Diagnóstico precoce em câncer gástrico

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Diagnóstico precoce em câncer
gástrico – importância, desafios
no Brasil e a experiência oriental
Divulgação
Introdução
Felipe José
Fernández Coimbra
* Cirurgião oncológico;
diretor do Departamento
de Cirurgia Abdominal –
Hospital A.C.Camargo
Contato:
[email protected]
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O câncer gástrico é uma das principais causas de
óbito por câncer no Brasil e no mundo. Nos países
do Oriente encontram-se as maiores taxas de incidência. Entretanto, a mortalidade ajustada para
idade tem diminuído nas últimas duas décadas, de
cerca de 70 para 35 por 100.000 homens e de 34
para 13/100.000 mulheres.
Sabe-se que as chances de cura desse tumor
estão diretamente relacionadas ao estadiamento
clínico. Quanto mais precoce o diagnóstico,
maiores as chances de cura, desde que seja realizado um tratamento oncológico adequado. Entretanto, a detecção precoce no Brasil é a exceção, seja
em fase assintomática ou com sintomas iniciais. Estima-se que apenas cerca de 10% a 15% dos casos
de câncer gástrico no Brasil sejam diagnosticados
em fase precoce, o que impacta diretamente nos resultados, com baixos índices de sobrevida. Na
maioria das casuísticas nacionais, a sobrevida é inferior a 30%.
O contrário tem sido observado nos países com
elevada incidência desse tumor e que desenvolveram políticas públicas de prevenção e diagnóstico em fase inicial, baseadas em exames de imagem
e/ou endoscopia nas populações como um todo.
Para que isso aconteça, é fundamental um
atendimento médico e interdisciplinar, desde o
atendimento mais básico até a chegada ao especia lista, com agilidade também na realização de exames adequados à investigação de sintomas. Isso é
particularmente importante em grupos de risco ou
pacientes com sinais de alerta, como anemia, dor,
emagrecimento, idade superior a 50 anos, história
familiar de câncer etc. É comum se observar a
demora de até seis meses entre os primeiros sintomas e o diagnóstico, tanto no sistema de saúde
público como no privado. Isso se deve, na maioria
das vezes, à demora do médico na solicitação do
exame, no caso a endoscopia. Em vez disso, inicia
tratamento empírico prolongado, sem a adequada
investigação do sintoma.
Para caminhar ainda mais nesse sentido, vale
observar a experiência dos países orientais, em especial Japão e Coreia do Sul, demonstrando um
índice de diagnóstico de tumores precoces superior
a 50%, o que, associado a um tratamento oncológico cirúrgico adequado e padronizado em
todos os centros de tratamento referenciados, leva
a índices de sobrevida global em cinco anos superiores a 60% e, por consequência, diminuição significativa dos custos de saúde.
Endoscopia digestiva alta (EDA)
As principais indicações para solicitar a realização de
endoscopia digestiva alta são disfagia (dificuldade de
engolir), refluxo gastroesofágico, náuseas e vômitos
persistentes, vômitos ou fezes com sangue. Também
há indicação clara para qualquer paciente acima de
45 anos com queixas digestivas (queimação, azia,
dor, má digestão, refluxo etc.) ou em qualquer idade,
se houver anemia, em especial a ferropriva, disfagia,
perda de peso, dor abdominal ou outras queixas digestivas persistentes
ou recorrentes, após um curto período de observação ou tratamento.
Atenção deve ser dada para indivíduos com história familiar de
câncer de estômago, assim como de outros tumores, síndromes hereditárias de câncer (Lynch, SCHDH etc.) e teste diagnóstico positivo para
Helicobacter pylori (H. pylori). Com essas recomendações praticadas na
clínica diária, espera-se detectar cada vez mais tumores do estômago
numa fase mais precoce, principalmente levando-se em consideração
que os sintomas iniciais são facilmente confundidos com os de doenças
benignas, como gastrite, doença do refluxo gastroesofágico e úlceras.
Quais as indicações de triagem na prática clínica?
Esse assunto é bastante controverso na prática clínica, em especial em
países de risco populacional baixo a moderado, como é o caso do Brasil
e da maioria dos países do Ocidente. A grande questão a respeito da
realização de exames de screening para câncer gástrico na população
assintomática é o custo, não apenas financeiro, mas com os riscos inerentes a um exame que poderá ser repetido com certa frequência, apesar de muito seguro, versus a real chance de se detectar um tumor
gástrico assintomático na população ocidental. Outra questão é a falta
de estudos que comprovem que exames de screening sejam custo-efetivos, mesmo em algumas populações de maior risco.
