Anima Revista da Faculdade Integrada do Ceará SOCIEDADE DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ PRESIDENTE Annita Shterb Gorodicht FACULDADE INTEGRADA DO CEARÁ DIREÇÃO GERAL Cláudio Pimentel da Silva DIREÇÃO ACADÊMICA Jessé de Hollanda Cordeiro DIREÇÃO DO INSTITUTO POLITÉCNICO Francisco Helder Caldas de Albuquerque DIREÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO Andréa Bezerra Sampaio EDITOR Benedito José de Carvalho Filho Everon Bezerra Parente Neil Armstrong Rezende Regina Célia Gomes Sérgio Araújo Yunes COORDENADORES DE GRADUAÇÃO Alejandro Vivanco Selpúveda Ana Flávia Alcântara Rocha Chaves Aurio lucio leocadio da Silva Cristiane Buhamra Abreu Eleazar de Castro Ribeiro Francisco de Assis Francelino Alves Grace Adeodato Maia José Alzir Bruno Falcão Maurício Feijó Benevides de Magalhães Filho Mônica de Almeida Luz Paulo Celso de Mello Oliveira Silvia Pires Bastos Costa CONSELHO CONSUL TIV O CONSULTIV TIVO Aline Alice Cavalcante de Albuquerque, Dra Antônio Ribeiro da Silva Filho, Dr Bruno Andrade Cardi, Dr Francisco Josênio Camelo Parente, Dr Guilherme Lincoln Aguiar Ellery, Dr José Ednilson de Oliveira Cabral, Dr José Afonso Bruno, Dr Lilia Maria Carneiro Câmara, Dra Marcelo Alcântara Holanda, Dr COORDENADORES DE CURSO DO INSTITUTO POLITÉCNICO Márcia Vidal Nunes, Dra Maria Celeste Magalhães Cordeiro, Dra Cláudio Reginaldo Alexandre Roberto Misici, Ms Dáger Silveira Aguiar Danielle Brasil Accioly de Paula CONSELHO EDITORIAL Desirée Custódio Mota Gondim Emílio Augusto Gomes de Oliveira Álvaro Melo Filho, Dr Glaucionor Lima de Oliveira José de Souza Neto, Dr José William Arruda Cavalcante Forte Raimunda Hermelinda Maia Macena, Ms Leandro da Silva Taddeo Sandra Maria Aguiar de Figueiredo, Ms Loana de Almeida Carrah Luiz Antonio Gouveia de Oliveira Anima. V. 5 – out./dez. 2002 Fortaleza, Faculdade Integrada do Ceará – FIC. ano 2, v. 1, n. 5, il. Trimestral. 1. Periódico científico – Faculdade Integrada do Ceará – FIC 2. Artigos diversos CDD 050 Printed in Brazil ISSN Anima Revista da Faculdade Integrada do Ceará Editorial A apresentação de uma revista quando já atingiu o seu quinto número torna-se, muitas vezes, redundante. A rotina e a continuidade das publicações, por outro lado, nos mostram um lado altamente positivo: é um indicador de que a revista Anima, adquiriu visibilidade no mundo cultural da cidade. Trata-se, agora, de aperfeiçoá-la, melhorar a distribuição, colocá-la em rede e ampliar o número de seus leitores. Lembro-me que durante o lançamento de seu primeiro número afirmei que a revista Anima só teria sucesso quando ultrapassasse o quinto número e mantivesse uma continuidade regular. Esta observação tinha (e tem) um sentido, pois o que observamos no meio acadêmico cearense é exatamente a falta de continuidade das publicações. Por falta de verbas, muitas vezes, um projeto cultural acaba nos seus primeiros passos. Mas não é somente por isso que as publicações são “meteóricas” e irregulares. Junto com ela está a falta de interesse, uma melhor compreensão do significado de Σuma publicação na vida universitária. No Brasil, mesmo com Ψ Λ wR θ Ψ Φ a e R kM Ψ MHΦ θ θ e anos, j E todos os avanços dos últimos Ψ publica-se pouco, escreve-se e lê-se kainda RMHH Σ kD ΙX Sy S Φ ΛX M y Ha X H M M H M M M X H W W W D H ΚΨ ΚΨ ΚΚ M R R X ΚM ΚX H ΚΨM HM M M M M M X X X X R X Ψ Ψ M M M M M XR Ψ com muito pouca freqüência, o que reflete um baixo nível cultural das pessoas que circulam nesse ambiente. Uma revista universitária não é uma espécie de adorno para manter uma performance exigida pelas instituições do Estado para legitimar a sua existência. Não é um “luxo descartável”, mas um dos espaços onde deveria ocorrer o debate cultural; o momento em que os professores e o conjunto dos atores que compõem a vida acadêmica tornam pública suas pesquisas, enriquecendo o trabalho em sala de aula e devolvendo para a sociedade os conhecimentos. S w R Ψ Φ Σ R w R Ψ Λ R k e Ψ Λw Ψ Ψ Λw Σ Σ a Φ H H Ψ Φ e Ψ Λ wR θ Ψ Ψ Λw Σ Σ a e a k R M θ H M MHΦ Φ k ΨM Φ Ψ M M θR jΛ E Σ kD θ R e θ jkΛaEΦΨ D Σk Ι M Ι S y SyXM S H Φ XM Φ H y H X X X X H M M M M H M M M M M M M X X H W W W W W D H Κ Κ Κ Κ Κ R R X X R ΚMXΨ ΚXMH ΚΨMXΨ ΚΨ M HM ΚR ΚXMH ΚΨ M M MXΨ M X X RM X X Ψ Ψ Ψ Ψ M M M M M M M XM S A biblioteca e as publicações são o coração da universidade, o oxigênio que permite o seu dinamismo e a sua vitalidade. Nos países desenvolvidos da alta modernidade é inconcebível uma instituição de nível superior sem divulgação de sua massa crítica de conhecimentos, elaborada e reelaborada no permanente movimento do ensino, pesquisa e extensão. Neste quinto número da revista temos a grata satisfação de editar os artigos dos professores da casa. Keila Cristina Nicolau Mota, Carlos José Rodrigues da Silva, Ailton dos Santos Júnior, Sônia Maria Kohler Dias, escreveram um artigo sobre os impactos socioeconômico do turismo, suas influências positivas e negativas. O tema central é a sustentabilidade do turismo, importantíssimo para o curso que a FIC oferece desde algum tempo em Fortaleza. Na área de saúde temos o artigo de Raimunda Hermelinda Maia Macena, especialista e Mestra em Educação e Saúde, denominado “Tendências Pedagógicas e Educação em Saúde”, onde a professora descreve de modo suscinto algumas tendências pedagógicas para educação, analisando seus princípios didático-pedagógicos. Denise Costa, professora da FIC, analisa as estratégias w R Ψ Ψ Λw H M Φ de Marketing nos supermarcados, fazendo, também, uma longa contextualização do cenário do setor. Maria Zilah Sales Albuquerque, Mestre em Administração de empresas, é professora da FIC e da Universidade Federal do Ceará, juntamente com o professor José de Sousa Neto, pesquisador, Phd, professor da FIC e Terezinha de Jesus Pinheiro Maciel, professora da UFC, no artigo “Restaurantes Self Service em Fortaleza”, um estudo de caso sobre a qualidade em serviços, em alguns restaurantes de Fortaleza. Benedito José Carvalho Filho, Mestre e doutorando em Sociologia no seu artigo “Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo”, discute as formas como a temática de modernidade aparece na sociologia brasileira. Este conjunto de antigos fecha o quinto número da Revista Anima. Agradecemos o envio de artigos. O Editor w Ψ ΨΛ Σ w w R θ RΨ k Λ HΦ Φ Ψ Ψ MH θ θ θ e jΛ E D D Φ RMHHS ΣΣ k RΙΙ R S y y Ψ ΦΛ X X X X X X H M M M H M M M M M M M M X X H W W W W D Κ Κ Κ ΚΨ R R X Ψ ΨM ΚMXΨ Κ Κ H Κ Κ Κ k M MH M M X X X X X X X R X Ψ Ψ Ψ Ψ Ψ M M M M M M Ψ R M Ψ Λw Σ H Ψ Φ θ k M Φ Sumário Impactos Socioeconômicos do Turismo e suas Implicações na Sustentabilidade Turística KEILA CRISTINA NICOLAU MOTA CARLOS JOSÉ RODRIGUES DA SILVA AILTON DOS SANTOS JUNIOR SÔNIA MARIA KOHLER DIAS 09 Tendências Pedagógicas e Educação em Saúde RAIMUNDA HERMELINDA MAIA MACENA Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista DENISE PIRES BASTO COSTA 37 Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços MARIA ZILAH SALES ALBUQUERQUE JOSÉ DE SOUZA NETO TEREZINHA DE JESUS PINHEIRO MACIEL Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo: Algumas Anotações para o Debate BENEDITO JOSÉ DE CARVALHO FILHO 29 49 65 A Violência e suas Figurações RICARDO HENRIQUE ARRUDA DE PAULA 73 ZQWSXCDERFVBGTYHNMU JKL IOWSXBGTYHNMU JVFRP Impactos Socioeconômicos do Turismo e suas Implicações na Sustentabilidade Turística Keila Cristina Nicolau Mota* Carlos José Rodrigues da Silva** Ailton dos Santos Junior*** Sônia Maria Kohler Dias**** RESUMO: O artigo analisa os principais impactos socioeconômicos do turismo, suas influências positivas e negativas, implicações para o desenvolvimento do turismo sustentável e recomenda, de acordo com a literatura especializada, os caminhos que devem ser seguidos pelos países ou localidades que almejam chegar a um nível satisfatório de desenvolvimento sustentável do turismo. Para isso, são analisados os principais conceitos, modelos e casos, além de dados estatísticos sobre a evolução dos indicadores econômicos da atividade turística. ABSTRACT: The article analyses the main social and economical impacts of tourism, its positive and negative influences, implications to the sustainable tourism development and recommends, based on specialized literature, the paths that must be followed by countries or places that intend to achieve a satisfactory level of sustainable tourism development. Therefore, the main concepts, frameworks and cases are analysed and also statistic data about the evolution of the tourism activity economical indicators. Palavras-chave: Impactos Econômicos; Economia do Turismo; sustentabilidade Turística. Key-words: Economical Impacts; Tourism Economy; Tourism Sustainability. * Bacharela em Turismo pela Universidade de Fortaleza; Mestra em Administração; Curso de Extensão em Gestão da Qualidade em Empreendimentos Turísticos e Marketing Turístico pela Escuela Oficial de Turismo, de Madri/Espanha; Doutorando em Turismo e Hotelaria na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI/SC; Professora da Faculdade Integrada do Ceará – FIC. ** Doutorando em Turismo e Hotelaria na Universidade Vale do Itajaí – UIVALI/SC; Mestre em Administração pela Universidade de Brasília – UNB, Especialista em Comércio Exterior pela Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior, Aperfeiçoamento em Marketing de Serviços e Gestão pela Arizona State University; Professor nos Cursos de Pós-Graduação em Marketing, Administração Financeira e Administração Pública da Fundaçção Getúlio Vargas – Brasília/DF. *** Licenciado em Geografia pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI/SC; Especialista – lato sensu – em Geografia Humana; Mestre em Turismo e Hotelaria; Doutorando em Turismo e Hotelaria pela Universidade Vale do Itajaí – UNIVALI/SC;Professor do Curso de Turismo e Hotelaria da UNIVALI. **** Graduada em Economia pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI/SC; Especialista em Engenharia da Produção (Gestão da Qualidade), Mestre em Engenharia de Produção (Gestão da Qualidade e Produtividade); Doutorando em Turismo e Hotelaria na UNiversidade Vale do Itajaí – UNIVALI/SC; Professora do Curso de Turismo e Hotelaria da Universidade Vale do Itajaí – UNIVALE. 9 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias 1. INTRODUÇÃO O turismo é considerado um dos mais promissores setores da economia mundial e, especificamente no Brasil, temse caracterizado como uma atividade de grande interesse socioeconômico por sua capacidade de mobilizar e se interrelacionar com cerca de 52 setores diferentes da economia. O fluxo turístico, caracterizado pelo movimento de entrada e saída de pessoas em uma determinada região, pode significar riqueza ou pobreza, oportunidade e equidade social para a população autóctone ou o inverso. Os efeitos produzidos pelo turismo numa comunidade, no âmbito socioeconômico começaram a ser percebidos e mensurados inicialmente pela economia, na década de 1970, por seus impactos positivos devido à geração de dividas, investimentos e empregos diretos decorrentes da atividade. Nas décadas seguintes, impulsionado pelos meios de transporte e de comunicação, o turismo ganhou a dimensão de fenômeno de massa, mundialmente estudado e desejado. Muito embora se percebesse que os efeitos negativos também proliferaram, o benefício econômico prevaleceu contribuindo para que o turismo atingisse o patamar que hoje se conhece. Neste trabalho serão examinados os efeitos positivos e negativos do turismo sob o enfoque econômico e as alternativas para o desenvolvimento da atividade turística de forma sustentável. 2. CONTEXTUALIZAÇÃO Uma breve retrospectiva sobre as tendências do desenvolvimento mundial a partir de meados do século passado permite um melhor entendimento das questões relativas ao desenvolvimento sustentável. Nas décadas de 1950 e 1960, o foco do progresso econômico estava baseado, principalmente, em conceitos de eficiência econômica. No início da década de 1970, em função do crescente aumento da pobreza nos paises em desenvolvimento e da inadequação do sistema capitalista de produção para beneficiar estes grupos, surgiram esforços para incrementar a distribuição de renda, direcionando o paradigma desenvolvimentista para um crescimento socialmente equilibrado, mudança que não obteve muito sucesso. Já no início da década de 1980 muitas evidências mostravam que a degradação ambiental era a maior barreira para o desenvolvimento, sendo então a questão ecológica incorporada nas discussões desenvolvimentistas, acarretando com isso um conceito de desenvolvimento sustentável baseado em três dimensões: a econômica, a social e a ecológica. Apesar das diferentes concepções e das ambigüidades relacionadas às três dimensões citadas, muitos esforços têm sido direcionados para uma conceituação que possibilite o equilíbrio entre as mesmas. Apesar disso, tais conceitos apresentam geralmente grandes dificuldades de operacionalização. Muitos analistas consideram o turismo como um vilão quando o tema é sustentabilidade. Com freqüência considerase que as empresas de turismo estejam interessadas somente em seus lucros no curto prazo. Todavia, mesmo causando impactos negativos, essa atividade também possui um papel fundamental na tentativa de criar formas mais sustentáveis de desenvolvimento nacional, regional ou local. Reforçando essa análise, Lage (2000, p. 118) pontua que: “em um planejamento visando o desenvolvimento sustentável, é preciso objetivar a maximização dos benefícios e a minimização dos custos dos principais fatores econômicos e sociais formadores do turismo moderno”. Dessa forma, a dimensão econômica da sustentabilidade é baseada no conceito de máximo fluxo de renda que pode ser gerado enquanto ao menos se mantêm os estoques de recursos (ou capital) que produzem esses benefícios. Tal abordagem segue princípios de otimização e eficiência econômica aplicados ao uso de recursos escassos. Gera também problemas de interpretação tais como: que tipos de recursos devem ser mantidos, sua possibilidade de substituição e sua valoração, principalmente no que tange a recursos naturais; além de questões sobre incerteza, irreversibilidade e colapso relacionados ao uso de tais recursos. 10 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística 3. IMPLICAÇÕES MACROECONÔMICAS DO TURISMO O turismo hoje é o segundo principal produto de exportação do Brasil, ficando a frente do minério de ferro, do café e do açúcar, sendo superado apenas pela soja. Isso significa dizer que o turismo, para efeito da balança comercial, é um dos grandes responsáveis pela transferência de riqueza de países desenvolvidos para os subdesenvolvidos como o Brasil. Abordando os aspectos globais da economia, a ótica macroeconômica investiga o comportamento dos agentes econômicos agregados. Tratando-se do setor turístico, aborda sua influência junto à “totalidade de fatores produtivos determinantes da renda nacional, do produto nacional, do nível de emprego, de investimentos, do comércio exterior, das importações e exportações, das contas nacionais, da balança de pagamentos, da taxa de câmbio” (TRIGO, 2001, p.153), além de outros elementos de grandeza integral para o país ou região. A seguir, alguns dos principais aspectos macroeconômicos foram dispostos em forma de TABELA 1 sistematizada numa tentativa de definir resumidamente cada um. TABELA 1 DEFINIÇÃO DOS PRINCIPAIS ASPECTOS MACROECONÔMICOS " # $ " ! % &" ! # " '! # ( # )* ! # , ( ( " !# # " . ! . + # . ! " ! " / " FONTE: Adaptação de Lage e Milone in Trigo, 2001. ' Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 + ! ! + 0 ! # 0 ! ! 1 ! 1 2 " ! 3 11 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias Os números representativos do fluxo turístico nacional e internacional apontam como o crescimento da atividade vem sendo significativo ao longo dos anos, e, conseqüentemente, pode-se considerar a magnitude dos impactos positivos e negativos por ele causados de forma a impactar os núcleos emissores e receptores desse fluxo. O turismo internacional tem apresentado, nos últimos vinte e um anos, uma taxa de crescimento anual irregular, com variações positivas que oscilam entre 2,1% e 26,4%, tanto no que se refere a chegadas de turistas como ao volume das receitas geradas pela atividade turística, ver figuras a seguir: TABELA 2 TURISMO INTERNACIONAL – EVOLUÇÃO DO TURISMO MUNDIAL (1965-1998) -4 ' ' 56 ,75 7 & -,8& ,7 ,&',5 A &6 9 7 ; ' <=>)?<@@ - 7-, &58 <@@ 3 <EC <)) <=C D< *)F <@ *=@ FE E@> CE )@< *C )*D )) )E< D@ ))E ED - ,5 7 ,&5 &87 <=>) <=C@ <=C) <=D@ <=D) <==@ <==) <==> <==C <==DG ,94: 7 ' 56 ,75 7 <<*= <>)D ***F *D>@ F*C* E)D* )>)) )=>) ><@ D >*)* 67B ,94: 7 <<> <C= E@ C <@)F <<D< *>D= E@)< E=)> EF>@ EEEC ,&',7 ; <=>)?<@@ <@@ <)E F)< =@D <@<D *F<D FE=* FC)) FC)= FDFE 5 A - &6 9 ' 7-, &58 3 >) *@ E *>E ED *<) <EE C) C> *< FONTE: OMT apud EMBRATUR,1999, p.165. (*) Os dados de 1998 foram estimativas da Embratur. 800 700 700 625,2 565,5 600 458,2 500 400 327,2 286 300 222,3 200 112,9 165,8 100 * 20 00 98 19 95 19 90 19 85 19 80 19 75 19 70 19 19 65 0 FIGURA 2 – TURISMO INTERNACIONAL – EVOLUÇÃO DO TURISMO MUNDIAL (CHAGADAS EM MILHÕES DE TURISTAS – 1965–1998) FONTE: OMT apud EMBRATUR,1999, p.165. (*) Os dados de 2000 são estimados pelos autores. 12 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística O fluxo do turismo receptivo no Brasil, apesar dos inúmeros fatores ligados à instabilidade econômica do país e a sua fragilidade social, tem apontado tendências bastante positivas de crescimento. A tabela a seguir apresenta uma série histórica através do registro do número da entrada de turistas desde 1970 a 1998. TABELA 3 ENTRADA DE TURISTAS NO BRASIL (1970- 1998) *E= =@@ *=C=*> FE* =>< F== <*C ED@ *>C )<C=>C )))=>C >FE )=) CDE F<> <@D<C== <>*)E** <F)CDC= <<E>>D< <E*@ ED< 3 <)=)C*> <CF)=D* <=FE @=< <=*= @)F <CE* =F= <E@* D=C <@=<@>C <**D<CD <>=* @CD <>E<<FD <D)FF@< <==<E<> * >>))@D * DE= C)@ E D<D@DE FONTE: Coordenação de Informática / DPF – EMBRATUR. Analisando-se a tabela anterior, pode-se perceber claramente que o turismo receptivo do Brasil está em plena expansão. Mesmo com a significativa mudança positiva de quase 250 mil turistas, em 1970, para quase 5 milhões de turistas internacionais, em 1998, o Brasil ainda tem potencial para crescer muito mais. A riqueza de seus atrativos naturais e culturais, valorizada e enriquecida com obras de infraestrutura básica, empresas de serviços e equipamentos turísticos, além da busca pela melhoria da qualidade dos serviços prestados, se trabalhados com seriedade e profissionalismo, poderão fazer do Brasil um dos maiores receptores de turismo internacional num futuro próximo. Enquanto isso não acontece, no ranking mundial de 1998, segundo a OMT, o Brasil está classificado em 29º lugar entre os principais países receptores de turistas no mundo, como aponta a FIG. 2: Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 13 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias 80000 76000 72000 68000 64000 60000 56000 52000 48000 44000 40000 36000 32000 28000 24000 20000 16000 12000 8000 4000 0 70000 47743 47127 34829 25475 24000 19300 18820 18659 17282 il Br as 29 hi na C ni do U ei no R 6 A EU 3 5 2 Es pa nh a 4818 FIGURA 2 – TURISMO INTERNACIONAL – PRINCIPAIS PAÍSES RECEPTORES DE TURISTAS NO MUNDO (CHEGADAS EM MILHARES TURISTAS – 1998) FONTE: OMT. Portanto, entender que o turismo é um grande impulsionador socioeconômico para o Brasil é de suma importância para o seu crescimento e desenvolvimento dentro do cenário mundial. 4. EFEIT OS SOCIOECONÔMICOS EFEITOS A dinâmica e complexidade do fenômeno do turismo impacta de diversas formas os aspectos socioeconômicos das comunidades emissoras e receptoras. A partir do momento em que indivíduos se motivam para sair do seu local de residência habitual para outro, vários aspectos sociais e econômicos se instalam. Fazer turismo implica em deslocamento, estadia, alimentação, entretenimento e outros itens que só poderão ser adquiridos mediante um determinado valor monetário, o qual pode se tornar um problema social nos núcleos emissores, à medida que a possibilidade de aquisição é limitada às classes sociais mais favorecidas. Turismo tem uma constante conotação de status exatamente pelo aspecto econômico. Nesse sentido, a desigualdade social da população brasileira é um fator limitante para a ocorrência do fenômeno turístico. Ao considerar-se que apenas 24% da população brasileira constituem as classes A e B (A1, A2, B1, B2) e que supostamente seriam aquelas de poder aquisitivo suficiente para consumir o produto turístico (ver FIG. 3), pode-se perceber que o turismo emissivo e interno é uma atividade muito restrita no Brasil. 14 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística A 2 4 % A 1 1 % E 1 2 % B 1 7 % B 2 1 2 % D 3 3 % C 3 1 % FIGURA 3 – GRÁFICO DAS CLASSES SOCIAIS BRASILEIRAS. FONTE: IBGE – resultados preliminares do Censo 2000. Mesmo considerando o turismo de massa e o turismo social, observa-se que a oferta de produtos turísticos às classes menos favorecidas ainda é escassa. Por outro lado, países desenvolvidos são os núcleos emissores de um fluxo turístico composto por indivíduos com poder aquisitivo para consumir o produto turístico do Brasil (ver figuras 4, 5 e 6), o que faz do turismo receptivo um bom negócio para o Brasil. Observa-se que cada indivíduo estrangeiro proveniente de países de primeiro mundo permanece, em média,14 dias no Brasil, gasta cerca de 80 dólares ao dia e deixa em média 1 mil e cem dólares em cada viagem. Considerando que o Brasil recebe quase 5 milhões desses indivíduos por ano, a receita cambial gerada é da ordem de quase 4 trilhões de dólares para movimentar a economia do País, movimentando, em 1998 segundo a EMBRATUR, IBGE e WTTC, quase 8% da população economicamente ativa do Brasil (76,2 milhões de pessoas), gerando cerca de 6 milhões de empregos diretos e indiretos. 25 24 21 20 18 17 16 14 15 14 13 12 12 9 10 8 5 nc es es er ic a no 8 Ar s ge nt in o 9 s C hi le 10 no U s ru gu 11 ai os Pa ra gu ai os Am Fr a 7 6 3 In gl es Po es rtu gu es es 4 1 Ita lia no s 0 FIGURA 4 – TURISMO INTERNACIONAL – PAÍS DE ORIGEM DO TURISTA, PERMANÊNCIA MÉDIA (DIAS) FONTE: EMBRATUR – Perfil do Turista Internacional 1999. Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 15 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias 115,57 120 110 101,1697,56 100 93,72 84 80,68 90 80 79,08 79,87 77,03 67,26 70 60,51 60 50,94 50 40 30 20 10 s io os ua 11 Pa ra g io s tin ua ru g Ar g U 9 10 5 en no s se s le le C hi In g 6 7 s se s no ue lia Ita rtu g Po 4 Fr a 1 2 Am er ic an os nc es es 0 FIGURA 5 – TURISMO INTERNACIONAL – PAÍS DE ORIGEM DO TURISTA, GASTO MÉDIO ( PER CAPITA DIA US$) FONTE: EMBRATUR – Perfil do Turista Internacional 1999. 2400 2249 2200 2000 1800 1618 1600 1561 1502 1452 1445 1416 1400 1107 1200 958 1000 726 800 605 600 408 400 200 Am er ic a no 5 s In g 6 Po lese s rtu gu es 7 es Fr an ce se 8 s C hi le no 9 Ar s ge nt 10 in os Ur ug 11 ua io Pa s ra gu ai os 4 1 Ita lia no s 0 FIGURA 6 – TURISMO INTERNACIONAL – PAÍS DE ORIGEM DO TURISTA, GASTO TOTAL-US$ = (PERMANÊNCIA MÉDIA –DIAS X GASTO MÉDIO – PER CAPITA DIA US$) FONTE: EMBRATUR – perfil do turista internacional 1999. 16 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística Considerando os impactos socioeconômicos do turismo, segundo MATHIESON e WALL (1983, p. 52) a magnitude e características (positiva ou negativa) desses impactos são governados por diversos fatores. Alguns dos mais pertinentes incluem: • a natureza dos principais atrativos e facilidades turísticas; • o volume e intensidade de gastos nas áreas de destino; • o nível de desenvolvimento econômico das áreas de destino; • o grau em que os gastos dos visitantes recirculam dentro das áreas de destino; • o grau em que as áreas de destino ajustam-se à sazonalidade da demanda turística. Ainda com base nos impactos socioeconômicos do turismo, os principais benefícios do turismo, conforme os autores citados anteriormente, são: • geração de divisas; • geração de empregos; • geração de renda; • geração de impostos; • melhoria da estrutura econômica; • incentivo à atividade empreendedora. Destaque-se que, de forma ampla, dentre os efeitos positivos atribuídos ao turismo, BENI (1998, p. 41) considera que o mesmo é um eficiente meio para: • promover a difusão de informação sobre uma determinada região ou localidade, seus valores naturais, culturais e sociais; • abrir novas perspectivas sociais como resultado do desenvolvimento econômico e cultural da região; • integrar socialmente e incrementar (em determinados casos) a consciência nacional; • desenvolver a criatividade em vários campos; • promover o sentimento de liberdade mediante a abertura ao mundo, estabelecendo ou estendendo os contatos culturais, estimulando o interesse pelas viagens turísticas. Dessa forma, o turismo pode incentivar a criação de áreas naturais protegidas e ainda garantir às comunidades envolvidas poder de decisão e controle sobre seu próprio desenvolvimento, sendo também um eficiente meio para a promoção da educação ambiental dos visitantes, envolvendo-os ativamente nos esforços conservacionistas. Assim, o turismo tem o potencial para maximizar benefícios e minimizar custos ambientais, desde que seja conduzido através dos princípios da sustentabilidade. Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 17 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias 4. ENFOQUE MICROECONÔMICO Objetivando uma análise independente das variáveis econômicas que atuam no mercado turístico, a microeconomia engloba os estudos do comportamento isolado dos agentes econômicos: produtores (oferta turística) e consumidores (demanda turística), que produzem e consomem o produto turístico, respectivamente. A oferta constitui a matéria-prima da atividade turística através de um conjunto de recursos naturais e culturais, aos quais agregam-se serviços turísticos como os de transporte, hospedagem, alimentação e outros formando, juntos, o produto turístico. A oferta turística é constituída por um conjunto de atrativos de responsabilidade pública e privada. Quando se fala em turismo, refere-se a uma ação conjunta, capaz de formar e manter um produto global, construindo uma oferta organizada e integrada no contexto socioeconômico em que está inserida. No decorrer dos anos, principalmente após a segunda grande guerra, impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, a demanda turística vem crescendo continuamente, o que corresponde a um aumento subseqüente da oferta de bens e equipamentos turísticos, pois, entende-se que a oferta de elementos naturais, sociais e culturais, associados a uma infra-estrutura de transporte, hospedagem, alimentação e entretenimento, dentre outros, gerou-se a partir de um conjunto de necessidades que formam uma demanda turística. As pessoas deslocam-se temporariamente de sua residência habitual, com o propósito recreativo ou por outras necessidades e razões e buscam a prestação dos serviços turísticos. O conjunto dos bens e serviços turísticos de uma destinação é entendido como o produto turístico, que tem um valor no mercado turístico. Esse valor pode variar de acordo com dimensões geográficas, temporais e qualitativas dos produtos turísticos ofertados. A dimensão geográfica refere-se à localização do produto turístico a ser consumido e sua distância do núcleo emissor, o que influencia na decisão do tipo de transporte a ser utilizado no deslocamento. A dimensão temporal envolve os aspectos referentes ao tempo de permanência e época escolhida para a viagem, que pode causar alterações no produto turístico em termos de preço, variações climáticas das destinações, segurança e outros. As dimensões qualitativas referem-se ao tipo de produto ou equipamento turístico escolhido pois a variedade ofertada no mercado também varia em termos de qualidade e preço. Essa concepção do turismo em diferentes dimensões é a base para a percepção de que a aquisição de produtos no mercado turístico pode variar em quantidade e qualidade de acordo com os recursos financeiros disponíveis para aplicação nesse produto. O fator preço é relevante para qualificar e quantificar a demanda turística, pois ela é inversamente proporcional ao preço, tornando relevante sua característica de elasticidade no mercado turístico. Assim, pode-se entender que quanto maior for o preço, menor será a quantidade de bens e serviços demandados no mercado turístico. Portanto, nesse processo de produção, oferta e consumo do produto turístico no mercado regional, nacional ou internacional acontecem inúmeras relações impactantes para os núcleos emissores e receptores do movimento turístico. 18 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística 6. ASPECT OS SOCIOECONÔMICOS POSITIV OS E A SUSTENT ABILID ADE ASPECTOS POSITIVOS SUSTENTABILID ABILIDADE TURÍSTICA O fato de o turismo estar direta e indiretamente relacionado à geração de renda não implica a destruição de um dos mais importantes fatores de produção: os recursos naturais. O homem, enquanto sujeito do turismo utiliza os insumos de produção que contêm matéria prima, muitas vezes extraída da natureza. Deve entender as diversas possibilidades de geração de emprego, porém deve atender e ter respeito às exigências de conservação. A viabilidade econômica do turismo está no fato de gerar empregos diretos, indiretos e induzidos. Os benefícios econômicos iniciais transferem-se para o efeito multiplicador envolvendo cinqüenta e dois setores da economia, melhoram os indicadores de participação no PIB e determinam a melhora das contas do Balanço de Pagamentos e da Balança Comercial. Por essa razão, muitos esforços têm sido feitos para impulsionar o crescimento econômico originado nas atividades turísticas. A TABELA 4 a seguir cita e explica os principais benefícios econômicos do turismo. TABELA 4 BENEFÍCIOS ECONÔMICOS DO TURISMO – INTERPRETAÇÃO ! "#$ % ( ! + # + $ H 2( I " ! ! ! <==) ! 67B *)@ <==)J 4 # . , $ E)@ . # + I , I <==)J <==) ! # <==)J I H <==) ! 2 # ! I >)@@ # J E)@@ 67B <<) # 2( <==)J # ! . # $ + K . # # # % ( % # ! # , % ! I4 ,! ,! ! O $ 2( & K <=D=;*<J " ( I J ! I J <==E L & M 5 M 4 # 5 H P ! ! F>Q ! " ! # # NM 4 67BEEF FONTE: Wearing. S. & Neil. 2000, p. 109. (adaptado) Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 19 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias Para melhor compreender os impactos positivos do turismo em nível mundial, cabe citar o exemplo de Uganda. 0 turismo virou o maior componente na balança comercial do país. As pessoas vão para Uganda quase exclusivamente para ver gorilas na montanha. 0 Parque Nacional é hoje o principal contribuinte para a economia do lugar, mas somente oito pessoas podem subir lá por dia, dando para imaginar quanto se cobra por este privilégio. É o meio ambiente e o recurso natural que estão contribuindo de maneira extraordinária para o desenvolvimento econômico da região, para a geração de emprego e toda a indústria turística que se desenvolve com a visitação dos goriIas. Existem outros parques, outros safáris para as pessoas irem visitar enquanto esperam a oportunidade de ver os gorilas. E o lado cultural do meio ambiente sendo beneficiado pela atividade turística e que toma como instrumental a matéria-prima e a contribuição da natureza. A natureza está a serviço do homem, no entanto, no caso da visitação aos parques de Uganda, é determinado o modelo de capacidade de carga que impede a transformação de determinados locais de destinação turística, devido à limitação do número de visitantes de ocupação por área. Autores como Sílvio Magalhães Barros apud Lage (2001), apresentam os principais objetivos do Conselho Mundial de Viagens e Turismo – WTCC; definidos por: • sensibilizar os governos para a importância estratégica do setor de viagens e turismo no desenvolvimento econômico e na geração de empregos; • avançar em direção aos mercados mais abertos, mais competitivos e menos regulamentados; • promover o desenvolvimento sustentável na indústria turística; • eliminar barreiras que impedem ou inibem o crescimento do setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, quase todos os grandes parques nacionais são objeto dessa utilização. Sofrem rigoroso controle de uso, para diminuir os efeitos da deterioração pelo afluxo de usuários. Entretanto, os fatos, os números e os dados científicos em si parecem não ter sido suficientes para modificar as tendências globais da deterioração ambiental: “a difusão de conhecimento detalhado a respeito de como o homem degrada e ameaça seu próprio planeta não produziu por si mesma um sinal de ação corretiva séria ou permanente” Pepper (1984, p. 36), apud Wearing. S. & Neil. (2000). Em dezembro de 1987, o norte-americano Robert Solow ganhou o Prêmio Nobel de Economia por sua teoria a respeito do crescimento econômico, algo em si não surpreendente; porém, de particular interesse foi a premissa manifesta por Solow: a dispensabilidade da natureza. Em suas próprias palavras: “o mundo pode, de fato, prosperar sem recursos naturais, de modo que o esgotamento é só um evento, e não uma catástrofe” (SHIVA, 1989, p.219). Igualmente digno de nota foi o discurso do expresidente norte americano George Bush, em 1992, antes do início da Conferência da Terra das Nações Unidas, no Brasil. Ele deixou clara sua posição e a dos Estados Unidos quando recusou qualquer compromisso envolvendo controles ambientais que pudessem inibir o crescimento. Outras das propostas da economia americana até o ano de 2015 incluem possíveis implantações (com aumento de 75%) de fontes de energia nuclear que proporcionam efeitos negativos, acumulo de lixo nuclear e degradação ao meio ambiente e ao homem em todo o mundo. Por essa razão é importante distinguir quais são as devidas melhorias que ocorrem na economia e compreender suas conseqüências. O segmento turístico baseado na natureza, por exemplo, o Ecoturismo que representa 1/5 do turismo mundial, tem princípios básicos de compreensão do meio natural, cultural e humano. Segundo Wearing (2000), os princípios do ecoturismo incluem: 20 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística • assegurar uma distribuição justa dos benefícios e custos; • gerar emprego local, tanto diretamente no setor de turismo, como em diversos setores da administração de apoio e de recursos; • estimular as indústrias locais rentáveis, hotéis e outras instalações de alojamento, restaurantes e outros serviços de alimentação, sistemas de transporte, produção de artesanato e serviços de guia; • gerar divisas estrangeiras para o país e injetar capital e dinheiro novo na economia local; • diversificar a economia local, particularmente nas áreas rurais, onde o emprego agrícola pode ser esporádico ou insuficiente; • buscar a tomada de decisões em todos os segmentos da sociedade, inclusive nas populações locais, de modo que o turismo e outros usuários dos recursos possam coexistir. 0 ecoturismo incorpora o planejamento e o zoneamento, assegurando o desenvolvimento turístico apropriado para a capacidade de sustentação do ecossistema; • estimular a melhoria do transporte, da comunicação e de outros elementos da infra-estrutura comunitária local; • criar instalações recreativas que podem ser usadas pelas comunidades locais, pelos visitantes domésticos e internacionais. Também estimular, auxiliando seu custeio, a preservação dos sítios arqueológicos e de edifícios e bairros históricos; • estimular o uso produtivo das terras marginais para a agricultura, permitindo que grandes áreas conservem sua cobertura de vegetação natural; • monitorar, avaliar e administrar os impactos do turismo, bem como desenvolver métodos confiáveis de contabilidade ambiental e calcular qualquer efeito negativo. Outras formas de turismo, como o turismo cultural, tendem a aumentar a auto-estima da comunidade local e proporcionar a oportunidade de maior entendimento e comunicação entre pessoas de diversas origens; ou o turismo ambientalmente sustentável pode demonstrar a importância dos recursos naturais e culturais para o bem estar econômico e social da comunidade, podendo ajudar a preservá-los. Embora os indicadores no Brasil apresentem destacada posição em torno do turismo emissivo e o potencial turismo receptivo, o desenvolvimento econômico pode estar prejudicado em função do crescimento do próprio turismo. É notório o surgimento de organizações não governamentais, as ONG’s, além do apoio das autoridades governamentais, buscando impor legislação adequada à preservação de áreas protegidas. Regular a limitação de visitantes a parques ecológicos e/ou naturais; incentivar e aplicar políticas de incentivos ao planejamento, promoção e conscientização da população local e dos visitantes para a conservação dos recursos naturais; assegurar medidas contra os impactos mais sérios sobre o ambiente natural, esclarecer e apoiar o planejamento do turismo sustentável. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para que o turismo atinja um patamar de sustentabilidade é importante que os esforços de todas as partes envolvidas, governo, empresas, comunidade e demais instituições sejam considerados no planejamento. Ao governo cabe o papel de estabelecer políticas adequadas para o turismo, políticas que coloquem essa atividade no caminho da sustentabilidade, identificando formas para otimizar os efeitos positivos, principalmente no que concerne a: Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 21 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias • geração de empregos. Esses empregos precisam gerar benefícios em termos de remuneração compatível, educação do trabalhador nacional, qualidade de vida para si e seus familiares. Muitas empresas turísticas continuam a explorar o trabalhador tornando-o escravo de um sistema tão perverso quanto foram alguns sistemas agrícolas e industriais, de tão triste memória para todos os brasileiros. Como menciona Swaebrooke (2000) muitas empresas turísticas simulam ações de sustentabilidade mas na verdade investem pouco pois acreditam que isso encarece o turismo e representa um fator a mais de pressão sobre a demanda turística, que muitas vezes também precisa ser cobrada no sentido da adoção de um comportamento mais compatível com essa realidade do turismo sustentável. • balanço de pagamentos. As políticas governamentais precisam conduzir o país a uma situação de maior equilíbrio no balanço de pagamentos. Para isso é necessário incentivar o ingresso de turistas, mas como fazê-lo sem gerar mais agressões sócioambientais econômicas e culturais? No caso da Tailândia, que procurava atrair divisas para amenizar a crise asiática de 1997/1998, as campanhas fortes de atração de turistas ameaçavam trazer sérios problemas ambientais. A crise financeira da Ásia, de 1997/98 forçou o governo da Tailândia a sacrificar a sustentabilidade de longo prazo em favor do imediatismo e da necessidade desesperada de obter moeda conversível. A campanha promocional “Amazing Thailand” que ajudou a atrair 17 milhões de turistas nos anos de 98 e 99 prometia exacerbar logo em seguida a degradação ambiental dos destinos turísticos do sul da Tailândia. Ironicamente, pela mudança do perfil dos turistas que chegam, atraindo mais europeus e norte-americanos, a desvalorização da moeda, associada à crise econômica pode, ao mesmo tempo, fazer explodir a demanda por atividades baseadas na natureza no sul da Tailândia e adicionar stress às destinações ecologicamente deterioráveis. A Tailândia procurou tirar proveito de problemas mais sérios enfrentados pela Malásia e pela Indonésia que não conseguiram equacionar tão rapidamente duas crises, que tinham também forte cunho político, promovendo fortemente o turismo, tanto os fluxos convencionais quanto o ecoturismo. Ao fazê-lo sem o controle e sem os investimentos necessários visando a sustentabilidade, o Governo Tailandês e o órgão responsável pelo turismo conseguiram excelentes resultados econômico-financeiros mas, de acordo com as conclusões do texto, havia uma previsão de muitos danos à natureza e muita degradação causada por um turismo cuja ênfase principal passou a ser econômica, havendo, portanto, o risco de ocorrência de muito conflito entre a necessidade de desenvolvimento econômico e o desenvolvimento do ecoturismo de forma sustentável. • efeito multiplicador. As políticas de sustentabilidade devem ser orientadas para canalizar positivamente os efeitos multiplicadores do turismo para outras áreas produtivas, criando um círculo virtuoso na economia do país. Nesse sentido, será importante rever o papel e o espaço destinados às grandes redes hoteleiras que, em muitos casos, acabam fazendo um papel negativo ao trazer empregados de outros países, ao beneficiarem-se de incentivos fiscais às custas da sociedade local e, não raro, ao transferirem altas somas financeiras para suas matrizes no exterior sangrando as divisas do país hospedeiro. Na TABELA 5 a seguir é possível visualizar os principais efeitos positivos e negativos do turismo, a partir das diversas fontes pesquisadas. 22 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística FIGURA 9 PRINCIPAIS EFEITOS POSITIVOS E NEGATIVOS DO TURISMO & '( )*' ( " $ # ! # # " ! " $ ' ! ! ! 2 , , ! ' ! K ' ! ! # $ " 1 + 3 ! R ! 2 # " + ! ! As políticas governamentais devem ser orientadas, portanto, para criar sustentabilidade, através da geração e adequada distribuição da renda, do pagamento de impostos, da remuneração do trabalho e da melhoria das condições de vida dos residentes. Espera-se muito dos empresários do turismo, no sentido de direcionarem seus esforços para políticas mais salutares, tanto no turismo de massa quanto no turismo alternativo, mediante a prática de ações que levem à preservação e renovação dos recursos. Políticas sustentáveis conduzem os cidadãos a uma postura conservacionista mediante a educação das crianças nas escolas, a conscientização e a educação dos consumidores dos produtos turísticos e a participação comunitária. 8. ESTUDO DE CASO: A AÇÃO DO TURISMO NA ECONOMIA DOS PAÍSES EM VIAS DE DESENV OL VIMENT O : O CASO DO MERCADO DESENVOL OLVIMENT VIMENTO RECEPT OR D A BOLÍVIA RECEPTOR DA Este estudo de caso revisou os enfoques tradicionais em relação ao turismo e a questão do desenvolvimento, adaptando-os a situações dos países em vias de desenvolvimento (PVD) em uma nova era de globalização. A partir da revisão da teoria convencional foi realizado um estudo sobre o caso particular do mercado receptor da Bolívia, por tratar-se de um país com baixo índice de desenvolvimento humano, porém em cuja estrutura econômica começa a perfilar um processo de desenvolvimento turístico. Partindo da revisão teórica e baseando-se no caso concreto da Bolívia, se pode observar uma série de conclusões e recomendações práticas para o conjunto dos PVD que pretendem incrementar seu processo de desenvolvimento econômico mediante a dinamização do turismo. O turismo é visto como uma variável estratégica importante para impulsionar o desenvolvimento econômico dos países em vias de desenvolvimento (PVD). As vantagens de utilizar o turismo como setor estratégico de desenvolvimento nos países em vias de desenvolvimento frente a outros setores como a agricultura e a indústria, provêm das características próprias e particulares que o turismo tem frente a esses outros setores tradicionais, foram comentados pelo economista italiano Alberto Sessa: Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 23 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias • trabalha-se com o intangível; • o produto não se desloca, quem se desloca é a demanda, o consumidor; • o consumo do produto não determina seu desaparecimento. Essas características são importantes para o turismo realizar o desenvolvimento de um local, região ou país. Como exemplo o autor cita a Espanha, a Itália e o México como experiências que tiveram no turismo sua alavanca para um rumo ao desenvolvimento. No entanto, deve-se analisar com maior profundidade esse fenômeno, pois de acordo com o professor Torres Bernier “a capacidade de o turismo gerar desenvolvimento em países receptores está diminuindo na atualidade, ao contrário do que se pensava em anos anteriores”. Na realidade, continua o autor, “parece que o turismo está se comportando como qualquer setor industrial quanto a relações entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, participando dos mesmos mecanismos que favorecem a acumulação e crescimento dos primeiros”. A Bolívia está colocada numa situação bastante ruim em relação ao índice de desenvolvimento humano (IDH) no contexto internacional. Na América Latina apenas Honduras, Guatemala e Nicarágua possuem índice inferior ao da Bolívia. Sendo o país menos desenvolvido na América do Sul. Apesar desses indicadores sobre a situação boliviana, nos anos de 1990 existiu uma tendência de expansão de sua economia, com taxas anuais de crescimento por volta de 4%. A relação do PIB da Bolívia com o fluxo de turismo internacional demonstra que a cada ano ocorreu uma maior participação dessa atividade na produção total do país, conforme se vê na TABELA 6. TABELA 6 PARTICIPAÇÃO DO TURISMO NA TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB & <==< <==* <==F <==E <==) <==> + ,-. /0 )" '1" '" * *,+ 2 /02 & " '1*, % & =< * <@** <<C* <F@> <EEC <>< C < )F < >= < D> < =D *<< **C )==)* >@)F) >F<< = >>@F> >D)E> C<*ED " *3*% '% & )*C < >) E*C E>* FD@ F=E FONTE: Elaboração dos autores a partir dos dados do INE. A Bolívia é um destino turístico emergente que não tinha experimentado um forte processo de desenvolvimento turístico, apesar de possuir um bom potencial para consolidar-se como um destino importante em nível internacional, devido à quantidade de importantes recursos turísticos que possui. A capacidade da atividade turística em gerar divisas para a balança de pagamentos é importante para financiar o processo de desenvolvimento dos PVD, que normalmente dependem da importação de bens, equipamentos e de capital externo. 24 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística TABELA 7 O TURISMO NOS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO DA BOLÍVIA "*% <==@ <==< <==* <==F <==E <==) <==> * $ '"*% >FEEE< I<F*QJ )=C@C< I<)FQJ )<**E>I*@ @QJ ED)<E= I*E*QJ )EE>>)I*E@QJ >>F<>FI*< DQJ ><= *@@ I*><QJ * *DD>@< I*D=QJ *)FDE< IF)=QJ *@C*CFIE= FQJ *DC=>FIE@ CQJ )*F>DFI*E=QJ ECEEECIF@ )QJ )=)<<@ I*C*QJ '*,% 34 "'*#$ =*F@E* D)@ =<* C<= )<= CCF<<* < @>DF)@ < <FC><@ < *<EF<@ 1" DF)I= @QJ =< *I<@ CQJ <@**I<E*QJ <<C*I<)*QJ <F@ >I<**QJ <EEDI<*CQJ <>< CI<FFQJ FONTE: Elaboração dos autores a partir dos dados do INE. Observa-se pelos dados da TABELA 7 que a capacidade exportadora da Bolívia ampliou-se na década de 90 e nesse contexto ocorreu também um crescimento médio anual de turistas estrangeiros em cerca de 11%, tornando-se de modo isolado um dos principais produtos de exportação do país. Esse resultado serve como exemplo da capacidade de geração de divisas do turismo na economia boliviana e sua importância como setor estratégico de desenvolvimento nacional futuro. O emprego direto gerado pelo setor turístico aumentou de 1992 a 1997 em 5.395 novos postos de trabalho, o que se supõem um crescimento durante este período de 47%, sendo que as empresas turísticas mais dinâmicas quanto à criação de empregos foram os restaurantes, as empresas de artesanato e operadoras e agências de viagens. (TABELA 8). TABELA 8 GERAÇÃO DE EMPREGO DIRETO NO TURISMO # 2 8 9 2 5 <==* <==C ! )FD< >>FF *FFQ <F=> *FE= >*> <CC= <<)F< *<*@ *))@ <E)D E<>) <>=*> )<=Q D>Q <F*=Q <FE<Q E>DQ # #S . FONTE: Elaboração dos autores a partir dos dados do INE. A evolução da participação da demanda turística total nos fluxos interno e externo demonstra que tem havido um progressivo aumento da participação da demanda turística total do turismo receptor, principalmente em relação ao turista estrangeiro. No entanto, existe um aspecto importante a ser analisado que é a dependência desse fluxo turístico do exterior que pode desencadear um processo de instabilidade interna. Vol.1 Nº.5 p.09-28 out./dez. 2002 25 Keila Cristina N N.. Mota, Carlos José R. da Silva, Ailton dos SS.. Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias TABELA 9 EVOLUÇÃO DA DEMANDA TURÍSTICA 5 <==< <==* <==F <==E <==) <==> # *D= F@E F*E FFD F)* F)C IQJ 5 IQJ 5 C<< >=> >C> >>* >ED >EF IQJ <@@@ <@@@ <@@@ <@@@ <@@@ <@@@ FONTE: Elaboração dos autores a partir dos dados do INE. A evolução da participação da demanda turística total nos fluxos estrangeiros e nos fluxos internos pode ser analisada da seguinte forma: a primeira metade da última década caracterizou-se por um progressivo aumento da participação da demanda turística no mercado boliviano, sendo que em números absolutos tanto o turismo interno quanto o externo teve um crescimento médio de cerca de 10% e de 3.7% respectivamente, resultando num crescimento médio positivo superior a 6%. TABELA 10 CRESCIMENTO ANUAL DA DEMANDA TURÍSTICA <==< <==* <==F <==E <==) <==> # IQJ <D <@C <@@ <DD =C C) IQJ 3@) *D @F <<C FF EC ! IQJ @< )< FF <E@ )) )C FONTE: Elaboração dos autores a partir dos dados do INE. O contexto atual, onde o mercado turístico se caracteriza pelo aparecimento de uma multiplicidade de novos destinos competitivos e por uma desaceleração progressiva do crescimento da demanda turística internacional, a eficiência do produto turística via preços é fundamental. A Bolívia nesse sentido apresenta uma evolução muito positiva em relação à inflação dos preços turísticos, apresentando um alto grau de competitividade turística internacional. Os estados em que a atividade turística representa um peso maior na economia regional são La Paz (9.18% da produção regional) e o de Chuquisaca (6.3% da produção regional). Se atentarmos para a localização das empresas turísticas, o emprego direto e o consumo turístico em nível regional, as cidades de La Paz, Santa Cruz e Cochabamba apresentam um maior grau de concentração da atividade turística, centralizando nessa área a principal articulação urbana da Bolívia. Dessa forma, a atividade turística não fugiu da dinâmica desequilibradora em nível regional e reproduz os demais setores produtivos do conjunto da economia boliviana. A produção turística, a concentração empresarial e a geração de empregos de caráter turístico se concentram ao largo de um eixo central que envolve La Paz-Cochabamba-Santa Cruz, marginalizando outras áreas do país de grande potencial turístico. Assim, a estratégia nacional de turismo da Bolívia – vigente até 2003 – através de uma política de 26 Anima Impactos Socioeconômicos do TTurismo urismo e suas Implicações na Sustentabilidade TTurística urística planejamento deve romper a dinâmica de concentração da produção turística do eixo central, investindo nos núcleos locais, através de uma política que possa combinar o potencial turístico das diversas regiões com as necessidades socioeconômicas dessas regiões. Conclusões / Recomendações (caso da Bolívia) 1- Falta a definição de uma política turística governamental para a configuração do produto turístico, sua promoção e o controle dos grupos que controlam e monopolizam os espaços turísticos. 