Levantamento etnobotânico e etnofarmacológico de - IBB

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Levantamento etnobotânico e etnofarmacológico de plantas medicinais em
Indianópolis, Minas Gerais, Brasil
CALÁBRIA, L.1; CUBA, G.T.1; HWANG, S.M.1; MARRA, J.C.F.1; MENDONÇA, M.F.1; NASCIMENTO, R.C.1;
OLIVEIRA, M.R.1; PORTO, J.P.M.1; SANTOS, D.F.1; SILVA, B.L.1; SOARES, T.F.1; XAVIER, E.M.1; DAMASCENO,
A.A.2; MILANI, J.F.2; REZENDE, C.H.A.1; BARBOSA, A.A.A.2; CANABRAVA, H.A.N.3*
1
Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG, 38400-902. 2Instituto de
Biologia, UFU. 3Área de Ciências Fisiológicas, Instituto de Ciências Biomédicas, UFU. *[email protected]
RESUMO: O cerrado ocupa aproximadamente 25% do território nacional, constituindo um
importante objeto de pesquisas sobre plantas com usos terapêuticos. O objetivo deste trabalho
foi avaliar o conhecimento sobre plantas medicinais entre os moradores de Indianópolis-MG, que
se localiza nos domínios do bioma Cerrado. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e
aplicação de questionários estruturado e semi-estruturado, com posterior coleta das plantas
indicadas. Foram entrevistados 38 sujeitos, residentes nas zonas rural e urbana, com idade
média de 63 anos, sendo cerca de 79% do sexo feminino. Foram registradas 67 famílias e 173
espécies de plantas utilizadas isoladamente, predominando Cotyledon orbiculata e Chenopodium
ambrosioides. Dentre as espécies citadas, 94 foram mencionadas por mais de um entrevistado
e foram relatadas 36 misturas. As formas de preparo mais comuns foram decocção, expressão e
xarope, sendo folhas e raízes as partes mais utilizadas. O maior número de indicações foi feito
para as afecções respiratórias e digestórias, destacando-se gripe e diarréia, respectivamente.
Palavras-chave: plantas medicinais, etnobotânica, etnofarmacologia, cerrado
ABSTRACT: Ethnobotanical and ethnopharmacological survey of medicinal plants in
Indianopolis, Minas Gerais, Brazil. The cerrado occupies approximately 25% of national territory,
constituting an important object of research about plants with therapeutic use. This study aims at
the evaluation of the knowledge on medicinal plants among the inhabitants of Indianopolis-MG,
located in the domain of Cerrado. The data had been gathered through interviews and structured
and semi-structured questionnaires, with posterior collection of the indicated plants. Thirty-eight
citizens residing in urban and rural areas have been interviewed, with mean age of 63 years old,
being about 79% of them female interviewees. They had been registered 67 families and 173
species of plants, used separately, predominating Cotyledon orbiculata and Chenopodium
ambrosioides. Amongst the mentioned species, 94 had been referred by more than one interviewed
and 36 mixtures were reported. The commonest ways of preparation were decoction, squeeze
and syrup, being leaves and roots the parts that were most utilized. A larger number of indications
to respiratory and digestive affections were found, the flu and diarrhea being singled out, respectively.
Key words: medicinal plants, ethnobotany, ethnopharmacology, cerrado
INTRODUÇÃO
Inúmeras sociedades tradicionais ou nativas
possuem vasta farmacopéia natural, boa parte
proveniente de recursos vegetais encontrados em
ambientes nativos, cultivados e/ou antropicamente
alterados (Amorozo, 2002). A constatação de que a
base do conhecimento empírico acumulado por essas
populações, ao longo de séculos, pode ser
comprovada cientificamente incrementou o interesse
acadêmico a respeito do conhecimento que esses
indivíduos detêm sobre plantas e seus usos
Recebido para publicação em 13/11/2006
Aceito para publicação em 02/08/2007
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
50
(Farnsworth, 1988).
O uso de plantas medicinais, muitas delas
cultivadas no fundo do quintal, é uma prática baseada
no conhecimento popular e, quase sempre, transmitida
oralmente. Dessa forma, conhecer como as pessoas
utilizam os recursos naturais torna-se de grande valor
na construção do conhecimento científico. Tal relação
permite a combinação entre os saberes científico e
popular, o que gera o conhecimento e a assimilação
de técnicas de preparo, que poderão propiciar as bases
para um futuro planejamento posológico (Albuquerque
& Andrade, 2002).
