1 Tecnologias de Restrição do Uso Genético (GURTs) Apresentação O QUE SÃO? As ‘Tecnologias de Restrição do Uso Genético’ (GURTs) consistem num termo geral que abrange diversas técnicas e aplicações de controle da expressão dos genes. Outros termos usados para designar tanto essa tecnologia como suas aplicações específicas são: ‘Sistema de Proteção de Tecnologia’, ‘Sistema de Proteção de Genes’ e ‘Tecnologia do Interruptor Químico’. Alguns ativistas intitularam/cognominaram tecnologias específicas como ‘Tecnologia Exterminadora’ ou ‘Tecnologia Traidora’. As GURTs destinam-se a controlar a expressão de um determinado gene. Incorpora-se ao material genético da planta um bloco de genes, que pode ser ‘ligado’ ou ‘desligado’ por meio de um estímulo externo. As GURTs permitem controlar a germinação de sementes ou a expressão de um gene que codifica uma característica de valor agregado. POR QUE? O desenvolvimento de uma nova variedade vegetal envolve muito capital e exige grandes investimentos financeiros. É, pois, essencial para as empresas de biotecnologia obter retorno de seus investimentos. Os mecanismos legais vigentes – patentes e contratos de ‘uso de tecnologia’ – criados para gerar tal retorno não garantem proteção completa, uma vez que não têm validade no mundo todo. Com essa nova tecnologia, podem-se substituir os meios legais por meios técnicos. As GURTs conseguem assim se mostrar mais abrangentes, eficientes e menos limitadas por restrições de tempo e lugar do que a proteção conferida por direitos de propriedade intelectual. As GURTs também se prestam como ‘mecanismo de segurança’ visando a evitar a reprodução indesejada de uma certa variedade vegetal ou de um atributo de valor agregado com características específicas (medicinais ou industriais, por exemplo) e a assegurar que tais plantas não entrem na cadeia alimentar. COMO? Existem diversos tipos de GURTs. Todas consistem em componentes transgênicos que fazem parte de uma rede complexa de genes e de promotores de genes inativos no estado normal e passíveis de ser ativados mediante a aplicação de estímulo externo. Potencialmente, pode-se incorporar a tecnologia a qualquer espécie agrícola, desde que se disponha de tecnologias de transformação adequadas. PROBLEMAS E QUESTÕES O desenvolvimento das GURTs ainda se encontra num estágio muito experimental, e tão cedo elas não deverão entrar no comércio. Apesar disso, têm despertado imensa atenção da mídia e contribuído para intensificar o debate sobre biotecnologia vegetal. Embora se estejam criando diversos tipos de GURTs, o foco de toda a atenção se tem concentrado sobre um determinado tipo de GURT que controla a germinação, desenvolvido conjuntamente pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e pela Delta & Pine Land Company (D&PL). Vem-se manifestando grande preocupação a respeito do possível impacto dessa tecnologia sobre a prática de guardar sementes e a respeito da biodiversidade genética, das sociedades e das economias. Essas são questões que têm suscitado veementes discussões. CONCLUSÃO Este documento propõe-se a fornecer uma idéia geral dos diferentes tipos de GURTs que estão sendo desenvolvidos. Indica suas possíveis aplicações e dedica atenção às preocupações que essas tecnologias despertam, postuladas por diversos grupos. 2 Artigo I. INTRODUÇÃO Muitas empresas de biotecnologia vêm desenvolvendo tecnologias cujo objetivo é assegurar que determinadas propriedades introduzidas nas plantas possam ser ativadas por meio de tratamento químico. A intenção é usar a modificação genética para inserir nessas plantas um mecanismo de “interruptor” genético. A tecnologia poderia ser empregada, por exemplo, para controlar a expressão de genes que conferem resistência fúngica. Outra aplicação seria a introdução de um mecanismo de “interruptor” genético para impedir a germinação da semente de segunda geração. Todas essas técnicas se enquadram no termo geral de ‘Tecnologias de Restrição do Uso Genético’ (GURTs). O fato de certas empresas de biotecnologia estarem desenvolvendo essas técnicas chegou pela primeira vez ao conhecimento do público após a divulgação de que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Delta & Pine Land Company (D&PL) haviam recebido a concessão de uma patente americana em 3 de março de 1998 para uma nova (bio)tecnologia desenvolvida em parceria. Essa patente americana, intitulada ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ (US 5.723.765), descreve diversos métodos técnicos pelos quais as plantas podem ser programadas de modo a gerar sementes estéreis, incapazes de germinar quando plantadas. Esse processo hipotético de controle da germinação está se tornando conhecido como ‘Tecnologia Terminadora’, ou ‘Exterminadora’, e constitui-se uma das possibilidades de aplicação das GURTs. Inicialmente, os inventores dessas tecnologias alardearam-nas como importante inovação na biotecnologia agrícola. Alegavam que elas permitiriam aos especialistas em melhoramento de plantas e às companhias de sementes proteger melhor sua propriedade intelectual contida nessas sementes e, por conseguinte, consistiriam num incentivo para as empresas investirem em tecnologias futuras. Além disso, evitariam a disseminação indesejada de plantas e atributos transgênicos. A concessão da patente americana (US 5.723.765) não passou despercebida. Logo depois da concessão da patente, a Fundação Internacional para o Progresso Rural (RAFI), organização não governamental sediada em Winnipeg, Canadá, lançou uma campanha de conscientização pública. E alcançou êxito: os potenciais impactos dessa tecnologia sobre a diversidade genética, sobre as sociedades e sobre as economias transformaram-se em alvo de veementes debates, tanto na mídia quanto em fóruns internacionais. A discussão ainda se acalorou mais pelo fato de a Monsanto, empresa líder em biotecnologia, estar1 envolvida no processo de aquisição da D&PL. A Monsanto havia anunciado que não pretendia comercializar a semente estéril de ‘Tecnologia Exterminadora’. Outras empresas produtoras de semente também não tinham intenção de usar o controle da expressão de genes para evitar a germinação de sementes em culturas agrícolas alimentícias, somente em casos específicos como o da produção de produtos não alimentícios. 1 Esta tentativa de aquisição foi posteriormente suspensa. 3 Embora já se tenham patenteado certos métodos de GURT, até agora não se colocou em prática nenhuma forma de GURT. O desenvolvimento de GURTs é muito complexo, pois exige a construção de vários genes na planta. Devido às atuais limitações técnicas, não é provável que as GURTs venham a ser comercializadas antes de pelo menos cinco anos. 4 II. GURTS DE VARIEDADE VERSUS GURTS ESPECÍFICAS PARA O ATRIBUTO Introdução Podem-se distinguir duas grandes categorias das Tecnologias de Restrição do Uso Genético (GURTs): as GURTs para o nível da variedade (V-GURTs) e as GURTs específicas para o atributo (T-GURTs). Ambas consistem numa complexa matriz de genes e de promotores de genes que não apresentam atividade em seu estado normal mas são passíveis de ativação por estímulo externo. Por meio das V-GURTs, desenvolvem-se plantas que produzem sementes não viáveis. As V-GURTs atuam ao nível da variedade hospedeira e protegem tanto a planta quanto o atributo de valor agregado. A chamada ‘Tecnologia Exterminadora’ é um exemplo desse tipo de GURT. Já nas T-GURTs, apenas o(s) atributo(s) transgênico(s) de ‘valor agregado’ das sementes recebem proteção por meios técnicos. Esses atributos transgênicos de ‘valor agregado’ podem ser ativados pelos agricultores ou por quem quer que venha a utilizar a semente. Dessa forma, as T-GURTs agem somente no nível do transgene introduzido e protegem somente o(s) atributo(s) de valor agregado. V-GURTs: um tipo específico de GURT que age no nível da variedade hospedeira Conforme explicado acima, as V-GURTs levam à formação de plantas que produzem sementes não viáveis. Diversos protótipos de V-GURTs encontram-se em vias de desenvolvimento pelas grandes empresas de biotecnologia. O conhecido sistema de ‘Controle da Expressão dos Genes em Plantas’, da D&PL/USDA, descrito na patente americana 5.723.765, constitui-se um exemplo de V-GURT. As plantas foram geneticamente modificadas pela construção dentro delas de um sistema muito complexo composto de vários genes. Esse sistema se ativaria pela aplicação de um estímulo externo imediatamente antes de se venderem as sementes ao agricultor. As sementes preservariam a capacidade de se transformar em plantas saudáveis, que produziriam flores e sementes. Tais sementes, porém, se mostrariam estéreis e