2- Agências internacionais de desenvolvimento e as instituições privadas de desenvolvimento, assim como a cooperação bilateral deve começar a acreditar no potencial de desenvolvimento turístico que a Bolívia possui, apoiando decididamente programas e projetos em relação ao turismo. 3- Melhorar aos controles administrativos internos e a gestão pública, evitando ou diminuindo a corrupção. 4- Mais do que qualquer outro destino, a Bolívia deve incorporar os interesses das comunidades locais e a definição das políticas turísticas, tanto públicas como privadas. 5- Promover a capacitação turística da população local e melhorar os estudos universitários de turismo. 6- Considerar a atividade turística uma atividade de exportação, aplicando os incentivos fiscais que outros segmentos possuem; 7- Evitar a tendência de desequilíbrios regionais, fomentando áreas menos favorecidas; 8- É necessário priorizar o desenvolvimento turístico das áreas que possuem recursos turísticos e possuem necessidades socioeconômicas, fazendo do turismo um elo importante para o desenvolvimento regional. 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Junior Junior,, Sõnia Maria K K.. Dias MASON, P. and ______ Bases sustentáveis do Turismo. Trecho integrante Development Perspectives. Eastbourne: Manor Park da aula expositiva dialogada de Doutorado em Turismo Press Ltd., 1990. e Hotelaria, 11/03/2002. ORGANIZACION MUNDIAL DE TURISMO. SWARBROOKE, J. Turismo Sustentável: turismo cultural, Tendências dos mercados turísticos das Américas 1986-1996. ecoturismo e ética. São Paulo: Adelph, 2000. Tourism: Environment Madrid: OMT, 1997. TRIGO, L. G. G.(Org.) Turismo: como aprender, como PERES, S. P. Revista Estudos Turísticos, n. 136, p. 45- ensinar. São Paulo: Senac SP, 2001. 8. Instituto de Estudos Turísticos – Secretaria de 28 Estado de Comércio, Turismo e Pymes – Madrid, WEARING, S., NEIL, J. Ecoturismo, impactos, Espanha. potencialidades e possibilidades. São Paulo: Manole, 2000. Anima Tendências Pedagógicas e Educação em Saúde Raimunda Hermelinda Maia Macena RESUMO: O artigo faz um breve relato das ABSTRACT: the article makes an abbreviation tendências pedagógicas atuais que norteiam report of the current pedagogic tendencies that as práticas de educação em saúde. you/they orientate the education practices in health. Palavras-chave: Educação; Saúde. Key-words: Education; Health. Com o intuito de subsidiar a reflexão sobre a importância da definição de um eixo teórico para a construção de ações pedagógicas, buscaremos descrever de modo sucinto algumas das tendências pedagógicas para a educação, analisando seus princípios didático-pedagógicos, entendendo a Pedagogia como a apropriação do conhecimento e a didática como o método utilizado para a construção deste. 1. ABORDAGENS PEDAGÓGICAS Por compreender que, historicamente, as tendências pedagógicas buscam acompanhar as inclinações político-filosóficas e percebem o homem como seu objeto e a interação com o meio como eixo de suas construções, e por este motivo possuem estreita relação com a saúde, visto que ambas direcionam suas atividades com o intuito de promover o homem (SAVIANI, 1989; SCHALL & STRUCHINER, 1995) optamos por conhecer algumas tendências pedagógicas e da educação em saúde. Inicialmente se faz relevante compreender a educação como complexo disciplinar que se realiza como ciência teórica e prática. Entendemos que o saber é construído, específico da práxis educativa, e vislumbra o conhecimento formal construído historicamente, as atitudes, as experiências individuais e coletivas, bem como outras manifestações, sendo que a práxis se processa como uma intenção e reflexão específicas para uma ação no contexto das relações humanas, tendo como enfoque a promoção do homem, como nos diz Saviani (1989): “... torna o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens”. Enfermeira; Especialista em Educação em Saúde Pública; Mestra em Educação em Saúde; Professora Assistente II da Disciplina de Metodologia da Pesquisa Científica e Noções Básicas de Saúde e Urgência do Curso de Fisioterapia da Faculdade Integrada do Ceará. 29 Raimunda Hermelinda da Maia Macena Outro aspecto importante diz respeito à compreensão das dimensões humana (crescimento e desenvolvimento individual, isto é, os elementos cognitivos e afetivos), técnica (aspectos mensuráveis e o conjunto de conhecimentos sistematizados, bem como o método, as técnicas e os recursos) e político-social (contexto cultural especifico) do processo pedagógico como variáveis que precisam ser articuladas durante sua elaboração. Salientamos que optamos por descrever as abordagens pedagógicas mais representativas da prática educacional vigente, com seus autores mais representativos, a saber: 1. Humanista; 2. comportamentalista; 3. político-social; e 4. interacionista. A abordagem humanista tem suas bases em Carl Rogers e sua idéia de que o homem é arquiteto de si mesmo. Nesta abordagem, o homem é um ser único que possui consciência autônoma e vive em constante transformação, na busca da auto-realização e do uso de suas potencialidades, sendo naturais sua curiosidade e sua motivação para o aprendizado. A base do conhecimento repousa na experiência individual subjetiva e se concretiza a partir da interpretação pessoal e das relações com pessoas autorealizáveis, flexíveis e adaptáveis criativamente. A educação é entendida como qualquer atividade que propicie o crescimento individual, interpessoal e intergrupal, e se utiliza de experiências não diretivas, do respeito às diferenças e do estímulo à criatividade e à experimentação, sendo que os métodos e as técnicas possuem menor grau de importância. Seu lema é “aprender a aprender”. O professor assume o papel de facilitador do ensino-aprendizagem, buscando estabelecer um clima favorável ao desenvolvimento do educando. A abordagem comportamentalista fundamenta-se em Skinner (1972), que entende o homem como um produto do meio que vivencia, constantemente, em todas as etapas da vida, três eventos: estímulo, resposta e reforço. Nesta abordagem, a realidade é compreendida como objetiva e pode ser fornecida ao outro. A experiência planejada é fundamento do conhecimento e o comportamento do homem pode ser mensurado, pois é uma expressão do conhecimento. A educação é entendida como repasse de conhecimentos, comportamentos e habilidades, a escola como uma instituição que educa conforme os comportamentos necessários à sociedade e a didática do ensino-aprendizagem é seu elemento basilar. O objetivo maior do professor (planejador, avaliador e elaborador de material) é que todos atinjam os objetivos mensuráveis predeterminados, respeitando-se o ritmo individual e garantindo-se o reforço das respostas fornecidas pelos educandos (MIZUKAMI, 1986). A abordagem político-social resulta da necessidade de democratização, após a Segunda Grande Guerra, no Terceiro Mundo, objetivava possibilitar a participação efetiva das camadas menos abastadas como sujeitos do processo político-cultural de mudanças, tendo Freire (1975, 1987) como principal representante. 30 Anima Tendências PPedagógicas edagógicas e Educação em Saúde Conforme sua linha de pensamento, crê na educação como ato político, enfoca a humanização das relações e a libertação do homem, por compreender que homens (seres da práxis) e meio encontramse em constante interação e que, quando estes refletem sobre sua realidade se tornam mais conscientes e se comprometem com a transformação, tornando-se assim sujeitos de sua educação. Argumenta que a cultura é construída e cultivada a partir das interações consigo, com os outros e com a natureza, e que, desta forma, o conhecimento é reflexo do pensamento e da prática, e se produz com a reflexão e conscientização sobre a realidade. Para Freire (1987), a educação é a matriz da transformação sócio-política, acredita na educação que extrapola os muros escolares e que envolve a todos, nega a idéia do homem como receptáculo de informações, vislumbra-o como um ser rico em conhecimentos próprios adquiridos pela experiência no mundo, inacabado, mas em busca de ser mais, capaz de transcender, de levantar hipóteses e assim modificar sua realidade, logo, como sujeito de sua educação. Nesta proposta, o processo ensino – aprendizagem faz parte da existência humana, histórica e socialmente, logo, educador e educando devem estabelecer uma relação dialógica de construção coletiva do saber e seus métodos deverão contemplar a problematização. Freire (1987) argumenta que o papel do educador ou do trabalhador social é dialogar para estimular o desenvolvimento e o aprimoramento da consciência primitiva à consciência crítica (percebendo a realidade como transitória, que investiga, que se propõe ao diálogo e que busca a autenticidade), nega a neutralidade deste, pois crê nos valores individuais como norteadores do viver, e ressalta a importância da participação ética e consciente, da democracia, do respeito e da autoridade na condução do aprendizado diário. Ao discorrer sobre o papel do trabalhador social no processo de mudança, ensina que o trabalhador social, como homem, tem que fazer sua opção. Ou adere à mudança que ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem, de seu ser mais, ou fica a favor da permanência. As denominadas abordagens interacionistas contemplam a Escola Nova e Construtivismo, sendo que a primeira resultou da demanda social do ensino após a Segunda Guerra Mundial, quando a necessidade do resgate da pedagogia humanística, a curiosidade e o espírito crítico seriam estimulados. Para alguns estudiosos, como Saviani (1989), esta abordagem não surtiu os efeitos esperados, pois o pouco compromisso com a disciplina e o repasse do conhecimento historicamente construído levou a um baixo nível de qualidade do ensino nas camadas socialmente desfavorecidas e, opostamente, elevou o nível do ensino em camadas sociais abastadas. O construtivismo propôs uma reconstrução do ensino-aprendizagem, vislumbrando a construção interacionista. As três tendências norteadoras desta abordagem são a piagetiana, a vygotskiana e o Movimento das Concepções Alternativas. A primeira tendência, respalda-se no conceito inatista do conhecimento, sendo o conhecimento construído a partir da interação do homem com o meio sobre uma base biológica composta por estruturas mentais de assimilação, acomodação e equilibração, quando evolui em diferentes estágios de desenvolvimento (ALBUQUERQUE, 1997). A abordagem sócio-interacionista de Vygotsky, advogado e filósofo, mas considerado pelos franceses como psicólogo, falecido há quase 60 anos, tem fornecido grandes contribuições para a área da Vol.1 Nº.5 p.29-36 out./dez. 2002 31 Raimunda Hermelinda da Maia Macena educação. Seguindo as idéias do método dialético, Vygotsky buscou compreender as modificações comportamentais, de cunho qualitativo, e a influência do contexto social ao longo do desenvolvimento do homem. Assim sendo, refletiu profundamente sobre a relação destas modificações com a educação, compreendendo esta como processo de pensamento, que tem como reflexos fenômenos históricos determinados socialmente. Diferentemente da concepção inatista (que vislumbra as capacidades humanas como potencialmente determinadas desde o nascimento) e da concepção ambientalista (que percebe o ambiente como o único elaborador e/ou motivador do aprendizado), a concepção sócio-interacionista considera que os aspectos biológico e social estão intrinsecamente ligados, interagindo dialeticamente desde o nascimento. Rego (1995) descreve a abordagem sócio-interacionista: ... nesta abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um mero receptáculo que absorve e contempla o real nem o portador de verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que em sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói (no seu pensamento) este mundo... Compreendendo a abordagem sócio-interacionista como uma busca de caracterizar os comportamentos humanos e como estes são construídos, precisamos estar cientes de que se faz necessário entender as relações entre os homens e o meio, as influências psicológicas do trabalho como ferramenta mediadora da relação e, finalmente, as relações entre o uso de alguns instrumentos como mediadores do desenvolvimento da linguagem (compreendida como mediadora do pensamento adulto). Para Vygotsky, o pensamento e a formação de conceitos resultam de vivências individuais influenciadas pelo contexto sociocultural. Detalhemos, então, alguns pontos. Primeiro, as idéias-chaves desta abordagem repousam em cinco pressupostos: • as relações homem/sociedade são resultantes de interações dialéticas contínuas. • Como conseqüência destas interações, as funções psíquicas humanas são influenciadas pela cultura. • Há uma base biológica para o funcionamento psicológico, no entanto esta poderá ser modificada por influência do contexto. • Os instrumentos mediadores, sendo o mais relevante a linguagem, se fazem presentes em toda e qualquer atividade do homem. • A análise psicológica deverá conservar as características básicas dos processos psicológicos humanos, compreendendo que o funcionamento mental é fornecido pela cultura, por mediação simbólica. Diante dessas idéias, se faz necessária uma sucinta distinção entre funções psicológicas elementares das funções psicológicas superiores. As primeiras podem ser entendidas como ações reflexas e associações simples, já as funções superiores são resultantes da mediação nas interações e decorrentes da internalização das diversas formas culturais. Na concepção construtivista, temos como eixo central a idéia de que, para aprender significativamente, é preciso que se tornem acessíveis ao educando aspectos culturais relevantes ao seu desenvolvimento, 32 Anima Tendências PPedagógicas edagógicas e Educação em Saúde sendo que esta aproximação deverá ocorrer por meio de suas experiências, conhecimentos, interesses e compreendendo que este aprendizado deverá ser reflexivo, transitório, socializador, interacionista e coletivo, embora respaldado em significados pessoais. Coll (1998) descreve o enfoque construtivista como sendo a percepção do aprendizado como um processo com enfoque profundo, isto é, que deva intencionar a compreensão e a interação com o tema, que demanda mobilização cognitiva e recebe interferências dos aspectos afetivo-relacionais. Vale ressaltar que a elaboração do conhecimento exige tempo, interação, envolvimento, esforço individual, auxílio mediador especializado, motivação intrínseca, autoconceito positivo e afeto, pois o prazer de aprender deverá ser proporcional ao de perceber que as investidas são instrumentos úteis para o aprendizado. Não podemos nos esquivar de citar as representações mútuas dos protagonistas como um dos elementos influenciadores das interações, ou seja, as imagens e/ou preconceitos que os educadores e os educandos têm podem atuar no sentido de interpretar comportamentos e valorizá-los ou não, culminando com o que Coll (1998) define como sendo o fenômeno das expectativas. No Movimento das Concepções Alternativas, o ponto central é o educando, que tem no seu pensamento a base para a mudança conceitual. Nesta perspectiva, o ensino-aprendizagem centra-se no sujeito ativo como construtor do conhecimento, que possui conhecimentos prévios relevantes, que percebe no educador um sujeito ativo capaz de auxiliar na construção do conhecimento e pode utilizar estratégias que possibilitem ao educando integrar novas idéias ao seu conhecimento prévio (ALBUQUERQUE,1997). 2. PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE A educação para a promoção da saúde possui relatos desde o século XIX, com ações educativas orientadas para o higienismo, com um enfoque didático no repasse de informações respaldadas em um modelo biomédico. Somente no primeiro quartil do século XX, na Conferencia Internacional sobre a Criança, em 1919, é que a Educação em Saúde se instalou como disciplina teórico-prática (CARDOSO DE MELO, 1987). Com o evoluir dos agravos e com as modificações dos padrões de morbi-mortalidade e da veiculação da influência dos estilos de vida na gênese das doenças, foi possível a alteração no foco do processo educativo em saúde, direcionando-se à orientação comportamentalista individual. No entanto, apenas mais recentemente, quando emana o conceito de saúde holística, é que a educação em saúde se estabelece como processo de capacitação para a busca e alcance da saúde por meio da escolha orientada, com ênfase no autocuidado e na responsabilidade individual e social, sendo esta definição ampliada na Conferência de Ottawa, em 1986 quando a promoção da saúde caracteriza-se por ser uma aliança entre a educação em saúde e a defesa da saúde, incluindo ambientes saudáveis, políticas públicas efetivas e direcionadas, dentre outros. E é, somente, em 1992, na Cidade de Santa Fé de Bogotá (na Colômbia), que há a incorporação do componente da participação popular e do protagonismo individual em saúde e doença. Vol.1 Nº.5 p.29-36 out./dez. 2002 33 Raimunda Hermelinda da Maia Macena Diante desta nova perspectiva da educação em saúde, estabelecem-se muitos modelos/esquemas de solução dos problemas que possibilitavam aos profissionais da saúde organizar sua prática, sendo que parte deles embasados em uma lógica empiricista, mas contemporizados em um contextualismo epistemológico, ou seja, são teorias aplicáveis de acordo com o contexto (McGUIRE, 1983). Compreendendo que, quando uma teoria ganha reconhecimento e age influenciando a formação e a práxis de profissionais, se faz indispensável listar alguns dos paradigmas da educação em saúde. Schall & Struchiner (1995) apontam quatro paradigmas aplicáveis à educação em saúde: 1. Modelo da mudança de comportamento; 2. Modelo do autofortalecimento; 3. Modelo da orientação comunitária; 4. Modelo de transformação social. No “modelo de mudança de comportamento”, aponta-se como caminho para a consecução da saúde a modificação de padrões de comportamentos individuais. O modelo está centrado no profissional que indicará medidas sob uma óptica biomédica. Neste modelo, a prevenção ocorre em três níveis: primário (vislumbra a promoção da saúde coletiva e restringe-se, basicamente, ao fornecimento de informações para evitar o acometimento de doenças); secundário (enfoca a detecção precoce e o tratamento dos agravos e sugere medidas de restabelecimento do equilíbrio); e terciário (contempla aplicação do potencial de vida e é, em geral, utilizado para indivíduos com doenças crônicas e/ou terminais). O risco deste tipo de teoria é produzir ansiedades, quando a informação é distorcida, ou não atingir os objetivos propostos (HOMANS & AGLETTON, 1988). No “modelo do autofortalecimento”, preconiza-se o ensino-aprendizagem de forma participativa, contextualizada, com o intuito de desenvolver habilidades, compreensão e consciência a fim de que as escolhas sejam racionais e informadas (HOMANS & AGLETTON, 1988). Este modelo utiliza-se da abordagem humanista, enfatizando as potencialidades e a reflexão sobre a influência dos fatores socioculturais em suas opções e decisões. Os riscos deste tipo de modelo residem nos aspectos estruturais que podem impor limites de autonomia individual. Nestes casos, sugere-se desenvolver, inicialmente, um trabalho que contemple o autofortalecimento da confiança e assim do processo decisório e de ação social. No “modelo da orientação comunitária”, questiona-se o conceito de responsabilidade estritamente individual na manutenção da saúde e argumenta-se sobre a relevância do desenvolvimento de ações coletivas no ambiente e nos fatores relacionados aos agravos. O modelo preconiza dois tipos de orientação: escolha centrada no profissional e/ou escolha que emana do grupo que se organiza em torno de uma demanda especifica. Os riscos deste tipo de modelo estão em que, se as necessidades detectadas não refletirem a demanda local, os programas não surtirão os efeitos esperados (HOMANS & AGLETTON, 1988). No “modelo da transformação social”, há uma perspectiva de considerar a saúde e o bem-estar individual como potencialmente transformadores, mas acrescenta que a mudança social depende da organização de movimentos coletivos. Para Homans & Agletton (1988), quatro aspectos precisam 34 Anima Tendências PPedagógicas edagógicas e Educação em Saúde ser considerados: idéias (as mudanças no plano das idéias demandam desmistificação do conhecimento médico e reflexão crítica sobre os padrões morais); relações sociais (educadores e educandos devem contribuir para a transformação, buscando a justiça social em todos os ambientes); processos políticos (educadores e educando devem participar ativamente do processo de reestruturação dos serviços de saúde e auxiliar na solução de problemas locais de saúde); e alocação de recursos (participação e controle social das ações de saúde). Por entender que alcançar a compreensão dos motivos que nos levam a agir de determinada maneira é um exercício de ampliação e introjeção de nossa consciência, e que, como diz Abduch (1999), o conhecimento é importante e essencial para mudança, mas poucas vezes é suficiente, optamos por utilizar como eixo teórico para o desenvolvimento deste trabalho as tendências interacionistas e políticosocial, pois estas parecem ser adequadas à prática da educação em saúde, já que nestas abordagens o educando é percebido como agente ativo e central do ensino-aprendizagem, além de considerar e incorporar a aprendizagem informal e o conhecimento prévio como elementos essenciais ao saber, sendo o educador um agente de interação que atua como mediador da elaboração do conhecimento (ALBUQUERQUE, 1997). Embora tenhamos observado que, na prática das ações de educação em saúde, há o privilégio de um ou outro paradigma, utilizamos diversos aspectos dos modelos, sendo que buscou-se privilegiar o diálogo, o conhecimento mútuo de valores e crenças, pois este parece ser o caminho onde o indivíduo, percebendo-se sujeito de seu processo, contextualizado, possa tomar decisões, considerando os aspectos afetivos, com respaldo em informações e fatos (CANDEIAS, 1997). Consideramos que os modelos de educação em saúde interagem e se complementam, assim consideramos que utilizamos, prioritariamente, como paradigma o autofortalecimento e a transformação social, sem contudo negligenciar aspectos significativos dos outros modelos. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Salientamos ainda que embora existam diferentes paradigmas na educação em saúde, a utilização de diversos aspectos dos modelos existentes, são bastante positivas e fortalecedoras. Obviamente, a ênfase nos aspectos devem convergir no sentido de privilegiar o diálogo, o conhecimento mútuo de valores e crenças, pois quando o indivíduo, percebe-se sujeito de sua história pode tomar decisões, considerando os aspectos afetivos, com respaldo em informações técnicas corretas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, V. L. M. Um estudo sobre a prática CARDOSO DE MELO, J. Educação sanitária: uma pedagógica construtivista de professores de ciências. Fortaleza: visão crítica. Cadernos do Cedes.v. 4, p. 28-43, 1987. Faculdade de Educação – Universidade Federal do Ceará, COLL, C. Construtivismo na sala de aula. Tradução de 1997. (Tese de doutorado). Cláudia Sclilling. 5. ed. São Paulo: Ática, 1998. CANDEIAS, N. M. F. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organi- FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993. zacionais. Rev. Saúde Pública. v. 31, p. 209-213, 1997. (Coleção Questões de nossa época, v. 23.). Vol.1 Nº.5 p.29-36 out./dez. 2002 35 Cristiane Buhamra Abreu ______. Educação e Mudança. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico- e Terra, 1987. (Coleção Educação e Comunicação. v. 1). cultural da educação. 7. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995. (Coleção Educação e Conhecimento, v. 2). ______. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1975. SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência HOMEM DEL REY, D. C. Planejamento da ação educativa filosófica. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1989. em saúde. Fortaleza: [s.n]. 1997. (mimeo). ______. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1981. ______. O componente educativo da ação de saúde. São Paulo: FSP/USP, 1994. (mimeo). SCHALL V. T. & STRUCHINER, M. Educação no contexto da epidemia de HIV/AIDS: teorias e ______. Critérios para avaliação. Fortaleza: 1994. (mimeo.) McGUIRE, W. J. A contextualist theory of knowledge: its implications for innovation and reform in psychological E.M., MONTEIRO, S. et al (Org.) 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Anima Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista Denise Pires Basto Costa RESUMO: Este artigo procura analisar o lançamento e implementação de um programa de fidelização no setor supermercadista através da combinação de duas estratégias: o marketing de relacionamento e o marketing social. Após a contextualização do cenário no setor, segue-se uma breve análise conceitual sobre marketing de relacionamento e marketing social, identificando uma possível área de convergência na utilização destas ferramentas. O artigo é ilustrado com um caso sobre o desenvolvimento e lançamento do cartão de fidelidade de um supermercado de médio porte de Fortaleza. ABSTRACT: This article analyses a costumer relationship program and its fidelity strategies in the supermarket area, through the combination of two strategies: Relationship marketing and social marketing. It begins with a brief outline description of the supermarket sales area, followed by a conceptual analysis of both relationship marketing and social marketing, identifying a possible convergence area within these two marketing tools. The article illustrates a case study of the implementation of a fidelity program in a medium sized supermarket located in the city of Fortaleza. 1. INTRODUÇÃO: O CENÁRIO DE DESAFIOS DO VAREJO O desafio para o próximo milênio está na disputa por um mercado em mutação e cada vez mais competitivo onde as fronteiras deixaram há muito de existir. As transformações ocorrem com uma incrível rapidez e são tão imprevisíveis que os padrões de comportamento já estabelecidos no mercado não são mais sustentáveis. Regis Mackenna (1992) apresenta desafios com os quais defronta-se a atual administração: 1. A diversidade de produtos e serviços aumenta até em pequenos segmentos de mercado; 2. A competição mundial aumenta; 3. Os mercados ficam tão segmentados que os nichos tornam-se soberanos; Professora da FIC 37 Denise Pires Basto Costa 4. As distinções entre produtos ficam pouco nítidas e o seu ciclo de vida mais acelerado; 5. As organizações diminuem e se reestruturam, procurando novas formas de fazer negócios. Atualmente, o que se vende não é exatamente o produto, mas o serviço prestado ao cliente, o que transparece do início ao fim da compra. No futuro, o diferencial girará em torno do grau de relacionamento das empresas com seus clientes. Em um mundo massificado, consumidores querem sentir-se únicos e diferenciados. A sensibilidade do empreendedor em relação às demandas, necessidades e individualidades de cada consumidor irá ajudá-lo a construir este relacionamento. É a partir do conhecimento do consumidor que se pode fazer ao seu gosto. O desafio passa a ser o de manter este consumidor satisfeito, uma vez que se torna bem mais caro conquistar novos consumidores, como coloca Kotler (1998): Porque é tão importante satisfazer aos consumidores? Porque as vendas de uma empresa decorrem de dois grupos : consumidores novos e consumidores leais. Pode custar dezesseis vezes mais trazer um novo consumidor ao nível de rentabilidade de um consumidor perdido. Assim a retenção do consumidor é mais importante que a sua atração. É neste cenário competitivo e desafiante que se desenvolve hoje a indústria supermercadista. Os dados Nielsen (NIELSEN, 1991,1995 e 1997) mostram que a partir da década de 1970, houve expressivo crescimento da participação dos supermercados na distribuição de alimentos no Brasil: em 1970 representavam 26% das vendas dos gêneros alimentícios no mercado brasileiro e em 1997 alcançaram uma participação de 86%. Este cenário impacta de forma proeminente no setor supermercadista. Segundo Rojo (1998), com quase cinco décadas de implantação no Brasil, o supermercado tornouse parte essencial da paisagem de qualquer cidade brasileira média, assim como um elemento indissociável do modo de vida e das preocupações de qualquer consumidor. Nos últimos dez anos cresceram o número de fusões e aquisições realizadas por multinacionais no país. Assim, o setor supermercadista destaca-se na área de varejo por ser extremamente competitivo e receber em primeira mão as inovações de gestão ocorridas no mundo. Dados da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) informam que a indústria gera cerca de 650.000 empregos diretos e movimentou em 1997 U$ 46.6 bilhões de dólares no Brasil. A expansão na indústria acumulou alta de 5,98% em 1998, número expressivo considerando-se que o Produto Interno Bruto (PIB) registrou alta de apenas 0,15% (Fonte: Gazeta Mercantil – Balanço Anual –1998). Uma análise do setor desenvolvida pela AGAS (Associação gaúcha de Supermercados) reforça a percepção de que, após a estabilização da economia, ocorreu um acirramento da concorrência, o volume das vendas cresceu e as margens de lucro foram empurradas para baixo levando as empresa a perseguir vantagens competitivas por meio de serviços melhores e da busca incessante da eficiência administrativa (ROJO, 1998). Em uma economia baseada na estabilidade, passamos a viver uma nova era do mercado de consumo no Brasil. Produtos em oferta que antes eram disputados nas prateleiras como forma de proteção dos salários que se desvalorizavam a cada dia, hoje disputam espaço na mente e no orçamento do 38 Anima Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista consumidor. As empresas varejistas passam a agregar a suas lojas novos serviços como forma de diferenciar-se da concorrência e manter fiéis os seus clientes. Estabelece-se um interessante paradoxo: em meio ao consumo de massa, os consumidores passam a sentir a necessidade da diferenciação. A chegada a Fortaleza de redes de supermercados mundiais, com lojas de grande porte e êxito comprovado, acirra cada vez mais a disputa no mercado local. Há quem afirme que os pequenos serão engolidos pelos grandes. Porém, segundo Naisbitt (1991) quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores. Temos hoje em Fortaleza, cerca de 71 lojas de supermercados entre médio e grande porte. Destas, 23 são lojas de hipermercados e supermercados de grandes redes, de capital internacional. Os supermercados de médio porte, de capital local totalizam 48 lojas. O setor gera 10.000 empregos diretos e 8.000 empregos indiretos, movimentando R$ 1.5 milhões / mês (Dados- ACESU – Associação Cearense de Supermercados – 1999) Portanto, para se manter no mercado, as empresas supermercadistas locais de menor porte precisam potencializar o conhecimento do mercado, identificando as necessidades e desejos dos consumidores tendo em sua visão o foco no cliente, e mantendo um núcleo de valores. 2. O MARKETING DE RELA CIONAMENT O E O MARKETING SOCIAL RELACIONAMENT CIONAMENTO Segundo Kotler (1998) o conceito de marketing de relacionamento assume que a chave para atingir as metas organizacionais consiste em ser mais eficaz que os concorrentes para integrar as atividades de marketing, satisfazendo assim as necessidades e desejos dos mercados-alvos. Este conceito foi adotado e traduzido por diversas empresas em seus slogans para o mercado: “Faça ao gosto do consumidor” (Burguer King); “Você é o chefe” (United Airlines); “As pessoas em primeiro lugar” (British Airways). Desta forma, descobrir os desejos do consumidor e até mesmo antecipar-se a eles, faz-se imperativo no atual cenário de mercado globalizado e de acirrada competição. Uma série de perguntas pode ser feita quanto ao marketing de relacionamento:1) De que forma deve ser feito o investimento em marketing de relacionamento? 2) Como as empresas podem criar programas e desenvolver atitudes que mantenham consumidores fiéis? 3) Qual a medida de fidelidade a ser adotada? Entre outras. Muitas são as alternativas apontadas para a implementação de programas eficazes de relacionamento e destacaremos aqui algumas delas: foco no conhecimento do consumidor; implementação de pesquisas de satisfação; utilização dos modernos softwares de ECR e CRM; oferecimento de serviços de excelência que busquem encantar o consumidor (isto prevê um investimento constante em treinamento de pessoal); enfim, a adoção de práticas que possam criar e/ou agregar valor para o cliente permitindo a formação de elos duradouros entre empresa e consumidor. A importância de se manter uma base atualizada de clientes onde se monitore seu grau de satisfação através de constantes pesquisas é enfatizada por Vavra (1992). O comportamento do consumidor Vol.1 Nº.5 p.37-48 out./dez. 2002 39 Denise Pires Basto Costa não pode basear-se apenas na observação de hábitos de consumo, ou nas planilhas de vendas do supermercado, mas na sistematização de análise de dados coletados através de questionários. Estes questionários serviriam por exemplo para monitorar a satisfação do consumidor. O monitoramento de consumidores insatisfeitos baseia-se no mesmo princípio do “defeito zero”, onde fabricantes vão buscar nas peças defeituosas, e não as perfeitas. Os consumidores insatisfeitos seriam então para a indústria de serviços como as “peças defeituosas” fornecendo subsídios para ações de aperfeiçoamento dos padrões de serviço existentes. Apesar de estar claro que o desenvolvimento de consumidores mais leais aumenta o faturamento da empresa, isto requer um investimento financeiro constante por parte desta. A própria cultura da empresa deve estar voltada para esta filosofia. Portanto, aumentar esta lealdade será julgado mais rentável em algumas empresas que em outras (KOTLER, 1998). De acordo com Wiersema (1996), a estratégia de relacionamento com o cliente deve estar fortemente alicerçada na cultura empresarial, e uma cultura forte pode até mesmo compensar fraquezas ou deficiências que possam ocorrer no processo. Os sinais para uma cultura forte estão explicitados nas crenças que permeiam a empresa e que por sua vez estão presentes em três temas da vida profissional: julgamento, coorperação e aprendizado. As empresas supermercadistas locais podem aliar o conhecimento da cultura cearense às práticas que servirão de base para o desenvolvimento de políticas de marketing de relacionamento. Poder contar com conhecimento de costumes e hábitos do consumidor local como base para a construção de uma estratégia de relacionamento se torna uma forte vantagem competitiva para estas empresas. De acordo com Mckenna; As pequenas e médias empresas simplesmente não têm recursos ou autonomia para travar batalhas abertas com a concorrência. Através da mera perseverança e dedicação em servir seus clientes melhor do que qualquer outra pessoa – o que, para elas, significa conhecer o cliente e suas necessidades melhor do que ninguém – as empresas de médio porte conquistam nichos e os protegem contra as empresas mais fortes e temíveis. (Campus – 1992) Porém não basta conhecer o comportamento do consumidor através de gráficos e estatísticas e premiá-lo baseado apenas em recompensas materiais. Berry e Parasuraman (1991) apud Kotler (1998) apontam o acréscimo de benefícios sociais como uma forma de criação de valor para os consumidores: neste caso, os funcionários da empresa trabalham para aumentar os vínculos sociais com os consumidores, individualizando e personalizando os relacionamentos. Aaker (1998) ressalta a importância da formação de uma cadeia de impressões na mente do consumidor com base nas experiências vividas ao longo de seu relacionamento com determinadas empresas de produtos e serviços. Esta cadeia de impressões é regida por diferentes centros de valor que evoluíram ao longo das últimas décadas. 40 Anima Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista TABELA 1 ANTROPOMORFIA DA CONSTRUÇÃO DA MARCA Década de 50 Racional Década de 70 Emocional Década de 90 Espiritual FONTE: Condensado a partir de figura no livro Marketing Social – Pringle, 2000. Estabelecer laços com o consumidor baseado em sua vivência e desejos revela a necessidade de desenvolvimento de estratégias que combinem as relações de simples troca de benefícios financeiros a outras recompensas de caráter mais abrangente ligados à dimensão espiritual e social. Uma estratégia de relacionamento que combine as modernas ferramentas de gestão e consiga comunicar-se emocionalmente e espiritualmente com o consumidor será, portanto, bem mais eficaz e terá mais chances de manter sua sustentabilidade. É aqui que acreditamos que podem convergir duas estratégias de comunicação com o consumidor: o marketing de relacionamento e o marketing social. O marketing social é definido por Sina e Souza (1999) como o uso de técnicas e ferramentas do marketing tradicional para promover a adoção de comportamento que desenvolverá a saúde e o bem estar de um público específico ou da sociedade como um todo. De acordo com estes autores o marketing social é mais bem utilizado para efetivar e sustentar mudanças de comportamento no campo dos benefícios sociais ou da saúde. Esta definição é corroborada por Márcio Schiavo e Miguel Fontes apud Mendonça e Schommer (2000) que defendem que “marketing social é a gestão estratégica do processo de mudança social a partir da adoção de novos comportamentos, atitudes e práticas, nos âmbitos individual e coletivo, orientadas por preceito ético, fundamentadas nos direitos humanos e na equidade social”. O setor supermercadista pode representar um importante canal de educação e disseminação de benefícios sociais pois representa, uma forte área de convergência do consumo. Entre outros fatores, o supermercado apresenta este poder por se tratar de segmento que comercializa em primeira instância gêneros dos quais os consumidores não podem prescindir pois são de necessidades básicas (ASHLEY 2002). A autora destaca o papel social destas empresas: Nos supermercados, converge o conhecimento sobre o consumo/demanda e a produção/oferta, podendo ser uma interface importante para a educação do consumidor e do produtor no sentido da produção e consumo sustentáveis (Ashley, 2000b). No início dos anos de 1980 surge o chamado marketing relacionado a uma causa que se baseia na premissa de que os consumidores comprarão produtos ou serviços que ofereçam algum tipo de bônus emocional na forma de uma contribuição para uma organização filantrópica Corrêa (1997) apud Mendonça (2002). Diferentes tipos de estratégias podem ser realizadas e variam desde informação ao consumidor até destinação de um percentual financeiro a uma causa ou instituição. Vol.1 Nº.5 p.37-48 out./dez. 2002 41 Denise Pires Basto Costa Na realidade, a causa, a obra beneficente ou filantrópica recebe muito mais publicidade do que poderia ter se tivesse que pagar por ela. Na maioria dos casos, há ainda um benefício financeiro direto, como parte dos lucros obtidos ou do preço estipulado, resultante dos acordos comerciais com a parceria. Os benefícios diretos e/ou indiretos podem ser sentidos por vários dos parceiros envolvidos, desde a empresa até fornecedores, entidades e consumidor (PRINGLE e THOMPSON, 2000). A empresa se beneficia porque tem sua imagem associada a uma boa causa e ganha visibilidade pela contribuição social. Sua marca também se beneficia, ao ser associada a uma imagem positiva e ao aumento das vendas. Por sua vez, o consumidor e/ou a sociedade também se beneficiam com a dupla recompensa de adquirir o produto e contribuir para uma causa social. Segundo pesquisas realizadas pela Research International for Business in the Community, o consumidor da Inglaterra tem requisitos bem práticos quando se trata de doações. Quanto mais próximo de si, mais próximo do coração. Assim questões como preocupação com serviço de saúde, desemprego e falta de moradia foram às apontadas como prioritárias nas pesquisas realizadas. (Fonte: British Telecom/ The Future Foundation: The Responsible Organization, 1997) Ações filantrópicas e obras sociais estão sendo cada vez mais valorizadas no Brasil. “Responsabilidade social, respeito e consciência são valores que tocam mais aos consumidores modernos do que valores como confiança, garantia e qualidade, que foram banalizados a ponto de os consumidores pressuporem que sejam obrigatórios nos produtos que compram”, afirma Percival Caropreso, presidente da McCann Erickson Social/Marketing, nova unidade da maior empresa de propaganda do mundo, que cuidará exclusivamente de marketing social. (GAZETA MERCANTIL, 07 de fevereiro de 2002, p. 22) Mendonça (2002) descreve a linha evolutiva pela qual passou o marketing e que representado na figura a seguir: Compra Disciplina voltada para vendas com foco na maximização dos lucros a curto prazo. Sociedade Venda Trocas relacionais Consumidor FIGURA 1 – EVOLUÇÃO DO MARKETING DE VENDA PARA O MARKETING RELACIONAL FONTE: Adaptado a partir de Mendonça (2002). 42 Anima Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista A autora assinala a importância de se manter o foco no elemento transformador do marketing social. Destaca que no Brasil, entretanto, o termo de “marketing social” está sendo utilizado pela mídia “para designar a atuação empresarial no campo social com a finalidade de obter diferenciais competitivos, sem que essas ações tenham o objetivo de influenciar o comportamento coletivo” (MENDONÇA, 2002, p. 157). Assim, seria importante tornar mais claro este conceito, uma vez que o mesmo vem sendo utilizado para uma gama diversa de práticas e intenções pelas empresas. É importante que ações deste tipo estejam baseadas em princípios e valores éticos compartilhados pelas organizações parceiras e que formas de coorperação possam ser desenvolvidas através do aprendizado propiciado pela convivência. Uma questão relevante para o desenvolvimento de campanhas sociais segundo Pringle e Thompson (2000), é que a diretoria e o conselho de administração das empresas precisam estar comprometidas com o programa e passar a importância deste compromisso para toda a empresa. Estes autores destacam duas questões fundamentais sobre os efeitos do marketing para causas sociais (MCS): 1) A associação a uma causa social faz com que consumidores prefiram produtos de certas empresas aos de seus concorrentes com outros fatores semelhantes? 2) Os valores que o MCS acrescenta podem efetivamente contribuir para sustentar um preço premium? Os autores revelam alguns resultados interessantes de pesquisas que reproduzimos a seguir em conjunto com outras pesquisas: Comportamento Percentual Probabilidade de mudar de marca se esta for associada a uma boa causa quando o preço e a qualidade são iguais 76 % Probabilidade de mudar de varejista se este for associado a uma boa causa, quando o preço e a qualidade são iguais 76% Consumidores que têm uma imagem mais positiva das empresas que vêm fazendo algo para tornar o mundo um lugar melhor. 86% Consumidores que mudariam de loja se a outra fosse associada a uma boa causa 61% Consumidores que pensam que o marketing para causas sociais deveria ser parte padrão dos negócios de uma empresa 64% Fonte The Cone/Roper Cause-Related Marketing Trends Report, 1997 Inglaterra Fonte: The Winning Game, Business in the Community/ Research International,1996 Inglaterra FONTE: Compilado a partir Pringle e Thompson (2000) Vol.1 Nº.5 p.37-48 out./dez. 2002 43 Denise Pires Basto Costa TABELA 2 MARKETING SOCIAL E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Pesquisa realizada no Brasil pelo Instituto Ethos e o jornal Valor Econômico e conduzida pelo Indicator Opinião Pública em 2000, revela a expectativa do consumidor brasileiro quanto aos papéis das empresas. Há quase um empate estatístico entre os grupos que ressaltam o papel tradicional da empresa de gerar lucros (41%) e um papel de vanguarda mais transformador (35%). Percebe-se a partir de tudo o que foi exposto que o gerenciamento do relacionamento com o consumidor irá cada vez mais além dos dados oferecidos pelas ferramentas tecnológicas de marketing (sem entretanto prescindi-las) e caminhará de forma irreversível para uma compreensão social, ambiental e humana que embasará estas relações. 3. O CASO HIPERMERCANTIL: PREMIANDO O “COMPROMISSO SOCIAL A LLOCAL OCAL SOCIAL”” COM A GERAÇÃO DE EMPREGO E REND RENDA O supermercado Hipermercantil existe no mercado de Fortaleza há 40 anos. Com sete lojas na área metropolitana da cidade totalizando 16.000 metros quadrados de área de vendas, a empresa faturou no ano passado o valor bruto de 75 milhões/ano. Suas lojas são de médio porte e estão classificadas pela Abras como convencional (de 1001 a 2.500 metros quadrados de área de vendas, média de 12 mil itens, de 8 a 20 check-outs, e com as seções de mercearia, hortifrútis, açougue, frios e laticínios, peixaria, padaria e bazar). A acirrada concorrência com grupos multinacionais provocou na empresa a necessidade de desenvolver e implementar uma política de fidelização sistemática cujo principal objetivo seria o de “afreguesar” o cliente gerando recompra através da concessão de bônus que pudessem ser revertidos em compras ou outras vantagens concedidas pela empresa. A situação problema tinha como foco o desafio de lançar um programa diferenciado de fidelização que envolvesse o cliente emocionalmente e não somente através da bonificação financeira, uma vez que já existia uma política de fidelização estabelecida pelo principal concorrente do Hipermercantil. O cartão de fidelização deveria cadastrar o maior número de clientes criando uma base completa com as seguintes informações: nome, CPF, endereço, classe social e faixa etária. A partir da formação desta base a empresa poderá sistematizar e reconhecer: 1) Quantos clientes são cadastrados por bairro; 2) Quantos estão ativos comprando por bairro; 3) Qual a freqüência de compras; 4) Qual o valor da compra média por bairro; 5) Qual a participação de compras por loja/ seção//bairro de origem; e 6) Qual a participação de compras de produtos em oferta por loja e por bairro de origem dos clientes. Estas informações servirão para que a empresa possa gerenciar melhor seus esforços de promoção de vendas, compras e estratégias de comunicação com os clientes. A solução encontrada foi trabalhar a cultura do consumidor cearense, envolvendo-o emocionalmente através de uma estratégia de marketing social. A linha da campanha foi a de estimular a produção local como forma de promover a geração e manutenção de empregos e conseqüentemente contribuir 44 Anima Além da Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social no Setor Supermercadista para o bem estar social. A filosofia da campanha pode ser traduzida através das palavras do superintendente da empresa: Temos que ter a consciência que podemos melhorar as coisas por aqui incentivando a geração de novos postos de trabalho, contribuindo para a prosperidade das indústrias instaladas no Ceará, inclusive aquelas que se dedicam à fabricação de itens semi-artesanais. As indústrias locais geram massa salarial para seus funcionários que são os nossos clientes, essas mesmas indústrias geram o pagamento de tributos estaduais e municipais novamente convertidos em salários ao funcionalismo público que por sua vez realimentam a atividade comercial. Nossa contribuição para a sociedade deve ser ampla, deve transcender a questão da distribuição de produtos deve ser, antes de mais nada, o canal de escoamento e distribuição da produção regional, estimulando assim, empreendedores locais, dos quais devemos nos orgulhar. CORDOVIL ( 2002, p.14 ). Para estimular a produção local foi determinado que ao comprar produtos produzidos no Ceará o cliente ganharia pontos em dobro. A definição de produtos cearenses para efeito de pontuação em dobro seguiu os seguintes critérios: • Receberão pontuação em dobro todos os produtos industrializados no Ceará por empresas de origem cearense ou não; • Estão fora da pontuação produtos in natura tais como carne fresca e horti-fruti sem embalagem especial ou marca, pela