“Como inovar no Brasil “ Por Carla Mahfuz, Ipsos Marketing

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“Como inovar no Brasil “
Por Carla Mahfuz, Ipsos Marketing
Inovação, do latin innovatio, refere-se a uma ideia, método ou objeto que é criado e que
pouco se parece com padrões anteriores. É também a arte de antecipar necessidades que os
consumidores ainda nem sabem que tem. É compreender e captar novas tendências,
ultrapassando barreiras culturais e pré-conceitos locais.
A inovação no Brasil está intimamente conectada ao seu desenvolvimento econômico e
industrial. Historicamente, por ter sido o Brasil uma colônia de Portugal, desde seu
descobrimento, em 1500, até meados do século XIX, sua economia foi baseada na agricultura,
sem qualquer tipo de desenvolvimento industrial.
O começo da industrialização – de 1850 a 1930
A partir da metade do século XIX, com o declínio da escravidão e com o amplo
desenvolvimento da cafeicultura, chegam ao país os primeiros imigrantes. Com isso, temos o
início de um trabalho assalariado, constituindo um mercado consumidor, totalmente
indispensável para a expansão industrial do país. Antes havia apenas algumas indústrias
isoladas, muito artesanato e alguma atividade manufatureira, mas não industrialização.
Mas foi apenas a partir da 1ª Guerra Mundial, entre 1914 – 1918, que o nosso crescimento
industrial começou a se fortalecer. Nesse período, a exportação do café foi prejudicada e a
dificuldade em se importar os bens industrializados, acabou por estimular os investimentos e a
produção interna, basicamente indústria de bens de consumo.
Foi exatamente neste período que algumas indústrias se instalaram em território brasileiro,
trazendo para cá produtos que haviam revolucionado o consumo em outros países.
A Nestlé se instala em 1921, no interior de São Paulo, para produzir leite condensado. Lever
começa a produzir sabão em São Paulo a partir de 1930 e já encontra a concorrência local da
José Milani & Cia, que, desde 1912, se dedicava a indústria saboeira no interior de São Paulo.
Também a Johnson&Johnson desembarca em 1933, em São Paulo, suprindo o mercado com
produtos de uso hospitalar e doméstico.
Naquela época, o país ainda dependia de importação para alguns destes tipos de produtos.
Outros inauguraram o segmento no Brasil e o pioneirismo destas empresas seria responsável
por conquistar definitivamente os primeiros consumidores que surgiam.
A “Revolução Industrial” – de 1930 a 1956
Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 – 1945) é que a indústria brasileira
realmente se solidifica, dois séculos após a Revolução Industrial, ocorrida na Europa.
Vários fatores coincidiram para este desenvolvimento industrial no Brasil. A partir de 1930,
com a crise mundial instalada, houve um declínio da cafeicultura e um grande êxodo rural,
aumentando a população urbana, constituindo um grande mercado consumidor, bem como
disponibilizando mão de obra para a crescente industrialização. Com a 2ª guerra, há também
uma significativa redução das importações e a consequente diminuição da concorrência
estrangeira.
O cenário era totalmente favorável para o consumo. A concorrência já começava a incomodar
e as primeiras peças publicitárias, ou “reclames”, começam a surgir em jornais.
Foi nesse contexto que a Johnson&Johnson lançou a marca “Moddess”, em 1934. Uma grande
inovação, o primeiro absorvente higiênico descartável do mercado nacional.
Promovido com o slogan “use uma vez e jogue fora”, provocou uma revolução nos hábitos de
higiene íntima feminina, incentivou as mulheres brasileiras a se livrar de tabus e preconceitos
relacionados à menstruação, proporcionando-lhes maior liberdade de ir e vir “naqueles dias”,
e iniciou uma nova categoria de produtos no mercado, da qual se tornou símbolo.
O caminho para o sucesso, no entanto, não foi fácil. Para se impor de fato como uma evolução
em relação às “toalhinhas” e outros recursos utilizados pela mulher “naqueles dias”, a marca
precisou ajudar o público feminino a vencer seus próprios tabus e preconceitos em relação à
menstruação. Para tanto, empenhou-se em um programa de educação, orientação e
atendimento personalizado à consumidora.
