Tecnologias de Restrição do Uso Genético (GURTs)

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Tecnologias de Restrição do Uso Genético (GURTs)
Apresentação
O QUE SÃO?
As ‘Tecnologias de Restrição do Uso Genético’ (GURTs) consistem num termo geral que
abrange diversas técnicas e aplicações de controle da expressão dos genes. Outros termos
usados para designar tanto essa tecnologia como suas aplicações específicas são: ‘Sistema de
Proteção de Tecnologia’, ‘Sistema de Proteção de Genes’ e ‘Tecnologia do Interruptor
Químico’. Alguns ativistas intitularam/cognominaram tecnologias específicas como
‘Tecnologia Exterminadora’ ou ‘Tecnologia Traidora’.
As GURTs destinam-se a controlar a expressão de um determinado gene. Incorpora-se ao
material genético da planta um bloco de genes, que pode ser ‘ligado’ ou ‘desligado’ por meio
de um estímulo externo. As GURTs permitem controlar a germinação de sementes ou a
expressão de um gene que codifica uma característica de valor agregado.
POR QUE?
O desenvolvimento de uma nova variedade vegetal envolve muito capital e exige grandes
investimentos financeiros. É, pois, essencial para as empresas de biotecnologia obter retorno
de seus investimentos. Os mecanismos legais vigentes – patentes e contratos de ‘uso de
tecnologia’ – criados para gerar tal retorno não garantem proteção completa, uma vez que não
têm validade no mundo todo. Com essa nova tecnologia, podem-se substituir os meios legais
por meios técnicos. As GURTs conseguem assim se mostrar mais abrangentes, eficientes e
menos limitadas por restrições de tempo e lugar do que a proteção conferida por direitos de
propriedade intelectual.
As GURTs também se prestam como ‘mecanismo de segurança’ visando a evitar a
reprodução indesejada de uma certa variedade vegetal ou de um atributo de valor agregado
com características específicas (medicinais ou industriais, por exemplo) e a assegurar que tais
plantas não entrem na cadeia alimentar.
COMO?
Existem diversos tipos de GURTs. Todas consistem em componentes transgênicos que fazem
parte de uma rede complexa de genes e de promotores de genes inativos no estado normal e
passíveis de ser ativados mediante a aplicação de estímulo externo. Potencialmente, pode-se
incorporar a tecnologia a qualquer espécie agrícola, desde que se disponha de tecnologias de
transformação adequadas.
PROBLEMAS E QUESTÕES
O desenvolvimento das GURTs ainda se encontra num estágio muito experimental, e tão cedo
elas não deverão entrar no comércio. Apesar disso, têm despertado imensa atenção da mídia e
contribuído para intensificar o debate sobre biotecnologia vegetal. Embora se estejam criando
diversos tipos de GURTs, o foco de toda a atenção se tem concentrado sobre um determinado
tipo de GURT que controla a germinação, desenvolvido conjuntamente pelo Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e pela Delta & Pine Land Company (D&PL). Vem-se
manifestando grande preocupação a respeito do possível impacto dessa tecnologia sobre a
prática de guardar sementes e a respeito da biodiversidade genética, das sociedades e das
economias. Essas são questões que têm suscitado veementes discussões.
CONCLUSÃO
Este documento propõe-se a fornecer uma idéia geral dos diferentes tipos de GURTs que
estão sendo desenvolvidos. Indica suas possíveis aplicações e dedica atenção às preocupações
que essas tecnologias despertam, postuladas por diversos grupos.
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Artigo
I. INTRODUÇÃO
Muitas empresas de biotecnologia vêm desenvolvendo tecnologias cujo objetivo é
assegurar que determinadas propriedades introduzidas nas plantas possam ser ativadas
por meio de tratamento químico. A intenção é usar a modificação genética para inserir
nessas plantas um mecanismo de “interruptor” genético.
A tecnologia poderia ser empregada, por exemplo, para controlar a expressão de
genes que conferem resistência fúngica. Outra aplicação seria a introdução de um
mecanismo de “interruptor” genético para impedir a germinação da semente de
segunda geração. Todas essas técnicas se enquadram no termo geral de ‘Tecnologias
de Restrição do Uso Genético’ (GURTs).