Estudos etnofarmacológicos no Brasil
constituem um grande desafio, já que a variada flora
brasileira tem sido progressivamente destruída e a
medicina popular, uma rica mistura de conhecimentos
indígenas, europeus e africanos, baseados em plantas
medicinais tropicais, torna-se cada vez mais modificada
pela cultura moderna (Amorozo & Gely, 1988).
Nesse contexto, o Cerrado configura-se
como um importante objeto de pesquisas sobre
plantas com usos terapêuticos, considerando sua
representatividade, sua grande diversidade e a
crescente perda da sua vegetação original em ritmo
acelerado por forte pressão antrópica. Ele representa
cerca de 25% do território nacional, abrangendo 13
Estados e o Distrito Federal (Ratter et al., 2003).
Entretanto, estimativas indicam que restam apenas 20%
de área original em estado conservado e apenas 1% de
sua área protegida (Castro et al., 1999; Costa et al., 1998).
Devido à grande diversidade biológica contida
no Domínio do Cerrado, é interessante notar que cada
área situada neste espaço possui comunidades
humanas com uma forma própria de manejo desse
complexo mosaico de fitofisionomias (Ratter et al.,
2003). Portanto, cada estudo local se torna relevante,
devido às particularidades do objeto da pesquisa, isto
é, a variação da representatividade de cada espécie
para determinada comunidade.
Este trabalho teve como objetivo realizar um
levantamento de plantas medicinais no Município de
Indianópolis-MG, fazendo um resgate das práticas
terapêuticas, pesquisando as partes da planta
utilizadas, formas de preparo, dosagem, vias de
administração e indicações de uso. Além disso,
pretendeu-se caracterizar os entrevistados quanto ao
conhecimento sobre plantas medicinais (nativas ou
cultivadas), idade, sexo, estado civil, profissão e
formas de aprendizado.
MATERIAL E MÉTODO
Área de estudo
Esta pesquisa foi realizada no perímetro
urbano e rural de Indianópolis-MG. Localiza-se na
região nordeste do Triângulo Mineiro, a -19º de latitude
(sul) e -47,9º de longitude (oeste), a 595 km de Belo
Horizonte-MG, e abrange uma área de 834 km2,
segundo dados do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (BRASIL, 2005b).
O ponto central da cidade localiza-se a 800
m de altitude e a temperatura média anual é de 21,9ºC,
sendo a máxima de 29,1ºC e a mínima de 16,6ºC.
Seu índice médio pluviométrico anual é de 1589,4 mm3.
O Município situa-se na bacia do Rio Paranaíba e
tem o relevo típico de chapada, sendo 80% plano e
20% ondulado. Nesse conjunto, a vegetação
característica é o cerrado entrecortado por veredas,
com solos ácidos e pouco férteis. As atividades
econômicas principais são a agropecuária, a extração
vegetal e a pesca. Ainda hoje, sua população rural
corresponde a cerca de 40% dos mais de cinco mil
habitantes, o que representa uma proporção relevante
para os padrões de urbanização atuais, de acordo
com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento
Econômico (MINAS GERAIS, 2002). Este fato foi um
dos principais motivos para a sua escolha como
campo desta pesquisa.
A coleta dos dados foi feita em 2004, de abril
a dezembro, e ocorreu em cinco etapas, conforme
discriminado a seguir:
Primeira etapa: em reunião previamente
agendada com a Prefeitura local, foi apresentada a
intenção da pesquisa aos moradores do Município
para identificar a possível existência de curandeiros,
raizeiros, mateiros e afins, nas comunidades rural e
urbana.
Segunda etapa: os conhecedores da
utilização de plantas medicinais foram identificados
e cadastrados pessoalmente, por meio do
preenchimento de uma ficha, contendo os seguintes
dados: endereço, idade, sexo, estado civil e profissão.
Terceira etapa: os sujeitos cadastrados
foram contatados para verificar sua disponibilidade e
interesse em transmitir as informações sobre
utilização de plantas para fins medicinais. Os
entrevistados e um representante da Prefeitura
Municipal assinaram um termo de consentimento.
