Análise da fase faríngea da deglutição em indivíduos submetidos à cricohioidoepiglotopexia: aspecto em “cascata” e angulação do osso hióide 1.Laringectomia. 2. Fluoroscopia. 3. Disfagia Introdução A laringectomia parcial supracricóidea (LPSC) tornou-se o procedimento de eleição para lesões das regiões glótica e/ou supraglótica. Na LPSC é realizada a ressecção da cartilagem tireóidea, do espaço paraglótico e de ambas as pregas vocais e vestibulares, com a preservação de pelo menos uma cartilagem aritenóidea(1,2). A reconstrução pode ser realizada por meio da cricohioidopexia (CHP) ou da cricohioidoepiglotopexia (CHEP)(3). Entre as possíveis complicações que podem ocorrer após esse procedimento, com prejuízo significativo para a qualidade de vida, destacam-se a dificuldade de deglutição com conseqüente aspiração e a possibilidade de pneumonia aspirativa(4, 5), preocupação constante da equipe envolvida no tratamento do paciente. Apesar das alterações de deglutição relatadas após a realização de LPSC com CHEP, não há, na literatura pesquisada, nenhum estudo que descreva e analise anatomicamente a fase faríngea da deglutição em indivíduos submetidos a esse tipo de procedimento. Objetivos Descrever o padrão de deglutição nos indivíduos submetidos à LPSC com CHEP e avaliar a posição do osso hióide como característica indicativa do fator de risco para aspiração traqueal. Método Treze indivíduos submetidos à LPSC com CHEP, sendo 11 do sexo masculino e dois do feminino, com idade entre 48 e 79 anos (média de 63 anos) realizaram o videodeglutograma no Departamento de Diagnóstico por Imagem de uma Universidade Pública. A análise retrospectiva das imagens foi realizada no período de janeiro a julho de 2005, por um radiologista e dois profissionais fonoaudiólogos treinados. As análises foram realizadas por meio da captura e digitalização da imagem no repouso pelos programas Shortcut Premier 6.5 e Photoshop. Para realização da análise qualitativa, observamos criticamente os exames a fim de descrever o trajeto realizado pelo contraste durante as fases oral e faríngea da deglutição. Quanto à análise quantitativa, a posição do osso hióide foi realizada através da mensuração da sua angulação no repouso. Foram traçadas duas retas, sendo uma paralela ao solo (horizontal) e tangente ao ponto mais inferior da margem inferior do corno maior do osso hióide, e outra tangente à margem superior do corpo do osso hióide. O ângulo formado pela intersecção das duas retas foi medido por meio do programa computadorizado IMAGE J, do National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos da América, instalado em microcomputador HP Pavilion zf1130. A medida desse ângulo foi comparada entre os indivíduos com presença e ausência de aspiração. Resultados Os 13 indivíduos analisados apresentaram padrões radiográficos de deglutição semelhantes: o bolo alimentar contrastado perfaz trajeto em “cascata”, da fase oral para a fase faríngea (figura 1), quando comparado com um indivíduo normal (figura 2). Esse padrão radiográfico de deglutição “em cascata” é composto por quatro momentos; dois horizontais e dois verticais. O primeiro momento horizontal é decorrente da posição do dorso da língua na cavidade oral; o primeiro momento vertical foi originário da posição da base da língua que se encontrava verticalizada em decorrência da posição mais inferior do osso hióide, que traciona a língua língua para baixo. O segundo momento horizontal foi causado pela horizontalização da cartilagem epiglote, em conjunto com a elevação da(s) cartilagem(s) aritenóidea(s), e o segundo momento vertical ocorreu pela descida vertical do bolo alimentar em direção a hipofaringe (área retrocricóidea). Quanto à análise da posição angular do osso hióide, foi verificado que indivíduos que apresentaram ângulo maior que 60 graus (n=8) não apresentaram aspiração traqueal de alimento (figura 3). Figura 1 – Imagem da deglutição de contraste de consistência pastosa do indivíduo submetido à LPSC com CHEP. CA Figura 2 – Imagem da deglutição de contraste de consistência pastosa do indivíduo normal. N Figura 3 – Imagem da angulação do osso hióide de um indivíduo da amostra. Discussão A preservação do osso hióide e das cartilagens