Aceita-se praticamente em todos os países ocidentais que exames
populacionais de screening são pouco custo-efetivos e, portanto, não
recomendados. Entretanto, do ponto de vista individual, aceita-se que
a realização de endoscopia digestiva alta, a cada um a dois anos, pode
ser benéfica em populações reconhecidamente de alto risco para o desenvolvimento de câncer gástrico, devendo o paciente estar ciente dos
potenciais riscos e benefícios do exame. Contudo, faltam diretrizes
para guiar os médicos especialistas e generalistas no Ocidente.
Outro ponto de discussão é a própria eficácia da endoscopia digestiva alta na detecção de tumores gástricos precoces no dia a dia
do endoscopista. Sabemos que o exame de rotina realizado pela
maioria dos endoscopistas no Brasil, por exemplo, é um exame
rápido, muitas vezes pouco focado na detecção de pequenas lesões
de mucosa. O exame recomendado para a triagem de pacientes com
alto risco para câncer gástrico deve ser mais cuidadoso, no sentido
de encontrar mínimas alterações de mucosa para biópsia. Trata-se,
portanto, de exame mais prolongado, com a pesquisa obrigatória de
H. pylori, realização de múltiplas biópsias aleatórias, com utilização
de cromoscopia em áreas suspeitas.
Pacientes que consideramos como grupos de risco no Departamento de Cirurgia Abdominal do Hospital A.C.Camargo, de acordo
com a literatura médica, são aqueles com pólipos adenomatosos no
estômago, síndromes hereditárias adenomatosas, gastrite atrófica, in-
fecção por H. pylori, assim como indivíduos de famílias com síndrome
do câncer gástrico difuso hereditário. Nessa situação, pode haver a indicação de gastrectomia profilática e não de endoscopia, pela baixa
sensibilidade da EDA para detectar lesões tipo anel de sinete com
crescimento submucoso. Também são considerados do grupo de risco
pacientes com FAP (polipose adenomatosa familiar), HNPCC (câncer
colorretal hereditário sem polipose) e gastrectomizados. Neste último
grupo, cabe distinguir aqueles que foram submetidos a cirurgias gástricas por úlcera, que estão sob risco aumentado, daqueles que tiveram
gastrectomias para redução do estômago em cirurgia bariátrica, para
os quais não se sabe o risco eventual que pode estar associado. Por
fim, consideramos para rastreamento os pacientes de famílias oriundas
de regiões de alto risco para esse tumor, como japoneses, chineses e
coreanos, em especial os não descendentes.
A experiência japonesa na triagem populacional – The Japanese
Guidelines for Gastric Cancer Screening
No século passado, por volta de 1960, a realização de exames de prevenção (screening) foi iniciada numa pequena província japonesa
chamada Miyagi, utilizando-se estudo radiográfico contrastado do estômago. Em 1983, o screening para câncer gástrico foi introduzido
para todos os residentes no Japão, a partir de 40 anos. Em 2004, a taxa
de adesão ao teste era em torno de 13%.
Embora o estudo radiográfico contrastado seja o método recomendado como política de saúde pública, outros métodos, incluindo endoscopia, teste do pepsinogênio sérico e anticorpo anti-H. pylori, têm
sido utilizados na prática clínica naquele país. Contudo, a eficácia
desses métodos permanece a ser demonstrada.
Métodos de avaliação
Os principais métodos de avaliação disponíveis atualmente são estudo
radiográfico contrastado, endoscopia digestiva alta, pepsinogênio
sérico e teste de pesquisa de anticorpos anti-Helicobacter pylori.
Os testes de pesquisa de H. pylori e do pepsinogênio não devem
ser encarados como testes para detectar o câncer diretamente, mas
como identificadores de grupos de risco. O H. pylori, como promotor
de cascata de evolução de lesões pré-malignas, e o pepsinogênio, como
marcador de gastrite atrófica.
Estudo radiográfico contrastado
Segundo as diretrizes japonesas, o estudo radiográfico contrastado tem nível de evidência 2++, de alta qualidade. Significa que
o método é embasado por estudos caso-controle ou coortes, com
baixo risco de vieses.
Nessa análise, foram avaliados cinco estudos tipo caso-controle
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e dois estudos coorte, todos observacionais. Um único estudo foi realizado na Venezuela, e os demais, no Japão. A maioria dos estudos
caso-controle sugeriu uma redução da mortalidade por câncer
gástrico de 40% a 60% com o uso do exame contrastado. A sensibilidade do exame varia de 60% a 80% e a especificidade de 80% a
90%. A sobrevida dos grupos com screening e sem screening foi
comparada e se observou redução na mortalidade em cinco anos:
74% a 80% versus 46% a 56% no grupo em que o tumor foi descoberto na prática clínica habitual.
Endoscopia
A endoscopia apresenta nível de evidência 2-, de baixa qualidade.
Significa que o método é embasado por estudos caso-controle ou
coortes, com elevado risco de vieses.