Quarta etapa: a cada sujeito, foram
aplicados um questionário semi-estruturado e outro
estruturado, baseados em Rodrigues & Carvalho
(2001b), a fim de identificar quais espécies de plantas
são conhecidas, sua forma de utilização (preparo,
dosagem e administração) e a finalidade do uso. As
entrevistas foram gravadas, com o consentimento dos
sujeitos, para facilitar a transcrição dos dados.
Quinta etapa: no mês de dezembro, foi feita
a coleta das plantas citadas, com o auxílio de cada
sujeito, em locais variados, incluindo ambientes
urbanos (quintal, praça, jardim) e nativos (campo,
cerrado, mata de galeria). Após a coleta, o material
botânico foi herborizado, identificado e incorporado
ao acervo do Herbarium Uberlandensis (HUFU) da
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
51
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O sistema
de classificação botânica adotado foi o de Cronquist
(1988).
RESULTADO E DISCUSSÃO
Foram entrevistados 38 moradores de
Indianópolis-MG, sendo 71,0% da zona urbana e
29,0% da zona rural. A maioria dos entrevistados
(78,1%) citou até trinta plantas medicinais, e o
restante (21,9%) referiu até 52. Dentre os que
mencionaram mais de trinta plantas medicinais, houve
maior proporção de sujeitos da zona rural (83,1%)
em relação à zona urbana (16,9%). Na literatura já
foram relatados casos de até 150 citações por
indivíduo (Ming & Amaral Junior, 2003).
A faixa etária mais freqüente entre os
entrevistados foi de 61-70 anos (26,3%), seguida pela
de 51-60 anos (23,7%). A idade média geral foi de 63
anos e intervalo de 43 a 85 anos. Em outros estudos,
a idade média encontrada tem sido inferior,
predominando a faixa de 46,2 anos no estudo de Ming
& Amaral Junior (2003) e de 56-72 anos no estudo de
Rodrigues & Carvalho (2001a).
Dos 38 entrevistados, 30 (78,9%) pertencem
ao sexo feminino e oito (21,1%), ao masculino, ao
contrário do registrado em outros estudos (Rodrigues
& Carvalho, 2001a; Ming & Amaral Junior, 2003).
Segundo esses autores, houve uma percepção e
conhecimentos diferentes em relação às plantas do
ambiente por parte dos dois sexos, igualmente ao
encontrado neste estudo. Os homens detinham maior
conhecimento de plantas nativas, uma vez que eram
eles que se dedicavam, majoritariamente, às
atividades em que era necessário contato mais
intenso com a vegetação autóctone, enquanto que
as mulheres possuíam melhores conhecimentos de
plantas cultivadas, que crescem próximas à casa,
no quintal, no roçado e na horta.
Das mulheres entrevistadas, 10,0% eram
trabalhadoras rurais, que mesmo moradoras da zona
urbana, prestavam serviços gerais no campo em
época de colheita, e as demais (90,0%) não exerciam
atividade remunerada, sugerindo que possuíam maior
disponibilidade para atividades como o cultivo de
plantas medicinais e seu preparo. Dos homens
entrevistados, 75,0% eram trabalhadores rurais e os
outros (25,0%) não exerciam atividade remunerada.
A maioria dos entrevistados (63,2%) encontrava-se
casada e ainda houve uma proporção relevante de
viúvos (as) (23,7%).
Em relação à autodenominação dos
entrevistados, foram identificadas as seguintes
categorias: benzedor ou benzedeira (13,2%), raizeira
(7,9%), conhecedora de plantas (2,6%) e cultivador
(2,6%). Prevaleceram, entretanto, aqueles que não
se autodenominaram (73,7%), apesar de serem
reconhecidos pela comunidade como “curandeiros,
raizeiros, mateiros e afins”.
A maior parte dos entrevistados (57,9%)
começou a observar e fazer uso de plantas medicinais
com até vinte anos de idade, tendo aprendido ainda
na infância, geralmente observando os pais. Tal
relação foi notada também por Ming & Amaral Junior
(2003), os quais referiram que este fato confirma a
tradição de transmissão de conhecimentos entre
gerações.
Com relação à forma com que os
manipuladores tomaram conhecimento dos valores e
usos das plantas medicinais, a transferência de pai
para filho foi a mais importante (73,7%), sendo citados
também avós (28,9%), bisavós (5,3%), vizinhos
(7,9%), tio (5,3%), sogra (5,3%) e amigos (5,3%).
