QUALIDADE DE ENERGIA EM INSTALAÇÕES ELÉTRICAS RURAIS Ricardo M. Rodrigues, Paulo J. A. Serni, José F. Rodrigues, José A. Cagnon Departamento de Engenharia Elétrica Faculdade de Engenharia UNESP CEP 17033 - 360 - Bauru-SP tel: 14 2216116 fax: 14 2216110 RESUMO A partir da teoria de circuitos elétricos, desenvolveu um modelo, que permite observar o comportamento das cargas elétricas rurais, com potência instalada de até 20kW, alimentadas por um sistema bifásico, a três fios, 220/127V. O modelo irá possibilitar a análise do conteúdo harmônico do sinal em regiões tipicamente rurais; da possível influência no comportamento dos sinais de tensão e corrente nas cargas características de uma instalação rural, do comportamento das tensões e correntes em equipamentos de iluminação, eletrodomésticos e aparelhos com fontes chaveadas e da influência das cargas na corrente de neutro do sistema. Analisou-se o circuito elétrico equivalente, utilizando-se modelos desenvolvidos para cada tipo de carga e através de simulação, obteve-se as formas de onda e respectivos conteúdos harmônicos das tensões e correntes. ABSTRACT From the electric circuit theory a model was established that enable the investigation of rural electric loads behavior for power rating up to 20 kW when the main power is a two phase system with tree wire 220/127V. This model will enable the signal harmonic content analysis at regions typically rural and its influence over voltage and current signals for typically rural loads, the voltage and current behavior for electrical appliances, lighting equipment and equipment feed by switching power supply and its influence over the system neutral current. The equivalent electrical circuit analysis was carried out using models developed for these types of loads and the waveforms for voltage and current with its harmonic contents was obtained by simulation. INTRODUÇÃO O desenvolvimento da indústria eletroeletrônica, nas últimas décadas, está levando o consumidor rural, assim como o consumidor urbano, a uma especialização da demanda de energia elétrica, isto é, introdução de equipamentos e dispositivos com características não lineares: eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e tipos diversificados de equipamentos de iluminação. Deste fato, vem aumentando o aparecimento de distorções nas formas de onda da corrente e da tensão nas redes de distribuição de energia elétrica que servem, especificamente, regiões rurais. Por esta razão, o sistema de distribuição passou a receber forte contribuição de harmônicos. Sistemas de iluminação utilizando lâmpadas de descarga e reatores eletrônicos de elevada eficiência podem proporcionar uma substancial redução na potência absorvida da rede e consequentemente na energia elétrica, entretanto, apresentam uma característica tensão vs. corrente fortemente não linear, o que provoca a presença de harmônicos. As fontes chaveadas e outras estruturas eletrônicas usadas em equipamentos eletrônicos também são fontes de distorção. A associação desses equipamentos e concentração dessas cargas em muitas instalações rurais, está gerando um novo comportamento para o consumidor rural, o de gerador de sinais não senoidais. Objetiva este trabalho buscar um modelo elétrico, a partir da teoria de circuitos, que permita observar o comportamento das cargas elétricas rurais, com potência instalada de até 20 kW, alimentadas através de um sistema bifásico a 3 fios, 220/127V, analisadas à luz dos novos materiais, equipamentos e dispositivos existentes. Um modelo elétrico desenvolvido para esses consumidores irá possibilitar uma análise do conteúdo harmônico do sinal em regiões tipicamente rurais, avaliar o comportamento dos sinais de tensão e corrente nas cargas típicas de uma instalação rural e a influência dessas cargas na corrente de neutro do sistema. Desde 1990, harmônicas tornou-se a palavra de ordem em qualidade de energia; distúrbios elétricos causam desligamentos e danos a equipamentos criando problemas a um número crescente de consumidores e respostas às questões como sobrecarga no condutor neutro, perdas de tensão, sobreaquecimeto de transformadores ainda não foram respondidas satisfatoriamente (MURPHY,1997). [1] As perturbações harmônicas numa rede de alimentação são quantificadas pela relação de harmônicas individuais e a distorção harmônica total (THD). A relação de harmônica individual expressa a magnitude de cada harmônica em relação a fundamental e a distorção harmônica total quantifica o efeito térmico de todas as harmônicas, é a relação entre o valor eficaz de todas as harmônicas e a corrente não distorcida na frequência da rede. Entretanto, a THD dá conteúdo harmônico total, mas não indica o nível de cada componente harmônica, havendo necessidade de definir-se um Fator de Distorção (FD), que indica a quantia de distorção harmônica que resta em uma forma de onda particular, após os harmônicos terem sido atenuados, portanto, o Fator de Distorção é uma medida de eficiência em reduzir-se harmônicas indesejáveis (RASHID, 1993). [2] O IEEE - Institute of Electrical and Eletronics Engineers propõe recomendações práticas e requisitos para o controle de harmônicas em sistemas elétricos de potência, tanto para o usuário como para o sistema. Para sistemas com nível de tensão até 69kV a THD máxima deve ser 5% (IEEE - 519, 1996). [3] As cargas não lineares, como dispositivos a semicondutores para alimentação e controle de equipamentos de potência, têm contribuído significativamente para a degradação da qualidade de energia fornecida ao consumidor. As componentes harmônicas não realizam trabalho ou produzem potência na carga; entretanto, existem impactos negativos, tanto para o consumidor, quanto para a concessionária: o valor total da corrente absorvida aumenta; possíveis ressonâncias entre cargas indutivas e capacitivas, provocando danos por sobretensões; interferência em linhas de comunicação que correm próximas com os condutores de potência, e, aumento das perdas do condutor neutro em sistemas trifásicos, resultantes da circulação de componentes com frequências da 3ª harmônica ou de seus múltiplos. O conteúdo de harmônicas em instalações residenciais, comerciais ou industriais variam de acordo com a utilização de equipamentos geradores de harmônicas ao longo do tempo. Entretanto, as harmônicas não são proporcionais a carga ou necessariamente uma função do uso do equipamento, mas geralmente depende de outros fatores incluindo alterações na impedância do sistema (WILLIS, 1997). [4] Um primeiro reconhecimento da presença de harmônicas poderá ser obtido da verificação das formas de onda em um osciloscópio, observa-se que a grande maioria dos instrumentos de medição só indicam a medição correta para ondas senoidais, no caso de forma de ondas distorcidas indicarão uma corrente menor que a real. Portanto, deve-se usar medidores que indiquem uma medição correta para essas formas de onda, esses medidores são chamados como True-RMS. Para uma análise mais detalhada necessita-se de analisadores de harmônicas, que possibilitam detectar com precisão todas as correntes e tensões harmônicas presentes no sistema. O aumento dos níveis de distorção harmônica pode afetar a performance dos medidores de demanda e fator de potência levando a resultados incorretos, a diferença em kVA em um medidor de demanda pode estar em torno de 30%, isto ocorre devido ao conceito de potência aparente implementado no medidor (ARSENAU et alli, 1997). [5] Os efeitos da presença de harmônicas são sentidos por todos os equipamentos conectados ao sistema e, paradoxalmente, mesmo os geradores de harmônicas, como conversores estáticos, sofrem com a distorção na tensão a aos “notches” produzidos por eles próprios. Adicionalmente, a tendência para o futuro é um maior rigor de parte das concessionárias de energia elétrica, com a sobretaxação relativa aos reativos de distorção, analogamente ao que hoje é feito com os reativos de deslocamento, devido às cargas lineares indutivas (KASSICK,1998).[6] Fig. 1- Circuito equivalente da instalação elétrica MATERIAL E MÉTODOS MODELOS Para o desenvolvimento do presente trabalho considerou-se uma instalação elétrica rural, alimentada por um sistema bifásico, 220/127V, com cargas lineares e não lineares. Analisou-se a instalação elétrica através de um circuito elétrico equivalente, apresentado na Fig. 1, utilizando-se modelos adotados conforme o tipo de carga. Fig. 3 - Conteúdo harmônico da corrente de fase SIMULAÇÃO Desenvolvidos os modelos de fontes, alimentadores e cargas, obteve-se as formas de onda e respectivos conteúdos harmônicos através do software SPICE - Simulation Program with Integrated Circuit Emphasis. ANÁLISE EXPERIMENTAL A análise experimental constou de medições de corrente e tensão, para cada