O fato de certas empresas de biotecnologia estarem desenvolvendo essas técnicas
chegou pela primeira vez ao conhecimento do público após a divulgação de que o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Delta & Pine Land
Company (D&PL) haviam recebido a concessão de uma patente americana em 3 de
março de 1998 para uma nova (bio)tecnologia desenvolvida em parceria. Essa patente
americana, intitulada ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ (US 5.723.765),
descreve diversos métodos técnicos pelos quais as plantas podem ser programadas de
modo a gerar sementes estéreis, incapazes de germinar quando plantadas. Esse
processo hipotético de controle da germinação está se tornando conhecido como
‘Tecnologia Terminadora’, ou ‘Exterminadora’, e constitui-se uma das possibilidades
de aplicação das GURTs.
Inicialmente, os inventores dessas tecnologias alardearam-nas como importante
inovação na biotecnologia agrícola. Alegavam que elas permitiriam aos especialistas
em melhoramento de plantas e às companhias de sementes proteger melhor sua
propriedade intelectual contida nessas sementes e, por conseguinte, consistiriam num
incentivo para as empresas investirem em tecnologias futuras. Além disso, evitariam a
disseminação indesejada de plantas e atributos transgênicos.
A concessão da patente americana (US 5.723.765) não passou despercebida. Logo
depois da concessão da patente, a Fundação Internacional para o Progresso Rural
(RAFI), organização não governamental sediada em Winnipeg, Canadá, lançou uma
campanha de conscientização pública. E alcançou êxito: os potenciais impactos dessa
tecnologia sobre a diversidade genética, sobre as sociedades e sobre as economias
transformaram-se em alvo de veementes debates, tanto na mídia quanto em fóruns
internacionais. A discussão ainda se acalorou mais pelo fato de a Monsanto, empresa
líder em biotecnologia, estar1 envolvida no processo de aquisição da D&PL. A
Monsanto havia anunciado que não pretendia comercializar a semente estéril de
‘Tecnologia Exterminadora’. Outras empresas produtoras de semente também não
tinham intenção de usar o controle da expressão de genes para evitar a germinação de
sementes em culturas agrícolas alimentícias, somente em casos específicos como o da
produção de produtos não alimentícios.
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Esta tentativa de aquisição foi posteriormente suspensa.
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Embora já se tenham patenteado certos métodos de GURT, até agora não se colocou
em prática nenhuma forma de GURT. O desenvolvimento de GURTs é muito
complexo, pois exige a construção de vários genes na planta. Devido às atuais
limitações técnicas, não é provável que as GURTs venham a ser comercializadas
antes de pelo menos cinco anos.
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II. GURTS DE VARIEDADE VERSUS GURTS ESPECÍFICAS PARA O ATRIBUTO
Introdução
Podem-se distinguir duas grandes categorias das Tecnologias de Restrição do Uso
Genético (GURTs): as GURTs para o nível da variedade (V-GURTs) e as GURTs
específicas para o atributo (T-GURTs). Ambas consistem numa complexa matriz de
genes e de promotores de genes que não apresentam atividade em seu estado normal
mas são passíveis de ativação por estímulo externo.
Por meio das V-GURTs, desenvolvem-se plantas que produzem sementes não viáveis.
As V-GURTs atuam ao nível da variedade hospedeira e protegem tanto a planta
quanto o atributo de valor agregado. A chamada ‘Tecnologia Exterminadora’ é um
exemplo desse tipo de GURT.
Já nas T-GURTs, apenas o(s) atributo(s) transgênico(s) de ‘valor agregado’ das
sementes recebem proteção por meios técnicos. Esses atributos transgênicos de ‘valor
agregado’ podem ser ativados pelos agricultores ou por quem quer que venha a
utilizar a semente. Dessa forma, as T-GURTs agem somente no nível do transgene
introduzido e protegem somente o(s) atributo(s) de valor agregado.
V-GURTs: um tipo específico de GURT que age no nível da variedade
hospedeira
Conforme explicado acima, as V-GURTs levam à formação de plantas que produzem
sementes não viáveis. Diversos protótipos de V-GURTs encontram-se em vias de
desenvolvimento pelas grandes empresas de biotecnologia.
O conhecido sistema de ‘Controle da Expressão dos Genes em Plantas’, da
D&PL/USDA, descrito na patente americana 5.723.765, constitui-se um exemplo de
V-GURT. As plantas foram geneticamente modificadas pela construção dentro delas
de um sistema muito complexo composto de vários genes. Esse sistema se ativaria
pela aplicação de um estímulo externo imediatamente antes de se venderem as
sementes ao agricultor.