Desta forma, já na fase de solidificação da indústria vemos que inovar é antecipar
necessidades, insistir e ensinar aos consumidores que eles não podem mais viver sem este
produto.
Da internacionalização aos dias atuais
Em meados dos anos 50, o presidente Juscelino Kubitschek, promoveu a abertura da economia
e das fronteiras produtivas, permitindo a entrada de recursos em forma de empréstimos e
também em investimentos com a instalação de empresas multinacionais.
Enquanto a indústria se desenvolvia a todo vapor, novos produtos, inovadores e
revolucionários eram lançados por aqui.
No início dos anos 60, porém, ainda era forte o preconceito contra as mulheres que
trabalhavam fora de casa. A valorização feminina estava diretamente ligada ao sucesso nas
tarefas do lar, e as horas passadas na cozinha contavam muitos pontos positivos.
“O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza” (Revista Querida, 1955).
“A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com serviços
domésticos.” (Jornas das Moças, 1959).
Por essa razão, nas primeiras propagandas das sopas em pó Knorr no Brasil, a rapidez no
preparo, seu grande diferencial, não foi explorada. Em vez disso, destacou a possibilidade de
realçar os sabores e, assim, agradar ainda mais à família. “São tão gostosas que garantem sua
fama de boa cozinheira”, dizia a propaganda das sopas em 1968.
Nas décadas 70, 80 e 90, a industrialização do Brasil continuou a crescer, embora, em alguns
momentos de crise econômica, ela tenha estagnado.
Durante este desenvolvimento do mercado consumidor, porém, o brasileiro se mostrou
extremamente conservador. Em todos os sentidos. Os produtos pioneiros, e que obtiveram
muito sucesso no Brasil, passaram por uma etapa pesada de “educação do consumidor”.
Quando Rinso, o primeiro sabão em pó da Lever, foi lançado no Brasil, eram promovidas
demonstrações públicas de sua eficácia. As consumidoras recebiam amostras para acreditar no
produto. O mesmo aconteceu no lançamento de OMO, em 1957.
Já o lançamento de Omo Líquido, alinhado ao sucesso da novidade nos Estados Unidos e na
Europa, em 1990, não se consolida entre as consumidoras brasileiras. Na época, a
concorrência praticamente não existia, os esforços em uma nova reeducação das
consumidoras não deve ter compensado e o produto foi retirado de linha. Voltaria ao mercado
20 anos depois, após Ariel se firmar como pioneiro no mercado de detergentes líquidos.
Também esbarramos em um atraso, ocasionado pelo próprio processo tardio de
industrialização do Brasil. Enquanto Moddess era lançado em 1934 no Brasil, revolucionando o
mercado de higiene feminina; nos Estados Unidos, em 1936, Tampax já era lançado com uma
campanha de educação para o uso do absorvente interno, até então pouco conhecido do
público em geral.
Quando O.B. é lançado no Brasil, em 1974, com o objetivo de oferecer à mulher brasileira uma
alternativa de proteção menstrual muito mais confortável, discreta e higiênica, enfrentou
resistência e muita polêmica, já que havia quem achasse que o produto atentasse contra a
virgindade. Até hoje, 40 anos depois, o produto não tem amplo uso dentre as consumidoras
brasileiras, sofre preconceitos e é utilizado, pela ampla maioria, apenas para ir à praia.
Inovar é captar rapidamente a cultura, os hábitos de consumo. É sensibilizar-se com o
contexto. É observar atentamente aos consumidores fazendo com que os produtos
acompanhem e antecipem a evolução da sociedade.
O futuro da inovação
No fim do século XX houve um razoável crescimento econômico no país, promovendo uma
melhoria na qualidade de vida da população brasileira, além de maior acesso ao consumo.
Houve também a estabilidade da moeda, além de outros fatores que foram determinantes
para o progresso gradativo do país.