epiglote e aritenóidea(s) explica o padrão de deglutição em cascata observado em nosso estudo. A descrição da deglutição em movimento de cascata em indivíduos LPSC com CHEP agrega informações à literatura no que se refere ao detalhamento dos mecanismos compensatórios que ocorrem após a LPSC(6). Dos 13 indivíduos estudados, oito apresentaram deglutição dentro dos limites funcionais da normalidade, com mecanismo de proteção das vias aéreas adequado, ou seja, sem aspiração. Durante a fase faríngea foram observados movimentos concomitantes de elevação e anteriorização do osso hióide, da epiglote e da cartilagem cricóidea. Nesses casos, o osso hióide ficou mais posteriorizado e mais inferiorizado em relação à(s) cartilagens aritenóidea(s). Quando o osso hióide apresentouse mais verticalizado não foi observada aspiração traqueal de alimento. Outros estudos verificaram a deglutição fisiologicamente recuperada, com o mesmo método cirúrgico, em 100% dos sujeitos estudados, apesar de ter sido observada perda de peso nos primeiros seis meses de pós-operatório(7,8,9). A LPSC é uma técnica conservadora, com preservação parcial de estruturas laríngeas; dessa forma, pode ser um procedimento com resultados funcionais satisfatórios(10, 11, 12). Devemos ressaltar que as funções de fala e de deglutição foram preservadas, o que vai de acordo com outro estudo(13), apesar de ocorrer uma diminuição na dimensão vertical da laringe(3). Cinco indivíduos apresentaram algum grau de aspiração no videodeglutograma para a consistência pastosa. A análise das imagens obtidas desses indivíduos evidenciou menores amplitudes de elevação e anteriorização do osso hióide, epiglote e cartilagem cricóidea, quando comparadas às imagens de indivíduos sem aspiração; além disso, a epiglote encontrou-se mais verticalizada e o osso hióide mais horizontalizado. Foi observada também menor elevação da(s) aritenóidea(s), ficando localizada(s) caudalmente em relação à epiglote. O fato de o osso hióide ter ficado mais horizontalizado, provavelmente dificultou o movimento adequado das pregas ariepiglóticas, deixando-as mais frouxas e impedindo o fechamento completo das vias aéreas durante a deglutição, fator determinante para a proteção contra a aspiração. O videodeglutograma é um importante recurso para pesquisa de aspiração na avaliação de deglutição de indivíduos com alterações estruturais do trato digestório, mesmo em casos assintomáticos(19). O presente estudo corrobora esta observação, uma vez que identificamos aspiração traqueal em indivíduos sem queixas de deglutição, isto é, 38,4% dos casos apresentaram aspiração traqueal silente durante a deglutição. Desta forma, levantamos a hipótese de que a aspiração traqueal tenha ocorrido por resultado da pequena angulação do osso hióide, menor que 60 graus, propiciando a ineficiência na proteção das vias aéreas. Conclusão Pôde-se observar que todos os indivíduos submetidos à LPSC com CHEP apresentaram um padrão de deglutição em cascata. O limite inferior de angulação do osso hióide nos casos que não apresentaram aspiração nesta população foi de 60 graus. Referências 1. Luna-Ortiz K, Nunz-Valencia ER, Tamez-Velarde M, Granados-Garcia M. 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CHEP with the total removal of the arytenoid on the tumor-bearing side. Nippon Jibiinkoba Gakkai Kaiho 2003; 106(11): 1100-3. 7. Laccourreye H, Laccourreye O, Weinstein G, Menard M, Brasnu D. Supracricoid laryngectomy with cricohyoidoepiglottopexy: a partial laryngeal procedure for glottic carcinoma. Ann Otol Rhinol Laryngol 1990;99:421-6. 8. Cai C, Chen X, Cai C, Ye Y. Cricohyoidoepiglottopexy: a report of 21 cases. Lin Chuang Er Bi Yan Hou Ke Za Zhi 2001;15(9):396-8. 9. Aygenc E, Celikkanat S, Ozbek C, Dere H, Ozdem C. Functional outcomes after supracricoid partial laryngectomy. Kulak Burun Bogaz Ihtis Derg 2002;9(1):54-8. 10. Guo R, Guo Z. Supracricoid partial laryngectomy in laryngeal cancer. Zhonghua Er Bi Yan Hou Ke Za Zhi 2000; 35(3): 178-80. 11. Shen W. Supracricoid partial laryngectomy for laryngeal cancer. Zhonghua Er Bi Yan Hou ke Za Zhi 1999; 34(6):333-6. 12. De Vincentiis M, Minni A, Gallo A, Di Nardo A. 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