incapazes de germinar, obrigando o agricultor a adquirir todas as suas sementes anualmente do produtor. Sob o ponto de vista técnico, o sistema de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ se revela demasiado complexo, o que diminui muito suas chances de vir a transformar-se em método viável de lidar com uma V-GURT, a menos que sofra aperfeiçoamentos substanciais, sendo considerado apenas como protótipo. O sistema de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ é explicado em detalhes no apêndice técnico como exemplo de V-GURT. A diferença entre V-GURTs e híbridos 5 Essa tecnologia de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ muitas vezes é comparada ao desenvolvimento híbrido, tendo em vista que nos dois casos o agricultor precisa adquirir novas sementes para cada estação de plantio. Entretanto, existem também algumas diferenças importantes entre híbridos e V- GURTs. Obtêm-se os híbridos após o cruzamento genético de duas linhas totalmente não aparentadas, e eles geralmente apresentam heterose ou vigor híbrido. Esse vigor híbrido diminui substancialmente a cada plantio sucessivo; a prole de uma cultura híbrida não apresenta as mesmas características que o híbrido original. Outra característica dos híbridos reside no fato de gerarem plantas muito homogêneas, indicando que todas as plantas de um campo amadurecem ao mesmo tempo. Se sua semente for semeada novamente, a homogeneidade se perderá, uma vez que algumas plantas amadurecerão mais rapidamente que outras. Esse fato causa graves perdas de qualidade. A perda de vigor híbrido e de homogeneidade estimulam o agricultor a comprar novas sementes híbridas a cada ano. Nas V-GURTs, por outro lado, a germinação simplesmente não acontece, impossibilitando por completo a reutilização de sementes. Outro aspecto importante é que a produção de híbridos limita-se a algumas espécies de cultura, dependendo dos sistemas naturais de melhoramento genético, ao passo que a V-GURT pode teoricamente ser introduzida na maioria das espécies vegetais, independentemente do sistema de melhoramento utilizado. Como os agricultores que usam variedades híbridas costumam de fato adquirir novas sementes a cada estação, as empresas mostram-se dispostas a investir pesadamente no desenvolvimento dessas variedades de alta qualidade. A criação de variedades que não podem ser re-semeadas pelo agricultor estimulará as empresas a investirem em V-GURTs no caso das plantas em que a formação de híbridos se mostra inviável ou pouco eficiente, como as espécies autopolinizadoras, entre as quais se incluem o trigo, o arroz, a soja e o algodão. Até agora, testou-se a técnica apenas no algodão e no tabaco, mas espera-se aplicá-la a muitas outras espécies vegetais. T-GURTs: um tipo específico de GURT que age no nível do transgene introduzido Nas T-GURTs, protege-se por meios tecnológicos apenas o atributo de ‘valor agregado’, não a planta inteira. A planta é capaz de reproduzir-se e de produzir sementes férteis. O atributo transgênico de ‘valor agregado’ pode ser ativado conforme o desejo do agricultor. É a ele, pois, que compete a decisão quanto a ativar ou não o atributo. Pode-se distinguir duas formas principais de T-GURTs. Em uma, a expressão do gene que codifica o atributo de valor agregado vincula-se ao emprego de um certo composto ativador. Se o agricultor optar por aplicar o ativador (por ocasião do crescimento das mudas, por exemplo), o atributo transgênico de valor agregado será expresso. Se, no entanto, ele optar por não adquirir o ativador, o atributo de valor agregado não será expresso. Nesse caso, a planta se desenvolverá normalmente e produzirá sementes normais. Quando as sementes colhidas forem replantadas, o 6 atributo de valor agregado não estará ativado, independentemente de ele ter sido ativado na geração anterior. O agricultor contará novamente com a opção de ativar a expressão do gene de valor agregado pela aplicação do ativador. Por este método, o agricultor não precisa comprar suas sementes a cada estação. Caso queira passar para o atributo de valor agregado, terá que adquirir do produtor de tecnologia o composto ativador. No outro tipo de T-GURT, uma intervenção molecular apaga a codificação do gene responsável pelo atributo de valor agregado na germinação, caso não seja aplicado estímulo