado de seu art. 6º, in verbis:
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“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
30. Em redação específica, a Magna Carta traz a saúde
como imposição ao Estado, que deve buscar medidas de potencialização da
saúde pública por meio da prevenção de mazelas que atentem contra a saúde
da população, expressa na seguinte forma:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.” (grifo nosso)
31. Como se pode verificar, a Constituição direciona a
ação do administrador público no sentido de promover ações que visem o
acesso universal à saúde, bem como sua promoção, proteção e recuperação.
32. A saúde, é, em verdade, direito fundamental
consagrado ao indivíduo, decorrente do direito à vida, que tem como pano de
fundo a dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, ocupa papel central no
texto constitucional por configurar o núcleo axiológico de toda a Constituição.
33. Dessa forma, não pode o Estado esconder-se atrás da
alegação de impossibilidade de prestação da saúde ante a multiplicidade de
objetivos que lhe são impostos, utilizando-se deste argumento como escudo
em face da oposição por parte do cidadão de direito que lhe é garantido pela
Constituição da República.
34. Neste sentido, vejamos o seguinte pronunciamento do
egrégio Tribunal de Justiça deste Estado:
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“AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO À SAÚDE –
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – OBRIGAÇÃO
DO ESTADO. 1. Não se mostra imprescindível ao
ajuizamento da demanda o prévio indeferimento
administrativo, na medida em que o artigo 5º, XXXV, da
Constituição Federal prescreve que a lei não pode excluir
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito. 2. A responsabilidade pelo fornecimento de
medicamentos é solidária entre União, Estados e
Municípios. Eventual deliberação a respeito da repartição
de responsabilidade compete unicamente aos entes
federativos, a ser realizada em momento oportuno, tendo
em vista a solidariedade existente entre todos, não
podendo o particular ter limitado seu direito à saúde,
garantido constitucionalmente, por ato da Administração
Pública. 3. Eventuais limitações ou dificuldades
orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o
direito à saúde e à vida garantido nos dispositivos
constitucionais, não havendo que se cogitar, desse modo,
da incidência do princípio da reserva do possível, dada a
prevalência do direito em questão. 4. Não há que se falar
em violação ao princípio da separação dos poderes,
porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. 5.
A ausência de risco efetivo de morte não é justificativa
para que o ente municipal não forneça o medicamento
pleiteado, tendo em vista a garantia constitucional ao
direito à saúde. O atestado médico juntado aos autos é
prova suficiente para comprovar a necessidade, pois o
médico que acompanha o caso tem melhores condições de
indicar o procedimento adequado.” (TJ/MT – 6ª Câmara
Cível – Agravo de Instrumento n.º 46935/2009 – Rel. Drª.
Helena Maria Bezerra Ramos, j. 19/08/209 – grifamos)
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35. Insta, também, ressaltar que não há se falar em lesão ao
princípio da separação dos Poderes por invasão do mérito administrativo.
36. A saúde, conforme dito alhures, é serviço público
preferencial, sendo, portanto, atividade material do Estado, estando, por
consectário, limitado por todos os princípios que regem a Administração
Pública.
37. Nesse diapasão, aqueles direitos que Georg Jellinek
convencionou chamar de direitos de prestação (apud ALEXY, Robert. Teoria
de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1993, passim.), devem ser oferecidos à população balizados pelo princípio da
eficiência, estampado no art. 37, caput, da Magna Carta de 1988.
38. Disso decorre que a saúde deve ser prestada de acordo
com os parâmetros de alcance de resultados ótimos, presteza e eficácia.
39. Sobre o assunto, assim consta na doutrina:
“Eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir
da positivação deste princípio como norte da atividade
administrativa, a sociedade passa a dispor de base
jurídica expressa para cobrar a efetividade do exercício de
direitos sociais como a educação, a saúde e outros, os
quais têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade
ao menos satisfatória.” (ALEXANDRINO, Marcelo;
PAULO, Vicente. Princípio da eficiência. In:
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito
Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p.
111.)
40. Assim sendo, a análise do Judiciário não incide sobre a
oportunidade e conveniência da prática administrativa, mas sobre sua
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legitimidade ou não, motivo por que cabe ao Poder Judiciário declarar a
nulidade de atos que, fugindo à razoabilidade, molestam o princípio da
eficiência, ou, como no caso em apreço, pelas mesmas razões jurídicas,
determinar que se faça ou deixe de fazer alguma coisa em prol da eficiência.
41. In casu, não se pode aceitar como razoável a atuação da
Administração Pública Municipal e Estadual que deixam de fornecer exame
médico necessário ao tratamento do indivíduo que sucumbe diante da chaga
de que sofre, motivo por que a atuação negativa do Poder Público retratada se
mostra flagrantemente ilegítima.
42. Outrossim, tenho que a prestação da saúde é atividade
vinculada do administrador público e não discricionária, ou seja, não cabe a
ele, baseado em critérios de conveniência e oportunidade, decidir pela
satisfação ou não do direito à saúde de que necessita o administrado, haja vista
que tal imposição decorre diretamente do texto constitucional, mormente em
razão de o direito em discussão tratar-se de direito fundamental.
43. Os direitos fundamentais são, em regra, normas
constitucionais, nos dizeres de José Afonso da Silva, de eficácia plena,
“aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm
possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos
interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e
normativamente, quis regular. (1982, p. 89-91, apud MORAES, Alexandre de.
Direito Constitucional. 7ª. ed. São Paulo: Atlas. 2000, p. 39.)
44. Dessarte, sendo a prestação a saúde imposição vertida
diretamente da Constituição da República, obviamente o mandamento judicial
que compele o Poder Público à prestá-la não poderia ferir o princípio da
separação dos Poderes ou da legalidade, conforme alegou o primeiro
requerido.