Embora não existam estudos que tenham avaliado o papel da endoscopia na redução de mortalidade no Japão, existe um estudo chinês
realizado numa região de elevada incidência de câncer gástrico. De
1989 a 1999, foram realizadas endoscopias em cerca de 4,4 mil
moradores dessa região. A mortalidade e a incidência do câncer
gástrico foram monitoradas até o ano 2000. Nesse período, 85 tumores
foram encontrados, dos quais 29 eram precoces. Não se observou redução de mortalidade nesse estudo.
Somente dois estudos avaliaram a acurácia da endoscopia nesse
cenário. No primeiro, a sensibilidade da EDA foi de 77,8%, baseada em
um seguimento de três anos. Entretanto, o público-alvo desse estudo era
de pacientes sintomáticos. Outro estudo demonstrou sensibilidade de
84%. Nenhuma dessas investigações avaliou a possível redução de mortalidade entre grupos com e sem screening. Assim, os possíveis efeitos
adversos da EDA nesses pacientes não foram estabelecidos.
Teste de pepsinogênio sérico
É um método com nível de evidência 2-, de baixa qualidade.
Significa que é embasado por estudos caso-controle ou coortes, com
alto risco de vieses.
Um dos principais estudos foi realizado numa pequena região de
Tóquio, analisando os registros de óbito oficiais, com três mortes identificadas por câncer gástrico. Quando comparados com a mortalidade
por câncer gástrico no país todo, observou- se um risco relativo de
0,34 para o grupo que realizou screening. Entretanto, há muitas limitações para esse estudo, como a falta de controle do histórico de
outros protocolos de screening na mesma população, pequeno seguimento e ausência de pareamento dos grupos estudados.
Outros estudos reportam a sensibilidade do teste de
pepsinogênio sérico comparado a EDA realizada no mesmo período.
A sensibilidade do pepsinogênio variou de 40% a 80%, porém com
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sensibilidade inferior a 80%.
É importante salientar que o pepsinogênio sérico é um teste para
detectar gastrite atrófica, portanto um teste indireto para detectar
câncer precoce. Sua maior importância talvez seja identificar grupos
de risco para screening.
Teste de pesquisa de anticorpos anti-Helicobacter pylori
Nível de evidência 2-.
Diversos estudos demonstram um aumento de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico para pessoas infectadas pelo
H. pylori (HP), assim como sua correlação com lesões pré-malignas.
Potencialmente uma população com elevado risco para o desenvolvimento para o câncer gástrico poderia ser determinada pela
combinação da detecção de H. pylori e a pesquisa do pepsinogênio.
Watanabe et al. fizeram seguimento de 9.293 indivíduos que estavam fazendo screening tanto para H. pylori quanto para
pepsinogênio, por 4,7 anos. Comparando os resultados dos grupos
que tinham H. pylori e pepsinogênio negativos com os demais grupos, observou-se risco elevado nos demais.
Pepsinogênio+, HP- (2.134) ⇒ HR 1,1
Pepsinogênio-, HP+ (1.082) ⇒ HR 6,0
Pepsinogênio+, HP+ (443) ⇒ HR 8,2
Yamanoi et al. demonstraram a sensibilidade de 87,1% para teste
HP e especificidade 40,8%. Estudo recente, por You et al., demonstrou que a erradicação do HP diminuía a prevalência de lesões précancerosas no estômago. Outro estudo, realizado em região de alta
incidência de câncer gástrico, demonstrou que a erradicação do HP
diminuiu significativamente a incidência de câncer gástrico nos pacientes que não tinham lesões consideradas pré-malignas, sem afetar,
no entanto, a incidência na população geral.
Recomendações
Neste guideline, o exame contrastado foi estabelecido como recomendação grau B, ou seja, é recomendado para a política de saúde pública
e em screening de oportunidade (grupos de demanda espontânea). Os
outros métodos não foram recomendados para a população geral, em
virtude de dados insuficientes na literatura. Em screening de oportunidade, os indivíduos devem ser devidamente orientados quanto aos
riscos e às limitações de cada método, e a escolha deve ser individualizada, baseada nos riscos estimados de cada paciente.
Conclusão
O câncer gástrico é a segunda maior causa de óbito dentre todos os
tipos de câncer, e sabemos que as chances de cura dos pacientes
acometidos estão diretamente relacionadas ao estadiamento no momento do diagnóstico. No Brasil, estima-se que apenas cerca de 10%
desses tumores sejam detectados em fase inicial, versus mais de 50%
em países orientais, como o Japão. A realidade brasileira se deve ao
atraso no diagnóstico e início do tratamento, tanto no sistema de
saúde pública quanto no privado, o que torna fundamentais a realização de políticas públicas nesse sentido e o empenho dos profissionais de saúde, oncologistas e não oncologistas, no diagnóstico
precoce desses tumores.
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