As sementes preservariam a capacidade de se transformar em plantas saudáveis, que
produziriam flores e sementes. Tais sementes, porém, se mostrariam estéreis e
incapazes de germinar, obrigando o agricultor a adquirir todas as suas sementes
anualmente do produtor.
Sob o ponto de vista técnico, o sistema de ‘Controle da Expressão de Genes em
Plantas’ se revela demasiado complexo, o que diminui muito suas chances de vir a
transformar-se em método viável de lidar com uma V-GURT, a menos que sofra
aperfeiçoamentos substanciais, sendo considerado apenas como protótipo. O sistema
de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ é explicado em detalhes no apêndice
técnico como exemplo de V-GURT.
A diferença entre V-GURTs e híbridos
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Essa tecnologia de ‘Controle da Expressão de Genes em Plantas’ muitas vezes é
comparada ao desenvolvimento híbrido, tendo em vista que nos dois casos o
agricultor precisa adquirir novas sementes para cada estação de plantio. Entretanto,
existem também algumas diferenças importantes entre híbridos e V- GURTs.
Obtêm-se os híbridos após o cruzamento genético de duas linhas totalmente não
aparentadas, e eles geralmente apresentam heterose ou vigor híbrido. Esse vigor
híbrido diminui substancialmente a cada plantio sucessivo; a prole de uma cultura
híbrida não apresenta as mesmas características que o híbrido original. Outra
característica dos híbridos reside no fato de gerarem plantas muito homogêneas,
indicando que todas as plantas de um campo amadurecem ao mesmo tempo. Se sua
semente for semeada novamente, a homogeneidade se perderá, uma vez que algumas
plantas amadurecerão mais rapidamente que outras. Esse fato causa graves perdas de
qualidade. A perda de vigor híbrido e de homogeneidade estimulam o agricultor a
comprar novas sementes híbridas a cada ano. Nas V-GURTs, por outro lado, a
germinação simplesmente não acontece, impossibilitando por completo a reutilização
de sementes.
Outro aspecto importante é que a produção de híbridos limita-se a algumas espécies
de cultura, dependendo dos sistemas naturais de melhoramento genético, ao passo que
a V-GURT pode teoricamente ser introduzida na maioria das espécies vegetais,
independentemente do sistema de melhoramento utilizado. Como os agricultores que
usam variedades híbridas costumam de fato adquirir novas sementes a cada estação,
as empresas mostram-se dispostas a investir pesadamente no desenvolvimento dessas
variedades de alta qualidade.
A criação de variedades que não podem ser re-semeadas pelo agricultor estimulará as
empresas a investirem em V-GURTs no caso das plantas em que a formação de
híbridos se mostra inviável ou pouco eficiente, como as espécies autopolinizadoras,
entre as quais se incluem o trigo, o arroz, a soja e o algodão. Até agora, testou-se a
técnica apenas no algodão e no tabaco, mas espera-se aplicá-la a muitas outras
espécies vegetais.
T-GURTs: um tipo específico de GURT que age no nível do transgene
introduzido
Nas T-GURTs, protege-se por meios tecnológicos apenas o atributo de ‘valor
agregado’, não a planta inteira. A planta é capaz de reproduzir-se e de produzir
sementes férteis. O atributo transgênico de ‘valor agregado’ pode ser ativado
conforme o desejo do agricultor. É a ele, pois, que compete a decisão quanto a ativar
ou não o atributo.
Pode-se distinguir duas formas principais de T-GURTs. Em uma, a expressão do gene
que codifica o atributo de valor agregado vincula-se ao emprego de um certo
composto ativador. Se o agricultor optar por aplicar o ativador (por ocasião do
crescimento das mudas, por exemplo), o atributo transgênico de valor agregado será
expresso. Se, no entanto, ele optar por não adquirir o ativador, o atributo de valor
agregado não será expresso. Nesse caso, a planta se desenvolverá normalmente e
produzirá sementes normais. Quando as sementes colhidas forem replantadas, o
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atributo de valor agregado não estará ativado, independentemente de ele ter sido
ativado na geração anterior. O agricultor contará novamente com a opção de ativar a
expressão do gene de valor agregado pela aplicação do ativador. Por este método, o
agricultor não precisa comprar suas sementes a cada estação. Caso queira passar para
o atributo de valor agregado, terá que adquirir do produtor de tecnologia o composto
ativador.
