ELEANDRO CARLOS ROSSATTO O SACRIFÍCIO EM HEBREUS: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS PARA O MUNDO ATUAL Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora do curso de Teologia da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF, como exigência parcial para a obtenção de grau de bacharel em Teologia, sob orientação do Prof. Dr. Bruno Glaab. PORTO ALEGRE, 2009 TERMO DE APROVAÇÃO ELEANDRO CARLOS ROSSATTO O SACRFÍCIO EM HEBREUS: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS PARA O MUNDO ATUAL Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF, pela seguinte banca: __________________________________ Prof. Dr. Bruno Glaab - Orientador __________________________________ Profª. Drª Lúcia Weiler – 2ª leitora Porto Alegre, 31 de agosto de 2009 AGRADECIMENTOS Aos professores e colegas da ESTEF, em especial ao meu amigo, colorado e orientador, Prof. Dr. Bruno Glaab, por sua paciência, compreensão e contribuições para a qualidade deste trabalho. EPÍGRAFE Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. (Mt 9,13) RESUMO O presente trabalho aborda o tema do sacrifício no livro de Hebreus e suas contribuições e desafios para o mundo atual. Nesta perspectiva, esta pesquisa apresenta elementos que caracterizam o antigo e o novo sacrifício, mostrando que a paixão e morte de Jesus Cristo não foi vontade do Pai, mas conseqüência de sua fidelidade ao projeto de Deus. Por conseguinte, se faz uma análise das novas interpretações do sacrifício nos debates atuais de teologia, percebendo sua influência na vida de nossas comunidades eclesiais e na sociedade. Por fim, apresenta-se um sentido teológico-pastoral para a eucaristia, entendida como memorial do único e eterno sacrifício. Palavras chaves: Sacrifício. Jesus Cristo. Satisfação. Revelação. Vítima. Libertação. ABSTRACT This work approaches sacrifice as theme in Hebrew and its contribution and challenges to present world. Such perspective first makes this research notes characteristics about new and ancient sacrifice showing that Jesus Christ’s death was not Father’s will but results from God’s Plan fidelity. Afterwards it is part of new analyses about sacrifice interpretation at theological present time having noted its influence in our ecclesial communities and society. Finally we find a theological-pastoral sense to Eucharistic as memorial about only one everlasting sacrifice. Key-words: Sacrifice. Jesus Christ. Satisfaction. Revelation. Victim.Liberation. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 07 1 VISÃO GENÉRICA DA QUESTÃO DO SACRIFÍCIO NA BÍBLIA............................... 10 1.1 Antigo Testamento................................................................................................................ 11 1.1.1 Tipos de sacrifícios.............................................................................................................. 12 1.1.2 A crítica dos profetas.......................................................................................................... 14 1.2 Novo Testamento.................................................................................................................. 17 1.2.1 Evangelhos: instituição eucarística...................................................................................... 18 1.2.2 Contextualização em Hebreus............................................................................................. 23 2 ANÁLISE DO TEXTO DE HEBREUS (9,1-14)................................................................... 26 2.1 O sacrifício no santuário mosaico (9,1-10)......................................................................... 27 2.2 Cristo sumo sacerdote dos bens vindouros e do santuário celeste (9,11-14)................... 32 2.3 O fazer teológico: tentativas de compreender o “Sacrifício novo de Cristo”.................. 35 3 A TEOLOGIA SACRIFICIAL NOS DIAS ATUAIS.......................................................... 42 3.1 O sacrifício planejado........................................................................................................... 42 3.2 Desejo mimético e sistemas auto-reguladores: o sacrificialismo na economia................ 44 3.3 Eucaristia: dimensão teológico-pastoral............................................................................. 47 3.3.1 Eucaristia como ação de graças........................................................................................... 47 3.3.2 Eucaristia como sacrifício................................................................................................... 49 CONCLUSÃO............................................................................................................................. 52 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.......................................................................................... 54 ANEXO........................................................................................................................................ 57 INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda o tema do sacrifício no livro de Hebreus e suas contribuições e desafios para o mundo atual. Tivemos como objetivos, neste longo caminho de leituras e produções que nos orientaram na pesquisa, entender e sistematizar os elementos que caracterizam o antigo e o novo sacrifício; mostrar que a paixão e morte de Jesus Cristo não foi vontade do Pai, mas conseqüência de sua fidelidade ao projeto de Deus; analisar as novas interpretações do sacrifício nos debates atuais de teologia e perceber sua influência na vida de nossas comunidades eclesiais e na sociedade; por fim, visualizar um sentido teológico-pastoral para a eucaristia, entendida como memorial do único e eterno sacrifício. De imediato, no intuito de aprofundar a pesquisa, buscamos responder os seguintes questionamentos: Quais os principais elementos que caracterizam o antigo e o novo sacrifício? Quais as principais reflexões feitas acerca do sacrifício a partir de uma leitura do livro de Hebreus? Que diferenças existem entre o sacrifício planejado em vista de uma causa ao sacrifício passivo, auto-sacrifício? O sistema sócio-político capitalista é um sistema sacrificialista por excelência? Como as interpretações acerca do sacrifício eucarístico podem influenciar em nossa prática pastoral? Em nossa pesquisa nos utilizamos de inúmeros autores que pensam e escrevem sobre o já mencionado tema. No entanto, o principal embasamento teórico de nossa pesquisa está sobre a Bíblia. Em nosso trabalho, optamos pela Bíblia Pastoral, juntamente com muitos autores que pesquisam e produzem bons materiais sobre o sacrifício, mas dois pensadores contemporâneos sobressaem no trabalho: René Girard e François Varone. Ambos concordam que é extremamente equivocada a interpretação do sacrifício de Cristo como satisfação, ou seja, Cristo morreu para satisfazer a vontade do Pai. Nesta interpretação, Deus não só reclama uma vítima, mas a vítima mais preciosa e querida: seu próprio Filho. Por outro lado, estes dois autores discordam veementemente quando se trata das interpretações bíblicas acerca do sacrifício. Para Girard, o escrito de Hebreus é culpado pela idéia de satisfação e ocultou a obra reveladora de Jesus, associando sua morte a um rito sacrificial. Já para Varone, toda linguagem sacrificial de Hebreus não é materialista (o sangue derramado não é o sofrimento em si mesmo), mas simbólica, é uma