externo. Nessa situação, a lavoura também se desenvolverá normalmente e produzirá sementes normais se a excisão ocorrer. No entanto, a re-aquisição do atributo depende da aquisição de novas sementes, uma vez que se suprimiu o atributo adicionado. Possíveis aplicações de T-GURTs Formularam-se diversas aplicações possíveis para esse sistema T-GURT. Em carta aberta datada de 24 de fevereiro de 1999, divulgada durante a 4ª reunião do Comitê Subsidiário para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA), ocorrida entre 21 e 25 de junho de 1999, em Montreal, Zeneca, uma das empresas ativas do setor, dirigiu-se ao Professor A. Jefferson, Diretor Executivo da Cambia, declarando publicamente que não estava desenvolvendo nenhum sistema que impedisse os agricultores de plantar sementes de segunda geração, e que não tinham intenção alguma de fazê-lo. Seu interesse residia na “investigação dos benefícios da expressão controlável de genes, o que não impedia que os agricultores viessem a plantar semente de segunda geração”. Entre os exemplos citados pela Zeneca estavam o controle das fases de desenvolvimento da planta, como a floração (de modo a evitar geadas, por exemplo, ou a sincronizar a polinização em híbridos) e o controle das perdas pós-colheita (oferecendo, por exemplo, uma alternativa mais eficiente de supressores de brotos na batata). Outra aplicação possível das T-GURTs consistiria em oferecer uma estratégia mais eficaz do que os refúgios para oferecer resistência contra insetos. Introduzem-se hoje pela engenharia genética genes de toxinas específicas contra pragas de insetos no milho e no algodão, por exemplo. Contudo, essas toxinas são produzidas durante todo o ciclo de desenvolvimento da cultura. Por meio dessas tecnologias, se poderia controlar a expressão de genes de toxina e só ativá-la por tratamento químico caso a lavoura apresentar real ameaça de danos sérios. A técnica permitiria uma menor exposição dos insetos à toxina, tornando menos provável o desenvolvimento de resistência. A Novartis também está desenvolvendo tecnologias similares em que “genes regulados naturalmente só podem ser regulados pela aplicação de um regulador químico à planta”, de acordo com as informações obtidas a partir da patente americana 5.789.214. A patente menciona ainda que uma grande vantagem dessa tecnologia reside no controle da expressão de um certo gene para que ele se manifeste “apenas no momento apropriado e num grau apropriado e, em alguns casos, em partes específicas da planta”. Suponhamos, por exemplo, que os atributos que agregam valor para o agricultor e para o consumidor que precisam ser expressos se mostrem 7 prejudiciais ao crescimento da planta ou à sua germinação. Com o uso das T-GURTs, podem-se acionar os atributos de valor agregado na fase de desenvolvimento necessária ou no momento apropriado, sem interferir no desenvolvimento da planta. 8 III. POSSÍVEIS BENEFÍCIOS E AMEAÇAS DAS GURTS Proteção de investimentos A pesquisa em biologia molecular e biotecnologia para o setor agrícola envolve muito capital. O desenvolvimento de novas variedades vegetais, portanto, exige investimentos vultosos. A proteção da patente possibilita às empresas de biotecnologia manter a lucratividade de sua pesquisa, tendo por objetivo o retorno de seus consideráveis investimentos. A proteção incentiva a pesquisa a buscar o desenvolvimento de variedades de espécies agrícolas de alto valor, que oferecem às empresas melhores perspectivas de alcançar um retorno justo de seus investimentos. Em alguns países, os agricultores que compram determinadas sementes melhoradas pela biotecnologia precisam assinar contratos de ‘uso de tecnologia’, que lhes nega especificamente o direito de propagar seu grão como semente. Esses contratos foram aceitos por muitos agricultores e são vistos por algumas empresas como ferramenta importante e necessária para assegurar retornos compatíveis com seus investimentos. Esses sistemas, entretanto, não se mostram “impermeáveis”. As patentes estão sujeitas a leis nacionais e só vigoram no país de registro. Os contratos de ‘uso de tecnologia’ não são reconhecidos no mundo todo. Incorporar propriedade GURT a uma variedade vegetal seria uma alternativa para proteger os elevados investimentos necessários para desenvolver sementes altamente melhoradas. Por meio delas, os mecanismos legais baseados em patentes ou em contratos de ‘uso de tecnologia’ empregados para proteger um certo investimento se substituiriam por meios técnicos. GURTs como ferramenta para controlar a expressão e a disseminação de genes introduzidos Também se podem empregar as GURTs com outros objetivos além dos relacionados à proteção da propriedade intelectual. Diversas empresas de biotecnologia empreendem pesquisas para desenvolver plantas que produzam substâncias medicinais ou industriais. Por questão de segurança, é preciso impedir a reprodução indesejada da variedade vegetal ou dos atributos de valor agregado. Nesse sentido, as GURTs poderiam ser inseridas como ‘mecanismo de segurança’ para evitar a disseminação acidental desses atributos. Como já se explicou antes, as T-GURTs servem ainda para garantir que os genes só se expressem no momento apropriado, até o grau apropriado e, em algumas situações, em partes específicas da planta. Pode-se ativar a expressão desses genes por meio de tratamento químico. Efeitos ambientais associados ao uso de V-GURTs As V-GURTs revelam-se um meio de evitar que genes introduzidos se disseminem de lavouras geneticamente modificadas para variedades silvestres. O pólen de plantas 9 geneticamente modificadas às vezes espalha-se para outras plantas, introduzindo assim na população silvestre ou em plantas cultivadas nas redondezas atributos novos e indesejados. Já se manifestou o receio de que, pela disseminação de grãos de pólen originários de plantas V-GURT, o ‘atributo estéril da semente’ pudesse espalhar-se pela natureza. Partindo, porém, do princípio de que o atributo é funcional na forma heterozigota, mesmo se ocorresse polinização cruzada entre a planta portadora de sistema V-GURT e outra planta, a progênie resultante seria estéril. Como conseqüência, os genes adicionados não se propagariam mais. Repetindo, como essa tecnologia só se distribui em lavouras autopolinizadoras, o risco de ocorrer transferência do pólen mostra-se demasiado baixo. O emprego das V-GURTS poderia também evitar o crescimento de plantas espontâneas, uma vez que as sementes que sobram no campo não germinam e, portanto, essas plantas não podem ser invasivas. Em virtude dessa característica, as V-GURTs também servem para impedir o aparecimento de brotos – esses rebentos silvestres, em geral, são eliminados com o emprego de inibidores sintéticos. A eficácia de todas essas vantagens teóricas ainda está para ser testada sob condições de estufa e de campo. A implicação para países do Terceiro Mundo Há quem tema que essas tecnologias, em sua forma mais extrema, eliminem a capacidade dos agricultores de replantar as sementes colhidas na estação anterior. Trata-se de questão importante, sobretudo porque nos países em desenvolvimento, a prática de guardar uma pequena quantidade de sementes para replantá-las na estação seguinte é muito comum. A prática de conservação de sementes, conhecida como ‘privilégio do agricultor’ e aplicada há séculos, desempenha papel importante em rituais religiosos e sociais/culturais, contribuindo também para a conservação de variedades locais e, portanto, para a biodiversidade de plantas de interesse agrícola. O ‘privilégio do agricultor’ já foi afetado em muitos países pela introdução de variedades híbridas altamente produtivas e pela legislação em vigor nesses países. Outro argumento levantado contra a aplicação dessas tecnologias é que o uso das GURTs poderia levar a uma concentração ainda maior no setor das sementes agrícolas e no mercado global de fornecimento de sementes. A necessidade dos disparadores químicos As GURTs são acionadas pela aplicação de ativadores químicos externos. Os críticos, portanto, temem que essas tecnologias venham a contribuir para aumentar a dependência da agricultura de substâncias químicas. A questão exige atenção, no sentido de garantir a segurança dessas substâncias. 10 IV. ‘TECNOLOGIA EXTERMINADORA’: SUJEITA A AMPLO DEBATE Logo após o USDA e a D&LP receberem a patente do sistema de ‘Controle de Expressão de Genes em Plantas’, a Fundação Internacional para o Progresso Rural (RAFI) lançou uma campanha destinada a aumentar a consciência do público sobre o assunto. Os possíveis impactos dessa tecnologia sobre a diversidade genética, sobre as sociedades e sobre as economias transformou-se em tema de amplo debate. Suscitaram-se questões acerca do possível impacto dessas tecnologias sobre métodos tradicionais de cultivo e sobre a produção de alimentos, especialmente em países do Terceiro Mundo. Manifestaram-se preocupações em declarações públicas e em fóruns internacionais, como a Assembléia Geral das Nações Unidas, a Comissão de Recursos Genéticos para Alimentos e Agricultura (CGRFA) da FAO, e a 4ª reunião do Comitê Subsidiário para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA). Neste encontro, ocorrido entre 21 e 25 de junho de 1999 em Montreal, “a nova tecnologia vegetal para controle da expressão de genes em plantas”, consistiu em importante item da pauta de discussões. Os delegados debateram uma moratória para os testes de campo e as possíveis implicações da tecnologia para a segurança dos alimentos (embora para alguns delegados a questão da segurança alimentar fugisse à competência do SBSTTA). Não se chegou a um acordo sobre essas questões, mas a maioria dos participantes sentiu que o texto final sugerindo que “não se aprovaria o emprego das GURTs enquanto não se realizassem avaliações científicas” já se mostrava uma concessão bastante favorável. Os governos e outras organizações também se pronunciaram oficialmente sobre essas tecnologias. O governo indiano proibiu a importação de sementes de ‘Tecnologia Exterminadora’, temendo que se constituíssem ameaça às lavouras tradicionais. O Grupo Consultivo para Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), a maior rede de pesquisa em agricultura do mundo, declarou-se contrário a qualquer uso de tecnologia de esterilidade no mundo desenvolvido. Em 24 de junho de 1999, o Professor Gordon Conway, Presidente da Função Rockefeller, solicitou ao Conselho Administrativo da Monsanto que a empresa abandonasse seus planos de comercializar sementes estéreis, alegando que “a indústria de sementes agrícolas deveria repudiar o uso da Tecnologia Exterminadora voltada para a produção de sementes estéreis”. A Monsanto tornou-se alvo de discussões a respeito das GURTs depois de anunciar sua intenção de adquirir a D&PL. Em abril de 1999, a empresa reagiu a essas imputações e, como fundamento, divulgou uma declaração sobre as tecnologias de proteção de gene na qual afirma que “as preocupações com as tecnologias de proteção de genes devem ser ouvidas e consideradas atentamente antes da tomada de qualquer decisão de comercializá-las”. Em 4 de outubro de 1999, a Monsanto anunciou uma decisão de alcance ainda maior. Em carta aberta a Gordon Conway, o Diretor-Presidente da Monsanto, Robert Shapiro, declarou que “não seguiria tecnologias que tornassem as sementes estéreis”. Na carta, Shapiro afirmava ainda que a “Monsanto detém patentes de métodos tecnológicos de proteção de genes que não tornam as sementes estéreis e estudou uma que iria inativar apenas gene(s) específico(s) responsáveis pelo atributo 11 biotecnológico de valor agregado. Não estamos no momento investindo recursos para desenvolver essas tecnologias, mas não excluímos a possibilidade de vir a desenvolvê-las no futuro e de usar a proteção de genes ou seus possíveis benefícios agronômicos”. A Monsanto, dessa maneira, renovou seu compromisso de abril de 1999 não comercializar a tecnologia de proteção de genes sem que as questões pertinentes fossem inteiramente reveladas e ofereceu uma resposta pública às preocupações manifestadas. 12 Perguntas e respostas 1. O que são as Tecnologias de Restrição de Uso Genético (GURTs)? O Comitê Subsidiário para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA), corpo científico da Convenção sobre Biodiversidade, reuniu-se de 21 a 25 de junho de 1999. Um dos itens discutidos pelos delegados foi a “nova tecnologia vegetal para controle da expressão genética em plantas”. O Professor A. Jefferson, Diretor Executivo da Cambia, apresentou um trabalho elaborado por especialistas, no qual se usou a expressão Tecnologias de Restrição de Uso Genético para referir-se a “um conjunto de meios tecnológicos propostos com base na transformação genética das plantas e destinado a introduzir nelas um mecanismo ‘interruptor’ genético capaz de impedir o uso não autorizado do germoplasma da planta ou de atributos associados a esse germoplasma”. O Professor A. Jefferson faz ainda uma distinção entre V-GURTs e T-GURTs, que correspondem, respectivamente, a ‘Tecnologia Exterminadora’ e ‘Tecnologia Traidora’. 2. O que são a ‘Tecnologia Exterminadora’ e a ‘Tecnologia Traidora’? ‘Tecnologia Exterminadora’ foi o nome dado pela Fundação Internacional para o Progresso Rural (RAFI) a um conjunto de tecnologias destinadas a criar plantas que produzem sementes estéreis e, portanto, inférteis. ‘Tecnologia Traidora’ também é um termo inventado pela RAFI e abrange as técnicas pelas quais a expressão de atributos naturais ou de atributos introduzidos por modificação genética são controlados pela aplicação de um ativador. 3. Qual o envolvimento do Departamento de Agricultura americano nessas novas tecnologias? Em 3 de março de 1998, o Serviço de Pesquisa Agrícola (ARS) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Delta & Pine Land Company (D&PL) receberam a aprovação da patente de nº 5.723.765, intitulada ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’. O USDA é, pois, co-proprietário da invenção. A tecnologia usa um método baseado na engenharia genética para evitar a germinação indesejada de sementes de plantas. O USDA e a D&PL concordaram em tornar a tecnologia amplamente disponível. Alinhada com a política do ARS, a tecnologia estará amplamente disponível para fins de pesquisa para pesquisadores de órgãos públicos e privados. A D&PL concordou em tornar a tecnologia disponível para sublicenciamento para outras empresas produtoras de sementes. 4. Podem as GURTs contribuir para uma maior disposição de investir no melhoramento de determinadas espécies agrícolas de grande utilidade? 13 No caso de algumas espécies, as sementes pode ser guardadas e replantadas na estação de cultivo seguinte. Em virtude dessa prática, as empresas produtoras muitas vezes relutam em investir mais pesadamente na pesquisa de muitas plantas agrícolas, temendo não recuperar os investimentos com as vendas de apenas um ano. As GURTs poderiam proteger os investimentos feitos no melhoramento ou no desenvolvimento de cultivos geneticamente modificados reduzindo as perdas geradas pela reprodução e venda não autorizada de sementes. O fato de as empresas produtoras de semente poderem recuperar seus investimentos por meio de vendas constituir-se-á, provavelmente, um forte incentivo para o desenvolvimento de novas variedades. 5. A tecnologia de esterilização de sementes (V-GURT) é apropriada para todos os tipos de plantas? As V-GURTs poderiam ser usadas inicialmente em espécies autopolinizadas, como o algodão, a soja e o trigo, e não em plantas que se reproduzem por polinização cruzada, como o milho e a colza. Neste último caso, se oferecem variedades híbridas cujas sementes não são guardadas pelos agricultores devido à perda de produtividade e de qualidade na geração seguinte. Essencialmente, esta tecnologia poderia fornecer às plantas autopolinizadas proteção semelhante à proporcionada pelos híbridos às espécies geradas por polinização cruzada. 14 Sites de referência GURTs - informações gerais http://www.biodiv.org/sbstta4/HTML/SBSTTA4-9-rev1e.html http://www.biodiv.org/sbstta4/PDF/English/sbstta4-inf3e.pdf Declarações sobre as GURTs http://www.monsanto.com/monsanto/gurt/default.htm http://www.amseed.com/documents/tps_1.html http://www.rafi.org/ http://www.rockfound.org/frameset.html 15 APÊNDICE TÉCNICO Este apêndice técnico explica em detalhes o sistema de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’. Os números anexados ao documento destinam-se a esclarecer melhor a descrição técnica. Pode-se distinguir três componentes (elementos) no sistema de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’. No primeiro elemento, está presente um gene cuja expressão resulta na formação de uma toxina. A toxina deve-se formar nas sementes em processo de amadurecimento quando o embrião está prestes a amadurecer. Os elementos necessários para alcançar essa meta são um promotor específico, que só acionará um gene de toxina fixado a ele num lugar e num momento muito bem definidos. Nesse caso, usa-se um promotor que só é ativo nas sementes em estágio avançado do desenvolvimento do embrião; trata-se de um promotor LEA (‘abundante durante o desenvolvimento embrionário tardio’). Ele se funde com um gene de toxina que codifica uma ‘proteína inibidora ribossomal’ (RIP), a qual interrompe a produção de todas as proteínas. Colocando o gene de toxina atrás do promotor específico de semente, formar-se-á a proteína tóxica nas sementes imediatamente antes de elas se tornarem dormentes, dando origem a sementes estéreis. Se fosse esse o único sistema presente na planta, jamais se formariam sementes viáveis. Seria impossível propagar a planta para a produção da semente, e o agricultor não receberia sementes viáveis. Conseqüentemente, precisa-se inserir um segundo elemento, capaz de garantir que o primeiro seja ativado num determinado momento e que se controle a letalidade do embrião pela supressão do atributo. Pode-se conseguir a supressão de um desses atributos pela interrupção do primeiro elemento com um fragmento adicional de DNA (denominado ‘seqüência bloqueadora’), que bloqueia a capacidade do promotor LEA de acionar o gene da toxina. Coloca-se a seqüência bloqueadora entre o promotor LEA e o gene da toxina. Não se forma toxina durante o desenvolvimento do embrião, gerando-se assim sementes viáveis, capazes de germinar e gerar plantas perfeitas. No entanto, a seqüência bloqueadora precisa ser removida num determinado momento para ativar a V-GURT e, assim, é necessário haver um gatilho para permitir o corte da seqüência bloqueadora. Colocam-se, então, ‘seqüências de excisão’ específicas de cada lado da seqüência bloqueadora. As seqüências de excisão são reconhecidas por uma enzima específica, a recombinase. Se a recombinase estiver presente e encontrar essas seqüências de excisão, estas serão cuidadosamente cortadas junto com a seqüência bloqueadora, situada no meio delas. Nesse momento, o promotor LEA e o gene da toxina se fixarão um no outro novamente e a toxina poderá formar-se. A enzima recombinase propriamente dita é codificada ainda por outro gene (gene recombinase), que também é inserido na planta junto com um promotor capaz de ser inibido por um repressor. Também se pode chamar esse promotor de ‘repressivo’. Se o repressor estiver presente, a recombinase não se formará. Um terceiro elemento ainda é necessário nesse sistema V-GURT específico para assegurar que o sistema seja ativado por um fator externo controlável, quando 16 necessário. O gene que codifica o repressor que acabamos de discutir também é inserindo na planta, juntamente com um promotor que se encontra sempre ativo, recebendo portanto o nome de ‘constitutivo’. Um último componente necessário consiste num fator externo, que seria o “interruptor” capaz de ativar a cascata de reações. Um “interruptor” possível seria a tetraciclina, antibiótico que se liga ao repressor e lhe inibe a função. Na ausência de estímulo externo Assim sendo, ao se inserirem todos os elementos na planta por meio de um processo de modificação genética, ocorre a seguinte cadeia de eventos na ausência de tetraciclina: ativa-se o gene repressor, e o repressor se forma em todas as células em todos os estágios. Esse repressor inibe o promotor repressivo do gene recombinase, não se formando então nenhuma recombinase. Como conseqüência, não se cortam as seqüências de bloqueio e excisão situadas entre o promotor LEA e o gene da toxina. As sementes se mostram viáveis e podem ser usadas pelo produtor de semente para multiplicar as plantas. Na presença de estímulo externo Se o produtor de semente quiser vender as sementes ao agricultor, deverá tratar as sementes colhidas maduras com tetraciclina. A tetraciclina difunde-se para a semente e se liga à proteína repressora presente no embrião. Como conseqüência, o repressor não consegue ligar-se ao promotor repressivo e o gene recombinase permanece ativo. A recombinase fica disponível e corta as seqüências de bloqueio e excisão localizadas entre o promotor LEA e o gene da toxina. Apesar de se encontrar ligado a seu promotor, o gene da toxina ainda não se expressa nesse momento. A semente é vendida ao agricultor, germina normalmente e a cultura se desenvolve completamente no campo, com plantas viçosas e saudáveis que florescem e geram grãos. Porém, durante os últimos estágios do desenvolvimento do embrião, o promotor LEA aciona o gene da toxina. A toxina se forma no embrião, que vem então a morrer. O agricultor pode colher, assim, os grãos produzidos pela cultura, que podem ser consumidos, se for o caso, mas não replantados. 17 18