illich e as teias de aprendizagem/ convivialidade: uma

Propaganda
ILLICH E AS TEIAS DE APRENDIZAGEM/ CONVIVIALIDADE: UMA
PROPOSTA NÃO-FORMAÇÃO DE EDUCAÇÃO
LINHARES, Luciano Lempek – PUCPR
[email protected]
Área Temática: Educação: História e Políticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre as “Teias de Aprendizagem” de Ivan Illich,
uma proposta não-formal de educação desescolarizada, a partir da leitura da obra “Sociedade
sem Escolas”. Illich, não apenas criticou a instituição escolar tradicional e o modo de
produção selvagem que o sistema capitalista impõe, denunciando suas mazelas, mas também,
buscou apontar soluções para a crise. Preocupou-se com a crescente institucionalização e a
dependência cada vez maior do homem em produtos industrializados. Para Illich, a raiz do
problema se encontrava na instituição escolar, “a nova religião do mundo moderno”. A escola
tem, assim, segundo Illich, todas as características para ser a “Igreja Universal da nossa
decadente cultura”, seus “fiéis são inúmeros, sendo um mercado promissor”. Pois, o ritual
escolar é trabalhado para que ninguém nunca termine sua escolarização. Dessa constatação,
surgiu a sua proposta de desescolarizar não apenas a educação, mas a sociedade como um
todo. Daí, ele propor uma educação oposta e diferente dos interesses opressores do sistema
capitalista, por meio das chamadas “Teias de Aprendizagem”, desenvolvendo uma educação
não-formal, autônoma, libertadora, baseada na amizade, na convivencialidade e na
aprendizagem automotivada. Illich, propõe uma educação fora dos padrões oficiais, fora da
escola, pois entende que existe uma outra possibilidade de aprendizagem, mais rápida, eficaz
e economicamente viável. O que Illich pretende mostrar, é que, o inverso da escola é possível;
podemos depender tão somente da aprendizagem automotivada em vez de nos subordinar à
contratação de professores da maneira como é feita na sociedade capitalista e com a finalidade
exigida por esta sociedade. Podemos aprender novas relações com o mundo, em vez de
continuar canalizando todos os programas educacionais na figura do professor tradicional. Ou
seja, ele entende que escolarização é diferente de aprendizagem.
Introdução
Uma das críticas mais contundentes de Ivan Illich é a seguinte: “na escola, alunos
matriculados se submetem a professores diplomados para obter também eles diplomas; ambos
são frustrados e ambos responsabilizam a insuficiência de recursos – dinheiro, tempo e
instalações” – por suas frustrações. (ILLICH, 1985a, p. 123).
Essa crítica nos remete a uma pergunta: existe outra possibilidade de aprendizagem
que não a escolar?
3918
Paradoxalmente as pessoas, quando pressionadas a especificar como adquiriram o que
sabem e valorizam, prontamente admitem que o aprenderam, as mais das vezes, fora e
não dentro da escola. Seu conhecimento dos fatos, sua compreensão da vida e do
trabalho lhes adveio pela amizade ou pelo amor, enquanto assistiam televisão ou liam,
pelo exemplo de colegas ou por uma dissensão resultante de um encontro na rua... A
alternativa para nossa dependência das escolas não é o uso dos recursos públicos para
algum novo propósito que faça as pessoas aprenderem; é antes a criação de um novo
estilo de relacionamento educacional entre o homem e o seu meio-ambiente. (ILLICH,
1985a, p. 123-124)
Illich, ao criticar o modelo institucional de educação, prescrita pelas leis públicas, leis
do Estado burguês, propõe revisar a própria idéia de aprendizagem dando um enfoque
completamente novo. Para ele o sujeito pode aprender livremente, sem o auxílio compulsivo,
a doutrinação autoritária-destrutiva, perturbadora e manipuladora de um professor, como
aparece na escola capitalista.
Com este artigo, pretendemos mostrar, a partir de leituras Illichianas, que o inverso da
escola é possível, podemos depender tão somente da aprendizagem automotivada, em vez de
nos subordinar à contratação de professores. Podemos aprender novas relações com o mundo,
em vez de continuar canalizando todos os programas educacionais na figura do professor.