impossibilidade de validar sua origem junto ao consumidor; • Produtos industrializados de marcas nacionais tais como Parmalat, Ambev e Coca-cola terão pontuação em dobro desde que tenham sido fabricados no Ceará e que tenham este dado registrado em seu rótulo. Ao proceder desta maneira, procurou-se evitar possíveis ações judiciais de propaganda enganosa uma vez que mesmo não sendo de origem cearense o produto foi fabricado no Estado. Foi entretanto tomado um cuidado especial no sentido de não divulgar estes produtos na mídia de lançamento pois se acreditou que alguns clientes poderiam não compreender bem esta questão. O destaque na campanha de lançamento foi dado a produtos cujas marcas e processos de fabricação são considerados “genuinamente” cearenses tais como os produzidos por empresas como Moinho Dias Branco, Jandaia, e outras nesta mesma condição. São ao todo 97 fornecedores nesta condição dentre os 812 cadastrados. Um dado importante é a inserção de fornecedores menores, que anteriormente não tinham quase nenhum espaço nas disputadas nas gôndolas das empresas supermercadistas. Assim pequenos produtores locais puderam passar a contar com um canal de vendas estratégico para a distribuição de seus produtos. Nos últimos três meses, 15 novos fornecedores cearenses foram cadastrados na loja. A implantação do cartão fidelidade do Hiper Mercantil absorveu recursos da ordem de duzentos mil reais, incluindo nesta quantia despesas com: contratação de consultoria especializada, deliberação e aquisição do software mais conveniente as necessidades da rede (fez-se a opção pela versão Itautec), colocação do software em pleno funcionamento, emissão dos cartões propriamente ditos, produção publicitária e mídia para divulgá-los, estruturação de balcões de atendimento nos supermercados, compra de Vol.1 Nº.5 p.37-48 out./dez. 2002 45 Denise Pires Basto Costa equipamentos adicionais de informática para cadastro e consulta, e criação da home page, na qual o consumidor também poderá acompanhar o acúmulo de pontos ou mesmo se cadastrar no programa. Uma parceria vital para o sucesso da campanha foi à estabelecida com o Sebrae-CE (Serviço de apoio à micro e pequenas empresas do Estado do Ceará) e a FACIC (Federação das Associações do Comércio Indústria e Agropecuária do Ceará) cujo apoio institucional possibilitou ampliar o âmbito de divulgação da campanha para a mídia de massa, no caso TV. Os comerciais veiculados retratam toda a cadeia produtiva desde o agricultor que planta a matéria prima passando pela indústria que a beneficia e finalizando no elo final da cadeia de consumo, o supermercado. A estratégia de comunicação utilizada identificou os produtos cearenses através de etiquetas de trilho de cor e formato diferentes dos demais produtos, que recebeu o nome de “Selo Iracema”. As etiquetas têm o seguinte slogan: Nas compras de produtos cearenses ganhe pontos em dobro! Foram espalhados diversos cartazes nas lojas informando aos clientes da vantagem adicional que teriam ao comprar produtos cearenses. Bunners externos também foram estrategicamente posicionados na frente das lojas. A mídia de massa, conforme já citada, baseou-se em comerciais de TV. Em apenas três semanas desde o lançamento já foram emitidos 25.000 cartões de fidelização e premiados 20 clientes. A participação média de produtos cearenses nas compras destes clientes foi de cerca de 23%. A empresa pretende publicar o demonstrativo da evolução das vendas de produtos cearenses e mensurar o impacto causado na indústria local, que servirá como um dos indicadores de avaliação da estratégia, bem como base para reforçar os clientes 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A capacidade das empresas de conhecer o consumidor e customizar o atendimento de massa passa não só pela adoção de modernos sistemas de informação, mas também pela capacidade de levar em conta as variáveis culturais deste consumidor. Interpretar as mudanças sociais que veem ocorrendo e identificar tendências do comportamento do consumidor é fator fundamental para que se possa definir com clareza qual a linha de marketing que a empresa deve desenvolver. As empresas devem ainda ser capazes de ampliar leitura do cliente para além da análise simplesmente quantitativa e desenvolver estratégias de marketing que consigam vencer o desafio de comunicar-se emocional e espiritualmente com o consumidor. Ao associar a estratégia de bonificação de clientes a algo mais amplo que apenas a recompensa financeira, prática já desenvolvida em outras organizações concorrentes, a empresa em estudo reforça duplamente o compromisso de fidelidade à loja. Esta estratégia leva o consumidor a pensar: ganho e faço com que mais alguém ganhe. Desta forma, a empresa está adotando uma prática que cria mais valor para o cliente o que certamente contribui para a formação de elos duradouros entre empresa e consumidor. Há ainda o fortalecimento do elo com os fornecedores de menor porte locais. Em um mercado dominado em grande parte por marcas e produtos multinacionais, adotar a estratégia de valorizar a 46 Anima Além da no Setor Fidelização: Estratégias de Marketing de Relacionamento e Marketing Social Supermercadista produção local focando na geração de emprego e renda é portanto merecedora de destaque. O marketing para causas sociais contribui para que a empresa adicione valor a sua campanha, gerando mídia gratuita através de reportagens e artigos em jornais e revistas. É importante destacar que a estratégia escolhida para apoiar uma causa social deve estar perfeitamente alinhada aos princípios da organização e ser corroborada pelos valores cultivados por seus gestores. Este ideal deve ser disseminado entre todos os membros da organização, refletido a partir da filosofia central da empresa. No caso em estudo, a empresa apresentada tem por slogan ser 100% cearense e comunica esta idéia em campanhas diretas ao consumidor em seus programas de mídia há mais de cinco quatro anos. Com relação à convergência das duas estratégias apresentadas, podemos concluir que neste caso são complementares. Ao destacar o benefício social gerado pelo cartão de fidelização há um reforço à tentativa de fidelizar o consumidor agregando o benefício da contribuição solidária que o mesmo pode dar (neste caso para a geração de emprego e renda). O sucesso inicial deste programa pode ser vislumbrado nos números apresentados: uma base de 25.000 clientes cadastrados em apenas três semanas além da ampliação de fornecedores locais no mix de produtos da loja com a inclusão de 15 novos parceiros. É importante, entretanto, que outros fatores sejam analisados no futuro para determinar em que medida a estratégia possibilitou o benefício adicional prometido: geração e/ou manutenção de mais empregos e contribuição para o desenvolvimento da economia local. É importante que o consumidor seja informado destes números para que a campanha mantenha sua credibilidade e estimule a atração de novos consumidores. Certamente há limites no poder de mudança de comportamento e atitude do consumidor, mas ao manter uma comunicação aberta e clara e uma constante “prestação de contas” este poder poderá ser ampliado ou manter-se, pelo menos, sustentável. A forma como a empresa tratará os dados recebidos através do cartão e a definição de novas ações complementares relativas à comunicação, premiação e acompanhamento do programa certamente contribuirá para determinar o maior ou REFERÊNCIAS menor sucesso daBIBLIOGRÁFICAS estratégia de fidelização adotada ao longo dos anos. ASHLEY, Patrícia Almeida.(Org.) Ética e Responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. AAKER, David. Marcas. São Paulo: Negócio Editora, 1998. CORDOVIL, Domingos. Elevando o nível de consciência e cidadania. Revista Supermercadista. Fortaleza: ACESU, 2002, p. 14. HAWKINS, Denise P. B. Costa e COSTA, Silvia. “Responsabilidade Social e Cidadania empresarial: uma pesquisa exploratória no setor supermercadista de médio porte de Fortaleza”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, 26. Salvador, 2002. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. GALBRAITH, Jay R.; LAWLER, Eduard E. & Associados. Organizando para competir no futuro. São Paulo: Tradução de Ailton Bonfim Brandão. 5. ed. São Makron Books, 1995. Paulo: Atlas, 1989. Vol.1 Nº.5 p.37-48 out./dez. 2002 47 Denise Pires Basto Costa VAVRA, TERRY. Aftermarketing: How to keep NIELSEN, A . C. Estrutura do varejo Brasileiro. São Paulo, costumers for life through relationship marketing. [s.l]: 1991,1995 e 1997. McGraw Hill, 1990. PRINGLE, Hamish; THOMPSON, Marjorie. MACKENNA, Regis.Marketing de Relacionamento: Marketing Social. São Paulo: Makron Books, 2000. Estratégias bem sucedidas para a era do cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1992. RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS. Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos em parceria com MENDONÇA, Patricia Maria de. O marketing e sua relação o jornal Valor Econômico e conduzida pela Indicator com o social: dimensões conceituais e estratégicas. São Paulo: Opinião Pública, 2001. Peirópolis, 2002. (Prêmio Ethos Valor- Vários autores). ROJO, Francisco. Supermercados no Brasil. São Paulo: ______. e SCHOMMER, Paula Chies. “O Marketing e sua Atlas, 1998. relação com o Social: dimensões conceituais e estratégicas e o caso de duas organizações em interação”. In: ENCONTRO SINA, Amália; SOUZA, Paulo. Marketing Social: Uma NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS- oportunidade para atuar e contribuir socialmente no GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, terceiro setor. São Paulo: Crescente Editorial, 1999. 14. Florianópolis, 2000. NAISBITT, Jonh. Paradoxo Global. Rio de Janeiro: WIERSEMA, Fred. Intimidade com o Cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1996. Campus, 1994. 48 Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Maria Zilah Sales Albuquerque* José de Souza Neto** Terezinha de Jesus Pinheiro Maciel*** RESUMO: O estudo buscou identificar quais os ABSTRACT: The study tried to identify which fatores de qualidade são considerados prioritários na visão dos clientes e proprietários que contribuem para a caracterização do serviço prestado. Trata-se de um estudo realizado através de uma pesquisa exploratória e qualitativa cuja abordagem metodológica consistiu em um estudo de caso, realizado nos restaurantes tipo self service de Fortaleza considerados micro ou pequena empresa. O levanta-mento de dados serviu para identificar os principais fatores de qualidade para clientes e proprietários, e os resultados da pesquisa mostraram que aquilo que é considerado pelos proprietários importante para ser ofertado aos clientes, coincide com o que é procurado por estes, quando vão a um restaurante self service. Os resultados permitem oferecer sugestões de melhoria da qualidade na prestação dos serviços não só para os restaurantes pesquisados, como para aqueles que possuem características semelhantes. quality factors are considered priority in the customers’ and owners’ view that contribute to the characterization of the quality in the Palavras-chave: Restaurante Self Service; Qualidade em Serviços; Fortaleza. installment of services. This study was done through an exploratory and qualitative research, which assumed the form of a case study accomplished in self service restaurants of Fortaleza city. considered micro or small Key-words: Restaurant Self Service; Quality Service; Fortaleza City. company. The data survey was used to identify the main quality factors for customers and owners and, the research results showed that what is considered important by the owners to be supplied to the customers, coincides which what it is sought by them, when they are going to a self service restaurant. The results also allowed us to offer suggestions of improvement of the quality in the installment of the services not only for the researched restaurants, as to those that posses similar characteristics. * Administradora de Empresas, MSc.; Professora da Faculdade Integrada do Ceará e do CETREDE/UFC. ** Pesquisador, PhD. Embrapa/CNPAT; Professor da Faculdade Integrada do Ceará. *** Professora da Universidade Federal do Ceará. 49 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel 1. INTRODUÇÃO Atualmente vive-se uma realidade bem diferente de outras antes já experimentadas. Cada vez mais mudanças ocorridas nas organizações empresariais exigem alterações ou adaptações no que se refere as suas práticas de gestão. Tais mudanças dão origem a um novo ambiente de negócios que tem como algumas de suas principais características a de fazer negócios; o gerenciamento eficaz de processos e integração de funções; o acesso rápido a um maior volume de informações; processos de comunicação e vendas alternativos; indústrias de alta tecnologia; a era da prestação dos serviços; o estabelecimento de alianças estratégicas e a ênfase no espírito empreendedor. A qualidade, por sua vez, vem se tornando efetivamente uma das marcas para essa diferenciação e, na prestação dos serviços, favorece tanto a conquista de novos clientes, como a manutenção dos clientes atuais, que são atraídos pela ausência de erros e pela confiabilidade e segurança proporcionados pela empresa. Os restaurantes são exemplos significativos do segmento de serviços podendo ser diferenciados pelos vários tipos de atendimento a clientes: serviço à inglesa direto e indireto; serviço à francesa; serviço à americana e serviço de buffet, este último conhecido como self service. Embora pareça simples este tipo de serviço que exige por parte de seus proprietários uma administração segura onde a técnica e o conhecimento aliados a determinados padrões de qualidade, higiene, ambiente, atendimento, além de outros, poderão significar a real sobrevivência do negócio. No presente estudo, objetivamente, pretende-se analisar que fatores, na visão de clientes e proprietários, contribuem para a caracterização da qualidade na prestação dos serviços dos restaurantes tipo self service localizados na cidade de Fortaleza. A escolha do tema em questão deveu-se a escassez de estudos empíricos sobre a prática em restaurantes tipo self service, bem como a realização de estudos onde se pudesse constatar os aspectos ligados a sua dimensão social. Justifica-se o presente trabalho, a medida em que os dados analisados possam vir a contribuir de forma significativa para o alcance de tal objetivo, não só por parte dos restaurantes estudados, mas também por outros que possuam as mesmas características. 2. MICRO E PEQUENAS EMPRESAS DE SERVIÇOS No Brasil, conforme a mesma publicação do SEBRAE, os pequenos negócios são responsáveis por 48% (quarenta e oito por cento) da produção nacional, 59% (cinqüenta e nove por cento) dos empregos e 42% (quarenta e dois por cento) dos salários pagos. Na maioria das pequenas cidades brasileiras, os pequenos negócios representam o único exemplo de atividade econômica e sua presença representa melhor distribuição de renda. A Constituição brasileira prevê, através do artigo 179 (cento e setenta e nove), o estabelecimento, como acontece nos países mais desenvolvidos, de uma política diferenciada para a pequena empresa. 50 Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Mas para que isso aconteça é preciso que o Congresso, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais promulguem leis que garantam, por exemplo, maior participação das pequenas empresas nas compras da União, dos Governos Estaduais e dos municípios. De acordo com dados do SEBRAE, o Estado é o maior comprador de bens e serviços do País, mas as vendas dos pequenos negócios representam apenas 5% (cinco por cento) das encomendas de todo o setor público, o que equivale a 100 (cem) bilhões de dólares por ano. Além disso, a lei deve caracterizar, de maneira clara o que é micro e pequena empresa, determinando assim, quem deve, pelo tamanho e natureza de suas operações, pagar menos impostos, enfrentar menos burocracia, ter acesso a crédito mais barato, conforme ocorre em todos os países desenvolvidos. É necessário, portanto, que os órgãos que financiam o desenvolvimento vejam a pequena empresa como ela é vista nas maiores economias do mundo, isto é, como um meio necessário ao aquecimento dos negócios, a retomada e consolidação do crescimento econômico. Os negócios de menor porte não podem pagar os mesmos impostos ou assumir as mesmas obrigações legais das grandes empresas. Somente a partir de tais ações as micro e pequenas empresas brasileiras poderão competir em condições de maior igualdade com aquelas dos países mais desenvolvidos, o que só será possível quando de um modo geral, governo e sociedade, começarem realmente a considerar e a acreditar que os micro e os pequenos negócios constituem um poderoso instrumento de fortalecimento e alavancagem da economia de um país. Este capítulo trata de maneira mais específica das micro e pequenas empresas que têm como atividade principal a prestação de serviços. Para isso, procurou-se inicialmente fazer algumas considerações importantes sobre os serviços, ou seja, definições, características principais e aspectos que diferenciam bens e serviços, assim como, buscou-se fazer uma análise da importância do setor de serviços para a economia, o que deixa claro que atualmente este merece a mesma atenção que sempre foi dispensada ao setor industrial. Em complemento ao assunto em questão, foram abordados aspectos relevantes a serem considerados pelas micro e pequenas empresas de serviços ao desempenharem suas atividades. Dentre estes aspectos destaca-se a atenção especial que deve ser dada aos funcionários que trabalham diretamente com os clientes, ou seja, os que estão na linha de frente ou produção do serviço. Além dos aspectos acima citados, apresenta-se ainda uma discussão sobre uma ferramenta de gestão, cuja utilização, pode representar um diferencial competitivo para as empresas de serviços, ou seja, o Marketing de relacionamento. Neste momento são apresentadas, além das definições de marketing e marketing de relacionamento, algumas das características necessárias às empresas que realmente pretendem estabelecer relacionamentos mais duradouros e consistentes com seus clientes e com o mercado do qual fazem parte. Para finalizar, o capítulo trata de um exemplo de empresa de serviços, o restaurante tipo self service, tema principal deste estudo, onde são vistos aspectos ligados à origem dos restaurantes; os diferentes tipos de restaurantes, tendo em vista o serviço ofertado e, de forma mais específica, alguns pontos Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 51 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel característicos dos restaurantes tipo self service, tais como motivos para o sucesso deste tipo de empreendimento, aspectos fundamentais ao desempenho das atividades dos proprietários dos restaurantes, bem como algumas de suas principais preocupações para obter êxito neste tipo de negócio. A melhor maneira encontrada para definir serviços foi através do levantamento de suas características. A maioria dos autores dentre eles Kotler (1995); Gianesi e Corrêa (1994); Soares e Corrêa (1994) e Téboul (1999) apontam como principais: a intangibilidade, a inseparabilidade, a variabilidade e a perecibilidade. No sentido de complementar tais características e ajudar na elucidação de possíveis dúvidas sobre a referida definição, considerar uma das diferenças básicas entre indústria e serviços faz-se necessário. No caso dos serviços, os funcionários e todo o sistema que atuam no fornecimento interagem com os clientes ou seus bens, já na indústria esta interação direta não acontece. Portanto, toda prestação de serviço implica em contato direto entre fornecedor e cliente. Este é parte integrante do sistema de entrega do serviço, visto que participa igualmente na realização do mesmo com as informações ou matérias-primas que fornece. Apesar da execução da maioria dos serviços precisar de elementos materiais para se concretizar, a essência do que é adquirido é basicamente o fornecimento realizado por uma das partes a outra. Segundo Téboul (1999), distinção entre indústria e serviços é pouco relevante pois os serviços não podem prosperar na ausência de um serviço industrial poderoso, e a indústria depende dos serviços.”. Este autor ainda acrescenta “os produtos podem ser considerados como a materialização dos serviços fornecidos.” Apesar da opinião do autor de que a diferenciação entre indústria e serviços é um tanto quanto desnecessária, achou-se pertinente fazer um comparativo entre bens (objetos) e serviços, TABELA 1. TABELA 1 COMPARATIVO ENTRE BENS E SERVIÇOS BEM (objeto) SERVIÇO Pode ser estocado Produção desvinculada do cliente Substituições são aceitas Qualidade vinculada ao bom funcionamento É fácil fazer uma demonstração Sempre precisa de serviços (vendas, assistência técnica) Uma falha é considerada “um defeito de fábrica” O cliente pode não usar o que comprou Pode ser patenteado Consumo simultâneo com a execução Cliente é parte do processo Reposição improvável Qualidade vinculada à figura do funcionário O cliente dificilmente experimenta antes Pode não precisar de bens para sua realização Uma falha pode ser considerada uma ofensa pessoal A satisfação do cliente é percebida na hora Metodologia pode ser copiada pelo concorrente FONTE: Soares e Corrêa (1994). 52 Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Com base no exposto, serviço pode ser “toda atividade ou benefício, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer à outra e que não resulte na posse de algum bem” Kotler (1995). Ou ainda “uma ação desempenhada por uma parte a outra. Quando você fornece um serviço a um consumidor, ele não pode conservá-lo. Pelo contrário, um serviço é experimentado, usado ou consumido.” McCarthy e Perrault (1997, p. 150) Téboul (1999) faz referência àquela apresentada por Grönroos em seu livro Service Management and Marketing (1990), publicado em português com o título Marketing, Gerenciamento e Serviços (1995), em que “um serviço é uma série de atividades que normalmente acontece durante as interações entre cliente e estruturas, recursos humanos, bens e sistemas do fornecedor, com fins de atender a uma necessidade do cliente.” Seguindo este mesmo raciocínio e de forma bem simplificada Soares e Corrêa (1994), se referem aos serviços como “toda atividade que facilita a vida do cliente.” Desta forma, mais do que procurar classificar um sistema de operações como sendo serviço ou indústria, é de fundamental importância compreender a natureza de tais operações. Por exemplo, o restaurante tipo self service, objeto de estudo do trabalho em questão, tem como uma de suas principais características o contato direto com o cliente, fator este que o caracteriza como uma empresa prestadora de serviços, embora não se possa deixar de considerar a parte destinada ao preparo dos alimentos, cuja natureza de tal operação é industrial. 3. A IMPOR TÂNCIA DO SET OR DE SERVIÇOS IMPORTÂNCIA SETOR O setor de serviços na economia tem sua importância evidenciada em virtude das várias transformações ocorridas no mundo dos negócios. Considerando-se a atual conjuntura e suas recentes alterações, pode-se observar que determinados fatores vêm contribuindo significativamente para o aumento da demanda por serviços. Gianesi e Corrêa (1994), dão exemplo de alguns: desejo de melhor qualidade de vida, mais tempo de lazer; a urbanização, tornando necessários alguns serviços (como segurança, por exemplo); mudanças demográficas que aumentam a quantidade de crianças e/ou idosos, os quais consomem maior variedade de serviços; mudanças socioeconômicas como o aumento da participação da mulher no trabalho remunerado e pressões sobre o tempo pessoal; aumento da sofisticação dos consumidores, levando a necessidades mais amplas de serviços; mudanças tecnológicas como (avanço dos computadores e das telecomunicações) que têm aumentado a qualidade dos serviços, ou ainda criando serviços complementares novos. Muitos dos aspectos acima referidos podem se transformar em verdadeiras oportunidades de abertura ou ampliação de negócios para micro e pequenas empresas, ou até mesmo, constituírem meios de enfrentar em condições de igualdade os concorrentes. Em todos os países desenvolvidos, o setor de serviços ocupa posição de destaque na economia. No Brasil, as estatísticas não são diferentes. No que se refere à mão-de-obra, o setor de serviços vem aumentando sua participação nas últimas décadas, FIGURA 1. Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 53 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel Conforme se verifica na figura acima, nas últimas quatro décadas o setor de serviços aumentou sua participação de mão-de-obra, em 24% em 1950 para 50% em 1989. Crescimento este com-pensado pela acentuada diminuição na agricultura, que passou de 60% a 23% no mesmo período, e pela diminuição do crescimento do setor industrial, o qual teve um crescimento expressivo entre 1960 e 1980, mas parcialmente estacionou entre 1980 e 1989. Gianesi e Corrêa (1994). FIGURA 1 – PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS TRÊS PRINCIPAIS SETORES DA 70 ECONOMIA % FONTE: Gianesi e Corrêa (1994). 60 % Ressalta-se assim, a necessidade de uma atenção cadaAgricultu vez maior às operações de serviços, ou pelo 50 menos igual àquela que sempre foi dispensada%ao setor industrial. Isto porque as atividades de serviços exercem importante papel no desenvolvimento 40 de todos os setores da economia, principalmente o % industrial. Neste setor, os serviços diferenciam o pacote produto/serviços ofertado ao mercado, 30 fazendo a diferença frente aos concorrentes, além de servirem como suporte às atividades % Serviç manufatureiras, visto que, muitas delas são basicamente operações de serviços, tais como recursos 20 % dados etc, que são fundamentais ao desempenho humanos, manutenção, registro e arquivo de Indústr 10 competitivo das empresas. % Outr 0 Desta forma, não há mais como deixar de considerar que estamos muito mais próximos dos serviços, % 197 198 conseqüência inevitável de um ambiente empresarial 195 cada vez mais196 0 0 competitivo, 0onde o nível 0de exigência dos clientes é cada vez maior. Um último aspecto fundamental a ser ressaltado, que também está relacionado à importância dos serviços, é que torna-se praticamente inviável abordar este assunto, sem falar no fator “valor para o cliente”, já que este representa exatamente o ponto de diferenciação para a escolha de um produto ou serviço pelo consumidor. Kotler (1995) define como valor para o cliente, “a diferença entre os valores que ele ganha comprando e usando um produto e os custos para obter esse produto.” Entenda-se como produto, bens ou serviços 54 Anima 19 9 Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços 4. REST AURANTES TIPO SELF SERVICE RESTA Conforme conta Magnée (1996), o primeiro restaurante a utilizar-se da palavra “restaurante” e popularizá-la, foi aberto no ano de 1765 e ficava no centro de Paris, era o “La Grande Taverne de Londres”. Segundo este autor (1996), o vendedor de “sopas” chamado Boulanger, resolveu atrair mais clientes para sua casa de “comedoria”, e para isso colocou a seguinte frase na sua porta: “vinde a mim todos os que sofrem do estômago e eu os restaurarei.”. A partir daí havia nascido a palavra “restaurante” que significa restaurar e que era o nome do famoso caldo vendido pelo Monsieur Boulanger. A informação de Magnée quanto ao surgimento do primeiro restaurante em 1765, pode ser confirmada por Lôbo (1999) através da seguinte afirmação: o primeiro restaurante público aberto em Paris em 1765 iniciou a prestação de serviços, que se ampliou na capital francesa até 1795, e daí saiu pelo mundo afora, universalizando a França, e criando um histórico que recebeu atualizações e mudanças nas várias fases da gastronomia universal. A série de transformações ocorridas no mundo, como não podia deixar de ser, afetou também os restaurantes, exigindo destes não só a criatividade na elaboração de pratos mais sugestivos, mas a adoção de processos de atendimento cada vez mais diferenciados. A lógica passa a ser a inovação, buscando transformar o restaurante num local bem agradável, centro de acontecimentos sociais, tendo como um de seus principais objetivos, proporcionar encontros, tanto aos que ali trabalham, como aos que usufruem seus serviços. O restaurante hoje deve ser então um lugar especial e uma empresa em destaque. Em virtude disso, torna-se imprescindível a relação existente entre o cliente e o restaurante que o recebe, relação esta baseada num contínuo e permanente trabalho que tem origem na estrutura e no sistema de organização adotado pela empresa, já que, serviço e atendimento constituem apenas o seu reflexo e sua materialização. Com relação ao tipo de serviço prestado ao longo do tempo pelos restaurantes, muitos acabaram ficando superados ou em completo desuso. Segundo Albuquerque (2000) os serviços utilizados, com algumas variantes, de acordo com o momento, detalhes do serviço e até influências regionais são: Serviço à Inglesa Direto; Serviço à Inglesa Indireto; Serviço à Francesa; Serviço à Americana; Serviço de Buffet. É válido ressaltar que independentemente do tipo de serviço ofertado, a gestão do restaurante deve ser conduzida com objetivos bem definidos, pois, neste tipo de atividade, que trata diretamente com o cliente, muitos podem ser os imprevistos e detalhes que interferem na sua configuração. O êxito deste tipo de organização estará diretamente ligado a sua capacidade de atender às necessidades da estrutura implantada e à qualidade na prestação dos serviços a serem desenvolvidos. Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 55 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel 5. MA TERIAL E MÉT ODOS MATERIAL MÉTODOS O estudo em questão deu-se por meio da realização de uma pesquisa exploratória. Esta, segundo Mattar (1996) visa prover o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisa em perspectiva. Por isso, é apropriada para os primeiros estágios da investigação quando a familiaridade, o conhecimento e a compreensão do fenômeno por parte do pesquisador são geralmente, pouco ou inexistentes. Referida pesquisa contou inicialmente com a realização de levantamentos bibliográficos com relação à prática dos serviços em restaurantes tipo self service. Conforme o acima citado uma das formas mais rápidas e econômicas de se amadurecer ou aprofundar um problema de pesquisa é através do conhecimento dos trabalhos já feitos por outros, via levantamentos bibliográficos. Portanto, tais levantamentos foram feitos com o auxílio de trabalhos já elaborados na área, como por exemplo dissertações apresentadas em Universidades; livros sobre assuntos correlacionados; revistas especializadas, além de informações publicadas em jornais, sindicatos e associações. No presente estudo optou-se, ainda, pela pesquisa qualitativa, em virtude da mesma oferecer condições para uma análise mais adequada do referido objeto de estudo. Em conformidade com as explanações de Lüdke e André (1986), “entre as várias formas que pode assumir uma pesquisa qualitativa destacamse a pesquisa do tipo etnográfico e o estudo de caso”. Este último tipo foi o utilizado para o desenvolvimento do trabalho em questão. No estudo de caso utilizou-se de dois instrumentos de pesquisa: o questionário, elaborado em dois modelos, um para os proprietários dos restaurantes e outro para os clientes e a observação e foi realizado em restaurantes self service. A escolha destes, foi estabelecida com base nos seguintes critérios: a) ser restaurante do tipo self service e funcionar nos fins de semana; b) ser associado à ABRASEL; c) ser considerado micro ou pequena empresa pelo SEBRAE e d) está localizado no bairro da Aldeota conforme delimitação do IBGE. Referidos critérios resultaram em um número de 5 (cinco) restaurantes a serem pesquisados. A escolha do bairro da Aldeota deu-se pela suposição de que, neste bairro estava concentrada uma clientela de considerável poder aquisitivo e conseqüente nível de instrução, além do grau de exigência, o que daria maior subsídio para a análise e estudo do tema em questão, no caso a prestação dos serviços nos restaurantes tipo self service. A amostra utilizada para a realização da pesquisa foi escolhida por conveniência. Esta, na visão de Mattar (1996) representa um tipo de amostra não probabilística, ou seja, “aquela em que a seleção dos elementos da população para compor a amostra depende ao menos em parte do julgamento do pesquisador ou do entrevistador no campo.”. A amostra por conveniência, como o próprio nome já diz, é selecionada tendo em vista alguma conveniência dos pesquisadores. 56 Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Os critérios para escolha dos clientes a serem entrevistados foram: a) residir nas imediações do restaurante; b) ser graduado e c) ter idade superior a 25 (vinte e cinco) anos. Tais critérios estavam diretamente ligados aos motivos da escolha do bairro. A observação, foi feita por meio de visitas aos restaurantes, após a realização da pesquisa e tabulação dos dados. O objetivo destas era fazer uma análise do funcionamento geral dos restaurantes observando desde os aspectos físicos até a forma com que eram desempenhadas as atividades pelos funcionários. Os dados foram tabulados e registrados em tabelas e algumas destas representadas graficamente. 6. RESUL TADOS E DISCUSSÃO RESULT Os dados coletados por meio dos questionários aplicados aos proprietários dos restaurantes são apresentados em forma de tabelas. A primeira delas (TABELA 1) apresenta os dados relacionados aos fatores de qualidade na visão dos proprietários. A segunda (TABELA 2) traz informações sobre os proprietários e a terceira (TABELA 3) apresenta informações gerais sobre os restaurantes pesquisados. Conforme se mostra na TABELA 1, três proprietários apontaram a qualidade/sabor da comida como o principal fator de qualidade a ser ofertado aos clientes. Com relação ao segundo fator de qualidade, cada proprietário teve uma opinião diferente, isto é, um deles apontou a variedade do cardápio, o outro a presteza no atendimento e o terceiro indicou o preço. No que se refere ao terceiro fator de qualidade mais importante, os três optaram pela higiene. TABELA 1 FATORES DE QUALIDADE OFERTADOS NA VISÃO DOS PROPRIETÁRIOS 5 ! 6 7! ! L T7 0 $ & & 8 +0 F < % < $ < 4# F O pressuposto inicial no que se refere aos fatores de qualidade na visão dos proprietários, era de que a qualidade para estes decorria dos seguintes fatores: a) qualidade/sabor da comida; b) higiene e c) atendimento. Constatou-se que dois em três fatores de qualidade coincidiram com o pressuposto do estudo. Há que se considerar também que em parte o terceiro fator, isto é, atendimento foi indicado por um respondente. Na TABELA 2 a seguir, indica-se que apenas um respondente é do sexo feminino e somente um deles possui formação superior. Embora os proprietários não tenham tanto tempo de atuação no ramo, constatou-se, principalmente pelas visitas realizadas aos restaurantes, que estes dirigem seus negócios, na opinião desta observadora, de maneira satisfatória. Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 57 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel TABELA 2 DADOS DOS PROPRIETÁRIOS DOS RESTAURANTES PESQUISADOS ! ! < ! & & ; 7 8 ! ! 9& ! => 9 *U - , F <U C FU > Na TABELA 3 abaixo, indica-se um fato que merece destaque, ou seja, embora os clientes não tenham apontado o preço entre os três fatores de qualidade mais importantes constata-se que tal fator possui grande representatividade para os respondentes, se for observada a diferença significativa de fluxo, tanto na semana como nos fins de semana, no restaurante que possui o menor preço. TABELA 3 DADOS GERAIS DOS RESTAURANTES PESQUISADOS ! ! ! 57 < ! 8 ?! & +6 - = 9& @ ! ;7 9 7 0 B<>@@ FC *>@ B<<=@ D <*@ B>=@ *@ >@@ Com o objetivo de contextualizar a amostra pesquisada, iniciou-se o questionário dos clientes perguntando sobre o local de residência; faixa etária e se os respondentes possuiam ou não formação superior. Constatou-se que, de acordo com os critérios de escolha dos clientes, todos residiam no bairro da Aldeota, tinham mais de 25 anos de idade e possuiam formação superior. Na TABELA 4 mostra-se a distribuição dos clientes por faixa etária considerando aqueles maiores de 25 anos e com grau de instrução nível superior, mostrou uma equivalência entre as classes, apresentando uma pequena superioridade de 28,95 % de clientes com faixa etária que varia de 35 a 44 anos. 58 ! Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços TABELA 4 FAIXA ETÁRIA DOS CLIENTES PESQUISADOS ! ! 5 6 *) 3333FE F) 3333EE E) 3333)E )) 3333 ; A *= FF *D *E *) EE *D=) *E )> *<@) 7 De acordo com a TABELA 5 e segundo a ordem de importância os três fatores de qualidade que levam os clientes a escolher os restaurantes Tipo Self service são: qualidade/sabor da comida (37,3%); localização (20,2%) e variedade do cardápio (11%). Embora os fatores preço (8,5%) e higiene (7,9%) não tenham sido indicados pelos clientes entre os três fatores de qualidade mais importantes, não se pode deixar de considerar seus percentuais, que por ordem de importância ocuparam respectivamente o quarto e o quinto lugares. TABELA 5 FATORES DE QUALIDADE QUE LEVAM OS CLIENTES A ESCOLHER OS RESTAURANTES 5 ! 6 7 ! ! 5 $ L 9 T % I, % J 4# $ % % " I Variedade do cardápio 8 ! G 2 J # 6 B ; A )D D) *)) <FD *E )E E@ *F > C) E C FC F *@* F) C= )D FE @= <<@ @> <@ C 7 *Praticidade e comodidade foram outros fatores citados espontaneamente. De acordo com a TABELA 6, a maioria dos clientes, que representa (81,6%), tem o hábito de freqüentar apenas um só tipo de restaurante. TABELA 6 FREQÜÊNCIA DE VISITA DOS CLIENTES AOS RESTAURANTES 5 6DB ; E9 F <D =F <V ! % W 7 Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 A *> <)D D< > C 59 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel Como desdobramento da TABELA 6 e para dar maior visibilidade à relação cliente/restaurante apresenta-se aqui a situação específica de cada restaurante, a ser observada nas Tabelas 7, 8 e 10. TABELA 7 FATORES DE QUALIDADE QUE LEVAM OS CLIENTES A ESCOLHER O RESTAURANTE “A” 5 ! 6 5 7 ! ! $ L 9 T % I % J 4# % $ % " I 2 J 0 ! # A E *@ C) F>D FF <>* <= =F <> CD <D DD <@ E= ) *) *F << F < @) E9 < !% @ > W que levam os clientes a escolher o Restaurante *D Por ordem de importância os três fatores de qualidade “A” são: qualidade e sabor da comida (36,8%); localização (16,2%) e variedade no cardápio (11,3%). 7 Isto pode ser verificado através da TABELA 7. 7 5 6DB ; 6DB ; V C Conforme a TABELA 8, a maioria dos clientes que representa 82,4 %, utiliza freqüentemente os serviços desse restaurante. TABELA 8 FREQÜÊNCIA DE VISITA DOS CLIENTES AO RESTAURANTE “A” 60 Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Por ordem de importância os três fatores de qualidade que levam os clientes a escolher o Restaurante “B” são: qualidade/sabor da comida (39,2%); localização (21,3%) e variedade do cardápio (13,8%). É o que mostram os dados na TABELA 8. A TABELA 9 mostra que a maioria dos clientes, que representa 65,0%, utiliza freqüentemente os serviços do Restaurante “B”. 5 TABELA 8 FATORES DE QUALIDADE QUE LEVAM OS CLIENTES A ESCOLHER O RESTAURANTE “B” ! 6 7 ! ! 5 6 B ; A $ L 9 T % I % J 4# $ % % " I 2 J 0 ! 8 G 585 9 # <* =E )@ F=* )< @ *@ <> D @ FF F F *<F @@ DF >C F< @@ <F D <F <F C * Comodidade. TABELA 9 FREQÜÊNCIA DE VISITA DOS CLIENTES AO RESTAURANTE “B” 5 6DB ; E9 F << *> <V 0 % W 7 A C) *C) >)@ C Na a TABELA 10 aponta-se, por ordem de importância, os três fatores de qualidade que levam os clientes a escolher o Restaurante “C” são: qualidade/sabor da comida (35,4%); localização (22,2%) e preço (17,3%). Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 61 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel TABELA 10 FATORES DE QUALIDADE QUE LEVAM OS CLIENTES A ESCOLHER O RESTAURANTE “C” 5 $ L 9 ! 6 7 ! ! 5 T % I % % % " I 2 J 0 8 ! G A <C F F) E )E ) <D > ) < <= @ C J 4# $ 6 B ; E* D> # *** *< CE *) *< @E CD @@ *= C 7 * Praticidade, Comodidade De acordo com dados apresentados na TABELA 11, pode-se verificar que a maioria dos clientes, que representa cerca de 98,0 %, utiliza freqüentemente os serviços desse restaurante. TABELA 11 FREQÜÊNCIA DE VISITA DOS CLIENTES AO RESTAURANTE “C” 5 6DB ; <V ! % W 7 E9 @ < F= A @@ *) =C) C 7. CONCLUSÕES Diante dos dados analisados, pode-se concluir que: • Existe uma similaridade entre o que os clientes procuram e o que os proprietários ofertam em termos de fatores de qualidade. Isto porque os fatores qualidade/sabor da comida e variedade do cardápio foram apontados como prioritários tanto pelos clientes como pelos proprietários. • Os fatores preço e higiene, embora não tenham sido apontados pelos clientes entre os três mais importantes, receberam posições que devem ser consideradas, ou seja, quarto e quinto lugares respectivamente. • 62 Embora a pesquisa tenha indicado aproximação nas opiniões dos clientes e dos proprietários, o que sem dúvida nenhuma constitui um aspecto positivo para as restaurantes que fizeram parte da pesquisa, nunca é demais lembrar que sempre há algo mais a ser feito em prol da melhoria da qualidade na prestação dos serviços, aumentando assim o nível de satisfação dos clientes e consequentemente o alcance dos objetivos destas empresas. Anima Restaurantes Self Service em Fortaleza: Um Estudo de Caso Sobre a Qualidade em Serviços Como sugestão, indica-se algumas das habilidades consideradas, indispensáveis aos proprietários dos restaurantes tipo self service que deverão ser desenvolvidas: • Comunicação para transmitir e expressar idéias e pensamentos com clareza e objetividade, tendo sempre a preocupação em verificar se as pessoas realmente entenderam suas explicações. • Criatividade na busca por soluções viáveis e adequadas à solução de problemas que por ventura venham a surgir. • Flexibilidade para compreender situações novas, bem como a capacidade e a humildade para rever posicionamentos e principalmente para aprender. • Iniciativa para prever problemas futuros, antecipando soluções. • Liderança na condução do grupo de forma harmônica, visando o estabelecimento de relações de parceria entre os membros. • Negociação, isto é, a busca constante do equilíbrio de interesses entre as partes, sejam elas proprietários e funcionários, proprietários e fornecedores, proprietários e clientes etc. • Perseverança, que significa a firmeza e constância de seus propósitos, desde que isto não traga prejuízos ao negócio. Acredita-se que as conclusões e sugestões aqui apresentadas possibilitam aos restaurantes atingir um objetivo maior, ou seja, mostrar claramente aos clientes a sua especialidade na prestação de serviços de qualidade. Para tanto, é preciso considerá-los como principais personagens do processo, para quem todos os esforços de trabalho são dirigidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Maria Z,. S. de. Qualidade em Serviços: LÔBO, Alexandre. Manual de Estrutura e Organi- um estudo de caso em restaurantes tipo Self Service. zação do Restaurante Comercial. São Paulo: Editora Fortaleza: CMA-UECE, 2000, 125p. Atheneu, 1999. GIANESI, Irineu G. N. & CORRÊA, Henrique Luiz. LÜDKE, Menga & ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Administração Estratégica de Serviços: operações para a educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Satisfação do Cliente. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1994. Pedagógica e Universitária Ltda. KOTLER, Philip. Marketing para o Século XXI: Como MATTAR, Fauze N. Pesquisa de Marketing. São Paulo: Criar, Conquistar e Dominar Mercados. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1996. Editora Futura, 1999. M c C A RT H Y, E . Je r o m e & P E R R E AU LT _______. & ARMSTRONG, Gary. Princípios de JUNIOR, William D. Marketing Essencial: uma Marketing. 7. ed., Rio de Janeiro: Livros Técnicos e abordagem gerencial e global. São Paulo: Editora Científicos Editora S.A., 1995. Atlas S.A., 1997. Vol.1 Nº.5 p.49-64 out./dez. 2002 63 Maria Zilah Sales Albuquerque, José de Souza Neto e TTerezinha erezinha de Jesus Pinheiro Maciel SEBRAE. Pequena empresa: a riqueza das nações. SOARES, Fabrício & CORRÊA, Valentino. Serviços 5 SEBRAE. (Trabalho Técnico). Estrelas: uma introdução à qualidade nos serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora Ltda., 1994. SEBRAE/SP. Estudo da mortalidade das empresas paulistas: Relatório Final. SEBRAE/SP, 1999. TÉBOUL, James. A Era dos Serviços: uma nova abordagem de gerenciamento. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora Ltda., 1999. 64 Anima Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo: Algumas Anotação para o Debate Bendito José de Carvalho Filho RESUMO: Tradição e modernidade são temas ABSTRACT: Tradition and modernity are recorrentes no campo das Ciências Sociais. recurrent subjects in the field of the Social Este artigo procura discutir as formas como Sciences. This article tries to distinguish the eles aparecem na sociologia brasileira. forms as they appear in the sociology of Brazil. Palavras-chave: Modernidade; Sociologia; Tradição. Key-words: Modernity; Sociology; Tradition. Tradição e Modernidade é um dos temos centrais no campo das Ciênciais Sociais latino-americana. Também em outros campos do conhecimento, como na literatura e nas artes em gerais, assim como na filosofia. Raciocinamos, aliás, mais do que imaginamos com essas duas polaridades, aparentemente dicotômicas. Tradicional é sinônimo, muitas vezes, de atrasado, arcaico, enquanto moderno carrega o sentido do contemporâneo, do novo. O dualismo está impregnado na nossa visão de mundo e pensamos, na maioria das vezes, a sociedade em termos dessas duas polaridades. Os nossos automóveis viram carroças perto da produção de carros produzidos nos centros dinâmicos do capitalismo. O Brasil precisa entrar na modernidade com alguma pressa senão perde o bonde da história, dizem os nossos políticos e nossos presidentes em viagem pelo mundo da modernidade. A tradição, o velho, têm sido ainda os fantasmas não exorcizado nesses dois Brasis que insistem manter em suas estruturas símbolos e códigos ditos modernos, convivendo com formas arcaicas de produzir e pensar. A imagem mais impressionista é testemunhada pela foto de um índio amazônico manuseando uma moderníssima filmadora de vídeocassete, foto estampada em um dos números da revista Time. O Brasil parece ter pressa em entrar no mundo da modernidade, mas não consegue dar conta das suas ambigüidades internas. (daí porque um conhecido economista brasileiro criou a expressão belíndia para caracterizar a nossa sociedade). Nós temos o carro último modelo, uma parcela da população consome produtos sofisticados da indústria eletrônica mundial, mas socialmente conservamos uma estrutura social perversa. É a nossa modernização conservadora, do capitalismo tardio, como alguns preferem chamar. Há muitos anos as ciências sociais vêm trabalhando com essa temática. Diríamos, mesmo, que desde do nascimento das ciências sociais no Brasil, esse vem sendo um dos eixos centrais que orientaram (a vem orientando, ainda) as suas discussões. As primeiras formulações conceituais nesse campo surgiram Sociólogo, Professor da FIC e da UECE 65 Benedito José de Carvalho Filho à partir da década de 50, sendo, posteriormente, submetida a uma severa crítica. O uso e abuso desse conceito iniciou-se com uma certa matriz sociológica desenvolvida nos Estados Unidos com seus estudos comparativos sobre as sociedades ditas subdesenvolvidas, termo que aparece depois da Segunda Guerra Mundial, usado para caracterizar as sociedades que se encontram em processo de trânsito, de mudança, da tradição para a modernidade. Os estudos desse período têm como eixo central, portanto, a compreensão das sociedades ditas tradicionais à partir de modelos de uma sociedade industrializada e urbanizada, as sociedades integradas ao sistema capitalista. Modernização, nesse sentido, passa a ser associada à difusão dos modos de vida, valores e concepções de uma sociedade urbana industrial para as sociedades tradicionais. A marca substantiva do conceito, pelo menos nas ciências sociais em um certo tempo, associa subdesenvolvido, a repetição de características econômicas da estrutura social, psicossociais e de organizações políticas das sociedades norte-americanas tradicionais. Estudos sociológicos no Brasil na década de 1960 e 1970 estão fortemente marcados por esse paradigma, como podemos observar nos trabalhos iniciais de Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Antônio Cândido e outros, onde a tentativa é compreender, através dos estudos de comunidades, do negro, do folclore, a persistência da tradição, reunindo diferentes tipos de descrição, buscando compreender “os êxitos e fracassos da revolução burguesa em processo.”1 Estudos de caso sobre os caipiras, sertanejos, a formação das cidades, as sociedades tribais, eis os temas que vão marcar as ciências sociais nesse período. Seu enfoque central é descobrir e analisar a persistência dentro da sociedade brasileira de formas tradicionais de cultura e, à partir daí, compreender as tendências das mudanças e suas resistências. O processo de modernização é visto como um complemento de etapas nas quais um complexo conjunto de variáveis iriam se transformando mais ou menos homogeneamente em sucessivas aproximações para chegar, então, à modernidade. Prevaleciam as idéias de que as sociedades subdesenvolvidas reproduziriam o mesmo percurso das sociedades modernas já integradas ao sistema capitalista. Isso marcou e influenciou muitos trabalhos de investigação nas ciências sociais no Brasil e na América Latina, de uma maneira geral. 