Cortes de tensão, harmônicas e fator de potência em sistema com cargas dinâmicas O artigo relata o caso de uma plataforma de petróleo marítima em que se conseguiu a diminuição de perturbações (cortes transitórios de tensão e harmônicos) e a correção do fator de potência com o emprego de uma solução dinâmica. Precede a apresentação uma análise sobre as causas das perturbações em instalações com cargas de variação rápida e como elas deterioram a qualidade da energia. Cesar Chavez, da Arteche (México) Cargas dinâmicas são comuns em diversas aplicações industriais, como motores, máquinas de solda, elevadores, britadores, trituradores, etc. A maioria dos motores dessas aplicações utilizam retificadores CA/CC ou acionamentos de freqüência variável, para atingir a eficiência necessária ou controlar com precisão a velocidade do motor. A utilização desses conversores produz distorções harmônicas nas formas de onda de tensão e corrente, assim como deterioração do fator de potência. Devido à condição dinâmica (variação rápida) das cargas, a demanda de quilovolt-ampères (kVA) implicará a necessidade de maior capacidade do sistema (incluindo a geração) e resposta rápida, ainda que a capacidade total em kVA só vá ser utilizada para atender aos picos de demanda da potência reativa. Portanto, essas modernas cargas de eletrônica de potência encontradas em grandes instalações industriais geralmente não são amigáveis à qualidade de energia. Elas têm várias características operacionais que, se não tratadas apropriadamente, podem prejudicar a produtividade. Profissionais de instalações e gerentes que trabalham nesses ambientes devem estar atentos para esses problemas potenciais e conhecer as formas de identificá-los no processo produtivo. www.arteche.com A plataforma operava com dois grupos geradores 24 horas por dia e, ocasionalmente, ainda era necessário ligar um terceiro equipamento. Quando da instalação do compensador dinâmico (foto do meio), ocorreram problemas causados por retificadores das cargas, sanados com a adição de reatores. 1 para o qual a potência aparente é maior do que a potência ativa. Atualmente, porém, diversos sistemas elétricos possuem correntes harmônicas circulando em suas linhas. As harmônicas são originadas por cargas pulsantes ou não-lineares e suas correntes podem fazer com que a potência aparente exceda substancialmente a potência ativa. A potência aparente para uma carga não-linear pode ser calculada com a equação: Fig. 1 – Relação entre os fatores de potência para cargas não-lineares: fator de potência verdadeiro = (fator de potência de deslocamento) x (fator de potência de distorção) onde H = potência (VA) de distorção. Fig. 5 – Cortes transitórios de tensão Fig. 2 – Perfil de corrente e tensão de uma carga dinâmica I. Fator de potência e harmônicos Para muitas aplicações, o clássico triângulo do fator de potência é demasiado simples, pois não leva em consideração os efeitos das tensões e correntes harmônicas encontradas nos atuais sistemas de distribuição de energia. As harmônicas adicionam uma terceira dimensão ao triângulo clássico do fator de potência, aumentando, assim, a potência aparente requerida para executar uma determinada quantidade do trabalho. A presença dos harmônicas exige que se mude a maneira de pensar e de medir o fator de potência (FP). A presença de harmônicos aumenta a potência aparente que deve ser fornecida para se executar um determinado trabalho, portanto diminuindo o fator de potência. Nessas situações, o fator de potência presente é chamado de fator de potência de distorção. Em um sistema contendo cargas lineares e não-lineares, o fator de potência verdadeiro (FPV) é a soma dos co-senos dos ângulos de deslocamento e de distorção (figura 1). Se correntes harmônicas são introduzidas em um sistema, o FPV será sempre menor que o FP de deslocamento. Para um sistema alimentando apenas cargas lineares, o FP é chamado de fator de potência de deslocamento. A menos que as cargas sejam puramente resistivas, este fator de potência será menor do que a unidade — caso do motor elétrico, www.arteche.com 2 Fig. 6 – Diagrama unifilar simplificado do sistema elétrico da plataforma de petróleo II. Harmônicas As cargas não-lineares absorvem correntes nãosenoidais na fonte de alimentação. A corrente de fase CA absorvida é basicamente uma onda quadrada ou em degraus, de - pendendo do projeto do equipamento alimentado. Essas correntes harmônicas causam quedas de tensão harmônicas na impedância interna da fonte de