Vale ressaltar, que um dos entrevistados relata ter
aprendido sozinho, como um “Dom dado por Deus”.
Similarmente, Ming & Amaral Junior (2003) relataram
que seus entrevistados aprenderam com os pais,
parentes, vizinhos ou indígenas, sendo a observação
direta das atividades dos progenitores a forma mais
freqüente de aprendizado. É importante salientar que,
na população estudada, três entrevistados (7,9%)
referiram ter aprendido por meio de livros ou curso,
um modo diferente do tradicional.
A maioria dos entrevistados (65,8%)
considerou transmitir os conhecimentos sobre plantas
medicinais a alguém, seja para filhos, vizinhos, amigos
ou quem os procura, e 34,2% afirmaram que não
transmitem esses conhecimentos a ninguém.
Grande parte dos entrevistados (89,5%)
declarou não receber remuneração com o uso de seus
conhecimentos fitoterápicos. Os demais (10,5%)
afirmaram serem remunerados pela garrafada, levando
em conta a dificuldade em se conseguir as raízes e o
custo do diluente (vinho). Aqueles que não cobram
pelo serviço prestado podem sofrer influência de
crenças populares, as quais estabelecem a
gratuidade para que os resultados positivos do
tratamento sejam obtidos, e provavelmente acreditam
que para exercer a cura é preciso ter dom ou força.
No total, foram identificadas 173 espécies,
utilizadas isoladamente para diversos fins medicinais,
pertencentes a 67 famílias botânicas, sendo que 94
espécies foram mencionadas por mais de um
entrevistado (Tabela 1).
As quatro famílias com maior número de
espécies mencionadas representaram quase 40% do
total (Figura 1). Segundo Brito & Brito (1993), a maior
parte dessas famílias também são as que apresentam
mais registros nos levantamentos de plantas
medicinais no Brasil. Nesses estudos, têm-se
comprovado atividades promissoras dessas plantas
e, assim, confirmado a validade do conhecimento
popular.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
52
TABELA 1. Espécies botânicas (e seus usos) referidas por mais de um entrevistado em Indianópolis-MG. 8 = material
vegetativo identificado por comparação no HUFU e incorporado ao seu acervo de plantas medicinais. Local de coleta:
AU = ambientes urbanos (quintal, praça, jardim); AN = ambientes nativos (campo, cerrado, mata de galeria). Origem:
PN = planta nativa; PE = planta exótica. DSTs = doenças sexualmente transmissíveis. Dosagem: AV = À vontade ou
várias vezes; x = vez(es); /d = por dia; cp = copo; xc = caneca, tigela ou xícara de chá; cs = colher de sopa; cl = colher
não especificada; xf = cálice ou xícara de café; gl = “gole”; cc = colher de chá ou “cabo de garfo”; cb = colher de
sobremesa; Ad = Adulto; Cç = Criança. * Contra-indicado na gravidez; ** Contra-indicado o uso de casca da raiz.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
53
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
54
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
55
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
56
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
57
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
58
Entre as plantas citadas, verificou-se que
diversos nomes vulgares foram designados para uma
mesma espécie e, ainda, que plantas de espécies
diferentes foram referidas pelo mesmo nome vulgar,
por vários entrevistados. Os nomes vulgares mais
citados foram erva-cidreira e artemísia com onze
citações, seguidos de arnica, arruda e erva de santa
maria (dez, cada); boldo, funcho e alecrim (nove, cada);
e hortelã, mentrasto e quebra-pedra (oito, cada).
Após identificação botânica, observou-se, em
geral, que o nome vulgar das espécies vegetais mais
referidas não correspondia às mesmas espécies,
exceto para aquelas muito utilizadas popularmente,
como arruda, arnica, hortelã e menstrasto. Assim,
as citações das espécies mais freqüentes, após
identificação botânica, foram, em ordem decrescente:
Cotyledon orbiculata (onze); Chenopodium
ambrosioides; Chamomilla recutita; Desmodium
adscendens e Vernonia condensata (dez, cada),
Ageratum conyzoides (nove); Sambucus australis (oito);
Ruta graveolens e Solidago chilensis (sete, cada).