2 As premissas dessas concepções não resistiram às críticas, originadas principalmente de uma matriz de análise marxista, questionando duramente o dualismo a-histórico das teorias funcionalistas em franca difusão no meio acadêmico. Esses modelos de análise sustentam-se na teoria de que “as sociedades latino-americanas pertenceriam a um tipo estrutural dominando geralmente a sociedade tradicional , em que estaria produzindo a passagem a um outro tipo de sociedade chamada moderna. No curso do processo de mudança social, pareceria que, antes de se constituir a sociedade moderna, 1 Ver os estudos de Sociologia dessa época, como os trabalhos organizados por Florestan Fernandes em Comunidade e Sociedade, Editora EPU; os trabalhos de Fernando Henrique Cardoso, buscando compreender a sociedade capitalista e as classes sociais no Brasil; o esforço de Octávio Ianni, no seu Metamorfose do Escravo,Trabalho e Desenvolvimento no Brasil, de Luiz Pereira, Homens Livres na Ordem Escravocrata, de Maria Silvia Carvalho Franco, Sociedade Industrial no Brasil, de Juarez Lopes Brandão, entre outros. 2 É interessante observar que apesar das críticas feitas a essa concepção elas, de certa forma, com uma outra linguagem reaparece nos dias de hoje, revestida no discurso da globalização. 66 Anima Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo: Algumas Anatoções para o Debate forma-se um padrão intermediário, híbrido, que caracteriza as sociedades dos países em desenvolvimento. Quando não, formam-se situações outras que permanecem arcaicas. Invoca-se então a noção de dualismo estrutural. Na realidade, metodologicamente, trata-se da velha dicotomia comunidade-sociedade um sua forma clássica em Tonnies.3 Ainda segundo Cardoso4 , é possível criticar esse esquema com certo fundamento segundo dois pontos de vista. De um lado, o conceito de tradicional e moderno não são bastante amplos para abranger de forma precisa todas as situações sociais existentes, mas permitem distinguir entre elas os componentes estruturais que definem o modo de ser das sociedades analisadas e mostram as condições de funcionamento e permanência. Tampouco se estabelecem os nexos inteligíveis entre as diferentes etapas econômicas e os diferentes tipo de estrutura social que pressupõe as sociedades tradicionais e as modernas. Para ele, quando se trata de vincular a análise estritamente econômica à compreensão do desenvolvimento político e social, o problema a ser formulado não é somente o caráter da estrutura social de uma dada sociedade, mas principalmente o processo de sua formação, como também a orientação e tipo de atuação das forças sociais que pressionam para mantê-la ou modificá-la, com todas as suas repercussões políticas e sociais que impliquem o equilíbrio dos grupos tanto no plano nacional, como no plano externo. Acho, por outro lado, que as análises do modernismo e do tradicionalismo parecem excessivamente simplificados quando se estabelece um relação unívoca, por um lado entre subdesenvolvimento e sociedade tradicional.5 A partir de trabalhos, como esse citado, começaram a surgir críticas mais radicais a essas concepções, pondo em dúvida, inclusive, os conceitos de tradição e modernidade e concebendo a mudança social numa outra perspectiva. O conceito de modernidade enquanto sucessivas aproximações das sociedades ditas desenvolvidas, que através de etapas iam naturalmente se incorporando à modernidade foi pouco à pouco sendo criticada, apesar de persistirem como paradigmas para entender a questão da modernidade. Mesmo o enfoque sociológico mais recente, que dá um peso à compreensão das características estruturais de regiões subdesenvolvidas, não se afasta, ainda, de algumas categorias anteriores.6 Alguns consideram que, apesar desse conceito ter dominado as ciências sociais durante pelo menos uma década e de haver orientado valiosas investigações, pertencem a lista dos instrumentos técnicos fundamentais superados. Existem o uso de termos que chegaram a inspirar trabalhos na América Latina, mas já restritos a aspectos muito mais limitados e com a explícita noção que devem ser incorporados a modelos descritivos e explicativos muito diferentes dos utilizados nas versões originais desse conceito. CARDOSO, Fernando Henrique. Dependência e Desenvolvimento na América Latina.Ed. Zahar p. 16-17 Op. cit. Op.cit. 6 A chamada “teoria da dependência”, que surge como uma crítica às teorias da Cepal, reivindicando a necessidade de analisar cada formação histórica em particular, “a relação interna das classes sociais”que “dá fisionomia própria à dependência”, conforme as análises de Fernando Henrique Cardoso e Falleto, não consegue se desvencilhar também de uma concepção evolucionista, própria do pensamento marxista. 3 4 5 Vol.1 Nº.5 p.65-72 out./dez. 2002 67 Benedito José de Carvalho Filho Num outro polo de discussão é importante destacar o que estamos entendendo por tradição. Não vamos entrar na discussão em profundidade sobre essas questões, pois sabemos que elas não se esgotam nos domínios das ciências sociais. Tradição pode se entendida como um modo de comportamento ou padrão produzido por um grupo distinto que serve para intensificar a consciência de um grupo e a sua coesão. O que está presente quando se discute o conceito de tradição é a idéia de continuidade, estabilidade e vulnerabilidade. É o conjunto da sabedoria coletiva, incluindo a tradição do grupo.Nesse sentido, o peso da tradição, sua autoridade, deriva da crítica implícita daqueles que preferem confiar no seu próprio conjunto de razões. Tradição, portanto, é freqüentemente entendida como fonte de legitimidade. Não pretendo, aqui, fazer um balanço crítico das concepções que vêm fundamentado as ciências sociais, nem entrar na discussão sobre as razões pelas quais persistem em nossa estrutura social elementos ditos tradicionais ou arcaicos. A intenção é compreender as implicações das categorias moderno e tradicional na construção de um paradigma de análise nas ciências sociais, em especial na sociologia. Essa, segundo o nosso ponto de vista, é uma das razões da crise das explicações sociológicas no mundo contemporâneo. Como trabalha com processos de mudança diacrônico, numa perspectiva teleológica, tão própria do pensamento iluminista evolucionista, a sociologia acaba sendo aprisionada por uma visão totalizadora, muitas vezes reducionista, como se os processos sociais, as mudanças, ganhassem significado somente quando apreendidas nesta perspectiva. Uma exceção no campo das ciências sociais é a antropologia, que, por trabalhar com sociedades fora do tempo iluminista, como as ditas sociedades tribais ou primitivas, são obrigadas a desfazer-se de teorias totalizadoras e das visões lineares presentes nas análises evolucionistas.7 A antropologia, com o estruturalismo, vem nos mostrando que as sociedades primitivas não são um amontoados irracionais de indivíduos selvagens, mas, pelo contrário, mostra-nos que na sua aparente selvajaria encontra-se uma estrutura extremamente complexa, com seus mitos, as relações de parentesco e as trocas.8 A historiografia contemporânea, vem questionando a visão linear das análises evolucionistas que trabalham com uma visão de história unívoca. Habermas9 , por exemplo, nos mostra que desde o fim do século XVIII a história é concebida como um processo mundial que gera problemas. Nele o tempo é entendido como um recurso escasso para a superação prospectiva dos problemas que o passado nos legou. Passados exemplares nos quais o presente pudessem confiantemente orientar-se – diz ele – esvanecerem-se. A modernidade já não pode emprestar seus padrões de orientação de modelos de outras épocas. Ela encontra-se completamente abandonada a si mesma, tem que extrair de si a sua normatividade. Daqui em diante, a atualidade, o autêntico, é o lugar onde se entrelaçam a continuação da tradição e a inovação. Aqui estou me referindo à tradição antropológica que começa com Malinowski na sua análise dos trobiandeses. Morgan e outros antropólogos não tinham ido à campo e estavam profundamente impregnado das teorias darwinista. Essa concepção inspira as concepções evolucionista de Engels e, posteriormente, o marxismo. 8 Ver: STRAUSS, Lévi. Estrutura Elementares do Parentesco. Rio de Janeiro: Editora Vozes, do mesmo autor: O pensamento Selvagem. 9 HABERMAS, J. A Nova Intransparência: a crise do estado de bem estar social e o esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos do CEBRAP, p.18 7 68 Anima Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo: Algumas Anatoções para o Debate O que significa isso concretamente para as ciências sociais? Habermas, na verdade, está nos propondo outras formas de sentir, pensar e analisar isso que nós sociólogos chamamos de sociedade. A análise marxista, por exemplo, trabalhou com uma noção de história onde o tradicional era visto como um fantasma a ser exorcizado. A cultura de folk, a sociedade sertaneja, enfim, todos os modos primitivos (ou asiáticos) eram considerados reminiscência de uma tradição que só seria expurgada com o desenvolvimento das forças produtivas. É por isso que Marx saudava com entusiasmo a colonização inglesa na Índia. Nesta época de globalização a sociologia não conseguiu se desvencilhar de seus velhos paradigmas. A modernidade continua a ser pensada como um processo a ser induzido de fora. Em muitos áreas de produção sociológica a ideologia desenvolvimentista transmutou-se no discurso da globalização. Se antes o desenvolvimento era encarado como uma tarefa urgente, cabendo a responsabilidade ao Estado, hoje a palavra de ordem é a incorporação no mercado internacional e o Estado Mínimo. Se antes os sociólogos eram os “intrépidos agentes da mudança social”, produzindo novas explicações sobre a realidade social, hoje uma parcela grande de sociólogos que, no passado eram críticos, tornaram-se hoje intrépidos agentes da integração à todo custo no mercado internacional. A sociologia como pensamento crítico para a construção de uma sociedade utópica perdeu o seu vigor e se tornou “realista”. Essa tendência já era observada por alguns sociólogos estudiosos da sociologia latino-americana. Morande 10 , nos mostra, por exemplo, que apesar das divergências que se observam nas obras produzidas sob perspectivas ideológicas e políticas distintas, em todas elas havia uma valorização positiva da modernidade (o grifo é nosso), por desejável ou inevitável, e a percepção de que era necessário realizar ações modernizadoras no conjunto da vida social e institucional de uma forma racional e planejada. Nesse sentido, poderíamos dizer, que a sociologia entre nós é filha do anseio pela modernidade e sua razão de ser.11 Hoje uma parcela considerável dos teóricos da sociologia, principalmente os mais críticos, questionam com bastante veemência os paradigmas nas quais se assentaram as ciências sociais até agora. Um desses paradigmas é extamente a concepção de desenvolvimento. Emerge uma consciência cada vez mais forte que esse desenvolvimento está associado com a degradação do meio ambiente e que é necessário, para conter essa degradação, mudar o atual modelo de desenvolvimento econômico. Na sociedade há uma acalorada discussão puxada por ecologistas, pacifistas, organizações não governamentais, governos etc no qual sociólogo junto com ambientalistas, cidadãos comuns, e outros MORANDE, P. La crises del paradigma modernizante de la sociologia latino-americana. Revista de Estudios Sociales, Santiago, n.33, 1982, p.117. 11 “A sociologia deu seus primeiros passos rumo à sua consolidação e institucionalização na mesma época em que se colocava em discussão a problemática do desenvolvimento. Nos anos de 1940 e 1950, quando a ideologia desenvolvimentista empolgou boa parte da intelectualidade latino-americana e conquistou a adesão das forças sociais heterogêneas ao projeto de consolidação do capitalismo urbano-industrial, lançaram-se as bases institucionais da produção sociológica latino-americana. A criação do CEPAL, no Chile, em 1948, é um exemplo da preocupação de alguns governos – em particular o Chile, autor da proposta e do Brasil – com os obstáculos que entravavam o desenvolvimento, ou seja, com o trânsito de sociedade “tradicionais”para sociedades “modernas”. Coube a ela um papel de destaque no desencadeamento do processo de emancipação do pensamento latino-americano em relação aos centros de produção científica situado nos países desenvolvidos. Também com esse objetivo fundaram-se, no decorrer dos anos de 1950, a Faculdade latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), o instituto Latino Americano de Planificação Econômica e Social, ambos no Chile, e o Centro Latino Americano de Pesquisas Sociais, sediado no Rio de Janeiro, bem como os cursos de Sociologia em várias universidades do continente.”(Ver SOARES, Maria Susana Arrosa. Sociologia Modernizante na América Latina. Revista Perspectiva, Fundação Seade vol.5 n. 1 ) 10 Vol.1 Nº.5 p.65-72 out./dez. 2002 69 Benedito José de Carvalho Filho atores sociais são obrigados a repensar as velhas noções de progresso e o próprio sentido das relações sociais. A discussão sob a Bio-Diversidade está exigindo um novo tipo de regulação social. Há uma consciência cada vez maior de que o planeta é um patrimônio universal e que, se continuarmos com os desmatamentos, a poluição, usando tecnologias sem critérios racionais, acabaremos sucumbindo nas nossas promessas faustianas. A sociologia vive em uma fase de transição paradigmática. Uma transição que está exigindo mudanças radicais de perspectivas, principalmente porque, até agora, vem alicerçando seus pressupostos na tentativa de compreender e estudar sociedades nacionais, como no século XIX, quando a sociologia surgiu, enquanto o mundo contemporâneo, quase no limiar de um novo século, está exigindo respostas absolutamente novas para enfrentar novos desafios. Um desses fenômenos é a globalização, com todas as suas implicações econômicas, políticas e culturais. Imagens otimistas e catastróficas associa-se a seu nome e perplexa e assustada a sociologia sente os efeitos da explosão da modernidade que ela ajudou a criar. No momento em que a versão neoliberal, reforçado pelo colapso do socialismo real tornou-se hegemônico esfarelou-se as utopias. A sociologia, como não poderia deixar de ocorrer, entra em crise. Acabaram-se as tarefas da sociologia? Cabe à sociologia o papel que sempre teve diante da realidade social. Um desses papéis, ressaltado pelo professor Boaventura 12 quando esteve em Fortaleza, é exercitar “no meio de tantas evidências e certezas” a “hermenêutica da suspeição”, o que não significa se colocar em posição defensiva, recorrendo aos velhos referenciais, mas buscar novos tipos de explicações para fenômenos sociais absolutamente novos que estamos presenciamos. Há uma gama de questões abertas para a pesquisa sociológica na atualidade. Temáticas voltadas para o significado do trabalho na sociedade contemporânea, o impacto das novas tecnologias, as novas formas de sociabilidade e identidades culturais, os conflitos interétnicos, religiosos, problemas relacionados ao ecossistema etc. são algumas questões que estão na ordem do dia exigindo o desenvolvimento de competências bastante diferentes do passado.13 Um outro campo bastante rico e amplo que está exigindo criatividade e análise científica da sociologia relacionam-se aos problemas locais na sua articulação com os mais globais. Como nos mostrou Boaventura a globalização é sempre parte dos localismos, hoje dinamizados pelas amplas possibilidades que a mídia e a informática abriram. As culturais locais ganham dimensões planetárias quando são capazes de desenvolver competências regionais, nacionais. Esse é o sentido da globalização que, aparentemente, homogeneiza tudo, quando, na verdade, abre possibilidade das singularidades se manifestarem. Hoje, por exemplo, com a movimentação de pessoas circulando pela terra, como o turismo, o que é singular, exótico, regional ganha uma dimensão inimaginável no mundo contemporâneo. Ver Globalização, Identidades locais e Pós-Modernidade contestatória: desafios da sociologia no final do século. transcrição da conferência do professor Boaventura de Souza Santos proferida a Universidade Federal do Ceará em setembro de 1995. Transcrição feita por Benedito Carvalho Filho, sem revisão do autor. 13 “O sociólogo é muito dominado por uma hermenêutica de suspeição – como dizia Paul Ricoeur. Isto é, nós temos que desconfiar das evidências, das obras fechadas como diz Durkheim e, mais tarde, Bourdieu. Vamos então tentar analisar com mais cuidado isso que se chama hoje de globalização. E isso tem muito a ver com questões estruturais, como os movimentos sociais, o Estado, as políticas sociais, a cultura. Tudo isso, de alguma maneira, está envolvido no processo de globalização.” (Boaventura de Souza Santos, op. cit.). Diz o professor na sua conferência que o sociólogo na época contemporânea tem que ser capaz de trabalhar com outros profissionais e estudar coisas que ele jamais pensou estudar, como ecologia, direito internacional etc. 12 70 Anima Tradição, Modernidade e Impasse da Sociologia no Mundo Contemporâneo: Algumas Anatoções para o Debate Daí a importância das culturas locais, do resgate das tradições, da língua, da história do lugar onde se vive e trabalha. O sociólogo, o antropólogo e outros cientistas sociais têm uma imensa tarefa pela frente. Trata-se de mergulhar no seu vernáculo, conforme a expressão de Boaventura, para se tornar universal. Nunca foi tão claro para a sociologia – como foi para a literatura – que não há possibilidade da universalização sem o desenvolvimentos dessas competências locais, o que não significa de forma alguma isolamento social e cultural, nem um nacionalismo xenófobo e estreito. São sociedades que, apesar de viverem em tempos de desenvolvimento diferentes, convivem com as singularidades, as diferenças, os conflitos etc. Hoje, por exemplo, não dá para o cientista social compreender a Amazônia sem relacioná-la com o que ela significa para o mundo em termos de ecossistema, assim como não é possível entendê-la, também, se não a conhecemos na sua especificidade, com suas riquezas biológicas, minerais e sociais Compreender o local na sua articulação com o global, e vice-versa, é um desafio para as ciências sociais contemporâneas, o que certamente exigirá mudanças radicais na formação do futuro cientista social. A interdisciplinariedade, o conhecimento da política internacional, uma visão menos etnocêntrica e mais voltada para compreensão da heterogeneidade política, econômica e cultural passará, certamente, fazer parte do perfil do futuro cientista social. Numa sociedade em que a modernidade não se concretizou, temos tarefas modernas para realizar. Talvez por isso as promessas desenvolvimentistas da sociologia latino-americana nestas quatro décadas, ainda têm seu apelo, mesmo que desprovida de seus aspectos revolucionários e utópicos (a “utopia desarmada”, do qual se referia o escritor mexicano). Mas, em “uma sociedade que vem se modificando muito rapidamente, tornando-se cada vez mais heterogênea, diferenciada, com novas clivagens surgindo e cruzando transversalmente a estrutura de classe, desfazendo identidades tradicionais, criando outras tantas e gerando uma pluralidade de interesses e demandas nem sempre convergentes”, 14 é tarefa, também, a sociologia “desafiar a imaginação política” e “tornar comensurável a heterogeneidade inscrita na vida social,” “criando novos direitos e inventando e reinventando novas sociabilidades”. Esperamos ter contribuindo com essas reflexões para o debate cada vez mais necessário nas ciências sociais, o que só poderá ocorrer se sairmos de nossos nichos e da letargia que nos assola no fim desta era dos extremos, segundo a expressão utilizada por Erich Hobsbaw 15 para caracterizar esse confuso século quase agonizante. A sociologia há de renascer das cinzas. Ou não ...Se renascer certamente não será matizada pelos velhos paradigmas que marcaram o seu surgimento no alvorecer na modernidade, já um capítulo da velha tradição sociológica. Ver TELLES, Vera. Pobreza, Movimentos Sociais e Cultura Política: notas sobre as (difíceis) relações entre Pobreza, Direitos e Democracia. In: DINIZ, Eli et al. O Brasil no Rastro da Crise. Editora Hucitec e ANPOCS/ IPEA, São Paulo: 1994 15 HOBSBAW, Erich. A Era dos Extremos. São Paulo: Editora Cia das Letras, 1995. 14 Vol.1 Nº.5 p.65-72 out./dez. 2002 71 ZQWSXCDERFVBGTYHNMU JKL IOWSXBGTYHNMU JVFRP A Violência e suas Figurações Ricardo Henrique Arruda de Paula RESUMO: Este artigo procura refletir o fenômeno ABSTRACT: This article tries to reflect the da violência na sociedade contemporânea, num violence phenomenon on the contemporary esforço de compreendê-la, dialogando critica- society, in an effort to understand it, relating mente com as diversas interpretações teóricas. critically its various teorics interpretations. Palavras-chave: Violência; Conflito; Direito. Key-words: Violence; Conflict; Law. 1. INTRODUÇÃO A maior visibilidade que a violência adquiriu na atualidade tem levantado constantemente estudos e questionamentos nas mais diversas áreas epistemológicas sobre a violência como um elemento estruturante da vida social e, em contrapartida, dado enfoque a avaliação do desempenho da Justiça e da atuação dos aparelhos de segurança pública (as polícias) na garantia mínima de prevenção e resolução de conflitos. No esforço de compreender o fenômeno da violência, cria-se uma série de explicações que remontam a diferentes dimensões da realidade. Inicialmente, fala-se que, por trás do problema da violência, está o agravamento da questão social em suas múltiplas expressões: desigualdade social, marginalidade e exclusão social. A associação da pobreza ao crime proporcionou a criação de estereótipos negativos (tipos ideais) no imaginário social e facilitou a simplificação e falsificação cognitiva da percepção social do problema. Fala-se, também, que o cerne da violência está aliado a ineficácia instrumental e simbólica do Estado. Esta idéia dialoga com a tese de Hannah Arendt de que “a impotência gera violência”, (1994). Para Arendt, o poder, enquanto essência de todo governo se auto-justifica enquanto potência legítima e legitimadora. Ao contrário, a violência não pode ser confundida com o poder. Ela tem “natureza instrumental” e, por conseguinte, ela “depende de orientação e da justificação pelo fim que almeja. E aquilo que necessita de justificação por outra coisa não pode ser a essência de nada”, (1994). Poder e violência, pois são categorias distintas que não se unem. Nesse sentido, o Estado impotente, ineficaz e ineficiente representaria ao imaginário coletivo a ilegitimidade para administrar os ajustamentos violentos interpessoais. Estes conflitos interpartes passariam a eleger, através de seus impulsionadores, um campo sub-estatal na resolução de seus conflitos, renunciando, portanto, às regras universais e impessoais e se associando, dessa forma a esferas personalizadas ou pessoais de solução de conflitos. Em outras palavras, a supremacia da violência Doutorando em Sociologia; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Especialista em direito Penal 73 Ricardo Henrique Arruda de PPaula aula sobre o poder geraria o descrédito no Estado por parte de muitos cidadãos e, por conseguinte, os conflitos existentes passariam a ser solucionados através da utilização da violência. Na cultura jurídica e ou jornalística, geralmente e por uma certa dose de precipitação, a própria palavra violência já incorpora o seu resultado: uma condenação. Ou seja, a idéia de um ato disfuncional, que deve ser punido ou reconduzido à funcionalidade. A percepção da violência, por conseguinte, passa pela intermediação representativa do chamado “homem médio”. Por meio dessa simbologia, geram-se várias visões dicotômicas sobre a violência: legal/ilegal; dentro-da-lei/fora-da-lei; bom/mal etc. Neste complexo panorama, delineia-se a compreensão do problema, também, através de explicações de caráter, por vezes, psicológico vinculado a fatores de comportamento, de socialização, fatores emocionais, enfatizando o não ajustamento do indivíduo dentro do sistema social. Concomitantemente, a frustração pessoal seria demonstrada através da violência e ação violenta seria um meio de reafirmar a subjetividade do indivíduo frente à coletividade. Buscam-se, por fim, fatores históricos ou culturais, realçando valores, padrões, especificidades como sendo relevantes nas relações sociais de determinadas regiões. Nesse sentido, ser de algumas áreas sociais em que o número de conflitos tem grande intensidade, significa a assimilação de uma padronização negativa que traz consigo uma série de representações que estão ligadas à violência. No campo das representações que dimensionam o senso comum, o significado da violência no processo da vida social tem sido subestimado ou até mesmo negado. Essa atitude se forma, principalmente, na disseminação da violência na zona metropolitana, que desenvolve uma naturalização ou, conforme Georg Simmel, uma “atitude blasé”, (1979), frente à cotidianidade da violência. A “atitude blasé”, segundo Simmel, (1979), “consiste no embotamento do poder de discriminar”. A violência passaria a fazer parte de uma “ordem natural das coisas” e, inclusive, somada à sua midiatização, se transformaria de drama e problema em espetáculo diário com farta audiência. A banalização da violência, também é uma visão simplificadora dela que tão somente a vê através dos efeitos destruidores e negativos de um possível consenso social. Dito de outra forma, a violência é vista, comumente, como algo oposto à pacificação, ou inversa à “nomia” e, portanto, é sempre entendida através de juízos de valores (bom/mal; normal/anormal) que deformam a sua compreensão, (ELIAS, 2000). 