alimentação. Isso resulta em distorção da tensão da fonte e na circulação de correntes harmônicas nos componentes e cargas do sistema elétrico. Correntes e tensões harmônicas resultantes de cargas não-lineares causam inúmeros problemas operacionais, falhas de equipamento e incêndios. As harmônicas provocam elevação do aquecimento, baixo fator de potência, alteração dos fatores de crista, aumento do número de pontos de passagem por zero, realimentação de ruídos e influenciam reatâncias indutivas e capacitivas. Fig. 7 – Configuração básica do compensador de reativos smARTvar III. Cargas dinâmicas Uma das principais questões associadas com as cargas dinâmicas é a alta demanda de corrente de inrush. Estes tipos de cargas exigem altos níveis de corrente de inrush durante seu ciclo de operação, que com freqüência tem duração apenas de segundos. Tais correntes ciclo-a-ciclo podem levar à saturação do fluxo (corrente de magnetização) do transformador a montante. A saturação causa queda precipitada da tensão do secundário do transformador (figura 2), resultando em falhas ou mau desempenho das cargas, assim como na geração de harmônicos de ordem par. Além disso, quando diminui a tensão no secundário do transformador, a fonte enxerga essa queda e tenta compensar, fornecendo a corrente necessária para manter a relação de tensão do transformador, criando assim uma componente adicional para o surto de corrente no sistema elétrico. Este surto de corrente acentua a queda de tensão da fonte em uma base intermitente (devido à variação rápida da carga). Se o ciclo de tensão for repetitivo, pode acontecer cintilação de lâmpadas (light flicker) — figura 3. www.arteche.com 3 Adicionalmente, quando cargas dinâmicas, por exemplo motores com variações rápidas de torque, são ligadas, exigem uma corrente muito alta por uns poucos ciclos. Durante esse período, a fonte de alimentação não poderá fornecer toda a corrente necessária. Como resultado, ha verá afundamento de tensão no motor (figura 4), e a amplitude desse afundamento dependerá da corrente de curtocircuito disponível e da impedância da rede. IV. Cortes transitórios de tensão Quando são utilizados tiristores em controles elétricos, é possível haver distorções da tensão sob a forma de cortes transitórios da forma de onda. Esses cortes transitórios aparecem como fendas na forma de onda de tensão (daí sua denominação inglesa, notches), conforme ilustrado na figura 5. Eles estão tipicamente presentes durante a comutação de tiristores. A comutação ocorre quando o tiristor de uma fase é ligado para bloquear um tiristor em outra fase. Durante este pequeníssimo intervalo de tempo, é criado um curto-circuito entre as duas fases. Com o curto-circuito, a corrente aumenta e a tensão diminui, resultando no distúrbio definido como corte transitório da tensão de rede. Quando os cortes transitórios estão presentes, particularmente em equipamentos trifásicos, ocorrem passagens adicionais pelo zero. Ao invés das duas passagens de cada ciclo de tensão, na realidade podem ocorrer quatro passagens. Essas passagens extras por zero podem fazer com que outros equipamentos sejam acionados no tempo errado, resultando em operação errônea e/ou danos. Fig. 8 – Operação dos tiristores do compensador: com base em medições da forma de onda da tensão de linha (tensão A-B), os tiristores comutam as sessões L-C na passagem pelo zero da forma de onda da tensão (conexão fase A e conexão fase C) Fig. 10 – Esquema de ligação dos reatores Fig. 9 – Formas de onda da tensão (com sérios problemas de cortes transitórios) e de corrente (antes da instalação do compensador) na plataforma de petróleo Fig. 11 – Diagrama unifilar simplificado do sistema elétrico da plataforma com os reatores de linha e o compensador dinâmico de reativos www.arteche.com 4 V. Estudo de caso: harmônicas, fator de potência e carga dinâmica As fontes do caso estudado consistiam de três grupos geradores diesel, trifásicos, 60 Hz, 2190 kW, 2738 kVA, 600 V, que alimentavam o sistema elétrico de uma plataforma marítima de petróleo situada no Golfo do México. Essa configuração é típica e utilizada mundialmente. A carga consiste de quatro retificadores a tiristores de 696 kW, os quais representam 80% da carga total do sistema. Esses retificadores operavam com fator de potência de 0,6 indutivo, resultando em demanda excessiva de kVA ao sistema. A demanda típica total dos retificadores é de 1800 kW, o que, com fator de potência de 0,6, resultava em 3000 kVA. Dois dos grupos geradores, totalizando