Por que então continuamos tão atrasados? Um conjunto de fatores.
A tardia industrialização do país, a falta de incentivos em pesquisa e desenvolvimento, a não
conexão entre a universidade e a iniciativa privada e, até mesmo, o conformismo do povo
brasileiro, uma sociedade arraigada em valores conservadores.
Os tempos mudaram e a concorrência está acirrada, mas ainda é preciso ter o mesmo trabalho
de educação do consumidor, iniciado há um século.
Os produtos mais inovadores, que inauguraram a industrialização, surgiram no século XVIII.
Naquela época, homens visionários buscavam soluções para melhorar a vida das pessoas. E
provavam, exaustivamente, por que deveriam usar determinado produto, mudar um hábito,
seguir em frente.
No século XXI, o segredo do sucesso é exatamente o mesmo. Um bom exemplo de inovação
bem feita no Brasil é o das águas Bonafont, da Danone.
Água é o produto mais commodity que existe. Antes de Bonafont ser lançada em 2008,
dificilmente alguém comprava este produto pela marca. Com um excelente trabalho de
convencimento do consumidor acerca dos benefícios de uma fórmula muito mais leve e que
ajuda a desintoxicar o organismo e, portanto, capaz de diminuir a retenção de líquidos, este
lançamento foi um sucesso estrondoso e inaugurou novos tempos na categoria. Água, agora, é
Bonafont... O resto, bem o resto é água!!
Também com o enriquecimento da classe média e o aumento do poder de consumo, surgem
novas necessidades, de novos consumidores.
A sociedade brasileira sempre esteve acostumada a delegar tarefas domésticas às
empregadas. Com a melhor distribuição de renda no país, está cada vez mais caro mantê-las e
surge, então, uma necessidade muito óbvia e já presente nos lares americanos e europeus
desde os anos 50: a máquina de lavar louças!
Atualmente, menos de 2% das casas têm lava-louça no Brasil. E claro, esta ausência está
carregada em mitos, como o de que a máquina consome mais água.
Terá sucesso a empresa que ensinar ao consumidor que a máquina de lavar louças é
extremamente econômica, gastando apenas metade da água que se gastaria lavando louça à
maneira tradicional.
Além disso, por razões históricas, empresas do exterior sempre foram estimuladas a se
instalarem no Brasil em detrimento a uma verdadeira indústria local. Como resultado, o que
temos hoje, são multinacionais que apenas produzem aqui, mas têm seus processos de
inovação centrados na matriz. Inovações que temos em produtos de consumo duráveis e não
duráveis como leite em pó, air bag em automóveis, dentre muitas outras, foram pensadas
visando o consumidor europeu ou norte-americano.
E ainda, na tentativa de se adaptar ao mercado brasileiro, muitas multinacionais trazem
produtos mais baratos ou até piorados para cá.
O que resta de inovação verdadeira no Brasil está mais relacionado à como este produto é
vendido para o consumidor brasileiro.
Vemos então que, um grande erro de um processo de inovação é o de não apostar em uma
ideia, partindo de uma necessidade clara, por que os consumidores não enxergam assim. É tão
fatal quanto partir de uma necessidade inexistente.
Com isso, a realidade é que temos certo conservadorismo em novas ideias e produtos. Poucos
são os conceitos capazes de realmente quebrar paradigmas. Temos sempre mais do mesmo.
Segundo a Ipsos, apenas 5% dos conceitos testados no mundo inteiro são de inovações
realmente “breakthrough”. Ainda, segundo a Harvard Business Review apenas 10% das
inovações são realmente “transformacionais”, enquanto 70% delas ainda cai em “core”.
A falha em compreender e decifrar consumidores pode levar a erros de estratégia. Às vezes,
uma inovação se encaixa perfeitamente na época e no lugar. Outras vezes, pode fazer as
pessoas evoluírem, oferecendo-lhes novas possibilidades.
O grande segredo é o de quebrar regras e paradigmas. E isso significa, muitas vezes, apostar e
insistir no que muitos acreditam não ser necessário.
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