SISTEMA ELETRÔNICO DE PRECISÃO PARA A MEDIDA DE FREQUÊNCIAS EM MICRO-BALANÇAS DE CRISTAL DE QUARTZO Eduardo dos Santos Ferreira1, Maria Lucia Pereira da Silva2 1 Prof. Dr. do curso de Materiais da FATEC-SP 2 Profa. Dra. do curso de MPCE da FATEC-SP [email protected], [email protected] Resumo Apresentaremos neste trabalho o projeto e a construção de um sistema eletrônico que permite a medição precisa da variação da frequência de um cristal de quartzo. O coração do sistema é um multiplicador analógico de quatro quadrantes da Texas Instruments, o MPY634. Com este sistema, é possível medir com precisão 1Hz em 4.000.000Hz. 1. Introdução Os avanços na indústria microeletrônica permitiram a criação de sistemas computacionais mais complexos, bem como novos e mais eficientes softwares para aquisição e tratamento de dados experimentais. Tais avanços impulsionam a pesquisa científica e o desenvolvimento industrial, permitindo o desenvolvimento de novos e melhores produtos. Dentro deste contexto, a miniaturização de estruturas para o pré-tratamento de amostras, seja química ou biológica, é um bom exemplo das vantagens de se integrar sensores a sistemas computacionais de análise de dados [1]. A química é uma das áreas mais afetadas pela miniaturização de sensores. Da mesma forma como o progresso tecnológico da microeletrônica permitiu o desenvolvimento de novos e mais poderosos sistemas micro processados, ela também permitiu o desenvolvimento de sistemas micro eletromecânicos – MEMS (Microelectromechanical Systems MEMS) [2],[3],[4]. Sistemas micro eletrônicos e micro mecânicos foram manufaturados e integrados, surgindo, assim, micro equipamentos e micro estruturas de grande eficiência para análise química. Isto é muito útil na instrumentação química, pois diminui o volume de amostra necessária e permite a criação de sistemas mais rápidos de análise. Nesta linha de pensamento, existem os sistemas de micro análise total – μTAS (micro total analysis system) [5]. Sistemas μTAS têm duas importantes características: tempo necessário para análise química da ordem de segundos e quantidade de amostra de poucos microlitros. Assim, o uso destes sistemas colabora para o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis, pois o uso de reagentes é mínimo e conseqüentemente o problema do descarte se torna menor. Um exemplo de integração entre materiais cerâmicos, microestruturas e sistemas eletrônicos é a microbalança de cristal de quartzo [1] (MCQ). Microbalanças de cristais de quartzo são utilizadas em várias aplicações de baixo custo, como por exemplo, análise eletroquímica, caracterização de gases, miniaturização de sistemas de análise, etc. A citação da incorporação de materiais piezelétricos a microestruturas é recorrente na literatura. Contudo, a fabricação de micro sistemas de análise sobre substrato cerâmicos (C-MEMS) 6 é mais recente, havendo poucas publicações na área. O princípio de operação da MCQ é o efeito piezoelétrico. Certos materiais geram um campo elétrico quando submetidos a deformações ou outras forças mecânicas externas. Quando a intensidade e sentido da perturbação mecânica variam, proporcionalmente, variam a intensidade e o sentido do campo elétrico gerado no cristal. Da mesma forma, ao aplicarmos um campo elétrico ao material, ele sofre uma deformação mecânica. Este fenômeno é conhecido como piezoeletricidade e materiais que apresentam este comportamento são chamados de piezoelétricos [7]. Cristais piezoelétricos são utilizados em circuitos osciladores de alta estabilidade e precisão. Isto se consegue fazendo o corte preciso destes cristais, que passam a oscilar mecanicamente em frequências precisas. Na Figura 1, apresentamos o esquema de uma MCQ. Sobre a superfície do cristal, é depositado um filme adsorvente. A adsorção de massa no filme adsorvente provoca um desvio em sua frequência, que é descrito através da equação de Sauerbrey [8]: (1) onde Δf é a variação de frequência de ressonância do cristal em Hz, f0 é a frequência de oscilação do cristal, ‘A’ é a área exposta, Δm é a variação de massa e K é a constante de adsorção da superfície do cristal. Figura 1 – Princípio de funcionamento da MCQ. Para proteger o sensor e garantir precisão no sistema de medidas, o cristal é colocado em um ambiente fechado, denominado cela, onde fica exposto a gases em Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 38 a 41 –Abril / 2010 38 fluxo constante. Nesta cela, com a passagem do gás através dela, a frequência de oscilação do cristal apresenta variação que, segundo a equação (1), é proporcional à massa gasosa existente sobre o cristal no momento da medida [8],[9]. Apresentaremos neste trabalho o projeto e a construção de um sistema eletrônico que permite a medição precisa da variação da frequência do cristal de quartzo. 2. Metodologia Na Figura 1, apresentamos o diagrama do sistema de controle da microbalança. Um cristal é exposto à solução e o outro é reservado como referência de frequência. Figura 2: Sistema eletrônico para o controle da MCQ. Deste modo, teremos um sinal composto por dois harmônicos, sendo um deles a diferença de frequência entre os dois cristais. Utilizando um filtro passa baixa, separamos o sinal de baixa frequência, que é proporcional à massa adsorvida no cristal. A vantagem desta abordagem é termos uma boa precisão na medida sem necessitarmos de frequencímetros e softwares de alto custo. 