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45. Outrossim, analisando o caso por um prisma
processual, ao invocar a reserva do possível, o demandado atrai para si o ônus
da prova acerca da impossibilidade de oferecer a prestação aqui requerida, nos
termos do art. 333, II, da Lei Processual Civil, o que possibilita a análise da
razoabilidade de sua atuação.
46. Assim, em análise dos autos não se constata a juntada
de qualquer documento na busca de produzir provas neste sentido, fato que
corrobora a procedência da pretensão posta em análise.
47. Por fim, insta consignar a constatação feita pelo
Ministro Gilmar Mendes, no Supremo Tribunal Federal, ao tratar da obrigação
do Estado na prestação da saúde, na oportunidade em que foi o relator das
Suspensões de Tutela (STA) 175, 211 e 278; das Suspensões de Segurança
3724, 2944, 2361, 3345 e 3355; e da Suspensão de Liminar (SL) 47, de que o
problema da judicialização da saúde se dá, na maioria das vezes, como no
caso em tela, pelo não cumprimento das políticas públicas de saúde já
estabelecidas por parte dos administradores públicos (Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/ms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=12
2125>. Acesso em 31/03/2010):
“Assim, levando em conta a grande quantidade de
processos e a complexidade das questões neles envolvidas,
convoquei Audiência Pública para ouvir os especialistas
em matéria de Saúde Pública, especialmente os gestores
públicos, os membros da magistratura, do Ministério
Público, da Defensoria Pública, da Advocacia da União,
Estados e Municípios, além de acadêmicos e de entidades
e organismos da sociedade civil.
Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes
dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a
necessidade de se redimensionar a questão da
judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na
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maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em
razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas
públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo
em vista uma necessária determinação judicial para o
cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não
se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos
de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de
outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.
Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu
nos debates ocorridos na Audiência Pública- Saúde: no
Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou,
em termos mais simples, de interferência do Poder
Judiciário na criação e implementação de políticas
públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na
quase totalidade dos casos, é apenas a determinação
judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já
existentes.” (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ar
quivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/STA175.pdf>. Ace
sso em: 31/03/2010 – grifo do autor)
48. No que tange à cominação de multa diária em caso de
descumprimento injustificado da obrigação imposta à Fazenda Pública,
entendo ser cabível o respectivo meio coercitivo para impor aos demandados o
cumprimento na obrigação de realizar o procedimento buscado na presente
actio.
49. Gizadas essas razões de decidir, a procedência dos
pedidos se impõe.
50. Ante o exposto e atendendo a tudo mais que dos autos
consta, julgo procedentes os pedidos inseridos na peça vestibular, ex vi do
art. 269, I, do Estatuto Processual Civil, para condenar solidariamente os
requeridos: a submeter a substituída ao exame de angiofluoresceinografia
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ocular, a ser realizado em hospital da rede pública de saúde (SUS), neste
município ou em outra localidade, dentro ou fora do Estado, em que
disponível o exame médico preconizado; a submeter a paciente ao referido
exame em hospital da rede privada, vinculado ou não ao SUS, neste município
ou em outra localidade, dentro ou fora do Estado, em que disponível o exame
médico que ora são obrigados a prestar, no caso de indisponibilidade de vagas
no SUS; a garantir à paciente, caso necessário, a realização de eventuais
outros exames prescritos durante seu tratamento médico, a serem realizados
em hospital da rede pública de saúde (SUS), neste município ou em outra
localidade, dentro ou fora do Estado, em que disponíveis referidos exames; a
submeter a substituída, caso necessário, a realização de eventuais outros
exames prescritos durante seu tratamento médico a serem realizados em
hospital da rede privada, vinculado ou não ao SUS, neste município ou em
outra localidade, dentro ou fora do Estado, em que disponível tais exames, no
caso de indisponibilidade de vagas no SUS; a submeter a paciente, caso
necessário, a procedimento cirúrgico eventualmente indicado pelo
especialista, a ser realizado em hospital da rede pública de saúde (SUS), neste
município ou em outra localidade, dentro ou fora do Estado, em que
disponível referida cirurgia; a submeter a substituída, caso necessário, a
procedimento cirúrgico eventualmente indicado pelo especialista, a ser
realizado em hospital da rede privada, vinculado ou não ao SUS, neste
município ou em outra localidade, dentro ou fora do Estado, em que
disponível a cirurgia, no caso de indisponibilidade de vagas no SUS; a
disponibilizar à paciente recursos e medidas necessárias para garantir seu
deslocamento até a unidade de saúde (pública, conveniada ou privada)
disponível, fornecendo-lhe o valor do transporte (ida e volta) e ajuda de custo
(utilizando-se da tabela de composição de valores de procedimentos SUS);
tudo sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais),
nos termos do art. 11, da Lei n.º 7.347/85, c.c. art. 461, §4º, do Digesto
Processual Civil, tornando definitiva a decisão de fls. 70/75.
WANDERLEI JOSÉ DOS REIS
Juiz de Direito da 1ª Vara
17
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE SORRISO
PRIMEIRA VARA
51. Sem condenação ao pagamento de custas e honorários,
vez que incabíveis à espécie.
52. Decorrido o prazo recursal, arquivem-se os autos,
procedendo-se às baixas de estilo e anotações de praxe.
Publique-se.
Registre.
Intime-se.
Cumpra-se.
Sorriso/MT, 21 de fevereiro de 2011.
WANDERLEI JOSÉ DOS REIS
Juiz de Direito da 1ª Vara
WANDERLEI JOSÉ DOS REIS
Juiz de Direito da 1ª Vara
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