Neste levantamento, foram registradas 81
espécies de origem exótica (46,8%), 80 nativa (46,2%)
e doze indefinidas ou cosmopolitas (6,9%), segundo
Sano & Almeida (1998) e Lorenzi & Matos (2002). De
acordo com Brandão et al. (2001), espécies nativas
de uso consagrado na tradição popular estão sendo
esquecidas, seja pela destruição dos seus habitats,
pela coleta predatória ou pela falta de interesse das
novas gerações. Conforme Ming & Amaral Junior
(2003), a utilização de plantas exóticas é resultante
do contato da população com culturas diferentes da
região, dos costumes trazidos pelos antecessores e
outros migrantes, do aprendizado com parentes e
vizinhos e do intercâmbio de plantas.
Algumas plantas identificadas como
medicinais eram cultivadas na horta ou no quintal da
casa dos entrevistados, outras eram obtidas no
campo, não sendo observado predomínio de um local
de coleta. Silva et al. (2006) comenta que, ao trazerem
mudas do campo para seus quintais, os manipuladores
de plantas colaboram para a propagação de espécies
de seu interesse, inclusive em habitats diferentes,
modificando o meio natural.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
59
Algumas plantas, citadas com os nomes
vulgares cravinho, fura-tacho, novalgina, panacéia e
pororoca-branca, também referidas para uso
medicinal, apesar de coletadas, não puderam ser
identificadas em razão da ausência de material fértil.
Vale destacar que foi relatado, algumas
vezes, uso de medicamento convencional associado
ao uso de plantas, denotando a influência da medicina
ocidental na cultura popular, o que também pode ser
observado na atribuição de nomes farmacêuticos a
plantas utilizadas ou cultivadas, tais como anador,
novalgina, melhoral e vick (Tabela 1).
Foram citadas, ainda, 36 misturas de plantas
medicinais (Tabela 2), contendo de duas a oito
espécies diferentes, sendo que a mistura de alecrim,
alevante, mentrasto e salsa foi a mais citada,
mencionada por quatro entrevistados.
Ming & Amaral Junior (2003) ressaltaram que
a associação de mais de uma espécie vegetal,
constituindo as misturas, é comum na terapêutica
de culturas diversas. Entretanto, revelaram que as
misturas devem se restringir a um número reduzido
de espécies, uma vez que podem trazer efeitos
inesperados, em virtude das interações de seus
constituintes químicos. Nesse sentido, Arnous et al.
(2005) destacam que a associação de ervas
medicinais deve ser administrada com critério e sob
orientação médica, pois apresentam muitas vezes
efeitos farmacológicos similares, podendo
potencializar suas ações. Visualiza-se aqui a
necessidade de atividade de extensão multidisciplinar
junto aos manipuladores e usuários de plantas,
visando esclarecer a utilização segura de plantas para
fins terapêuticos.
No uso de plantas isoladas, a parte vegetal
mais citada foi folha, seguida de raiz, ramo, flor, planta
inteira e outras, respectivamente. A coleta correta de
cada órgão da planta deve ser orientada de forma
que cause menor impacto sob o ponto de vista de
sustentabilidade, manejo e utilização de plantas do
cerrado (Paula, 2000). Do ponto de vista bioquímico
convém saber distinguir a parte do vegetal a ser
empregada, pois os princípios ativos distribuem-se
pelas diferentes partes da planta de forma distinta,
sendo possível encontrar substâncias letais em
algumas partes, conforme ressaltam Pinto et al.
(2000).
Nas misturas, foram utilizadas com maior
freqüência, em ordem decrescente: folha, raiz, fruto,
flor e casca do caule. As duas partes mais utilizadas
foram similares às de outro estudo (Amorozo, 2002).
É importante observar que diversas partes
da mesma planta podem ser utilizadas de vários
modos para a mesma afecção ou para afecções
diferentes. De acordo com os relatos, pode ser feita,
por exemplo, decocção da folha de Eugenia uniflora
(pitangueira) para tratar verminose ou a maceração
de sua raiz para tratar enterorragia e melena (Tabela
1). Ming & Amaral Junior (2003) ressaltaram que as
partes usadas pelos manipuladores de plantas
medicinais estão provavelmente ligadas à
compreensão da presença de substâncias ativas,
como o preparo de óleos essenciais com o cheiro
desagradável (mastruz) ou prazeroso (hortelã) ou o
preparo de emplasto com partes mais suculentas pela
presença de mucilagens.