No outro tipo de T-GURT, uma intervenção molecular apaga a codificação do gene
responsável pelo atributo de valor agregado na germinação, caso não seja aplicado
estímulo externo. Nessa situação, a lavoura também se desenvolverá normalmente e
produzirá sementes normais se a excisão ocorrer. No entanto, a re-aquisição do
atributo depende da aquisição de novas sementes, uma vez que se suprimiu o atributo
adicionado.
Possíveis aplicações de T-GURTs
Formularam-se diversas aplicações possíveis para esse sistema T-GURT.
Em carta aberta datada de 24 de fevereiro de 1999, divulgada durante a 4ª reunião do
Comitê Subsidiário para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico
(SBSTTA), ocorrida entre 21 e 25 de junho de 1999, em Montreal, Zeneca, uma das
empresas ativas do setor, dirigiu-se ao Professor A. Jefferson, Diretor Executivo da
Cambia, declarando publicamente que não estava desenvolvendo nenhum sistema que
impedisse os agricultores de plantar sementes de segunda geração, e que não tinham
intenção alguma de fazê-lo. Seu interesse residia na “investigação dos benefícios da
expressão controlável de genes, o que não impedia que os agricultores viessem a
plantar semente de segunda geração”. Entre os exemplos citados pela Zeneca estavam
o controle das fases de desenvolvimento da planta, como a floração (de modo a evitar
geadas, por exemplo, ou a sincronizar a polinização em híbridos) e o controle das
perdas pós-colheita (oferecendo, por exemplo, uma alternativa mais eficiente de
supressores de brotos na batata).
Outra aplicação possível das T-GURTs consistiria em oferecer uma estratégia mais
eficaz do que os refúgios para oferecer resistência contra insetos. Introduzem-se hoje
pela engenharia genética genes de toxinas específicas contra pragas de insetos no
milho e no algodão, por exemplo. Contudo, essas toxinas são produzidas durante todo
o ciclo de desenvolvimento da cultura. Por meio dessas tecnologias, se poderia
controlar a expressão de genes de toxina e só ativá-la por tratamento químico caso a
lavoura apresentar real ameaça de danos sérios. A técnica permitiria uma menor
exposição dos insetos à toxina, tornando menos provável o desenvolvimento de
resistência.
A Novartis também está desenvolvendo tecnologias similares em que “genes
regulados naturalmente só podem ser regulados pela aplicação de um regulador
químico à planta”, de acordo com as informações obtidas a partir da patente
americana 5.789.214. A patente menciona ainda que uma grande vantagem dessa
tecnologia reside no controle da expressão de um certo gene para que ele se manifeste
“apenas no momento apropriado e num grau apropriado e, em alguns casos, em partes
específicas da planta”. Suponhamos, por exemplo, que os atributos que agregam valor
para o agricultor e para o consumidor que precisam ser expressos se mostrem
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prejudiciais ao crescimento da planta ou à sua germinação. Com o uso das T-GURTs,
podem-se acionar os atributos de valor agregado na fase de desenvolvimento
necessária ou no momento apropriado, sem interferir no desenvolvimento da planta.
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III. POSSÍVEIS BENEFÍCIOS E AMEAÇAS DAS GURTS
Proteção de investimentos
A pesquisa em biologia molecular e biotecnologia para o setor agrícola envolve muito
capital. O desenvolvimento de novas variedades vegetais, portanto, exige
investimentos vultosos.
A proteção da patente possibilita às empresas de biotecnologia manter a lucratividade
de sua pesquisa, tendo por objetivo o retorno de seus consideráveis investimentos. A
proteção incentiva a pesquisa a buscar o desenvolvimento de variedades de espécies
agrícolas de alto valor, que oferecem às empresas melhores perspectivas de alcançar
um retorno justo de seus investimentos. Em alguns países, os agricultores que
compram determinadas sementes melhoradas pela biotecnologia precisam assinar
contratos de ‘uso de tecnologia’, que lhes nega especificamente o direito de propagar
seu grão como semente. Esses contratos foram aceitos por muitos agricultores e são
vistos por algumas empresas como ferramenta importante e necessária para assegurar
retornos compatíveis com seus investimentos.
Esses sistemas, entretanto, não se mostram “impermeáveis”. As patentes estão
sujeitas a leis nacionais e só vigoram no país de registro. Os contratos de ‘uso de
tecnologia’ não são reconhecidos no mundo todo.