2. O CONFLIT O CONFLITO A violência, apesar das múltiplas visões acima elencadas, exerce um papel destacado na constituição do tecido social, não podendo ser considerada, no âmbito da reflexão sociológica, como um fenômeno periférico. Ao contrário, deve ser vista como um elemento constitutivo do universo social. Por mais paradoxal que pareça para muitos, o conflito é uma forma de socialização. A sociedade se unifica, a princípio, através de associações de categorias dialéticas, por exemplo: harmonia/desarmonia e, por meio dessas dicotomias, forma um tertius gênero, que é a unidade (tricotomia) entre categorias diferentes. Dito de outra forma, a mescla produzida entre as relações conflituosas, apesar de parecer que somente promovem uma dissociação dentro do tecido social, na realidade – por meio da reciprocidade da luta entre as partes conflitantes – é promovente de uma das formas de socialização. 74 Anima A Violência e suas Figurações Em sociedades primitivas, segundo Simmel, (1979) a inimizade entre grupos rivais significava, em geral, a ruptura de relações e contatos entre povos rivais. O conflito havido entre os grupos rivais desse tipo de sociedade primeva, aparentemente, poderia ser classificado de modo negativo. No entanto, enquanto os grupos viviam em paz – argumenta Simmel – havia total indiferença entre eles e, somente através da guerra, da disputa, adquiriam reciprocidade ativa de comunicação interpartes. O conflito, a guerra, a violência, estabelece uma relação social de interdependência baseada no encontro de duas vontades humanas que, por sua vez, em uma perspectiva interacionista (embora que proceda de vontades opostas) é constitutiva de relações sociais. O conflito, por conseguinte, é um aspecto da vida em conjunto dos homens uns com os outros e, conforme dispôs Norbert Elias, a violência é constitutiva do próprio processo civilizatório, (1990). Nesse viés, segundo a análise que Frederico Neiburg faz da condição da violência em Elias, (2001): ... os valores da paz se impõem pela força; as guerras são meios para definir e redefinir fronteiras sociais; a consagração de certos aspectos em detrimento de outros como os verdadeiros traços do ‘caráter’ de uma nação (uma forma lingüística ou religiosa, por exemplo) se realiza não só por intermédio de formas ‘doces’ de violência (como as exercidas através do sistema escolar), mas também por meio de derramamento de sangue. De fato, Elias adverte que, longe de ‘normais’, os estados de paz são temporários e frágeis. As guerras justas que se presencia através da história, são outro argumento de que a paz dos espaços sociais legitima o uso da força física. Os valores sociais que embasam o uso da violência estão sujeitos a temporalidade e espacialidade social. Portanto, são relativos. O que é legítimo ou justo em um momento ou em determinada cultura, poderá não ser em outro nem em outra circunstância. Nesse sentido, pode-se entrecruzar, mutatis mutandis, o entendimento acima com as palavras de Thomas Hobbes, (1991): “But the first and fundamental law of nature is, that peace is to be sought after, where it may be found; and where not, there to provide ourselves for helps of war”. 3. VIOLÊNCIA LEGÍTIMA Tanto Max Weber, (1999) quanto Norbert Elias, (1990) são concordes quanto ao aspecto de que a violência não é o único instrumento de que se vale o Estado, mas é o seu instrumento específico. Dito de outra forma cabe (somente) ao Estado o monopólio estável do uso legítimo da violência física. Somente ele pode fazer uso da violência, através de seus mecanismos de repressão, enfrentamento e controle dos conflitos (as polícias) ou tolerar a sua utilização no tecido social (previsão legal). O controle do monopólio da força, segundo Elias, (1997b), ao longo dos anos serviu a “pequenos grupos estabelecidos como decisiva fonte de poder para garantir seus próprios interesses”. No entanto, apesar desse aspecto negativo, esse controle tem auxiliado a pacificação interna de maiores unidades sociais por espaços temporais mais duradouros. Por conseguinte, a reivindicação da necessidade de manter o monopólio da violência está ligada, estruturalmente a dois aspectos. 1) a uma mudança civilizadora do comportamento; 2) a criação de espaços sociais pacificados, (Elias, 1990). Vol.1 Nº.5 p.73-81 out./dez. 2002 75 Ricardo Henrique Arruda de PPaula aula O primeiro eixo estrutural corresponde subjetivamente ao que Elias, (1990) chama de “modelação da economia das pulsões”. Ou seja, a existência material e simbólica da monopolização do uso legítimo da força física pelo Estado, significa e requer a interiorização das coações sociais nas consciências individuais. O controle da espontaneidade das emoções individuais – controle externo e autocontrole, portanto, conforme Elias, (1990) – é responsável pela abdicação progressiva da violência pessoal, ou personalizada (olho-por-olho, dente-por-dente, etc). A violência, através dessa maneira, se despersonaliza, ela sai da dependência direta das pulsões e afetos pessoais e se submete a leis e regras universais. A mudança psicológica ocorrida por conexão ao processo de monopolização resulta na regularidade das configurações sociais em todas as dimensões sociais e a simbolização de segurança dentro do tecido social. O segundo eixo estrutural – que já foi mencionado logo acima – implica na pacificação duradoura de espaços sociais. Os códigos de conduta civilizados (antagônicos a antigos códigos de conduta que pregam a violência) produzem a repressão do habitus violento e, por outro lado, estabilizam a cotidianidade e prática do habitus jurídico, (Pierre Bourdieu, 2000). A agressividade individual dá, analiticamente, lugar ao controle estatal sobre as tensões e, pari passu, ao desenvolvimento de resolução de conflitos via instituições do Estado (Judiciário e Polícias). A violência considerada legítima é produto de uma sociedade onde a violência é centralizada pelo Estado e, portanto é, mutatis mutandis, uma permissão legal a grupos específicos (as polícias e forças armadas), que lidam com tensões controladas e tensões não controladas a utilizar mecanismos de coerção estatal a fim de promover e preservar o processo civilizador, conforme se pode verificar nas palavras de Elias, (1997a): ... o exercício da violência é reservado a membros de formações sociais de caráter especial, como a Polícia, por exemplo, estando estes autorizados a fazer uso dela segundo regras estabelecidas e para determinados fins – em particular, para impedir ações violentas por parte de outros homens no seio da sociedade em causa. A “morte violenta”1 , em sociedades em que existem instituições eficientes altamente especializadas no monopólio da violência física, é algo excepcional e ou criminoso. Criminoso enquanto não legitimada normativamente pelo Estado. Por exemplo, a morte que fora provocado sem a cobertura legal e legítima da lei e que resulta, portanto, em uma ação criminosa. Excepcional quando efetivada pelo Estado no intuito de estabilização de tensões sociais ou sob o pálio do corpo jurídico estatal. Por exemplo, a legítima defesa. A violência ilegítima (e ou ilegal) é aquela que não está comprometida com a pacificação das condutas nem na pacificação de áreas sociais. O mecanismo que move a violência ilegítima é a predominância de ações voltadas exclusivamente para a vontade pessoal de quem a pratica (um forte sentimento do “eu”) e, por outro lado, do enfraquecimento da vontade dos demais indivíduos (sentimento do “nós”), potencial e simbolicamente institucionalizada pelo Estado de direito. A distinção entre “morte violenta” e “morte natural” é, segundo Elias, (2001), uma significação médica advinda com o progresso na ciência médica e me medidas práticas para elevar o padrão de higiene. 1 76 Anima A Violência e suas Figurações Portanto, contrapõem-se violência legítima e habitus jurídico a violência ilegítima e habitus violento. O percurso do processo civilizador inclui a passagem da violência do “eu”, para, excepcionalmente, a violência praticada e tolerada pelo “nós”. Dito de outra forma, a violência aceita é a empreendida pelos mecanismos de segurança institucionalizados pelo Estado. A violência não aceita é a anticivilizadora, ou bárbara, que não passou pela legitimidade popular e nem se encontra abonada pela lei. Em uma perspectiva figuracional, se de um lado a violência (ilegítima) causa o perigo, o medo e a instabilidade social, por outro a violência (legítima), via de regra, deverá promover o controle social e a dominação das emoções intensas (capacidade de dominar as emoções) atenuando a omnipresença do perigo e do medo em prol da confiança nos mecanismos estatais de controle da violência. 4. A FIGURAÇÃO DO DUPL O VÍNCUL O DUPLO VÍNCULO A dinâmica de uma relação de conflito requer do Estado2 e, também, da sociedade, segundo Elias, o convívio com a previsibilidade e ou imprevisibilidade de regras comuns entre opositores. Os controles sociais básicos de previsão são dois: 1) o grau de controle que exerce sobre as conexões inter-humanas (nexos sociais) e 2) o grau de autocontrole que cada uno de seus membros tenham assimilado. A previsibilidade é proporcional a capacidade em controlar as conexões inter-humanas no tecido social. Quanto mais estas conexões estejam sujeitas a controle, maior será a previsibilidade e, portanto, maior será o equilíbrio e o afastamento dos excessos através da inserção no código de conduta. A imprevisibilidade de regras de conduta comuns (modelos de jogo e formas de jogo) entre indivíduos conflitantes, redefine o desempenho mútuo exercido no tecido social no exercício da violência. Este desempenho passa a ser exercido não mais pela afinidade de normas universais, mas pela coerção mútua interpartes, como estrutura de interdependência. As regras, neste caso, não são claras e cumprem a parâmetros que não são pré-estabelecidos. A busca pelo domínio do poder, por conseguinte, estabelece um processo de recorrência do uso da violência como uma disputa travada interpartes pela supremacia de posições. O aumento do potencial de destruição de ambos os lados, é objetivado pela reciprocidade de medo e ameaça física que as partes conflitantes infundem uma a outra. Os adversários se colocam, antagonicamente, ligado um ao outro através da “indissolúvel interdependência da ameaça recíproca e de seus pensamentos condicionados pelo medo que ditam, em última instância, às ações e decisões de ambos”, (Elias, 1997a), produzindo um movimento circular inquebrantável onde o favorecimento é à perpetuação de um nível de perigo, medo e da incapacidade de controle das emoções. A este processo vinculatório, denominou Elias, (1970/1997a) de “figuração de duplo vínculo” (doublebind). A teoria elisiana das figurações é equivalente ao que se designar por estrutura ou padrão que seres humanos interdependentes, enquanto grupos ou indivíduos, formam em conjunto (sociedade). Nos referimos a relação intra-estatal e interestatal. No caso de uma relação interestatal, com mais propriedade, uma guerra, regras em comum vinculam e, ao mesmo tempo, tornam de certa forma previsível algumas ações de ambas as partes contendoras. 2 Vol.1 Nº.5 p.73-81 out./dez. 2002 77 Ricardo Henrique Arruda de PPaula aula Fundamental para o processo de duplo vínculo é, segundo Elias, (1997a): ... o cunho arcaico de uma figuração composta por grupos humanos que são interdependentes, pois cada um deles, sem reservas e sem proteção, sem a possibilidade de apelar a um poder superior ou a um cânone de autocontenção e de comportamento civilizado, está à mercê do exercício da violência, possível a todo o momento, por parte do outro grupo ou dos outros grupos. Os processo de duplo vínculo ocorrem, inclusive, no âmbito das relações entre grupos humanos organizados presentes em Estados centralizados e que agem em competições recíprocas, eliminatórias ou lutas pela hegemonia. Os grupos se comportam com insegurança entre si e, diante da ameaça de violência física, as leis que conduzem o imaginário de cada indivíduo são as do medo e do perigo iminente da violência como uma conseqüência na resolução de conflitos. Conforme Elias, (1997a): “Atos de vontade, intenções e decisões dos representantes de ambos os lados mantêm o processo de double bind em movimento”. Nesse tipo de vinculação, as pulsões, afetos e emoções intensos exercem sobre os indivíduos uma forte pressão diretiva no agir. O predomínio da “lógica das emoções” denuncia o ciclo vicioso de desmonopolização da violência física pelo Estado e, concomitante, da condução ao processo “descivilizador”, ou de barbárie, de acordo com Elias. Na figuração de duplo vínculo, portanto, o nível de perigo e de medo recíproco entre grupos existentes no tecido social mantém-se igualmente elevados, o grau de envolvimento emocional entre os grupos elevam-se e, conseqüentemente, torna-se diminuta a capacidade de controlar eficazmente a violência. O estado de insegurança é constante. O Estado procura, por sua vez, ser restituído ao controle do monopólio e, em conseqüência, busca pacificar duradouramente espaços sociais conflituosos, e faz isso através de suas polícias, ou por meio de seu corpo jurídico-legislativo. O duplo vínculo funciona aqui da seguinte forma, a cada ataque de grupos à mercê do monopólio estatal, este responde com seu aparelho repressor e pedagógico. A interdependência funcional dos movimentos em ambos os lados é proporcional ao movimento da dinâmica da violência das partes envolvidas. Ou seja, a violência vincula mutuamente quem a promove com quem a combate, quem a efetua, com o medo e o ódio de quem a sofre. 5. A VIOLÊNCIA E O VIOLENT O VIOLENTO Para Simmel (1979), o conflito (luta) pode ser motivado por dois parâmetros: 1) terminus ad quem, a violência como meio para alcançar um fim (compensação econômica, por exemplo) e 2) terminus a quo, a violência como um fim em si mesma. Em ambos – caráter objetivo e subjetivo – a violência adquire uma conotação pessoal e subestima o poder oficial controlador da violência e julgador dos conflitos. A violência empreendida como regra de exceção pelo Estado de Direito, inclusive a autorizada pelo corpo de normas jurídicas, é a expressão da opinião grupal, aquilo que Elias, (2000) denominou de a “pressão do nós” [we-group], sobre cada indivíduo. 78 Anima A Violência e suas Figurações Esse tipo de configuração quando interiorizada por cada indivíduo, os remete à convivência entre si através de um certo parâmetro de homogeneidade na conduta. O Estado atua como controlador e, o indivíduo como sujeito autocontrolado. Contudo, em caso de desmonopolização da violência, onde a visão grupal cede seu status em detrimento do sentimento do “eu”, então a primazia da violência passa a ser uma figuração do homo clausus violento. A violência pode ser perpetrada, nesse caso, como meio para alcançar um fim ou como um fim em si mesma, conforme Simmel, (1979), contanto que satisfaça ao impulso personalístico da pessoa que a pratica, mesmo que seja em prejuízo à vontade do grupo. O exercício da violência, portanto, para o homo clausus violento, deixa de ser uma prerrogativa do Estado, em que se exige uma certa racionalidade em sua aplicação e controle, e passa a ser efetiva da antiga lei do mais forte, do mais equipado com os melhores instrumentos de violência. A diferença, pois, entre a violência lato senso, empregada pelo Estado como forma de exceção e o ato violento que carrega consigo unicamente a vontade de seu patrocinador, é a relação entre violência e previsão legal, violência e controle estatal e, por fim, violência e autocontrole das pulsões no âmbito social. Essa estrutura nos remete além da não-violência, mas à moldagem específica de indivíduos em grupos e, por conseguinte, no monopólio da violência pelo Estado de direito. 6. BANDIDOS E HERÓIS A representação da ambigüidade nitidamente polarizada entre os que praticam a violência legítima (polícias e forças armadas) e os que a fazem ilegitimamente (bandidos), nem sempre reflete no imaginário social. As versões oficiosas geradas no tecido social se tornam bem mais forte do que as versões oficiais. O mito do bandido-herói (ZALUAR, 1994), de arma em punho e impondo a sua vontade – oposta à vontade do estatal – é, muitas vezes, benquista por grupos de pessoas. A sedutora teia estrutural que envolve o percurso do bandido-herói (dinheiro, sexo, coragem, por exemplo) é um forte símbolo de poder. A violência ilegítima, neste caso, passa a ser o meio através do qual a subjetividade, pulsões e desejos individuais brotam, adquirindo nuanças de revolta e oposição ao establishment. O bandido se torna herói para um grupo na medida em que a violência empregada por ele é o anseio de justiça daquele grupo e, também, na medida em que o Estado deixa de exercer seu papel de monopolista da violência. A vingança traz consigo uma gama de sentimentos de revolta que não foram abrandados, dirimidos e nem recompensados pela máquina estatal. Por outro lado, os símbolos de poder que envolve a violência ilegítima praticada pelo bandido-herói, inverte as categorias sociais que devem predominar quando sob a égide da violência legítima. A ética do trabalho, naquele caso, é associada à escravidão (Zaluar, 1994), a justiça oficial é desprezada e, em contrapartida subvertida pela “justiça” oficiosa e, portanto, a violência ilegítima deixa de ser negativa, atribuindo, dessa feita, a sua imagem negativa à violência praticada legitimamente, como, também a todos os mecanismos instituídos pelo Estado de direito. Vol.1 Nº.5 p.73-81 out./dez. 2002 79 Ricardo Henrique Arruda de PPaula aula A subversão de bandidos em heróis pode ser compreendida a partir da constituição diária no tecido social de um certo “ethos guerreiro” (Elias, 1997b), ou habitus violento. Essas figurações apontam para a violência e para o violento, ou como um bandido-herói, aquele que salvaguarda os interesses reprimidos de seu grupo (vingador, por exemplo), ou do simples bandido, aquele que age por meio das regras pessoais (personalismo) em detrimento das regras gerais (universais) advogadas, estas últimas, pelo Estado de direito. A resolução dos conflitos via esfera oficial, nesse caso, portanto, é superada, robustecendo a própria violência individual como forma de resolução de conflitos interpartes. 7. CONCLUSÃO O mito da sociedade harmoniosa, onde a violência é algo estranho ao tecido social, faz parte de uma das representações humanas. Contudo, conforme este artigo teve a pretensão de demonstrar, o percurso entre o mito e o tecido social é amplamente contraditório. A violência é constitutiva do processo civilizatório e não poderia estar dele ausente. A tensão de forças opostas trabalham cognitivamente na estruturação do tecido social. A violência, através de suas diversas faces, não é algo estranho a esse tecido. Dessa forma, por exemplo, a “violência doce”, (Bourdieu, 1980), um dos primeiros recursos pedagógicos utilizado como meio condutor legítimo da educação infantil, é uma das faces da violência, ou seu entorno no processo de conduta social. Também a dinâmica atração e repulsão entre grupos opostos (a figuração elisiana de duplo vínculo) viabilizam, conforme foi demonstrado, a interdependência entre eles, criando um processo dialogal entre grupos opostos que se enfrentam: de um lado a violência legítima e de outro a ilegítima. Portanto, a fantasmagórica visão do habitus social instituída em um possível consenso harmônico coletivo, não compreende o mundo tal como ele é, mas, por outro lado, coloca os desejos humanos – a consciência lúdica do real – como peça fundante para a sua compreensão. A versão passa a ser a ótica da realidade. Por fim, faz-se imperativo na presente contribuição, que o controle da violência pelos homens (tal qual o é o controle das forças da natureza), deverá ser motivo processual da constituição da conduta de cada um. A observação da violência e o seu controle não a destroem, mas, por outro lado, a desmistifica, retira-a da categoria de um processo social estranho ao tecido social e, portanto, auxilia na sua compreensão (e de suas versões) bem como de seu entorno. A luta, pois, é sociológica e, concomitante, jurídica na compreensão e aperfeiçoamento do controle da violência pelo Estado, como traço principal no desenvolvimento do Estado de direito e, por conseguinte, da fortificação de uma paz duradoura intra-Estado e inter-Estados. 80 Anima A Violência e suas Figurações REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: HOBBES, Thomas. Man and citizen. United States of Relume Dumará, 1994. America, Hackett Publishing Company, 1991. BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado. MISSE, Michel. Crime e pobreza: velhos enfoques, novos In Perspectiva, volume 13/nº4, São Paulo, 136-143. problemas. Disponível: http://www.ifcs.ufrj.br/ ~misse/, 1995. BOURDIEU, Pierre. 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Quadros, mapas, tabelas etc. em arquivo separado, com indicações, ao longo do texto, dos locais em que devem ser incluídos; A menção a autores no correr do texto seguem a seguinte forma: (Autor, data) ou (Autor, data, página), como nos exemplos ( Fernandes, 1970), ou (Jaguaribe, 1980, p. 35). Se houver mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, eles são diferenciados por uma letra após a data (Adorno, 1975), (Adorno, 1975b) etc. Colocar como notas de rodapé apenas informações complementares e de natureza substantiva, sem ultrapassar 3 linhas. A bibliografia entra no final do artigo, em ordem alfabética. Critérios bibliográficos Livros: sobrenome do autor (em caixa alta)/ Vírgula/ seguido do nome ( caixa alta e baixa)/Ponto e Vírgula/Título da obra em itálico/ponto/ número da edição, se não for a primeira/Vírgula/ local da publicação/Vírgula/ nome da editora/Ponto. Exemplo: DRUMONT, Roberto. (1986), Ecodesenvolvimento, crescer sem destruir. Tradução de Eneida Araújo. 2 edição. São Paulo, Vértice. Artigos: Sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como no item anterior)/ “titulo do artigo entre aspas”/Ponto/nome do periódico em itálico/Vírgula/ Volume do periódico/Vírgula/ Número da Edição/ Dois pontos/ numeração das páginas/ Ponto. Exemplo: REIS, Elisa.(1982), “Elites Agrárias, State-building e Autoritarismo” Dados, 25, 3: 275-296. Coletâneas: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como nos itens anteriores)/ “título do capítulo entre aspas”/Vírgula/ in ( em itálico)/iniciais do nome seguida do sobrenome do(s) organizador(es)/ Vírgula/ títuloda coletânea em itálico/ Vírgula/ local da publicação/ Vírgula/ nome da editora/ Ponto. Exemplo: ABRANCHES, Sérgio Henrique. (1987), “Governo, empresa estatal e política siderúrgica: 1930-1975, in ºB. Lima e S. H. Abranches ( orgs), As Origens da Crise, São Paulo, IRUPEJ/ Vértice. Teses Acadêmicas: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como nos itens anteriores)/ Vírgula/ título da tese em itálico/ Ponto/ grau acadêmico a que se refere/ Vírgula/ instituição em que foi apresentada/ Vírgula/ tipo de reprodução (mimeo. Ou datilo)/Ponto/. Exemplo: SGUIZZARDI, Eunice Helena (1986), O Estruturalismo de Piaget: subsídios para a determinação de um lugar comum para a ciência e a arquitetura. Tese de mestrado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, datilo. O envio do artigo não significa necessariamente a sua publicação. Ele será submetido ao Conselho Consultivo da revista que analisará a sua qualidade científica e os aspectos técnicos da sua elaboração. Não serão publicados os artigos que não obedeceram aos critérios aqui estabelecidos. O envio espontâneo de qualquer colaboração implica automaticamente a cessão integral dos direitos autorais à ANIMA. A revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas.