Religião e Vivência Religiosa

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Religião e Vivência Religiosa
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Religião. 3. Ciência, Filosofia e Religião. 4. Religiões
Históricas. 5. O Cristianismo. 6. A Religião como Sistema. 7. Visões e Revelações. 8. A Mística.
9. Esotérico e Exotérico. 10. Vivência Religiosa. 11. Conclusão. 12. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é buscar a essência do sentimento religioso, muitas
vezes escondido no fundo da ortodoxia das religiões. Analisaremos, assim, o
conceito de religião, a sua relação com a ciência e a filosofia, o par
exotérico/esotérico etc., no sentido de esclarecer o conteúdo doutrinal de nossa
vivência religiosa.
2. CONCEITO DE RELIGIÃO
Religião é a crença na existência de uma força superior considerada como
criadora do Universo. Trata-se de uma experiência universal da humanidade,
através da qual tenta-se compreender os mistérios que envolve o homem e o
seu relacionamento com o Criador. Essa crença, sendo manifestada de
diversas formas, torna duvidoso o significado etimológico da palavra "religião".
Alguns acham que ela deriva de reler, isto é, a atenta e cuidadosa observância
dos rituais; outros acham que vem de reeleger, ou seja, opção básica de vida
diante de sua meta última; outros ainda acham que procede de religar, ou seja,
a vinculação do homem com sua origem e destino.
A opção etimológica de religar é a mais usada. Contudo, ainda aí, faz-se
confusão. O termo vem do latim "religio" que parece derivar de "re + ligare".
Com o prefixo iterativo "re" significaria um sentimento de vinculação, de
obrigação para com o Ser Supremo. Não deve ser entendido como uma volta a
Deus, porque nunca Dele estivemos separados.
3. CIÊNCIA, FILOSOFIA E RELIGIÃO
Na antigüidade grega não havia divergência entre Ciência e Religião, mesmo
porque a Ciência não existia nos moldes como a vemos hoje, ou seja, no seu
sentido positivo de provas e contraprovas. A luta era entre a Filosofia e a
Religião. É que os primeiros filósofos queriam combater a mitologia pelo
advento da deusa razão. Contudo, já naquela época surgiram alguns filósofos,
tais como, Platão e Aristóteles que tentam conciliar a razão com o mito. Em
Platão, o mito da caverna e o mito da reminiscência das idéias. Em Aristóteles,
a razão perfeita chamava-se Deus, e de acordo com o seu pensamento, se a
razão afastava-se da religião natural era para fundar, sobre o conhecimento da
própria natureza, uma religião mais verdadeira.
A Idade Média, período que se estendeu por quase mil anos, caracterizou-se
pela administração religiosa dos eventos humanos. A Igreja, no topo do poder,
ditava as regras; a Filosofia e a Ciência obedeciam-na. Aqueles que
contrariavam os dogmas religiosos eram excomungados e, muitos deles,
tiveram suas cabeças decepadas. A Escolástica, utilizando-se da lógica
aristotélica e todos os seus silogismos, fizeram da simplicidade do Cristo um
campo de disputas filosóficas, longe da compreensão dos menos letrados. Aos
críticos respondiam com a criação da sua dogmática em que conciliavam fé e
razão. Não é de se estranhar que esse processo de se encarar a religião
pudesse permanecer eternamente.
Renascença, período pós-Idade Média, é o reflorescimento de tudo o que
estava incubado. Filosofia e Ciência adquirem vidas próprias. A primeira tratou
da condução lógica do pensamento; a segunda, tornou-se teórica-experimental.
Nesse sentido, o dogma da Igreja é substituído pelos conhecimentos obtidos
através da metodologia científica. A descoberta do telescópio e a invenção da
imprensa muito contribuíram para os avanços tecnológicos ocorridos nestes
últimos séculos. A autoridade divina é posta em cheque. Por isso, a luta que se
travou e ainda se trava entre ciência e religião.
4. RELIGIÕES HISTÓRICAS
As idéias religiosas estão presentes em todos os povos e em todos os estádios
culturais. Certas religiões recrutam seus adeptos apenas dentro de um grupo
determinado, p. ex., uma tribo ou aldeia: são as chamadas religiões tribais e
nacionais. Isso deve-se ao fato de que as nações e hábitos religiosos estão
estreitamente vinculados a uma forma cultural muito peculiar que não se torna
compatível com as vigências em outras partes. Outro motivo pode ser a crença
de que os deuses a quem se adora exclusivamente se preocupam com o grupo
humano que pratica tal religião. Podem ser classificadas nesse grupo não só as
religiões primitivas, como também outras como o confucionismo e o taoísmo,
na China, o xintoísmo e suas numerosas seitas no Japão, e o judaísmo.
Denominam-se religiões universais as que recrutam seus adeptos por todo o
mundo. As principais são o cristianismo, o islamismo e o budismo, que, através
de missionários, difundiram-se longe de seus países de origem. O hinduísmo
constitui um tipo intermediário. Hindu autêntico só se é por nascimento; no
entanto, os atuais movimentos reformistas do hinduísmo procuram fazer com
que suas verdades sejam conhecidas fora de seus pais.
5. O CRISTIANISMO
O Cristianismo surge na confluência do misticismo oriental, do messianismo
judeu, do pensamento grego e do Universalismo romano. O núcleo da doutrina
cristã é a fé num Deus revelado como Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, crença comum a todas as igrejas. É uma religião monoteísta que coloca
em primeiro plano a comunhão com Deus, o Pai, por intermédio de seu filho
Jesus Cristo, o Salvador da Humanidade.
O Cristianismo, religião dos cristãos, está centrado na vida e obra de Jesus
Cristo. À semelhança de Sócrates, Cristo não nos deixou nada escrito. Seus
ensinamentos são anotados pelos apóstolos e passam, mais tarde, a constituir
os Evangelhos. A palavra Evangelho, no singular, representa a unidade do
pensamento de Jesus, ou seja, o alegre anúncio; no plural, a diversidade de
interpretação dos evangelistas. Por isso, dizemos o Evangelho segundo
Mateus, o Evangelho segundo Lucas, o Evangelho segundo Marcos e o
Evangelho segundo João.
6. A RELIGIÃO COMO SISTEMA
Alguns autores, como Émile Durkheim, Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss,
enfatizaram todos a idéia de que a religião corresponde a certas estruturas
profundas. Embora contrários em muitos pontos de vista, o que há de comum
principalmente entre Mircea Eliade e Claude Lévi-Strauss é que ambos
valorizam as "regras" segundo as quais a religião é construída e, portanto, o
seu caráter sistêmico; e ambos ressaltam a autonomia da religião em relação à
sociedade.
Como traduzir para a prática a noção vaga de que a religião é um sistema? "No
caso dos dogmas cristãos, é impossível saber (empiricamente) se Jesus Cristo
pertence à mesma categoria de Deus Pai ou se lhe é inferior e, se não for
nenhum desses o seu caso, qual é a relação hierárquica exata entre os dois.
Mas é perfeitamente possível predizer, se forem conhecidos os dados do
sistema (neste caso, que há uma Trindade divina composta por três "pessoas"
ou, pelo menos por três membros que têm nomes individuais), todas as
soluções possíveis para o problema, as quais, na realidade, não são em
absoluto "históricas" (embora tenham sido enunciadas por personalidades
distintas em épocas distintas), pois estão sincronicamente presentes no
sistema" (Eliade, 1994, p. 18-20)
7. VISÕES E REVELAÇÕES
Os fundadores de religiões tinham revelações e visões nas quais o próprio
Deus os chamava a atuar. Deus revelou-se a Moisés numa sarça que ardia.
Quando Paulo foi chamado por Jesus, no caminho de Damasco, cegou-o um
resplendor celestial. Maomé encontrou-se com o arcanjo Gabriel, que o reteve
sem soltar, até que ele lhe prometeu seguir o seu mandato de reconhecer a
vontade de Alá.
8. A MÍSTICA
A mística do grego mystica, de myo, eu calo é o termo utilizado para retratar a
atividade que produz o contato da alma individual com o princípio divino. O
modelo do pensamento místico é baseado no retiro de mundo, ou no
desligamento das coisas do mundo e no da união com Deus para receber suas
luzes.
A iluminação súbita pode ser verificada pesquisando a biografia dos grandes
pensadores. O filósofo Sócrates que viveu no século V a. C. teve seu insight
depois de uma visita que fizera ao Oráculo de Delfos, quando, a partir daí,
passou a ensinar o conteúdo da autoconsciência do homem. René Descartes
(1596-1650) teve sonhos que lhe indicaram sua missão divina: construir o
método para a nova ciência. O íntimo da maioria dos grandes pensadores
mostra essa relação com o divino.
O retiro do mundo marca o modo e vida dos religiosos. Hugo de São Vitor
distinguia cinco graus ascéticos: primeiro, lectio ou doutrina; segundo, a
santa meditação; terceiro, a oração; quarto, a operação; quinto, a
contemplação. Em França, no século XVII, funda-se o Oratório, uma
instituição religiosa, cujo objetivo era não uma Doutrina Comum mas uma
tendência comum para a vida interior e mística, concedendo aos seus adeptos
a liberdade mais completa de reverenciar Deus.