No total, foram citadas 138 diferentes
indicações de uso das plantas referidas isoladamente
pelos entrevistados, sendo que as mais comuns
coincidem com as doenças mais freqüentes da região,
segundo dados do Ministério da Saúde (BRASIL,
2005a). As principais são mostradas na Figura 2.
Número de espécies
25
20
15
10
5
Zingibera ce ae
Ou tra s (29 )
Rosa ce ae
Sc rophu la riaceae
Cucu rbitac ea e
Lauraceae
Malpighiace ae
Ma lva ce ae
Aracea e
Ari stolochiaceae
Cras su laceae
Mi mosa ce ae
Poace ae
Annonaceae
Ma ranthacea e
Ap ia ceae
Bignoniacea e
Caesalpinia ceae
As terac ea e
Lamiac ea e
Euphorbiac ea e
Rubiace ae
Ap ocynacea e
Solanace ae
Fa baceae
Mo raceae
Myrtaceae
Rutac ea e
Ve rbe nace ae
0
Família botânica
FIGURA 1. Número de espécies de plantas medicinais, por família botânica, citadas em Indianópolis-MG.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
60
TABELA 2. Misturas de plantas medicinais referidas em Indianópolis-MG. N = no de citações. Dosagem: AV = À
vontade ou várias vezes; x = vez(es); /d = por dia; cp = copo; cl = colher não especificada; xc = caneca, tigela ou
xícara de chá; cs = colher de sopa; xf = cálice ou xícara de café; Ad = Adulto; Cç = Criança.
Convém ressaltar que ao mencionar gripe,
os entrevistados se referiam também ao resfriado
comum. Observou-se, ainda, que metade das
diferentes indicações foi citada apenas uma vez.
Dentre as misturas, foram citadas 47 diferentes
indicações, sendo gripe (22,2%) e litíase renal (8,3%)
as mais freqüentes, doenças também comuns na
região (BRASIL, 2005a). Na Figura 3, observam-se
as principais indicações, agrupadas conforme o
sistema orgânico ao qual foram referidas.
Da mesma forma, as principais indicações
encontradas por Rodrigues & Carvalho (2001a) foram
para afecções renais, reumatismo, cicatrização,
epigastralgia, afecções de pele, dentre outros,
enquanto Ming & Amaral Junior (2003) encontraram
predomínio para as doenças do aparelho respiratório,
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
61
Em relação à via de administração do
preparado de plantas isoladas, a mais comumente
utilizada foi a oral (90,7%), seguida por uso tópico
(20,5%), banho (13,7%), gargarejo (4,3%) e inalação
(1,2%), sendo que uma das plantas não teve seu
modo de administração mencionado. Quanto às
misturas, todas foram citadas como administradas
por via oral e duas também indicadas em banho
(5,6%), ocorrendo resultado semelhante no estudo
de Amorozo (2002).
Pôde-se observar que o cálculo da
quantidade de planta colocada no preparado é
realizado de uma forma muito empírica, porém com
a devida noção prática de seu potencial terapêutico,
percebido por seu gosto, cor ou mesmo pela
experiência do preparador. A quantidade do preparado
a ser ingerida também é calculada sem o rigor
científico; porém, a prática e a experiência a
determinam, levando em conta a concentração do
preparado (quantidade de planta colocada e tempo
de fervura) e, também, a massa corpórea do doente,
da mesma forma como registrado por Ming & Amaral
Junior (2003). Para a obtenção da dosagem exata,
por vezes foi necessário que os entrevistados
demonstrassem os recipientes normalmente
utilizados no seu cotidiano, como copos, colheres e
xícaras, o que facilitou sua estimativa (Tabela 1).
A análise do uso popular das plantas
medicinais em Indianópolis-MG revelou um quadro
de enorme riqueza cultural, na medida em que foi
observado um perfil diversificado dos sujeitos
entrevistados, associado a uma variedade de formas
de utilização das plantas medicinais entre eles.
Dentre os entrevistados, a idade média foi de 63 anos,
sendo a maioria do sexo feminino, casada e moradora
da zona urbana. Predominou o conhecimento
adquirido na infância, geralmente observando os pais.