em 2738 kVA de potência, operavam sete dias por semana/24 horas por dia; ocasionalmente o terceiro grupo gerador, mantido como reserva, era acionado para suprir o consumo de reativos. A carga de cada um dos quatro conversores a SCR são motores (de equipamento de perfuração de poços, bombeamento de óleo, guindastes), todos operando com variações rápidas de torque. A demanda varia de 40% a 100% em 1 segundo (conforme o tipo de processo da plataforma). A variação da demanda também depende do tipo de subsolo marinho. onda da tensão, e estes provocaram disparos errôneos dos tiristores do compensador. Ocasionalmente ocorreram falhas nos tiristores devido às comutações provocadas pelas falsas passagens por zero. O usuário não estava prevenido quanto a esta condição do sistema e informou ao fabricante que a instalação estava de acordo com a norma IEEE 519-1992, a qual, em sua tabela 10.2, permite DHTV máxima de 10%. Se a impedância do sistema de distribuição for baixa, em geral os tiristores não gerarão um corte transitório de tensão severo que afete outros equipamentos. No entanto, neste caso, a impedância do sistema de distribuição era alta (linha fraca), de forma que os cortes ocorreram e impactaram os tiristores do compensador. A solução foi a instalação de reatores de linha para reduzir os cortes transitórios de tensão e propiciar a operação adequada dos tiristores do compensador. A redução dos cortes de tensão foi conseguida através da criação de uma simples rede de divisão de tensão. Acrescentou-se impedância, na forma de reatância indutiva, em série com o controlador do retificador (ponto A na figura 10), e entre o controlador e o ponto de conexão do compensador (ponto B da mesma figura). Então os cortes transitórios de tensão distribuíram-se entre a nova impedância e a impedância preexistente entre a linha e a fonte. Com o objetivo de melhorar o fator de potência e reduzir harmônicas, foi instalado um compensador tiristorizado de reativos (800 kvar, 600 V, 60 Hz, trifásico), sintonizado para a 5ª e a 7ª harmônicas. O compensador fornece automaticamente os vars necessários, inserindo e removendo reatância capacitiva do sistema conforme demandem as cargas dinâmicas. O equipamento utiliza dispositivos rápidos de comutação e tecnologia suave de chaveamento, de forma a inserir ou remover rapidamente reatância capacitiva sem causar transitórios de chaveamento. Podemos calcular a redução dos cortes transitórios conforme abaixo: O compensador consiste de seções de filtros passivos de harmônicas — indutância (L) e capacitância (ºC) conectadas em série — chaveadas a tiristores, utilizando técnica de comutação por passagem pelo zero (tensão) — figuras 7 e 8. Consegue chavear capacitores de maneira livre de transitórios e com tempo de resposta médio de 8 milissegundos. Os seguintes resultados foram obtidos com o compensador de reativos após a instalação dos reatores de linha: Durante o comissionamento do compensador, ocorreram severos cortes transitórios de tensão e distorção harmônica total de tensão (DHTV) de aproximadamente 15%. Os cortes transitórios causaram múltiplas passagens por zero na forma de A distorção harmônica total de cor rente foi reduzida para menos de 10%; www.arteche.com Observe que se a nova impedância for inserida em qualquer ponto que não seja entre o controlador do retificador e o equipamento sensível, terá efeito mínimo sobre os cortes transitórios de tensão. E que se a reatância for posicionada no lado oposto ao ponto B da figura 10, não haverá qualquer melhora do problema dos cortes de tensão. A profundidade dos cortes transitórios de tensão foi reduzida em 50%; A distorção harmônica total de tensão foi diminuída para menos de 5%; O fator de potência verdadeiro foi melhorado para 1, constante; 5 A potência aparente demandada foi reduzida de 3000 para 1800 kVA; e Foi criado um ambiente de melhor qualidade de energia para os outros equipamentos. VI. Conclusão A demanda e as distorções de tensão e corrente da plataforma marítima foram reduzidas a níveis aceitáveis, e o fator de potência foi mantido unitário. Isto permitiu ao usuário alimentar todas as cargas utilizando apenas um único grupo gerador. Além da economia óbvia de energia e da melhoria do desempenho do equipamento, a operação com apenas um grupo gerador evitou a emissão de muitas toneladas de dióxido de carbono para o meio ambiente. Fig. 12 – Formas de onda de tensão e corrente (após a instalação dos reatores de linha e do compensador) www.arteche.com 6