Para Illich, a escolarização é diferente de aprendizagem.
Segundo Illich, nós estamos habituados a considerar a escola como uma entidade que
depende da estrutura política e econômica. Assim,
Se conseguirmos mudar o estilo da liderança política, promover os interesses de uma
ou outra classe, transferir a propriedade dos meios de produção do domínio privado
para o domínio público, supomos que também mude o sistema escolar. As instituições
educacionais que desejo propor estão concebidas para servir uma sociedade que ainda
não existe, se bem que a frustração atual no tocante às escolas seja grande força
potencial para impulsionar a mudança que permita novos arranjos sociais. (ILLICH,
1985a, p. 125)
Poderíamos levantar a seguinte questão: “por que canalizar energia para construir
pontes que não levam a lugar algum, em vez de orientá-las primeiro para mudar o sistema
político e econômico e não as escolas?” para ele, inicialmente, tal questionamento subestima a
natureza política e econômica do próprio sistema escolar. (ILLICH, 1985a, p. 125).
A escola, diferentemente de outras instituições como família, partida político, igreja,
não difere de país para país, seja ela fascista, democrático ou socialista; de pequena extensão
ou grade; rico ou pobre. Ela se apresenta com a mesma estrutura em qualquer parte do mundo,
assim como o seu currículo e o seu efeito: ofuscar consumidor, fazendo com que ele valorize
cada vez mais as mercadorias institucionais, em detrimento das não-profissionais, por isso,
para Illich, a escola não serve como agente de transformação social.
3919
Em qualquer parte do mundo o secreto currículo da escolarização inicia o cidadão no
mito de que as burocracias guiadas pelo conhecimento científico são benévolas. Em
qualquer parte do mundo este mesmo currículo instiga no aluno o mito de que maior
produção vai trazer vida melhor. E em qualquer parte do mundo desenvolve o hábito
de um consumo contraproducente de serviços e de produção alienante, com a
tolerância da dependência institucional e o reconhecimento das hierarquias
institucionais. O secreto currículo faz tudo isso apesar dos esforços em contrário dos
professores, não importando a ideologia que prevaleça. (ILLICH, 1985a, p. 126)
Ou seja, para ele, as escolas não dependem, como pensamos, das estruturas políticas
ou econômicas, já que são essencialmente iguais em qualquer parte do mundo. Daí, Illich
afirmar que “é ilusão esperar que a mudança fundamental no sistema escolar ocorra em
conseqüência da mudança econômica ou social convencional”. (ILLICH, 1985a, p. 126).
Logo, Illich apresenta as características gerais de novas instituições e como seria um
bom sistema educacional baseado no ele chamou de “teias de aprendizagem”:
...dar a todos que queiram aprender acesso aos recursos disponíveis, em qualquer
época da sua vida; capacitar a todos os que queiram partilhar o que sabem a encontrar
os que queiram aprender algo deles e, finalmente, dar oportunidade a todos os que
queiram tornar público um assunto a que tenham possibilidade de que seu desafio seja
conhecido. Tal sistema requer a aplicação de garantias constitucionais à educação. Os
aprendizes não deveriam ser forçados a um currículo obrigatório ou à discriminação
baseada em terem um diploma ou certificado. (ILLICH, 1985a, p. 128)
As teias ou redes de aprendizagem terão o objetivo de facilitar a aprendizagem e o
acesso à educação dos sujeitos. Nelas não haverá “segredos’ revelados correta e
exclusivamente pelos professores, como ocorre na igreja com a revelação divina, pois esse
novo canal estará aberto a todas as pessoas que desejem participar.
A prática pedagógica de Illich prevê uma educação voltada para a liberdade, para a
auto-aprendizagem, para a autonomia do sujeito. Para que isso seja possível ele elencou
quatro “canais” diferentes de aprendizagem que poderiam conter todos os recursos
necessários para uma real aprendizagem: 1º) “coisas” – serviço de consulta a objetos
educacionais, pois as crianças se desenvolvem num mundo rodeado de coisas; 2º) “modelos”
– intercâmbio de habilidades, pessoas servem de modelo para desenvolver habilidades e
valores; 3º) “colegas” – encontro de parceiros que os desafiam a interrogar, competir,
cooperar e compreender e; 4º) “adultos experientes” – se a criança tiver sorte, estará exposta a
confrontações e críticas feitas por adultos experientes que realmente se interessem por sua
formação. Coisas, modelos, adultos e colegas são quatro recursos ou elementos, necessários e
indispensáveis, segundo Illich, para uma real aprendizagem (ILLICH, 1985a, p. 129).
3920
Assim está formada a “teia de oportunidades” que servirá como teia educacional no
processo de aprendizagem. Para Illich, são necessárias novas redes e igual oportunidade para
a aprendizagem.
Tomemos um exemplo: o mesmo nível tecnológico é empregado na TV e nos
gravadores. Todos os países latino-americanos já introduziram a TV. Na Bolívia, o
governo financiou uma estação de TV, construída a seis anos atrás, e não existem mais
do que sete mil televisores para os quatro milhões de habitantes. O dinheiro que foi
empregado nas instalações de TV em toda a América Latina é tanto que poderia ter
fornecido a uma pessoa entre cinco um gravador. E mais, o dinheiro teria dado
também para fazer uma biblioteca quase completa de fitas gravadas, bem como um
grande estoque de fitas virgens. Esta rede de gravadores seria bem diferente da atual
rede de TV. Daria oportunidade para a livre expressão: letrados e iletrados poderiam
igualmente gravar, guardar, difundir e repetir suas opiniões. O atual investimento na
TV, porém, fornece aos burocratas, sejam eles políticos ou educadores, poder para
salpicar o continente com programas institucionalmente produzidos que eles – os seus
patrocinadores – acham ser bons para o público ou que são por ele demandados. A
tecnologia está à disposição ou da independência e da aprendizagem ou, então, da
burocracia e do ensino. (ILLICH, 1985a, p. 130)
Teias de Aprendizagem
Segundo Illich, para pensar prática pedagógica não devemos começar pelas metas
administrativas, nem pelas metas de ensino de um educador ou de aprendizagem de alguma
classe hipotética de pessoas. Muito menos com a pergunta: “O que deve alguém aprender?”,
mas com a seguinte pergunta: “Com que espécie de pessoas e coisas gostariam os aprendizes
de entrar em contacto para aprender?” Segundo Illich essas pessoas não seriam,
necessariamente os professores ou as escolas, tal como elas são concebidas. (ILLICH, 1985a,
p. 131).
Pessoas que desejam aprender sabem que precisam da informação, mas também da
crítica dos outros, tanto de colegas de mesmo interesse, como de pessoas mais idosas que
podem ser consultores de alguma espécie de aptidão ou método a ser seguido.
As informações por sua vez, podem estar armazenadas tanto nas pessoas quanto nas
coisas, objetos educacionais. A diferença é que, segundo Illich, “num bom sistema
educacional, o acesso às coisas deve estar disponível ao simples aceno do aprendiz, enquanto
o acesso aos informantes requer, ainda, o consentimento dos outros”. Tanto colegas, quanto
pessoas mais experientes são recursos de aprendizagem que existem em abundância. Porém
não são comumente percebidos como tal. Pensar novas “estruturas relacionais,
intencionalmente montadas, para facilitar o acesso a esses recursos de todos os que queiram
3921
procurá-los para melhorar sua formação” é o desafio e a proposta de Illich. (ILLICH, 1985a,
p. 131).
Segundo Illich, as “coisas” são recursos básicos e indispensáveis para a aprendizagem
do novo homem. Sendo assim, a condição do meio-ambiente e a relação do homem com ele
irão definir o quanto ele aprenderá. Já, na educação atual o que percebemos é uma disparidade
muito grande, entre ricos e pobres, no acesso as coisas, objetos de aprendizagem.
Coisas como: lojas de utensílio, bibliotecas, laboratórios de pesquisa ou fotográficos,
impressoras, jornais, televisão, toca-discos, toca-fitas, Cds, museus, obras de arte e salões de
jogos deveriam estar à disposição de todos aqueles que almejam aprender em locais
adequados para que as crianças e adultos pudessem ter acesso a qualquer hora do dia em
segurança.