linguagem complexa, mas que, a partir de uma leitura atenta, pode trazer muitas contribuições às comunidades cristãs no seguimento de Jesus Cristo. Ao longo deste trabalho tivemos contato também com alguns comentadores, os quais, entre si, têm, naturalmente, divergências de interpretação. Alguns tendem a uma postura mais libertadora, outros a uma compreensão fundamentalista. No entanto, isso não dificultou o trabalho; ao contrário, enriqueceu nossa compreensão dos elementos que caracterizam o antigo e o novo sacrifício. No intuito de atingirmos os objetivos já citados, dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro, nos preocupamos em apresentar uma visão genérica da questão do sacrifico na Bíblia, sem muita preocupação em esgotar o tema, mas contextualizá-lo para posteriormente aprofundá-lo: nesta parte do trabalho trazemos presente os tipos de sacrifícios do Antigo Testamento, a crítica dos profetas e o tema do sacrifício no Novo Testamento, especialmente nos relatos da instituição eucarística dos evangelhos. No segundo capítulo, buscamos fazer uma análise mais aprofundada do sacrifício em Hebreus. Delimitamos o tema fazendo uma exegese do texto 9,1-14, que aborda mais diretamente a questão do antigo sacrifício e o sacrifício novo de Cristo. Juntamente com algumas reflexões bíblico-teológicas sobre o tema do sacrifício a partir de uma leitura de Hebreus em geral. No terceiro capítulo, optamos por uma atualização da teologia sacrificial, a partir dos debates atuais sobre o tema do sacrifício. Nesta parte do trabalho aparece mais diretamente o pensamento de René Girard a partir da obra “René Girard com Teólogos da Libertação: um diálogo sobre ídolos e sacrifícios”. Foi a partir das reflexões de Teólogos da Libertação sobre o pensamento de Girard que buscamos elementos que pudessem contribuir em nossas práticas pastorais. Em um primeiro momento, tentamos fazer uma diferenciação entre o auto-sacríficio e o sacrifício como dom de si, ou seja, o sacrifício planejado. Em um segundo momento, buscamos perceber o que é possível fazer como Igreja, lideranças de comunidades, para evitar a expansão de uma mentalidade sacrificialista presente no sistema econômico, político e social em que estamos inseridos. Por fim, a última parte desta pesquisa, traz alguns apontamentos e exortações dos perigos de algumas interpretações da eucaristia como um rito de sacrifício. Muitas interpretações como veremos ao longo deste trabalho levaram a Igreja atual a permanecer em posturas medievais, que mais contribuiu em manter uma sociedade de vítimas do que libertou, mais priorizou a doutrina do que zelou pelo povo (especialmente os pobres), centro de toda a teologia que prioriza a vida e a libertação. 1 VISÃO GENÉRICA DA QUESTÃO DO SACRIFÍCIO NA BÍBLIA Primeiramente se faz necessário entender o sentido, o que é o sacrifício em termos gerais, para posteriormente compreender seu sentido na Bíblia. Segundo o vocabulário de teologia bíblica: Sacrifício é tornar sagrado alguma coisa por meio de uma oferta que expressa a realidade humana (interior, intenção). Como é difícil expressar, visualizar o que se passa no íntimo de uma pessoa, então se faz necessário exteriorizar (IDÍGORAS, 1983, p. 438). Por exemplo, uma rosa entre tantas outras num jardim é só mais uma rosa. Mas, uma rosa dada a uma pessoa que se ama, é sacralizada: ela traz consigo a paixão, o amor que está no interior da pessoa que ama. Esta simples flor materializa um sentimento, torna visível o invisível. Aquela simples rosa do jardim torna-se uma rosa especial. É a entrega da própria pessoa que se dá na rosa. Por conseguinte, todo sacrifício exige renúncia, privação, por isso o sacrifício só tem sentido quando for em prol de uma grande causa: família, pátria, Deus... “O sacrifício como dom oferecido aos deuses era uma forma de obter a benevolência dos deuses no trabalho, no amor, através de dons que simbolizavam a entrega da própria vida” (IDÍGORAS, 1983, p. 438). Aliás, desde o inicio, a Bíblia registra a presença do sacrifício: “Os homens ofereciam aquilo que tinham de mais querido como expressão de entrega a Deus, Senhor da vida” (IDÍGORAS, 1983, p. 439). Assim por exemplo: Gn 4 relata as oferendas de Caim e Abel, Gn 8 mostra Noé em ação de graças por sua vida, depois do dilúvio ergue um altar e queima animais em oferenda a Deus. No cativeiro no Egito, os hebreus exigem liberdade para poder queimar animais a Deus (IDÍGORAS, 1983, p. 439). Tais passagens bíblicas salientam como o sacrifício se faz presente desde as primeiras experiências do povo de Deus com Javé. A seguir se tentará expor o sacrifício no contexto do Antigo e do Novo Testamento. Em uma breve leitura já se pode constatar uma nova conotação para o sacrifício no Novo Testamento. Ele dá um novo sentido, mas não seria possível compreender o novo sacrifício sem o antigo. Portanto, o sacrifício do Antigo Testamento teve e tem um papel fundamental em toda a revelação. 1.1 Antigo Testamento No início da história bíblica o sacrifício tinha características muito simples: Conforme o costume dos nômades e seminômades quando queriam fazer uma oferenda de animais ou de produtos, frutos do solo e do trabalho, erguiam altares e invocavam Deus. Assim, vê-se que não havia lugares fixos de sacrifício, bem como não havia ministros especializados para tal rito. Sacrificava-se no lugar em que Deus se manifestava e os chefes de família podiam realizar seus sacrifícios. No entanto, com o passar dos anos somente homens especialmente escolhidos assumem tal ofício (DUFOUR, 1987, p. 932). “O templo se tornará o centro único de toda atividade sacrifical, assim os sacerdotes se reservarão, com ou sem o concurso dos levitas, o monopólio dos sacrifícios” (DUFOUR, 1987, p. 932). O que se constata é que na antiguidade se ofereciam sacrifícios sem ter claro seu sentido, mas simplesmente porque era já algo cultural vindo dos antepassados (STYRIA, 1962, p.1027). Por isso é que se pode encontrar ritos de sacrifícios com um sentido de dádiva “uma homenagem à divindade protetora, senhora dos homens” (STYRIA, 1962, p. 1027). Mas também e especialmente no Levítico aparece a idéia de comunhão, ou seja, um sacrifício para se sentir mais próximo da divindade. De qualquer forma o que se sabe é que sempre o sacrifício é o movimento de um ato concreto para um ato santificado (STYRIA, 1962, p. 1029). De mais a mais, neste processo de ressignificação do sacrifício, o rito sacrifical vai assumindo certa complexidade em seus ritos, constata-se acentuada multiplicidade e especialização dos sacrifícios. Pode-se ainda, trazer presente a influência canaanita, que dá significativa importância ao sacerdote. No entanto, cabe lembrar que por mais que o povo de Israel tenha sofrido influência de povos vizinhos e caído em muitos abusos, sempre repeliu as vítimas humanas (DUFOUR, 1987 p. 932). “Não aja dessa maneira para com Javé seu Deus, porque elas faziam aos deuses delas tudo o que é abominação para Javé, tudo o que ele detesta. Essas nações chegaram até a queimar seus próprios filhos e filhas para os deuses delas” (Dt 12,31). Muito se fala de sacrifício na Bíblia, aparece como experiência pessoal, coletiva, de fidelidade a Javé, mas também como ação hipócrita, denunciada pelos profetas. Um rápido conspecto geral da Bíblia nos informa da importância e do caráter universal do sacrifício. Este baliza toda a história: humanidade primitiva (Gn 8,20), gesta patriarcal (Gn 15,9...), época mosaica (Ex 5,3), período dos juízes e dos reis (Jz 20,26; 1R 8,64), idade pós-exílica (Esd 3,1-6). O sacrifício ritma a existência do individuo e da comunidade. O episódio misterioso de Melquisedec (Gn 14,18), no qual a tradição discerne uma refeição sacrifical, e a atividade litúrgica de Jetro (Ex 18,12) ampliam ainda mais o horizonte fora do povo eleito (cf. Jn 1,16) o sacrifício exprime a piedade pessoal e coletiva. Profetas, em suas visões do futuro, não esqueciam as oferendas dos pagãos (Is 56,7; 66,20; Ml 1,11). Assim, os escritores do AT, ao delinearem em grandes pinceladas o painel da história, não concebem a vida religiosa sem sacrifício. O NT irá precisar essa intuição e consagrá-la de maneira original e definitiva (DUFOUR, 1987, p. 932). Como se pode perceber, o sacrifício permeia todos os grandes acontecimentos bíblicos. Não há como desvincular a história do povo de Deus da história do sacrifício, pois, estão profundamente imbricadas. Em outras palavras, pode-se dizer que todo sacrifício deve exprimir a aliança entre Deus e seu povo, a busca de comunhão de vida com Deus no banquete sacrifical. Ao oferecer um vegetal ou um animal a Deus o individuo está prestando uma homenagem a Deus. Está entrando em comunhão para pedir algo ou agradecer. O sangue da vítima simboliza a própria vida do ofertante oferecida a Deus. Assim, como a refeição é um símbolo de amizade o sacrifício é um símbolo de amizade com Deus. “O elemento simbólico comum em todos os sacrifícios é a presença do sangue. O sangue é vida” (GASS, 1992, p. 57). Por tal razão, sempre se oferece o animal vivo. O cadáver não tem importância. O importante é o sangue quente, ainda com vida. Como já se mencionou acima, no início da história de Israel qualquer um podia ser o sacerdote do sacrifício, mas com a evolução da sociedade israelita cria-se uma classe social sacerdotal hereditária e hierarquizada: levitas, sacerdotes e sumos sacerdotes. Estas passam a ser a única mediação entre o ofertante e Deus. O povo passa cada vez mais a ser impuro, portanto não pode entrar em comunhão com Deus. Isso vai dando cada vez mais poder ao sacerdote. Com o passar do tempo se começa a centrar o sacrifício muito mais nos gestos exteriores, fazendo com que se distancie de seu verdadeiro sentido. Isso levou muitos profetas a denunciar estes pseudo-sacrifícios. Para melhor compreensão se abordará ainda neste capítulo as principais denúncias acerca do sacrifício feitas pelos profetas Amós, Isaías e Oséias. 1.1.1 Tipos de sacrifícios A Bíblia serve como fonte para a constatação que desde o início existia mais de um tipo de sacrifício e que ao longo dos anos esses sacrifícios foram se completando e se complicando. Como já se mencionou neste trabalho, o sacrifício compõe-se de algumas partes litúrgicas tais como: altar, o ofertante, o sacerdote, a oferenda, a imposição das mãos, a expiação, aspersão ou oferecimento do sangue ou de farinha e a oblação. Na verdade, o livro do Levítico expõe a questão do sacrifício em termos técnicos e de maneira muito sistemática. A partir da leitura dos capítulos 1-6 constata-se que entre os sacrifícios cruentos e incruentos1 existem os seguintes sacrifícios: holocaustos, oblações, sacrifícios de comunhão, sacrifícios pelo pecado (reparação) e o dia da expiação. A seguir, se buscará trazer presente alguns aspectos de cada um dos tipos de sacrifícios citados acima, com o intuito de possibilitar uma maior compreensão da teologia do sacrifício. Holocausto: no Gn 8,20; Jz 6,21, aparecem rituais de holocausto que se resumem no seguinte rito: Queimava-se inteiramente a vítima (touro, cordeiro, cabrito, ave, no caso dos animais com couro, o couro era reservado para o sacerdote. O sangue era aspergido sobre o altar e este era o ritual mais perfeito, pleno e solene de culto, pelo reconhecimento da soberania divina e de homenagem ao criador. Importante lembrar que o holocausto era um sacrifício desconhecido dos mesopotâmios, somente mais tarde foi levado para o Egito (Lv 1,1-17; 6,1-6). Oblações: são os sacrifícios incruentos por não ocorrer o derramamento de sangue. Ofertavam-se cereais e parte era queimada no altar como memorial pedindo a Deus que se lembrasse do filho e parte ficava com os sacerdotes. Segundo alguns autores, oblações não são sacrifícios, pois o verdadeiro sacrifício exige o derramamento do sangue “que expia”, conforme Levítico (17,11). Porém, na história do sacrifício, muitas vezes as oblações foram usadas e aceitas como alternativas para os pobres tendo o mesmo valor expiatório (Lv 2,1-16; 6,7-16). Sacrifício de comunhão ou refeição sagrada: O fiel come e bebe diante de Javé (Dt 12,18; 14,26; a aliança do Sinai é selada por um tal sacrifício (Ex 24, 4-8). É verdade que nem todo banquete sagrado pressupõe necessariamente um sacrifício, mas, de fato, no Antigo Testamento, esses festins de comunhão o implicam: uma parte da vítima (gado graúdo ou miúdo) cabia por direito a Deus, senhor da vida (sangue derramado; gorduras consumidas, que são ‘alimento de Deus’, ‘manjar de Javé’), enquanto a carne servia de alimento aos convivas (Lv 3,1-17; 7,11-38). Sacrifício pelo pecado (reparação): Esse sacrifício era feito quando alguém pecava (ofendia) uma pessoa ou a Deus. O pecado contaminava o tabernáculo, portanto o sangue do animal sacrificado devia ser aspergido sobre o local. A carne ficava para o sacerdote. Não existia uma palavra específica para pecado, portanto, o israelita usava: 1 Sacrifícios cruentos são aqueles em que há derramamento de sangue. Os incruentos são os sacrifícios de oblação. Exemplo: oferta de cereais. iniqüidade, impiedade, mancha, falta, transgressão, revolta, injustiça, dívida, etc. Como também não se usava a palavra perdão, mas expiação. Logo, quando alguém estivesse em situação de “pecado” era necessário fazer a expiação, ou seja, uma purificação propiciatória, levando o homem a se predispor em condições de agradar a Deus, que desagradou com algum ato que necessita “expiar”, extinguir, purificando-se (Lv 4,1-35; 7,1-10). O dia da expiação: Ainda bastante cedo aparecem os ritos expiatórios. Deus aceitava as oferendas “em perfume de aplacamento”. Eram sacrificados dois bodes. Um nos mesmos moldes da sacrifico de reparação e o outro levava os pecados perdoados para o diabo no deserto. Isso acontecia uma vez por ano. Neste dia o sumo sacerdote entrava no local mais sagrado do templo “Santo dos Santos” onde estava Deus. Primeiro ele oferecia o sangue de um novilho para o perdão dos próprios pecados, depois, sangue de um bode para o perdão dos pecados do povo2 (Lv 16,1-34). 1.1.2 A crítica dos profetas O sacrifício só tem um sentido se ele for um sinal do desejo mais profundo do ser humano de entrar em intimidade com Deus. Necessariamente ele deve ser a manifestação visível do invisível, ou seja, de desejos interiores, como por exemplo: adoração, desejo de confissão e perdão dos pecados. E em última instância o rito sacrifical só será autêntico se for um sinal do “sacrifício perpétuo” (DUFOUR, 1987, p. 934). No decorrer da história muitos foram os desvios dos ritos sacrificais. “Uma tentação persistia: afeiçoar-se ao rito negligenciando o sinal. Daí as advertências dos profetas” (DUFOUR, 1987, p. 934). É importante lembrar que os profetas não condenam o sacrifício, mas sim, suas contradições e interesses particulares, bem como, em particular, as práticas canaanitas. (DUFOUR, 1987, p. 934). Tal crítica aparece na fala de Oséias: “Pedirei contas de quando ela oferecia incenso aos ídolos, de quando se enfeitava de anel e colar para correr atrás de seus amantes e se esquecia de mim – oráculo de Javé” (Os 2,15). Neste contexto, Oséias denuncia a infidelidade de pessoas que por interesses particulares aderem ao culto a Baal, deus dos canaanitas e, Javé é deixado de lado nos ritos sacrificais. Por tal razão é que os profetas insistem que os sacrifícios devem brotar do coração. Sem as disposições do coração, o sacrifício se reduz a um gesto vão e hipócrita, com A descrição dos tipos de sacrifício foram feitas a partir de leituras do livro do “Levítico “1-7; 16,1-34, do “Vocabulário de Teologia”, páginas 933-934 e, da obra “Estudos Bíblicos”, nº 34, p. 58. 2 sentimentos perversos e isso desagrada profundamente a Deus. Muitos são hipócritas em suas ações: os mesmos que fazem inúmeros ritos de sacrifício são que ficam planejando como explorar os mais necessitados, isso se sobressai quando Oséias denuncia essas pessoas através da seguinte fala: Escutem aqui, exploradores do necessitado, opressores dos pobres do país! Vocês ficam maquinando: ‘Quando vai passar a festa da lua nova, para podermos pôr à venda o nosso trigo? Quando vai passar o sábado, para abrirmos o armazém, para diminuir as medidas, aumentar o peso e viciar a balança, para comprar os fracos por dinheiro, o necessitado por um par de sandálias, e vender o refugo do trigo? (Os 8,4). São os mesmos exploradores que freqüentam o templo, fazem seus sacrifícios e até quando estão rezando ficam pensando formas para terem mais lucros. Uma crítica muito semelhante à de Oséias aparece no livro de Isaías. Quando coloca que Javé está repudiando todo tipo de sacrifico por haver um abismo entre as práticas religiosas e a vida cotidiana. Que me interessa a quantidade de sacrifícios? – diz Javé. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos. Não gosto do sangue de bois, carneiros e cabritos. Quando vocês vêm à minha presença e pisam meus átrios, quem exige algo de vocês? Parem de trazer ofertas inúteis. O incenso é coisa nojenta para mim; luas novas, sábados, assembléias... não suporto injustiças junto com solenidades (Is 1,11-14a). Os pobres que não conseguiam oferecer sacrifícios eram considerados impuros. Os ricos alimentavam uma falsa imagem de bons fiéis. Muitos ficavam cada vez mais ricos. “Sua falsa religião apenas servia de legitimação de sua opressão sobre os empobrecidos” (GAAS, 1992, p. 59). Jesus também não se calou diante desse ritualismo, diante de um sistema religioso de pura exterioridade (Mt 9,13). “Tanto os profetas como Jesus queriam que o verdadeiro culto tivesse sua base na justiça e misericórdia” (GASS, 1992, p. 59). O sacrifício condenado pelos profetas era aquele que deixava visível um abismo entre o sacrifício em si e a vida prática, pois diziam estar em comunhão com Deus através do sacrifício, mas na vida o que se via era a prática da injustiça (VIER, 1971, p.1357). De mais a mais, Deus não precisa de sangue e de carne dos animais sacrificados, porque todos os animais e a terra inteira lhe pertencem como suas criaturas. No judaísmo posterior o sacrifício era sobretudo encarado como uma obrigação imposta por Deus que o justo deveria cumprir minuciosamente de acordo com as determinação da lei mosaica. Assim o sacrifício perdeu seu caráter de dom, tornando-se obra de obediência, de esmola (VIER, 1971, p. 1358). A crítica à hipocrisia, à incoerência entre os atos religiosos praticados e a vida prática reaparecem em Qumran, onde há textos que denunciam a piedade superficial, interesseira ou em desacordo com a vida, e põem finalmente em questão os próprios ritos. Nesse sentido, os profetas antecipavam a revelação do Novo Testamento acerca da essência do sacrifício (DUFOUR, 1987, p. 934). A grande ponte, segundo alguns bíblistas, do autêntico sacrifício do Antigo Testamento para com o novo é o conhecido texto do profeta Isaías, no qual, apresenta o “servo sofredor” ou “servo de Javé. Ao lado da síntese legislativa do Lv, a Bíblia oferece uma outra síntese, e esta viva, porque se encarna numa pessoa. ‘o Servo de Javé’, segundo Is 53, oferecerá sua morte em sacrifício de expiação. O oráculo profético assinala um progresso notável em relação às concepções de Lv 16. O bode expiatório, no grande dia da expiação, levava os pecados do povo, mas, a despeito do rito da imposição das mãos, não se identificava com a vitima do sacrifício. A doutrina da substituição vicária penal não aflorava nessa liturgia. Ao contrário, o servo, livremente, se põe em lugar dos pecadores. Aqui, o máximo de interioridade se alia ao máximo do dom com o máximo de eficácia (DUFOUR, 1987, p. 934). Com certeza o sacrifício do Servo de Javé traz grande contribuição para a compreensão do novo sacrifício, pois Jesus, o grande profeta do Novo Testamento, retoma a idéia da primazia da alma (interior) em detrimento do rito. A aplicação do vocabulário sacrifical do Antigo Testamento ajuda na compressão do sacrifício e morte de Cristo. A semelhança entre a fidelidade do Servo de Javé ao projeto de Deus é muito próxima da fidelidade de Cristo. O Servo de Javé é justo e inocente, mas sofre as conseqüências de uma estrutura injusta da sociedade onde vive, e por isso morre esmagado sob o peso dos erros de todos. Contudo, é através do seu aparente fracasso que o projeto de Deus vai triunfar: o Servo é glorificado e traz a salvação para todos. Ao narrar a paixão de Jesus, os Evangelhos praticamente retomam este quarto cântico em todos os detalhes: na sua vida e morte, Jesus se identificou completamente com o povo pobre que, em todos os tempos e lugares, é vítima da injustiça e exploração, da opressão e esquecimento (BÍBLIA PASTORAL, 1991, p. 996). 1.2 Novo Testamento Os diferentes conceitos de sacrifício do Antigo Testamento não desaparecem no Novo, mas são transpostos para um nível mais elevado. E, quando se fala em sacrifício em um nível mais elevado, há uma referência à paixão e morte de Jesus Cristo. Frente ao culto sacrifical dos judeus, os evangelhos têm uma posição que lembra a dos grandes profetas: Não rejeição básica e total dos ritos sacrificais então em uso (Mc 1,44; Mt 5,23ss; Lc 13,1), mas severa crítica contra um culto divino exteriorizado Mc 7,6ss; conforme Is 12,33s) e contra os abusos existentes no santuário (purificação do templo), subordinação de todos os sacrifícios ao mandamento do amor (Mc 12,33) (STYRIA, 1962, p. 1030). Outro aspecto relevante a ser observado na igreja primitiva é que não havia uma unidade na própria concepção de sacrifício. De um lado aparece Tiago que dá continuidade aos sacrifícios judaicos; de outro Estevão, e com ele muitas outras pessoas com influência helenista, que rejeitam radicalmente o templo (STYRIA, 1962, p. 1030). De mais a mais, percebe-se no Novo Testamento referências ao Antigo que, de um ponto de vista mais crítico, podem-se julgar referências perigosas, porque podem levar a equívocos na interpretação. Facilmente se conclui que Jesus morreu por vontade do Pai e não por conseqüência de sua radicalidade na concretização de um mundo melhor. Pois, no presente texto do “Vocabulário de teologia bíblica” aparece a ligação do sacrifício de Cristo com o sangue dos antigos sacrifícios apresentados por seus ofertantes e descritos no livro do Levítico (DUFOUR, 1987, p. 936). Este sangue, porém é vertido por um Filho por iniciativa de seu Pai. Os Apóstolos esboçam assim uma comparação entre o sacrifício de Isaac e o de Jesus. Esse paralelo põe em relevo a perfeição da oblação do calvário: Cristo, Filho ‘bemamado’, agapetos (cf. Mc 12,6; 1,11; 9,7), entrega-se a morte, e o Pai, por amor aos homens, não poupa seu próprio Filho (Rm 8,32; Jo 3,16). Assim a cruz revela a natureza íntima do sacrifício ‘de agradável odor’ (Ef 5,2): o sacrifício é, em sua substância espiritual, um ato de amor” (DUFOUR, 1987, p. 936). Aqui se julga que de fato o sacrifício é um ato de amor do Pai e do Filho pela humanidade, tanto é que Jesus foi fiel ao projeto do Pai até as últimas conseqüências. No entanto, se discorda quanto ao fato de que isto era vontade do Pai: que o filho tivesse uma morte de cruz. O Novo Testamento busca justamente retomar o sentido autêntico da teologia sacrifical. “Todas as suas páginas destacam que o amor está acima de todos os sacrifícios exteriores, Deus prefere a entrega aos irmãos em vez de vítimas sobre seu altar” (IDÍGORAS, 1983, p. 439). Os evangelhos apresentam um sacrifício por excelência e este sacrifício é o de Jesus. Houve um sacrifício interior, por isso são necessários símbolos exteriores para que se expresse. Por tal razão, é que os evangelhos relacionam com o antigo sacrifício, com a antiga lei, usando a imagem do cordeiro pascal (IDÍGORAS, 1983, p. 439). Segundo o autor do “Vocabulário teológico para a América Latina”, o livro de Hebreus estabelece sistematicamente a compreensão entre o sacrifício de expiação na velha lei (Lv 16) e o sacrifício espiritual de Cristo na cruz, que se centra no amor ao Pai e aos seus irmãos (IDÍGORAS, 1983, p.439). Isso salienta que a essência do sacrifício, no Novo Testamento, é a vida de cada cristão que é desafiado a ser um prolongamento da vida de Cristo, porque todo cristão, quando oferece sua vida em prol do sonho de Deus e da luta pela concretização do projeto de Cristo, está se oferecendo como vítima e sacerdote. Como diz o texto, “o que faz a vida diária uma oferenda e um sacrifício é o amor com que o cristão se entrega a Deus” (IDÍGORAS, 1983, p. 440). Conforme os evangelhos sinóticos, o sacrifício que ocupava lugar tão importante no judaísmo, não foi expressamente seguido por Jesus. Ele colocou muitas outras coisas acima do sacrifício. Por exemplo: a reconciliação com o próximo e o mandamento do amor. Chegou a afirmar que o sacrifício da antiga aliança tinha de desaparecer porque ele fundava uma nova aliança (VIER, 1971, p. 1359). Entre tantas interpretações equivocadas acerca do conceito de sacrifício, busca-se uma maior compreensão a partir de uma eficaz hermenêutica da morte de Jesus. “Somente a morte de Jesus pode ainda ser critério de orientação” (EICHER, 1993, p. 805). Como se constata, Jesus dá um novo enfoque à teologia sacrifical. A teologia expiatória de Anselmo Cantuária3 é superada por uma concepção que segundo alguns teólogos “não é o homem que vai a Deus e lhe leva um dom compensatório, mas é Deus que vem no homem para oferecer-lhe um dom” (EICHER, 1993, p. 805). É Deus em Cristo que se encarna e vem a nós. 1.2.1 Evangelhos: instituição eucarística No Novo Testamento se encontra cinco testemunhos acerca da instituição da eucaristia: Mateus, Marcos, Lucas, Paulo e João. Convém lembrar que há duas tradições sobre Anselmo de Cantuária (1033-1109) – Nasceu no norte da Itália, foi monge e arcebispo de Cantuária, na Inglaterra. Grande intelectual, contribuiu para os estudos filosóficos de seu tempo e é considerado o verdadeiro criador da Escolástica. Em sua obra “Cur Deus homo” (por que Deus se fez homem?), Anselmo elaborou a teoria da “satisfação penal substitutiva”: Jesus morreu para satisfazer a dignidade ofendida de Deus e com isso restabeleceu as relações de humanidade com Deus (EICHER, 1993, p. 805). 3 a eucaristia: a primeira relatada por Mc 14,22-25; Mt 26,26-29 e a segunda por Lc 22,15-20; 1Cor 11, 23-25. No decorrer deste texto será possível perceber as particularidades do primeiro e do segundo relato. Por conseguinte, os evangelhos sinóticos e a primeira carta aos Coríntios transmitiram um relato da última ceia do Senhor. João, porém, reelaborou as palavras eucarísticas a partir do discurso feito na sinagoga de Cafarnaum, depois da multiplicação dos pães (BARBAGLIO, 1990, p. 383). Portanto, neste item do trabalho, que aborda a instituição da eucaristia segundo os Evangelhos, se fará uma breve exposição sobre a instituição da eucaristia e sua relação sacrificial. No primeiro momento a partir dos sinóticos e, em seguida na perspectiva joanina. Em Mateus aparecem alguns aspectos peculiares e de significativa relevância ao abordar a questão eucarística. Por exemplo, antes de analisar a última ceia, se faz necessário averiguar com que tipo de pessoas Jesus em sua vida sentou para cear. De imediato, surge uma discussão sobre a comunhão de mesa onde aparece a seguinte fala de Jesus: “As pessoas que têm saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes” (Mt 9,12). Essa fala de Jesus justifica o fato dele se assentar com os pecadores, desprezados da sociedade puritana da época. Outro aspecto presente em Mateus está na passagem do Profeta Oséias: “Aprendam, pois, o que significa: ‘Eu quero misericórdia e não sacrifício’. Porque eu não vim para chamar justos, e sim pecadores” (Mt 9,13). A partir deste texto citado por Mateus se constata que o objetivo é mostrar o sentido da missão de Jesus. Não há como desvincular o anúncio do Reino, da misericórdia. Os gestos de misericórdia transcendem os gestos cultuais (BARBAGLIO, 1990, p. 167). “Para poder participar do culto, os judeus da estrita observância evitavam acuradamente qualquer contato com os pecadores públicos. E o faziam em nome de Deus. Seu Deus era, pois, um Deus discriminador” (BARBAGLIO, 1990, p. 383). Portanto, a paixão de Cristo é um ato para mostrar o caminho de salvação para todas as pessoas, não para uns poucos escolhidos. A crucificação não foi o querer de Deus. Deus não é um Deus sedento de sangue, nem se agrada com a morte do Filho. Mas é a vontade de Deus que todos se salvem. Analisando a última ceia, quando Jesus se oferece como carne e sangue, quer dizer que Jesus oferece sua vida em sua totalidade (CHAMPLIN, 1979, p. 596). O caminho para a salvação está na comunhão com a vida integral de Cristo e, como se viu nos parágrafos anteriores, a vida de Cristo é marcada pela misericórdia e pelo contato direto com as pessoas mais excluídas da época. A expressão “sangue da aliança” (Mt 26,28) faz uma alusão ao antigo sacrifício. No Antigo Testamento o sangue do sacrifício era aspergido sobre o altar e o povo, a fim de confirmar o solene acordo que o povo acabara de fazer, com o fito de observar a lei de Deus e isso era em vista do bem de muitos (CHAMPLIN, 1979, p. 595). Segundo Mateus, o sangue derramado é “derramado por muitos” (Mt 26,28). Esse muitos, tem o mesmo sentido de todos, ou seja, um caráter de universalidade e não para uns poucos escolhidos. Comer o pão e tomar o vinho na visão de Mateus é participar da vida inteira de Jesus. “Participação em tudo quanto Cristo realizou, foi e será. Compartilharmos de sua morte, de sua vida, de sua ressurreição, de sua ascensão e de sua glorificação... Essa é nossa forma de participar da vida de Deus” (CHAMPLIN, 1979, p. 595). Marcos, no relato da última ceia (14,22-25) introduz um caráter litúrgico e isso pode se deduzir a partir da simetria das palavras usadas sobre o pão e o cálice. Segundo Barbaglio, isso não compromete o valor histórico do relato eucarístico, pelo contrário, acrescenta o testemunho da comunidade que conservou a memória disto na celebração ((BARBAGLIO, 1990, p. 590). Até a última ceia os discípulos tinham ouvido falar, tinham percebido alusões à morte violenta de Jesus. Mas no momento em que diz “isto é meu corpo”, Jesus está antecipando neste gesto o que está para enfrentar: a morte como dom total de si. O cálice que naquela tarde é passado entre os convivas não é mais sinal de alegria ou de festa pela libertação, mas sela uma nova solidariedade ou comunhão entre os convivas e Jesus, entre eles e Deus. É o sangue da aliança. O pensamento de Jesus e de seus amigos, familiarizados com a linguagem bíblica, vai para o rito com que Moisés, ao pé do Sinai, concluiu a aliança entre Deus e seu povo, derramando metade do sangue das vítimas sobre o altar, símbolo de javé, e metade sobre o povo. Com o sangue, sinal de vida, sela-se uma comunhão vital entre Deus e seu povo. Agora não é mais um sangue de valor simbólico que une os membros desta aliança ou comunidade renovada, mas a realidade expressa pelo sangue derramado: o amor fiel até a morte (BARBAGLIO, 1990, p. 391). De fato, há um reforço desta idéia em Marcos quando aparece a seguinte citação: “Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45b). Assim como o servo sofredor, Jesus na sua morte toma sobre si o destino de uma multidão. Importante perceber que esta multidão tem um caráter universal, para todos. Porém, quando diz que Jesus veio para servir entende-se que este serviço se realiza na fidelidade radical e na responsabilidade plena para com a humanidade. “Por isso, a livre aceitação de sua morte violenta se torna o preço de libertação para muitos, isto é, se torna início e fundamento do processo de libertação que envolve uma multidão que tem as dimensões da humanidade” (BARBAGLIO, 1990, p. 539). O convite que Jesus faz para que todos os convivas tomem e comam, significa que todos estão ligados profundamente à vida e morte de Jesus. Como ato supremo de fidelidade e amor ao projeto do Pai. Por outro lado, Chaplim destaca que há uma tendência em pensar que o grande sentido da última ceia é um exemplo a ser seguido. No entanto, segundo ele, o verdadeiro sentido não perpassa por aí. Primeiramente deve haver uma abertura para acolher o dom do sacrifício de Cristo. Muitos têm tomado os símbolos do pão e do vinho como uma exortação a uma vida sacrificial. A menos que primeiramente recebamos, nossa entrega será superficial e sem substância. Se não recebermos dele o cálice de seu amor, não teremos nós mesmos grande coisa para ali verter (CHAMPLIN, 1979, p. 780). Por fim, ainda dentro dos sinóticos, Lucas traz algumas contribuições no que tange à instituição eucarística. Divide a narrativa em dois momentos: a ceia pascal hebraica (Lc 22, 14-20) e a ceia eucarística, que é páscoa do novo povo (Lc 22,19-20). A fórmula eucarística é muito semelhante à de Paulo em 1Cor 11,23-25 (GEORGE, 1982, p. 45). Quando se fala em páscoa na concepção bíblica se recorda a celebração completa, onde o centro da ceia é a ceia do cordeiro. Portanto, a expressão “imolar a páscoa” é o mesmo que imolar o cordeiro. “Veio o dia dos Ázimos, quando devia ser imolada a páscoa” (Lc 22,7).4 Pode-se perguntar por que não se fala no cordeiro pascal no texto de Lucas. Segundo Fabris, “a ceia final de Jesus toma o lugar da antiga páscoa hebraica. Então o próprio Jesus e o seu dom eucarístico tomam o lugar do cordeiro, memorial da páscoa de libertação” (FABRIS, 1992, p.217). Assim como o povo judeu fazia memória do sacrifício com o qual Israel encontrou a liberdade, Jesus, ao instituir uma páscoa nova, pede para que se celebre em memória de sua morte sacrifical, que também é libertadora. De mais a mais, na ceia que Lucas apresenta, está intrínseco o anúncio da paixão, que deve se realizar segundo o projeto de Deus. É por isso que o centro não são mais os elementos da ceia judaica, mas é Cristo e sua proposta. Todos os preparativos indispensáveis para a páscoa, como o cordeiro, as ervas, o pão ázimo, o vinho etc., passam a segundo plano. O que importa é a sala superior espaçosa e preparada para os hóspedes. O centro da nova páscoa é Jesus, a sua palavra e o seu dom, que estão sendo continuamente recordados e atualizados na 4 Aqui optamos por uma citação da Bíblia Jerusalém. Pois, segundo a maioria dos biblistas a expressão mais fiel ao texto original é “imolar a páscoa” e não “matar o cordeiro para a páscoa” como a Bíblia pastoral apresenta. comunidade dos discípulos que, ainda hoje, se reúnem para celebrar a páscoa” (FABRIS, 1992, p. 217). Logo, todos os que participam da nova páscoa participam do destino de Jesus, comungam de sua vida e proposta. Assim como os outros evangelistas já destacaram, na concepção judaica o corpo é a totalidade da pessoa. Portanto, comer o pão (o corpo) e beber do cálice (o sangue) é fazer parte da vida de Jesus na íntegra. Segundo Fabris, poderíamos substituir a fala de Jesus “Isto é meu corpo, que é dado por vós” (Lc 22,19), por “este pão é minha existência dada por vós” (FABRIS, 1992, p. 219). Um aspecto muito peculiar de Lucas está justamente na expressão “por vós”, citada acima. Aliás, na leitura de Lucas o sangue também é derramado “por vós”, diferentemente de Marcos e Mateus que afirmam que o sangue é derramado “pela multidão” e faz referência à morte expiatória do servo do Senhor (Is 53). Segundo George, Lucas “não exclui a universalidade da salvação realizada pela morte de Cristo, mas adapta o anúncio aos que participam da eucaristia e ameniza a alusão ao aspecto expiatório da morte de Jesus (GEORGE, 1982, p. 46). Como foi salientado no começo do item deste trabalho “Evangelhos: a instituição da eucaristia”, João é o único evangelista que não relata a última ceia, mas ele reelabora as palavras eucarísticas no quadro do discurso feito na sinagoga de Cafarnaum, depois da multiplicação dos pães. Se nos evangelhos sinóticos há um paralelo da nova páscoa com a páscoa hebraica (antiga páscoa), João faz um paralelo da multiplicação dos pães com o maná no deserto. Como se pode ver no texto: “Os pais de vocês comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desceu do céu: quem dele comer nunca morrerá” (Jo 6,49-51). A partir do texto, se observa que Jesus se apresenta como aquele que veio de Deus para dar a vida definitiva a todos os homens e mulheres. Desta forma, transparece em seu discurso certa oposição entre a proposta de salvação anunciada por Ele e o que os judeus esperavam do messias. “É uma contínua contraposição entre o verdadeiro pão que é Jesus e as expectativas de salvação, um conflito entre a revelação do Cristo e as resistências do homem” (FABRIS, 1992, p. 346). O fato de Jesus se apresentar como o verdadeiro pão descido do céu incomoda os judeus, pois isso significa que ele vem de Deus e tem uma capacidade salvífica que é dom para todos. E Jesus reafirma essa idéia, em João, quando diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,54). Na concepção joanina a vida sempre está associada à salvação. É uma vida que é dom vindo de Deus e sobre o qual o homem não tem poder; é uma vida para todos, universal, e não só para alguns; é uma vida simultaneamente presente e futura; está relacionada com a fé e o sacramento; exige a comunhão com Cristo e torna-se prática nesta (FABRIS, 1992, p. 348). Como se pode ver João não dá detalhes da última ceia de Jesus. Mas os principais significados das palavras e gestos de Jesus na última ceia estão presentes no discurso de João no capítulo 6, mas à maneira dele (FABRIS, 1992, p. 349). Ele não tem por objetivo narrar a ceia, mas fazer uma homilia eucarística. Os trechos eucarísticos não concernem somente à eucaristia-sacramento, mas também – de modo mais amplo – à palavra e à fé: é toda a existência de Cristo, é a encarnação que está explicada no seu sentido fundamental. Expressões como ‘descido do céu (6,33.50.58), ‘dado pelo Pai’ (Jo 6,32), ‘enviado pelo Pai’ (Jo 6,57) referem-se à encarnação. Outros motivos, como ‘sangue’ e ‘dado’ se referem à Paixão e cruz. É portanto toda a existência de Cristo que nos está sendo desvelada no seu sentido profundo (FABRIS, 1992, p. 349). . Ainda no Evangelho de João, Jesus é descrito por João Batista como o verdadeiro cordeiro pascal. “No dia seguinte, João viu Jesus, que se aproximava dele. E disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Embora não se diga explicitamente de que maneira o cordeiro de Deus tira o pecado do mundo pode-se deduzir que seja pelo seu sangue. É o verdadeiro cordeiro que substitui o cordeiro pascal. “João Batista chamando Jesus de Cordeiro, mostra que ele é o Messias que vem tirar a humanidade da escravidão em que se encontra e conduzi-la a uma vida na liberdade (BÍBLIA PASTORAL, 1991, p.1354). Aqui, é possível associar ao Servo de Javé que carrega os pecados dos outros e é morto como um cordeiro para o bem de muitos. 1.2.2 Contextualização em Hebreus Segundo a grande maioria dos biblistas o escrito de Hebreus não foi obra de Paulo, uma vez que, seu estilo é muito diferente. Segundo Champlin, Orígenes 5 teria dito: “Quem escreveu esta epístola, só Deus o sabe” (CHAMPLIN, 1979, p. 464). Portanto, se pode concluir que a obra é de um autor desconhecido, escrita por volta dos anos 80 (BÍBLIA PASTORAL, 1990, p. 1545). Porém, no que se refere à data também não há um consenso entre os estudiosos. Por exemplo, na introdução da Bíblia TEB (Tradução Ecumênica), há referência de que a carta teria sido escrita no final do primeiro século, ou então, outros a Orígenes (185-252) – Orígenes nasceu em Alexandria. Destacou-se por seus comentários e homilias sobre as Escrituras. Teve muita influência na igreja primitiva, sendo considerado um dos principais pensadores cristãos de seu tempo. 5 colocam próxima ao martírio de Paulo, ou seja, anos 70 (BÍBLIA TEB, 1994, p. 2344). No entanto, não é o objetivo deste trabalho aprofundar as razões das divergências destas datas. Outro aspecto importante para contextualizar o livro é que esse não pode ser considerado uma carta, ao menos na integra. Pois, não tem característica de carta, está mais para um sermão, tanto é que, o autor nunca diz que escreve, mas que fala (BÍBLIA TEB, 1994, p.2343). Já na obra de Champlin, ele coloca que o livro de Hebreus é um tratado, é um sermão e é uma carta. “Começa com um tratado, prossegue como um sermão, e termina como uma epístola” (CHAMPLIN, 1979, p. 469). E os destinatários? Bem, a obra não contém nenhuma indicação precisa sobre seus destinatários. “O titulo ‘Aos Hebreus’ não faz parte do texto; é antigo, mas, com toda a probabilidade, foi escolhido na hora de inserir o escrito numa coletânea de várias epístolas” (BÍBLIA TEB, 1994, p. 2343). Optou-se aqui pela tese de que o livro de Hebreus foi escrito por volta dos anos 80. Portanto, é destinado a comunidades de segunda geração e a situação dessas comunidades vai aparecendo quando o autor, por vezes, interrompe suas reflexões teológicas e faz alguma exortação aos leitores sobre as graves conseqüências do menosprezo da mensagem de Deus. Um exemplo se encontra em Hb 1,1-4, onde o autor coloca Cristo no centro do sermão, faz questão de salientar que a salvação só se dá pela mediação do Filho (HOEFELMANN, 1992, p. 09). Desta forma, demonstra grande preocupação com o envolvimento dos cristãos com outras doutrinas. “O autor enxerga nas comunidades o risco de desvio em relação às verdades ouvidas e de negligência em relação à salvação anunciada. Por isso conclama os leitores a apegar-se com maior firmeza à mensagem que está na origem das comunidades” (HOEFELMANN, 1992, p. 10). Como se viu, os destinatários do livro de Hebreus são cristãos que estão valorizando outras doutrinas e não a verdadeira. Por isso, o autor os trata como crianças, ou seja, apresenta coisas básicas da fé. Por tal razão, aparece também constantemente a insistência em mostrar Cristo como o único mediador entre Deus e os homens. Único santuário e sacerdote, bem como, as inúmeras relações com os ritos do antigo sacrifício, isso para facilitar a compreensão dos cristãos que estão se afastando ou já se afastaram dos ensinamentos de Jesus Cristo. Neste contexto, o escrito tem um papel muito importante por apresentar Jesus como aquele que supera a instituição cultual do Antigo Testamento. Paulo havia mostrado a caducidade da lei, anunciando que não é a piedade legalista que salva. Agora, o autor de hebreus mostra que a piedade cultual ligada ao Templo e aos sacrifícios não assegura o perdão e a comunhão com Deus. O único ato salvador a obter de uma vez por todas o perdão é o sacrifício de Jesus, que derramou seu sangue e entregou sua vida por nós (BÍBLIA PASTORAL, 1990, p. 1545). Com o intuito de compreender a complexidade e riqueza que estão presentes no livro de Hebreus, optou-se por uma estruturação de alguns temas mencionados no texto. Na introdução do livro de Hebreus na Bíblia TEB se constata cinco partes: Na primeira parte (1,5-2,18) – o autor de Hebreus busca definir quem é Cristo. Na segunda parte (3,1-5, 10) – mostra as características fundamentais do sacerdócio e faz uma grande exortação à fidelidade cristã. Na terceira (5,11-10,39) – apresenta Cristo como o sumo sacerdote novo e o verdadeiro santuário; também aparece o novo sacrifício de Cristo contrapondo-se ao antigo sacrifício da antiga aliança. Na quarta parte (11,1-12,13) – salienta dois aspectos fundamentais da vida espiritual: a fé e a persistência, a exemplo dos antepassados. E, por fim, a última e quinta parte (12,14-13,18) – esboça um quadro da vida cristã, deixando o convite a todos para que percorram o caminho da santidade e da paz (BÍBLIA TEB, 1994, p.2344-2345). É claro que todos esses temas são muito importantes e podem trazer grandes contribuições, tanto para reflexões teológicas (acadêmicas), quanto para uma experiência de fé e espiritualidade. No próximo capítulo deste trabalho, se buscará fazer uma análise mais profunda do texto de Hebreus. No entanto, se dará maior ênfase na terceira parte (conforme divisão da Bíblia TEB). É importante salientar que no próximo capítulo não se tem por objetivo aprofundar a questão do sacerdócio de Cristo, por mais que, indiretamente alguns aspectos sejam abordados. O tema principal gira em torno do sacrifício: uma análise do novo sacrifício e alguns confrontos entre as muitas interpretações acerca do sacrifício. 