Em relação às plantas medicinais, foram
registradas 67 famílias e 173 espécies, sendo as três
mais citadas: Cotyledon orbiculata, Chenopodium
cicatrização
cefaléia
reumatismo
bronquite
epigastralgia
verminoses
febre
infecções
afecções
hepát icas
diarréia
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
gripe
Número de citações
o grupo das afecções cutâneas e o grupo das dores
de cabeça e febre.
Para algumas plantas foram citadas
espontaneamente contra-indicações de uso. Ervacidreira (ou cidreira de folha), jurubeba, boldo, malva
de sete dores, guaco e fedegoso (ou fedegosomanso) foram contra-indicados durante a gestação.
No estudo de Cinganda & Laborde (2003), arruda (Ruta
graveolens) e poejo (Mentha pulegium) foram citados
como plantas abortivas, sendo a primeira também
envolvida em efeitos tóxicos sistêmicos como anemia,
disfunção hepática e, inclusive, falência de múltiplos
órgãos. Já no estudo de Sharma & Jocob (2001), a
ingestão de extrato da folha de Mentha arvensis (vick)
provocou infertilidade reversível em ratos machos,
sendo observada diminuição do volume testicular e
da produção de espermatozóides. Barros et al. (1999)
relataram miopatia degenerativa tóxica em bovinos
que tinham acesso a lavouras infestadas por fedegoso
(Senna occidentalis). Portanto, mesmo com a
experiência empírica do poder de cura de planta
medicinal pelas populações mais antigas, são
necessários estudos bioquímicos e farmacológicos,
a fim de se identificar, de fato, seus efeitos medicinais
e toxicológicos (Guarim Neto & Morais, 2003).
Houve variações nas informações dos
entrevistados quanto à forma de preparo e via de
administração. As formas de preparo mais comuns
estão expostas na Figura 4. Ming & Amaral Junior
(2003) ressaltam que essa variedade é resultado de
uma diversidade cultural e um saber acumulado
durante as gerações que culminaram em diferentes
meios de preparo, possibilitando assim uma melhor
absorção do composto existente na planta pelo
organismo. Segundo Pinto et al. (2000), a forma de
preparo de uma planta é importante para que as
substâncias químicas responsáveis por seu efeito
farmacológico sejam corretamente retiradas do interior
das células da planta, bem como para não modificar
suas propriedades químicas.
Indicação de uso
FIGURA 2. Número de citações das principais indicações das plantas de uso isolado em Indianópolis-MG.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.10, n.1, p.49-63, 2008.
62
Indicações por sistema orgânico
Afecções digestórias
Afecções respiratórias
Afecções derm atológicas
Afecções ginecológicas e obstétricas
Moléstias infecciosas
Afecções urinárias
Plantas de uso isolado
Afecções neurológicas
Misturas
Afecções cardiovasculares
Afecções hem atológicas
0
20
40
60
80
100
120
140
Número de citações
FIGURA 3. Número de citações das principais indicações de uso de espécies botânicas de uso isolado e
misturas, agrupadas por sistema orgânico, em Indianópolis-MG.
sobre essas plantas, visando confirmar cientificamente
suas propriedades terapêuticas, como tem sido feito
com as espécies Melissa officinalis e Mentha piperita,
por exemplo (Brandão et al., 2001).
ambrosioides e Chamomilla recutita. As partes mais
utilizadas das plantas foram as folhas e a raiz, sendo
principalmente preparadas por decocção, administradas
via oral e indicadas para afecções respiratórias e
digestórias, destacando-se a gripe e a diarréia, coincidindo
com as doenças mais comuns da região. Dosagem e
posologia foram dados bastante subjetivos, variando de
acordo com a experiência de cada sujeito.
O conhecimento empírico demonstrado pelos
sujeitos estudados e descrito neste trabalho abre
caminhos para o desenvolvimento de novos estudos
AGRADECIMENTO
Ao Prof. Dr. João Marcos Alem, pelas
discussões de cunho sociológico e antropológico, à
população e Prefeitura Municipal de Indianópolis e
aos funcionários do Herbarium Uberlandensis da UFU.
Número de citações
140
Plantas utilizadas isoladamente
120
Misturas
100
80
60
40
20
garrafada
uso direto
emplast ro
tintura
infusão
maceração
xarope
expressão
decocção
0
Form a de preparo
FIGURA 4. Número de citações das principais formas de preparo de plantas medicinais de uso isolado e misturas,
em Indianópolis-MG.
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