Illich argumenta que o pessoal necessário para esta rede deveria ser constituído de
guardas, guias, bibliotecários, etc., mas nunca de professores, tal como os encontramos na
escola capitalista, pois, devemos reconhecer as habilidades fora da profissão de ensinar.
Apesar
dele
sugerir
a
desprofissionalização
do
professor,
ele
não
propõe
a
desprofissionalização do educador. Para financiar essa rede de objetos de aprendizagem, ele
nos apresenta duas modalidades:
Uma comunidade poderia determinar um orçamento máximo para este fim e fazer
com que todas as partes da rede estivessem abertas a todos os visitantes em horário
razoável. Ou a comunidade poderia dar aos cidadãos limitados números de bilhetes, de
acordo com sua faixa de idade, para que tivessem acesso especial a certos materiais
mais caros e mais raros, deixando o material mais comum acessível a todos. (ILLICH,
1985a, p. 141).
Segundo Illich, encontrar os recursos para um mundo educativo, talvez seja o aspecto
menos difícil. Poderíamos reorientar o dinheiro gasto com o rito escolar, dar incentivos fiscais
aos empresários que contratassem menores por algumas horas diárias e em condições
humanas, “...deveriam ser encontradas formas de pagar as empresas pela aprendizagem que as
pessoas obtivessem delas”. (ILLICH, 1985a, p. 143).
Num mundo controlado e possuído por nações e corporações, sempre haverá apenas
acesso limitado aos objetos educacionais. Mas, se o acesso a esses objetos – que
podem ser partilhados com fins educativos – aumentar, ele nos pode esclarecer
suficientemente para rompermos essas últimas barreiras políticas. As escolas públicas
transferem o controle do uso dos objetos educacionais, tirando-o dos particulares e
passando-o para mãos profissionais. A inversão institucional das escolas poderia
autorizar o indivíduo a reclamar o direito de usá-los para a educação. Poderia surgir
uma espécie de verdadeiro domínio público se o controle privado ou corporativo sobre
o aspecto educacional das <<coisas>> fosse levado até o desaparecimento. (ILLICH,
1985a, p. 143).
3922
Para Illich, a segunda categoria, intercâmbio de habilidades, pertence a uma conjunto
de recursos diferente daquela a que pertencem os objetos educacionais pois, por exemplo,
diferentemente de uma guitarra, um professor de guitarra não pode estar exposto num museu,
tão pouco ser propriedade pública ou alugado.
Para que o intercambio de habilidades funcione, os professores que ensinam certas
habilidades devem estar registrados e ser localizados de maneira diferentes das dos objetos.
Pois, enquanto as coisas devem estar disponíveis ao simples aceno do aprendiz, uma pessoa
“torna-se formalmente um recurso para aprender uma habilidade unicamente quando
consentir em sê-lo, e pode ainda delimitar o tempo, lugar e método”, diferentemente dos
objetos. (ILLICH, 1985a, p. 144).
Os professores de habilidades “se distinguem dos companheiros com os quais se pode
aprender alguma coisa” ou se deseja realizar alguma atividade em comum, porque em seus
encontros eles passam, transmitem uma certa habilidade a alguém que não possui, mas deseja
adquirir.
Um modelo é uma pessoa que tenha uma habilidade e está disposta a demonstrá-la na
prática. Uma demonstração dessa natureza é muitas vezes recurso necessário para um
aprendiz em potencial. As invenções modernas permitem gravar essa demonstração
numa fita, num filme ou num cartaz; muitos crêem, porém, que a demonstração
pessoal será sempre solicitada, sobre tudo em se tratando de habilidades de
comunicação. (ILLICH, 1985a, p. 145).
Para um amplo compartilhamento de habilidades o único recurso humano que se
precisa, é uma pessoa que esteja disposta a demonstrar essa habilidade aos demais, seja no
falar, pilotar, cozinhar ou no uso de aparelhos de comunicação. “Não vejo por que outras
habilidades complexas, tais como os aspectos mecânicos da cirurgia, tocar um violino, ler ou
usar diretórios e catálogos, não possam ser aprendidos da mesma forma”. (ILLICH, 1985a, p.