Incorporar propriedade GURT a uma variedade vegetal seria uma alternativa para
proteger os elevados investimentos necessários para desenvolver sementes altamente
melhoradas. Por meio delas, os mecanismos legais baseados em patentes ou em
contratos de ‘uso de tecnologia’ empregados para proteger um certo investimento se
substituiriam por meios técnicos.
GURTs como ferramenta para controlar a expressão e a disseminação de genes
introduzidos
Também se podem empregar as GURTs com outros objetivos além dos relacionados à
proteção da propriedade intelectual.
Diversas empresas de biotecnologia empreendem pesquisas para desenvolver plantas
que produzam substâncias medicinais ou industriais. Por questão de segurança, é
preciso impedir a reprodução indesejada da variedade vegetal ou dos atributos de
valor agregado. Nesse sentido, as GURTs poderiam ser inseridas como ‘mecanismo
de segurança’ para evitar a disseminação acidental desses atributos.
Como já se explicou antes, as T-GURTs servem ainda para garantir que os genes só
se expressem no momento apropriado, até o grau apropriado e, em algumas situações,
em partes específicas da planta. Pode-se ativar a expressão desses genes por meio de
tratamento químico.
Efeitos ambientais associados ao uso de V-GURTs
As V-GURTs revelam-se um meio de evitar que genes introduzidos se disseminem de
lavouras geneticamente modificadas para variedades silvestres. O pólen de plantas
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geneticamente modificadas às vezes espalha-se para outras plantas, introduzindo
assim na população silvestre ou em plantas cultivadas nas redondezas atributos novos
e indesejados. Já se manifestou o receio de que, pela disseminação de grãos de pólen
originários de plantas V-GURT, o ‘atributo estéril da semente’ pudesse espalhar-se
pela natureza. Partindo, porém, do princípio de que o atributo é funcional na forma
heterozigota, mesmo se ocorresse polinização cruzada entre a planta portadora de
sistema V-GURT e outra planta, a progênie resultante seria estéril. Como
conseqüência, os genes adicionados não se propagariam mais. Repetindo, como essa
tecnologia só se distribui em lavouras autopolinizadoras, o risco de ocorrer
transferência do pólen mostra-se demasiado baixo.
O emprego das V-GURTS poderia também evitar o crescimento de plantas
espontâneas, uma vez que as sementes que sobram no campo não germinam e,
portanto, essas plantas não podem ser invasivas. Em virtude dessa característica, as
V-GURTs também servem para impedir o aparecimento de brotos – esses rebentos
silvestres, em geral, são eliminados com o emprego de inibidores sintéticos.
A eficácia de todas essas vantagens teóricas ainda está para ser testada sob condições
de estufa e de campo.
A implicação para países do Terceiro Mundo
Há quem tema que essas tecnologias, em sua forma mais extrema, eliminem a
capacidade dos agricultores de replantar as sementes colhidas na estação anterior.
Trata-se de questão importante, sobretudo porque nos países em desenvolvimento, a
prática de guardar uma pequena quantidade de sementes para replantá-las na estação
seguinte é muito comum. A prática de conservação de sementes, conhecida como
‘privilégio do agricultor’ e aplicada há séculos, desempenha papel importante em
rituais religiosos e sociais/culturais, contribuindo também para a conservação de
variedades locais e, portanto, para a biodiversidade de plantas de interesse agrícola.
O ‘privilégio do agricultor’ já foi afetado em muitos países pela introdução de
variedades híbridas altamente produtivas e pela legislação em vigor nesses países.
Outro argumento levantado contra a aplicação dessas tecnologias é que o uso das
GURTs poderia levar a uma concentração ainda maior no setor das sementes
agrícolas e no mercado global de fornecimento de sementes.
A necessidade dos disparadores químicos
As GURTs são acionadas pela aplicação de ativadores químicos externos. Os críticos,
portanto, temem que essas tecnologias venham a contribuir para aumentar a
dependência da agricultura de substâncias químicas. A questão exige atenção, no
sentido de garantir a segurança dessas substâncias.
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IV. ‘TECNOLOGIA EXTERMINADORA’: SUJEITA A AMPLO DEBATE
Logo após o USDA e a D&LP receberem a patente do sistema de ‘Controle de
Expressão de Genes em Plantas’, a Fundação Internacional para o Progresso Rural
(RAFI) lançou uma campanha destinada a aumentar a consciência do público sobre o
assunto. Os possíveis impactos dessa tecnologia sobre a diversidade genética, sobre as
sociedades e sobre as economias transformou-se em tema de amplo debate.
Suscitaram-se questões acerca do possível impacto dessas tecnologias sobre métodos
tradicionais de cultivo e sobre a produção de alimentos, especialmente em países do
Terceiro Mundo.
Manifestaram-se preocupações em declarações públicas e em fóruns internacionais,
como a Assembléia Geral das Nações Unidas, a Comissão de Recursos Genéticos
para Alimentos e Agricultura (CGRFA) da FAO, e a 4ª reunião do Comitê Subsidiário
para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA). Neste encontro,
ocorrido entre 21 e 25 de junho de 1999 em Montreal, “a nova tecnologia vegetal para
controle da expressão de genes em plantas”, consistiu em importante item da pauta de
discussões. Os delegados debateram uma moratória para os testes de campo e as
possíveis implicações da tecnologia para a segurança dos alimentos (embora para
alguns delegados a questão da segurança alimentar fugisse à competência do
SBSTTA). Não se chegou a um acordo sobre essas questões, mas a maioria dos
participantes sentiu que o texto final sugerindo que “não se aprovaria o emprego das
GURTs enquanto não se realizassem avaliações científicas” já se mostrava uma
concessão bastante favorável.
Os governos e outras organizações também se pronunciaram oficialmente sobre essas
tecnologias. O governo indiano proibiu a importação de sementes de ‘Tecnologia
Exterminadora’, temendo que se constituíssem ameaça às lavouras tradicionais.
O Grupo Consultivo para Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), a maior rede de
pesquisa em agricultura do mundo, declarou-se contrário a qualquer uso de tecnologia
de esterilidade no mundo desenvolvido.
Em 24 de junho de 1999, o Professor Gordon Conway, Presidente da Função
Rockefeller, solicitou ao Conselho Administrativo da Monsanto que a empresa
abandonasse seus planos de comercializar sementes estéreis, alegando que “a
indústria de sementes agrícolas deveria repudiar o uso da Tecnologia Exterminadora
voltada para a produção de sementes estéreis”.
A Monsanto tornou-se alvo de discussões a respeito das GURTs depois de anunciar
sua intenção de adquirir a D&PL. Em abril de 1999, a empresa reagiu a essas
imputações e, como fundamento, divulgou uma declaração sobre as tecnologias de
proteção de gene na qual afirma que “as preocupações com as tecnologias de proteção
de genes devem ser ouvidas e consideradas atentamente antes da tomada de qualquer
decisão de comercializá-las”.
Em 4 de outubro de 1999, a Monsanto anunciou uma decisão de alcance ainda maior.
Em carta aberta a Gordon Conway, o Diretor-Presidente da Monsanto, Robert
Shapiro, declarou que “não seguiria tecnologias que tornassem as sementes estéreis”.
Na carta, Shapiro afirmava ainda que a “Monsanto detém patentes de métodos
tecnológicos de proteção de genes que não tornam as sementes estéreis e estudou uma
que iria inativar apenas gene(s) específico(s) responsáveis pelo atributo
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biotecnológico de valor agregado. Não estamos no momento investindo recursos para
desenvolver essas tecnologias, mas não excluímos a possibilidade de vir a
desenvolvê-las no futuro e de usar a proteção de genes ou seus possíveis benefícios
agronômicos”. A Monsanto, dessa maneira, renovou seu compromisso de abril de
1999 não comercializar a tecnologia de proteção de genes sem que as questões
pertinentes fossem inteiramente reveladas e ofereceu uma resposta pública às
preocupações manifestadas.
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Perguntas e respostas
1. O que são as Tecnologias de Restrição de Uso Genético (GURTs)?
O Comitê Subsidiário para Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico
(SBSTTA), corpo científico da Convenção sobre Biodiversidade, reuniu-se de 21 a 25
de junho de 1999. Um dos itens discutidos pelos delegados foi a “nova tecnologia
vegetal para controle da expressão genética em plantas”. O Professor A. Jefferson,
Diretor Executivo da Cambia, apresentou um trabalho elaborado por especialistas, no
qual se usou a expressão Tecnologias de Restrição de Uso Genético para referir-se a
“um conjunto de meios tecnológicos propostos com base na transformação genética
das plantas e destinado a introduzir nelas um mecanismo ‘interruptor’ genético capaz
de impedir o uso não autorizado do germoplasma da planta ou de atributos associados
a esse germoplasma”.
O Professor A. Jefferson faz ainda uma distinção entre V-GURTs e T-GURTs, que
correspondem, respectivamente, a ‘Tecnologia Exterminadora’ e ‘Tecnologia
Traidora’.
2. O que são a ‘Tecnologia Exterminadora’ e a ‘Tecnologia Traidora’?
‘Tecnologia Exterminadora’ foi o nome dado pela Fundação Internacional para o
Progresso Rural (RAFI) a um conjunto de tecnologias destinadas a criar plantas que
produzem sementes estéreis e, portanto, inférteis. ‘Tecnologia Traidora’ também é um
termo inventado pela RAFI e abrange as técnicas pelas quais a expressão de atributos
naturais ou de atributos introduzidos por modificação genética são controlados pela
aplicação de um ativador.
3. Qual o envolvimento do Departamento de Agricultura americano nessas novas
tecnologias?
Em 3 de março de 1998, o Serviço de Pesquisa Agrícola (ARS) do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Delta & Pine Land Company (D&PL)
receberam a aprovação da patente de nº 5.723.765, intitulada ‘Controle da Expressão
de Genes em Plantas’. O USDA é, pois, co-proprietário da invenção. A tecnologia usa
um método baseado na engenharia genética para evitar a germinação indesejada de
sementes de plantas.
O USDA e a D&PL concordaram em tornar a tecnologia amplamente disponível.
Alinhada com a política do ARS, a tecnologia estará amplamente disponível para fins
de pesquisa para pesquisadores de órgãos públicos e privados. A D&PL concordou
em tornar a tecnologia disponível para sublicenciamento para outras empresas
produtoras de sementes.
4. Podem as GURTs contribuir para uma maior disposição de investir no
melhoramento de determinadas espécies agrícolas de grande utilidade?
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No caso de algumas espécies, as sementes pode ser guardadas e replantadas na
estação de cultivo seguinte. Em virtude dessa prática, as empresas produtoras muitas
vezes relutam em investir mais pesadamente na pesquisa de muitas plantas agrícolas,
temendo não recuperar os investimentos com as vendas de apenas um ano.
As GURTs poderiam proteger os investimentos feitos no melhoramento ou no
desenvolvimento de cultivos geneticamente modificados reduzindo as perdas geradas
pela reprodução e venda não autorizada de sementes. O fato de as empresas
produtoras de semente poderem recuperar seus investimentos por meio de vendas
constituir-se-á, provavelmente, um forte incentivo para o desenvolvimento de novas
variedades.
5. A tecnologia de esterilização de sementes (V-GURT) é apropriada para todos
os tipos de plantas?
As V-GURTs poderiam ser usadas inicialmente em espécies autopolinizadas, como o
algodão, a soja e o trigo, e não em plantas que se reproduzem por polinização
cruzada, como o milho e a colza. Neste último caso, se oferecem variedades híbridas
cujas sementes não são guardadas pelos agricultores devido à perda de produtividade
e de qualidade na geração seguinte.
Essencialmente, esta tecnologia poderia fornecer às plantas autopolinizadas proteção
semelhante à proporcionada pelos híbridos às espécies geradas por polinização
cruzada.
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Sites de referência
GURTs - informações gerais
http://www.biodiv.org/sbstta4/HTML/SBSTTA4-9-rev1e.html
http://www.biodiv.org/sbstta4/PDF/English/sbstta4-inf3e.pdf
Declarações sobre as GURTs
http://www.monsanto.com/monsanto/gurt/default.htm
http://www.amseed.com/documents/tps_1.html
http://www.rafi.org/
http://www.rockfound.org/frameset.html
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APÊNDICE TÉCNICO
Este apêndice técnico explica em detalhes o sistema de ‘Controle da Expressão de
Genes em Plantas’. Os números anexados ao documento destinam-se a esclarecer
melhor a descrição técnica.
Pode-se distinguir três componentes (elementos) no sistema de ‘Controle da
Expressão de Genes em Plantas’.
No primeiro elemento, está presente um gene cuja expressão resulta na formação de
uma toxina. A toxina deve-se formar nas sementes em processo de amadurecimento
quando o embrião está prestes a amadurecer.
Os elementos necessários para alcançar essa meta são um promotor específico, que só
acionará um gene de toxina fixado a ele num lugar e num momento muito bem
definidos. Nesse caso, usa-se um promotor que só é ativo nas sementes em estágio
avançado do desenvolvimento do embrião; trata-se de um promotor LEA (‘abundante
durante o desenvolvimento embrionário tardio’). Ele se funde com um gene de toxina
que codifica uma ‘proteína inibidora ribossomal’ (RIP), a qual interrompe a produção
de todas as proteínas.