3. Resultados e discussões Na figura 4, apresentamos os resultados do teste do filtro passa baixa. O filtro utilizado é um circuito R-C série, com resistência (R) de 1kΩ e capacitância (C) de 100nF. A frequência de corte observada experimentalmente é de 2kHz, valor próximo à frequência projetada de 1,59kHz. Esta frequência de corte foi estipulada, considerando o máximo desvio de frequência do cristal de quartzo, que ocorre quando a sua superfície fica saturada e, deste modo, não há mais adsorção. A variação máxima desta frequência devido à adsorção na superfície é de dezenas de Hertz [9]. Porém, existe uma diferença de frequência de oscilação entre os cristais, que é de centenas de Hertz. Isto é devido à variação natural do processo de fabricação dos cristais osciladores. Assim, mesmo sem material adsorvido na superfície do cristal, o sistema apresenta uma frequência de saída que pode variar de 10Hz a 1.000Hz, o que justifica projetar o filtro com frequência de corte mais elevada do que a variação da frequência devido à adsorção. ganho 1,0 Av Na Figura 3, apresentamos o circuito desenvolvido. Cada cristal é ligado a um oscilador de onda quadrada. As saídas dos osciladores são ligadas às entradas de um multiplicador de quatro quadrantes que, por sua vez, é ligado em um filtro passa baixa. O sinal filtrado de baixa frequência é transformado em onda quadrada para pode ser lido em um multímetro digital de baixo custo que, por sua vez, é ligado a um computador. (3) 0,5 0,0 100 1000 10000 100000 f (Hz) Figura 3: Esquema elétrico do sistema de medição. Figura 4 – Resposta do filtro RC. O multiplicador de quatro quadrantes é o MPY634. Sua função é fazer o batimento (multiplicação) dos sinais alternados aplicados em suas duas entradas. Considerando que o primeiro harmônico dos sinais na entrada seja do tipo: e (2) onde ω1 e ω2 são as frequências angulares dos sinais retangulares de entrada. O resultado da multiplicação das tensões será: Figura 5 – Testes de funcionamento do circuito multiplicador, do gerador de referência e do filtro passabaixa. Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 38 a 41 –Abril / 2010 39 Na Figura 5, apresentamos a montagem para o teste do funcionamento do sistema. O Agilent 33210A é um gerador de sinais com precisão de 1mHz. Ele foi utilizado para simular a variação da frequência da microbalança. Para a medida da frequência de saída, foi utilizado o multímetro Agilent 34410A, cuja precisão de medida é de 0,1Hz. Na Figura 6, apresentamos o resultado do teste de funcionamento do sistema. A frequência do gerador foi variada de 4.000.000Hz a 4.010.000Hz. O valor máximo de frequência até o qual o sistema opera linearmente é de 4.006.000Hz. Isto é equivalente a uma diferença de frequência de 6kHz. Após esta frequência, o ganho do filtro passa baixa passa a ser pequeno o suficiente para que o sinal na entrada do inversor de saída (Figura 5) não funcione mais. A Figura 8 exibe o resultado do teste de funcionamento do circuito completo (Figura 3) quando a célula de medição (sensor) foi submetida a um fluxo de 2-propanol de 5sccm durante 60s. A medida foi repetida após 600s. Através dos resultados obtidos, verificamos que o tempo de resposta do circuito é adequado para as medições com a célula. diferença 8000 7000 6000 df (Hz) 5000 Figura 8 – Teste com fluxo de 2-propanol 4000 3000 2000 4. Conclusões 1000 0 3998000 4000000 4002000 4004000 4006000 f (Hz) Figura 6 – Resposta do circuito multiplicador, usando como referência o oscilador com cristal de 4MHz. A Figura 7 apresenta uma simulação da resposta do circuito ao ser ligado ao sensor piezelétrico. Para a simulação, foi utilizada a equação 1 e os dados experimentais da Figura 6. Foram consideradas duas constantes de adsorção (K) obtidas da literatura [7],[9]. A precisão do circuito e a linearidade de operação permitem uma leitura precisa da adsorção na superfície do cristal, ficando as melhorias na sensibilidade do sistema limitadas apenas pela constante de adsorção das superfícies. BT25/Malu Quim. Nova 60 dm (ug) 40 20 0 3998000 4000000 4002000 4004000 4006000 f (Hz) Figura 7 – Simulação da resposta em massa do circuito usando dados das referencias 7 e 9. O sistema eletrônico desenvolvido, de medição de frequência por batimento de sinais, permite a medição precisa da variação da frequência em um cristal piezelétrico de um microbalança de cristal de quartzo. Conseguiu-se medir com precisão 1Hz em 4.000.000Hz. Agradecimentos À FATEC-SP, pela aquisição dos equipamentos. Ao CNPq pelas bolsas concedidas. À Texas Instruments do Brasil pelo fornecimento dos componentes eletrônicos utilizados. Referências Bibliográficas [1] Moitinho, E. T., et. Al.. Simulação de um sistema digital para o controle de uma microbalança de quartzo. 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