145). Assim, as pessoas aprendem com uma rapidez e qualidade muito maior quando não são
obrigadas a aprender o que não querem. Portanto, quando Illich fala sobre “intercâmbio de
habilidades”, ele se refere às ações que ocorrem na troca de conhecimento e savoir-faire entre
aqueles que estão envolvidos no processo de ensino/aprendizagem (ILLICH, 1985a, p. 144150).
Assim, “um estudante bem motivado, que não trabalhe em condições muito adversas
não precisa, em geral, de outra assistência humana que a de alguém que possa mostrar como
fazer aquilo que o aprendiz deseja fazer”. O que impede que isso aconteça com regularidade
é a imposição do poder que exerce um certificado, tornando rara certas habilidades.
3923
Quem possui uma habilidade tira proveito de sua escassez e não de sua reprodução. O
professor que se especializa em transmitir determinadas habilidades tira proveito do
fato de o artesão não querer difundir largamente aquilo que aprendeu. O público em
geral foi doutrinado para acreditar que as habilidades são valiosas e de confiança
unicamente se forem resultado de escolarização formal. O mercado de trabalho
depende de tornar as habilidades escassas e conservá-las assim, seja proscrevendo seu
uso ou transmissão não-autorizados, seja fabricando coisas que só podem ser
manejadas ou concertadas por aqueles que têm acesso a ferramentas e informações
especiais, estas sempre escassas. (ILLICH, 1985a, p. 147).
Para mudar essa lógica desumana do capitalismo e implantar um efetivo intercâmbio
de habilidades, Illich sugere iniciar com uma legislação que generalize a liberdade acadêmica.
“O direito de ensinar qualquer habilidade deveria cair sob a proteção da liberdade de falar.
Uma vez removidas as restrições do ensino, serão também e logo removidas da
aprendizagem”. (ILLICH, 1985a, p. 148).
Illich acredita que uma forma simples de canalizar fundos públicos para os professores
sem certificados, seria “institucionalizar o intercâmbio de habilidades, criando centros livres,
abertos ao público”. Esses centros poderiam, inclusive, ser instalados em áreas industriais, se
certas habilidades ali aprendidas fossem requisitos fundamentais do setor industrial em
questão, tais como: leitura, digitação, contabilidade, língua estrangeira, programação de
computadores, manejo de certas máquinas, etc. (ILLICH, 1985a, p. 148).
Illich acredita que
Poderia ser providenciado um sistema de crédito educacional em todo em todo e
qualquer centro de capacitação, com quantias limitadas, para pessoas de todas as
idades, e não apenas para os pobres. Eu imagino este crédito sob a forma de um
passaporte educacional ou uma carteirinha edu-crédito, entregue a cada cidadão ao
nascer. Para favorecer aos pobres que provavelmente não usariam cedo seus subsídios
anuais, poderia haver uma cláusula dispondo que haveria certas vantagens para os
usuários tardios dos direitos acumulados. Esses créditos vão permitir que a maioria
das pessoas adquiram as habilidades mais demandadas quando quiserem, melhor, mais
rapidamente, com menor custo e com menos efeitos colaterais indesejáveis do que na
escola. (ILLICH, 1985a, p. 40).
Illich ressalta ainda que montar intercâmbios educacionais de habilidades significa,
sobretudo, facilitar às pessoas, e ainda mais aos jovens, “perseguir objetivos que podem entrar
em contradição com os ideais de algumas pessoas, ao regular o tráfico tornam possível o seu
exercício”. (ILLICH, 1985a, p. 160).
Para Illich, tanto o encontro de parceiros, quanto o intercâmbio de habilidades, se
apóiam na seguinte premissa: “a educação para todos os homens significa a educação por
todos eles”.
3924
A terceira categoria pensada por Illich (o encontro de parceiros), tem a intenção de
fazer com que as pessoas, em um dado momento de sua vida, compartilhem interesses
específicos. Parceria esta que beneficiaria ambos os lados. Algo que não acontece com
regularidade nas escolas, pois elas têm que descobrir os interesses comuns de seus alunos
após a matricula.