Durante o período da Idade Média, alguns cristãos mais ou menos isolados e,
por vezes, suspeitos, foram chamados místicos, porque haviam reivindicado,
para a consciência individual, o direito de comunicar diretamente com Deus,
pondo de lado intermediários filosóficos e mesmo teológicos.
9. ESOTÉRICO E EXOTÉRICO
Esotérico - do grego esotericos significa ensinamento que, em escolas
filosóficas da Antigüidade grega, era reservado aos discípulos completamente
instruídos. Exotérico - do gr. Exotericos, pelo lat. exotericu ensinamento, que
nestas mesmas escolas, era transmitido ao público sem restrição, dado o
interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia ser
expresso, por se tratar de ensinamento dialético.
O par de termos "esotérico/exotérico", corresponde à oposição entre internoexterno, secreto-público, reservado-profano, privilegiado-popular e
semelhantes. Dos dois termos, o esotérico é o mais significativo porque
acentua o aspecto positivo da relação, ou seja, o âmbito propriamente
reservado e secreto. A antítese evoca essencialmente o privilégio de alguns e a
exclusão de outros, um critério de seleção e de discriminação para com uma
massa indiferenciada e a favor de poucos eleitos.
Desde as sociedades primitivas até os nossos dias, a oposição
esotérica/exotérica está presente no seio da sociedade. O clã, ao transformarse em tribo, é o primeiro característico desta antítese. Na Grécia antiga, os
mistérios elêusicos e órficos são fundamentais para a distinção entre o sagrado
e o profano. A formação de várias sociedades secretas, tais como a cabala, a
rosa-cruz, a maçonaria e a própria teosofia corroboram a tese do hermetismo e
sua veiculação somente aos iniciados.
10. VIVÊNCIA RELIGIOSA
Vivência religiosa é caracterizada pelo sentimento de dependência do crente
em relação ao Ser Supremo. Desde a Antigüidade até os nossos dias,
manifesta-se sob vários matizes: ora menos racional, ora mais. Contudo,
sempre imerso num mundo sobrenatural, estigmatizado pelo amor e pelo
temor.
Os propagadores das religiões primitivas apoiavam-se nas músicas
barulhentas, nas danças e nos rituais para incutir, primeiramente, o medo e
depois, o êxtase, aos assistidos. No Cristianismo, o temor é representado pela
obediência à Lei de Moisés; o amor, pela crença no Evangelho. Essa
dualidade pode ser melhor visualizada pela criação do diabo, contrapondo-se
ao Deus de misericórdia e de bondade.
A vivência religiosa profunda imprime sua marca às relações do crente com o
próximo e a sua própria vida. Quem procura afastar-se do mundo e entregar-se
à divindade escolhe uma vida recolhida na meditação e no ascetismo. As
religiões que colocam o homem debaixo do amor de Deus acentuam
especialmente os deveres para com o próximo e fomentam uma atividade
voltada para o mundo exterior. Essa atitude pode ser ilustrada com a parábola
evangélica sobre o "bom samaritano".
A diferença fundamental entre as diversas crenças reside no caráter da
vivência religiosa básica. O budista considera todo o tipo de vida como um
sofrimento absoluto. Na essência do cristianismo está o amor de Deus, que nos
impõe condições e estende-se inclusive aos pecadores. A palavra árabe
"islam" significa submissão. A vontade de Alá marca toda a existência, e o
primeiro dever do bom crente é submeter-se a ela inteiramente.
Durante as vivências religiosas particularmente profundas, o crente entra em
êxtase. Conta-se que o santo italiano Francisco de Assis, depois de uma
intensa meditação sobre a paixão de Cristo, recebeu em seu corpo as chagas
de Jesus. Essa é a citação mais antiga de uma estigmatização.
11. CONCLUSÃO
Do estudo ora encetado, cabe-nos distinguir o ser religioso do ser que tem
uma religião. Podemos freqüentar uma Igreja, atender à sua ortodoxia e nem
por isso sermos religiosos. O verdadeiro religioso é aquele que pratica a lei da
Justiça, do Amor e da Caridade na sua maior pureza. Nesse sentido, estejamos
cônscios de que não é o "rótulo" religioso que nos salvará, mas o bem que
fizermos ao nosso próximo. Aí está todo o conteúdo doutrinal da religião.
Atendamo-lo e teremos paz de consciência, apesar de todas as tribulações de
nossa alma inquieta.
12. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1994.
Enciclopédia Combi VisualEnciclopedia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional, 1985-1991.
IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas,
1983.
MENDONÇA, E. P. O Socratismo Cristão e as Origens da Metafísica Moderna. São Paulo,
Convívio, 1975.
São Paulo, julho de 1999
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