tipo de carga considerada e respectiva análise harmônica destas variáveis, utilizando-se o equipamento PQM – Multilin (Power Quality Meter – GE). Observa-se, que os equipamentos cujos modelos adotados foram de cargas lineares, não foram objeto da análise experimental. Fig. 4 - Forma de onda da corrente de neutro RESULTADOS E DISCUSSÕES SIMULAÇÃO As Fig. 2 a 5 mostram que as componentes harmônicas estão presente, tanto na corrente de fase, como na corrente de neutro, problema que vem se agravando com o aumento de cargas não lineares no sistema. Fig. 5 - Conteúdo harmônico da corrente de neutro O modelo adotado para o televisor apresenta na etapa de entrada um retificador de onda completa com capacitor de filtro. A presença desse capacitor faz com a corrente solicitada pelo equipamento seja altamente distorcida, de acordo com os períodos de carga e descarga do mesmo, conforme mostra a Fig. 6. Fig. 2 - Forma de onda da corrente de fase Fig. 6 - Conteúdo harmônico da corrente no televisor Fig. 9 . Forma de onda da corrente no televisor ANÁLISE EXPERIMENTAL Nas Fig. 7 a 10 apresentadas pelo analisador de harmônicas, verifica-se, conforme esperado, que a corrente solicitada pela lâmpada fluorescente tem uma componente de 180Hz, com uma THD de 9,6%, enquanto que a THD no televisor, para a componente de 180Hz é 76,3% e para 300Hz é de 39,9%. Fig. 10 - Conteúdo harmônico da corrente no televisor CONCLUSÕES Fig. 7 - Forma de onda na corrente da lâmpada fluorescente Fig. 8 - Conteúdo harmônico da corrente na lâmpada fluorescente Os resultados obtidos com o trabalho permitiram, para as condições analisadas, as seguintes conclusões: modelo teórico adotado para os equipamentos, permitiu um boa aproximação com a análise experimental; a forma de onda não senoidal, tanto nas correntes de fase, quanto na corrente de neutro evidencia uma dificuldade no dimensionamento dos alimentadores, bem como das proteções; na análise teórica, verifica-se que existe uma diminuição nas distorções das formas de onda das correntes de fase e de neutro, quando a impedância equivalente das cargas é predominantemente resistiva (circuito considerando a operação dos chuveiros), fazendo com que a componente de 60Hz dilua o efeito das componentes harmônicas; a utilização de lâmpadas de descargas (fluorescentes) pode proporcionar uma substancial redução na potência absorvida da rede e consequentemente economia de energia, entretanto, há que se assegurar que não contribua com quantidades significativas de componentes harmônicas na rede de alimentação, comprometendo a qualidade de energia e reduzindo os benefícios alcançados com esse tipo de iluminação. Os resultados obtidos nos leva a uma preocupação quanto ao futuro, com relação a crescente utilização de equipamentos, que solicitam correntes com formas de onda não senoidais, em instalações rurais. Desta forma, recomenda-se, num curto espaço de tempo, a elaboração de normas e recomendações a nível nacional para eletrodomésticos, bem como para lâmpadas de descarga, para que os mesmos obedeçam um limite de 5% na distorção harmônica total (THD) da sua corrente de operação, respeitando, também a nova regulamentação de fator de potência. PALAVRAS CHAVES Qualidade de energia, eletrificação rural, redes rurais harmônicas, AGRADECIMENTOS Agradeço ao Sr. Marco Antônio Rossi, desenhista do Departamento de Engenharia Elétrica pela sua contribuição na elaboração deste artigo. REFERÊNCIAS [1] MURPHY H.G. - Power quality and the AFD overwiew. http://www.execpc.com/~hgmurphy/PW RQUAL.HTM . 1998.5p. [2] RASHID M. H. - Power Electronics: circuits, devices and aplicattions. 2ª Ed. Prentice Hall Inc. New Jersey. 1993. 701p [3] IEEE - 519 - Guide for appling harmonic limits on power systems. Institute of Electrical and Eletronics Engineers, Inc. New York. 1996. 79p. [4] WILLIS H. L. - Power Distribution Planning Reference Book. ABB Power T&D Company INC. Cary, North Carolina. Marcel Dekker, Inc. New York.1997.812p [5] ARSENEAU R.; HEYDT G. T.; KEMPKER M.J. - Application of IEEE Standard 519-1992 Harmonics Limits for Revenue Billing Meters. IEEE Transactions on Power Delivery, Vol. 12, Nº 1, January 1997. 346-353p [6] KASSICK E. V. - Harmônicas em sistemas industriais de baixa tensão. INEP. Instituto de Eletrônica de Potência. Departamento de Engenharia Elétrica. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. SC. 1998. 126p.