No pior dos casos, as escolas reúnem os condiscípulos na mesma sala e os submetem
ao mesmo tratamento seqüencial nas matemáticas, na educação moral e cívica e na
alfabetização. No melhor dos casos, permitem ao estudante escolher, dentro de um
limitado número de cursos, um deles. Em ambos os casos, formam-se grupos de
parceiros ao redor das metas de professores. Um sistema educacional proveitoso
deixaria cada um definir a atividade para a qual procuraria um parceiro. (ILLICH,
1985a, p. 150).
A rede de encontros entre parceiros de mesmo interesse, serviria para desenvolver e
estimular toda a capacidade do aprendiz, pois este estaria em contato, apenas, com pessoas
que se interessam previamente por determinado assunto, além delas não estarem obrigadas.
As pessoas pagariam, andariam grandes distâncias para encontrar parceiros de interesse em
comum, as quais seriam recompensadas pelo esforço de encontrar e partilhar idéias e ações.
As grandes religiões (por exemplo) sempre reconheceram a importância de encontros
de pessoas distantes, e os fiéis sempre encontraram libertação neles; as peregrinações,
o monaquismo, a manutenção conjunta de templos e santuários são provas disso. O
encontro de parceiros poderia ajudar muito a tornar explícitas as inúmeras
comunidades potenciais, mas abafadas, da cidade. (ILLICH, 1985a, p. 156).
O encontro de parceiros serve para, paralelamente ao intercâmbio de habilidades,
discutirem uma habilidade adquirida recentemente.
Enquanto o sistema de intercâmbio de habilidades necessita de incentivo financeiro
para o seu funcionamento, ou de uma moeda própria, o encontro de parceiros não precisa
desse recurso. Precisa, apenas, de uma boa rede de comunicação.
O funcionamento de uma rede de encontros é, bastante simples e bem menos oneroso
segundo Illich, “é interessante que este processo tão simples nunca tenha sido usado, em larga
escala, para alguma atividade pública de valor”: (ILLICH, 1985a, p. 152).
O candidato se identificaria, dando nome e endereço, e descreveria a atividade para a
qual procura um parceiro. Um computador lhe remeteria os nomes e endereços de
todos os que tivessem dado a mesma descrição... Em sua forma mais rudimentar, a
comunicação entre o cliente e o computador seria feita por resposta postal. Nas
grandes cidades, os telex poderiam dar respostas imediatas. A única maneira de obter
um nome e endereço do computador seria inserir a descrição de uma atividade para a
qual se procura um parceiro. As pessoas que usassem este sistema só ficariam
conhecidas por seus parceiros potenciais (ILLICH, 1985a, p. 153).
Além do computador, poderia existir, paralelamente, uma rede de boletins
informativos impressos ou não, livros, filmes, programas de TV ou ainda anúncios
3925
classificados de jornais, dando suporte a teia de aprendizagem, enumerando as atividades para
as quais o computador não conseguisse arranjar os encontros, garantindo o direito a livre
reunião, ao livre treinamento e aprendizagem de qualquer pessoa, de qualquer idade ou sexo.
Segundo Illich, reunir pessoas de interesses comuns é bastante fácil e simples, pois
deixa a iniciativa de combinar o encontro com o indivíduo. Eles combinariam o melhor local
e estabeleceriam o tempo suficiente.
O encontro de parceiros locais pode ajudar a recuperar a iniciativa de convocar
colegas para discutir assuntos políticos locais, inclusive, perdido com o tempo nas grandes
cidades.
Enquanto numa sociedade escolarizada confiamos nos médicos, advogados,
psicólogos porque possuem um certificado emitido por uma instituição burocrática
especializada,
Numa sociedade desescolarizada, os profissionais já não poderão exigir a confiança de
seus clientes, baseados em seu diploma, ou confirmar sua reputação remetendo
simplesmente seus clientes a outros profissionais que certifiquem a escolarização dos
primeiros. Em vez que confiar em profissionais, deveria ser possível, a qualquer
tempo e para qualquer cliente potencial, consultar outros clientes de determinado
profissional para ver se estavam satisfeitos com ele. Isto poderia ser feito através de
outra rede de parceiros, facilmente estabelecida por um computador ou por outros
meios. Essas redes poderiam ser consideradas serviços públicos, nos quais os
estudantes pudessem escolher seus professores e os pacientes seus doutores. (ILLICH,
1985a, p. 157).