Colocando o gene de toxina atrás do promotor específico de semente, formar-se-á a
proteína tóxica nas sementes imediatamente antes de elas se tornarem dormentes,
dando origem a sementes estéreis.
Se fosse esse o único sistema presente na planta, jamais se formariam sementes
viáveis. Seria impossível propagar a planta para a produção da semente, e o agricultor
não receberia sementes viáveis. Conseqüentemente, precisa-se inserir um segundo
elemento, capaz de garantir que o primeiro seja ativado num determinado momento e
que se controle a letalidade do embrião pela supressão do atributo.
Pode-se conseguir a supressão de um desses atributos pela interrupção do primeiro
elemento com um fragmento adicional de DNA (denominado ‘seqüência
bloqueadora’), que bloqueia a capacidade do promotor LEA de acionar o gene da
toxina. Coloca-se a seqüência bloqueadora entre o promotor LEA e o gene da toxina.
Não se forma toxina durante o desenvolvimento do embrião, gerando-se assim
sementes viáveis, capazes de germinar e gerar plantas perfeitas.
No entanto, a seqüência bloqueadora precisa ser removida num determinado momento
para ativar a V-GURT e, assim, é necessário haver um gatilho para permitir o corte da
seqüência bloqueadora. Colocam-se, então, ‘seqüências de excisão’ específicas de
cada lado da seqüência bloqueadora. As seqüências de excisão são reconhecidas por
uma enzima específica, a recombinase. Se a recombinase estiver presente e encontrar
essas seqüências de excisão, estas serão cuidadosamente cortadas junto com a
seqüência bloqueadora, situada no meio delas. Nesse momento, o promotor LEA e o
gene da toxina se fixarão um no outro novamente e a toxina poderá formar-se.
A enzima recombinase propriamente dita é codificada ainda por outro gene (gene
recombinase), que também é inserido na planta junto com um promotor capaz de ser
inibido por um repressor. Também se pode chamar esse promotor de ‘repressivo’.
Se o repressor estiver presente, a recombinase não se formará.
Um terceiro elemento ainda é necessário nesse sistema V-GURT específico para
assegurar que o sistema seja ativado por um fator externo controlável, quando
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necessário. O gene que codifica o repressor que acabamos de discutir também é
inserindo na planta, juntamente com um promotor que se encontra sempre ativo,
recebendo portanto o nome de ‘constitutivo’. Um último componente necessário
consiste num fator externo, que seria o “interruptor” capaz de ativar a cascata de
reações. Um “interruptor” possível seria a tetraciclina, antibiótico que se liga ao
repressor e lhe inibe a função.
Na ausência de estímulo externo
Assim sendo, ao se inserirem todos os elementos na planta por meio de um processo
de modificação genética, ocorre a seguinte cadeia de eventos na ausência de
tetraciclina: ativa-se o gene repressor, e o repressor se forma em todas as células em
todos os estágios. Esse repressor inibe o promotor repressivo do gene recombinase,
não se formando então nenhuma recombinase. Como conseqüência, não se cortam as
seqüências de bloqueio e excisão situadas entre o promotor LEA e o gene da toxina.
As sementes se mostram viáveis e podem ser usadas pelo produtor de semente para
multiplicar as plantas.
Na presença de estímulo externo
Se o produtor de semente quiser vender as sementes ao agricultor, deverá tratar as
sementes colhidas maduras com tetraciclina. A tetraciclina difunde-se para a semente
e se liga à proteína repressora presente no embrião. Como conseqüência, o repressor
não consegue ligar-se ao promotor repressivo e o gene recombinase permanece ativo.
A recombinase fica disponível e corta as seqüências de bloqueio e excisão localizadas
entre o promotor LEA e o gene da toxina. Apesar de se encontrar ligado a seu
promotor, o gene da toxina ainda não se expressa nesse momento. A semente é
vendida ao agricultor, germina normalmente e a cultura se desenvolve completamente
no campo, com plantas viçosas e saudáveis que florescem e geram grãos. Porém,
durante os últimos estágios do desenvolvimento do embrião, o promotor LEA aciona
o gene da toxina. A toxina se forma no embrião, que vem então a morrer. O agricultor
pode colher, assim, os grãos produzidos pela cultura, que podem ser consumidos, se
for o caso, mas não replantados.
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