Segundo Illich, as “teias educacionais” (educação não-formal), têm a intenção de
valorizar “a procura por pessoas com conhecimentos práticos que estejam dispostas a amparar
o novato em sua aventura educacional”, enquanto as escolas formais tendem ao sufocamento
dos aprendizes. Para Illich, na medida que desaparecer a figura formal, institucional do
mestre-escola, do professor, aparecerão cada vez mais a vocação de educadores
independentes. (ILLICH, 1985a, p. 158).
O florescimento de educadores independentes será o que há de sobrevir se
desenvolvermos os três primeiros intercâmbios educacionais e o que for necessário
para seu funcionamento, pois tanto os pais quanto os outros educadores precisaram de
orientação, os autodidatas precisam de assistência e as redes precisam de pessoas para
operá-las. (ILLICH, 1985a, p. 158).
Illich apontou algumas características sobre o perfil desse educador independente,
contudo o seu perfil será construído de acordo com a necessidade da sociedade e as novas
demandas intelectuais de educadores, aprendizes e pais.
3926
Um profissional educacional independente dessa natureza, porém, há de receber com
satisfação muitas pessoas que as escolas rejeitam e vem rejeitando, mas, por outro lado,
também rejeitará muitas pessoas que foram qualificadas como excelentes pelas escolas.
A instalação e o funcionamento dessas redes educacionais funcionariam de maneira
diferente das escolas, pois, coisas como: “disciplina estudantil, relações públicas, salários,
supervisão e dispensa de professores nunca terão lugar...”. Da mesma forma, para ele, não
terão vez a elaboração de currículos previamente determinados, a venda de qualquer material
didático como livros-textos, plano de aula e registro de presença, coisas que consomem muito
tempo dos professores. (ILLICH, 1985a, p. 160).
A preocupação central das redes de aprendizagem, descritas por Illich, busca fazer
emergir a autonomia de cada estudante, pois ele seguirá seu próprio caminho educativo.
Dentro da teia educacional o educador profissional, pessoa com conhecimento prático
reconhecida pela comunidade ou pelo aprendiz, não ocupará tanto tempo do aluno como
tradicionalmente os professores fazem. Porém, “o estudante inteligente há de procurar,
periodicamente, conselho profissional: assistência para fixar novo objetivo, esclarecimento
para dificuldades encontradas, escolha entre possíveis métodos” (ILLICH, 1985a, p. 161)
pois, orientações e aconselhamentos são serviços importantes, mesmo agora, prestados pelos
professores.
Dessa forma
enquanto os administradores das redes estarão voltados sobretudo em assegurar aos
estudantes as vias de acesso aos recursos educativos, o pedagogo ajudará o estudante a
encontrar o caminho que, mais rapidamente o levará à meta. Se um estudante quisesse
aprender cantonês com um vizinho chinês, o pedagogo estaria pronto a julgar a
eficiência de ambos, ajuda-los a escolher o livro-texto e os métodos mais indicados a
seus talentos, caráter e tempo disponível para o estudo. Poderia aconselhar o aspirante
a mecânico de aviação a encontrar os melhores lugares de aprendizagem. Poderia
recomendar livros a alguém que quisesse encontrar colegas para discutir História da
África. Tanto o administrador da rede, quanto o conselheiro pedagógico devem
considerar-se educadores profissionais. Os indivíduos poderiam valer-se de bolsas de
estudo para ter acesso tanto a um quanto a outro. (ILLICH, 1985a, p. 161).
Considerações Finais
Com isso, Illich pretende construir uma sociedade que seja capaz de, cada vez mais,
tomar iniciativas educacionais, seja por meio do direito de convocar reuniões através de
parceiros, seja tendo acesso à própria aprendizagem. Dessa forma, naturalmente, irão surgir
líderes educacionais, papel esse mais indefinível do que o do administrador profissional ou do
pedagogo.
3927
O relacionamento de mestre e aluno não está restrito à disciplina intelectual. Tem sua
contrapartida nas artes, na física, religião, psicanálise e pedagogia. Cabe também no
alpinismo, ourivesaria, política, carpintaria e administração de pessoal. O que é
comum a todo verdadeiro relacionamento mestre-aluno é a certeza de ambos que seu
relacionamento é literalmente incalculável e, de maneiras bem diversas, um privilégio
para ambos. (ILLICH, 1985a, p. 163).
A proposta de desescolarização defendida por Illich, é entendida como o inverso da
produção industrial de massa e obrigatória das escolas. Os instrumentos que regem essa
educação são diferentes dos instrumentos da classe dominante. A convivencialidade é
construída a partir da espontaneidade, enquanto o processo de escolarização ou qualquer outro
institucional, é resultado de um reflexo condicionado, uma resposta a um indivíduo que o
sujeito não conhece, a não ser por um meio artificial; as relações convivenciais são ações de
pessoas que participam da construção da vida em sociedade. Por isso, transformar a
produtividade em convivencialidade é substituir um valor técnico por um valor ético, um
valor material por um valor realizado.
A sociedade, pós-industrial, imaginada por Illich seria sustentada por um tripé, três
valores básicos: sobrevivência, eqüidade - nas distribuições dos produtos industrializados e
autonomia criadora, em que o exercício da criatividade de um pessoa não possa, nunca, impor
um trabalho, um conhecimento ou um consumo obrigatório as outras.
Essa sociedade convivencial, pós-industrial, “não será produto de uma classe de
burocratas, nem efeito de um cálculo dos tecnocratas, será resultado do idealismo dos
humildes”. (ILLICH, 1985b, p. 33)
A convivencialidade é a liberdade individual, realizada dentro do processo de
produção. Illich propõe uma mudança radical porque quer mudar uma dura realidade:
El mundo actual está dividido en dos: están aquellos que no tienen lo suficiente y
aquellos que tienen demasiado; aquellos a quienes los automóviles sacan de la
carretera y aquellos que conducen esos vehículos. Los pobres se sienten frustrados y
los ricos siempre insatisfechos. (ILLICH, 1985b, p. 34).
A sociedade convivencial, segundo Illich, se livrará dos contratos e das amarras
sociais do capitalismo, garantindo a cada homem livre acesso às ferramentas educacionais de
sua comunidade. Isso porque não haverá a propriedade particular dos meios de produção.
Estes serão públicos, portanto comunitários.
REFERÊNCIAS
IILICH, Ivan. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. 3º. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, c1975. 196 p.
3928
__________. After Deschooling What? 1973, publicado en castellano como Un Mundo sin
Escuelas
en
1977,
obra
on-line,
Disponível
em:
<http://
foroplanetario.com.ar/docs/Articulos.php?IdArticulo=29. Acesso em: 17 Julho de 2007
__________. Celebração da consciência. 2°. ed. Petrópolis: Vozes, 1976.
__________. Educação e liberdade. São Paulo: Imaginário, 1990.
__________. En America Latina: Para qué Sirve la Escuela? 1974, Hay partes que datan
de
1970,
obra
on-line.
Disponible
em
http://foroplanetario.com.ar/docs/Articulos.php?IdArticulo=29. Acesso em: 17 Julho de 2007
__________. La Convivencialidad, 1985b, Obra on-line.
http://www.ivanillich.org/LiConviven.htm. Acesso em: 17 Julho de 2007
Disponible
em:
__________. O direito ao desemprego criador: a decadência da idade profissional. Rio de
Janeiro: Alhambra.
__________. Sociedade sem escolas. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1985a. 186 p. (Coleção
educação e tempo presente ; 10)
__________. After Deschooling What? New York: Harper & Row, 1973.
FREIRE´S AND ILLICH´S. Conscientization and Deschooling. Philadelphia: The
Westminster Pres, 1976.
FREIRE, Paulo & ILLICH, Ivan. Dialogo: análisis crítico de la “desescolarización” y
“concientización” en la coyuntura actual del sistema educativo. Buenos Aires: Ediciones
Busqueda, 1975.
Download