2 ANÁLISE DO TEXTO DE HEBREUS 9,1-14 Neste capítulo do trabalho se buscará focar o tema do sacrifico. Segundo Champlin, “o nono capítulo de Hebreus, dá início ao exame mais particular dos ‘antigos sacrifícios’, com o fito de mostrar que, no único sacrifício de Cristo, tudo aquilo se tornou obsoleto” (CHAMPLIN, 1979, p. 574). Na concepção de Varone, uma das primeiras atitudes ao tentar entender o sacrifício em Hebreus é ver se a intenção do autor do livro sagrado foi mostrar o sacrifício como materialização do sofrimento e da morte de Jesus ou se o sacrifício é uma linguagem simbólica. Por sacrifício materialista (materialização do sofrimento), Varone entende que: Llamo “materialista” a la interpretación que ve en la sangre derramada la materialización del sufrimento y la muerte de la víctima, así como de la exigencia divina y de su satisfacción. Si la Carta a los Hebreos funciona de esta manera, entonces la carta ha tracionado a los evangelios (VARONE, 1988, p. 123). De um lado, há estudiosos do sacrifício que fazem uma leitura de Hebreus e mostram que o sacrifício apresentado no livro retrata a materialização do sofrimento, não trazendo, portanto, contribuições para o cristianismo. De outro, há biblistas que entendem o sacrifício como um sacrifício simbólico, ou seja, que se utiliza da linguagem sacrifical para abordar a vida de Jesus, desde seu nascimento até sua ressurreição, passando do mero ritual à existência; da imagem, à realidade. Nesta perspectiva, não há dúvidas que a carta traz grandes contribuições a todo o cristianismo. No intuito de aprofundar a complexidade do tema “sacrifício em Hebreus”, dividiu-se este capítulo do trabalho em duas partes. A primeira parte compreende dois momentos: o sacrifício no santuário terrestre, ou seja, uma exposição acerca dos símbolos e ritos do antigo sacrifício e, no segundo momento, uma análise do sacrifício de Cristo, contrapondo a ação sacerdotal de Cristo (que traz os bens vindouros e entra no santuário celeste) com o antigo culto. Na segunda parte do capítulo se abordarão algumas reflexões atuais sobre o verdadeiro sentido do sacrifício de Cristo em Hebreus. 2.1 O sacrifício no santuário mosaico6 (9,1-10) É importante compreender aqui qual é o significado dos mais diversos aspectos que estão relacionadas diretamente com as tendas mosaicas, ou seja, com o santuário terrestre, como por exemplo, o significado do tabernáculo, do Santo dos Santos, das mobílias, dos sacrifícios diários, do sacrifício solene do dia da expiação e o simbolismo do rito feito pelo sumo sacerdote neste dia. É importante salientar que na antiga aliança o santuário é o único espaço em que, por excelência se realizam os serviços sagrados. “Serviço sagrado”, assim foi chamado, “porque foi instituído por Deus, mediante revelação, cujo sentido era acesso a Deus. O tabernáculo, por si mesmo, era símbolo de vários graus de acesso a Deus” (CHAMPLIN, 1979, p. 576). No livro de hebreus o santuário terreno é descrito da seguinte forma: A primeira aliança tinha normas para o culto e um santuário terrestre. De fato, foi construída uma tenda: trata-se da primeira tenda, chamada ‘Santo’; e nela estavam o candelabro, a mesa e os pães da oferta. Atrás do segundo véu havia outra tenda, chamada ‘Santo dos Santos’. Estava aí o altar de ouro para incenso, e a arca da aliança toda recoberta de ouro, na qual se encontrava uma urna de ouro que continha o maná, o bastão de Aarão, que tinha brotado, e as tábuas da aliança. Sobre a arca estavam os querubins da Glória, que com sua sombra cobriam o lugar do perdão (Hb 9,1-5)7. O tema central citado acima é o “santuário terrestre”. O autor de Hebreus faz questão de salientar bem o terrestre, para contrapor o santuário celeste, este que não foi construído por mãos humanas. O terrestre, porém, é deste mundo, uma cópia do tabernáculo (santuário) celestial.8 O autor já menciona a inferioridade das coisas desse mundo quando em seu livro sagrado diz: “A Lei possui apenas uma sombra dos bens futuros, e não a realidade concreta das coisas” (Hb 10,1a). A idéia de esse mundo ser cópia, sombra do mundo perfeito, deixa evidente no pensamento do autor a influência helenista, especificamente platônica. O autor enfatiza um conceito de mundo em dois andares (CHAMPLIN, 1979, p. 576). No entanto, o santuário da antiga aliança teve um papel fundamental para ajudar a compreender o santuário celeste da nova aliança. O santuário celeste é o modelo de onde foi copiado o terrestre. 6 Santuário mosaico porque Moisés foi o mediador entre a vontade de Deus e o santuário terrestre, cópia do santuário celeste, mas que, na verdade, foi construído por Salomão (1Rs 5 e 6). 7 No final deste trabalho, em anexo, está uma planta baixa e a mobília do antigo santuário. 8 Segundo algumas interpretações antigas, acreditava-se que o anjo Gabriel, desceu dos céus, trajado de operário e mostrou a Moisés como deveria duplicar os modelos dos objetos celestiais que ele trouxera como exemplares (CHAPLIN, 1979, p. 576). Mas nem por isso devemos imaginar algum templo ‘literal’, existente nos céus, que teria um compartimento chamado ‘Santo Lugar’. Antes, nos lugares celestiais, há vários graus de acesso a Deus, o que também estava simbolicamente representado no santuário terreno (CHAMPLIN, 1979, p. 576). Novamente transparece como o santuário terrestre com o passar dos anos foi restringindo seu acesso a Deus, pois, mesmo sendo sombra do verdadeiro, este deveria ter vários graus de acesso a Deus, do mesmo modo que o modelo do celestial. No espaço mais sagrado do santuário, Santo dos Santos, estava a arca da aliança,9 sobre a arca, havia uma espécie de tampa, chamada de propiciatório. Era sobre esta tampa, o propiciatório, que eram feitas as propiciações, onde o sangue do animal sacrificado era aspergido. Sobre a arca havia ainda os querubins, que estavam de frente um para o outro, formando um arco. Estes simbolizavam a proteção da santidade divina. A arca era vista como o trono de Deus, onde estava Deus. Portanto, na tipologia cristã passou a ser símbolo da realidade do sacrifício de Cristo que abre acesso ao trono de Deus (CHAMPLIN, 1979, p. 578). No que se refere ao conteúdo dentro da arca, o autor de Hebreus difere da antiga tradição. Como se viu no texto citado acima (Hb 9,1-5), dentro da arca estava o maná, o bastão de Aaraão e as tábuas da aliança. No entanto, segundo a tradição bíblica do Antigo Testamento (Dt 10,1-5; 1Rs 8,9) e do historiador Flávio Josefo, dentro da arca se encontravam apenas as tábuas da lei, isso demonstra que o autor teve liberdade de socializar interpretações com as quais não concordava (GASS, 1992, p. 60). Se o santuário terrestre, mesmo com suas limitações, ajuda a compreender o santuário celeste, o mesmo se pode dizer das funções rituais dos sacerdotes da antiga aliança, essas ajudam a entender por que Cristo em seu sacrifício foi sacerdote e vítima e por que morreu para a remissão de nossos pecados. Através do livro de Hebreus constata-se que a função do sacerdote e do sumo sacerdote eram as seguintes: Estando assim disposto, os sacerdotes a todo momento entram na primeira tenda para celebrar o culto. Na segunda tenda, porém, entra somente o sumo sacerdote uma vez por ano, levando o sangue que ele oferece por si mesmo e pelos pecados que o povo cometeu por ignorância. Desse modo, o espírito Santo pretendia mostrar que, enquanto existisse a primeira tenda, o caminho para o santuário ainda não estava aberto. Trata-se de um símbolo do tempo presente. Nessa tenda são oferecidos dons e sacrifícios, que não podem tornar perfeita a consciência de quem os oferece. Esses alimentos, bebidas e diferentes tipos de purificação com água, são apenas prescrições humanas, válidas até o tempo em que seriam corrigidas (Hb 9, 6-10). 9 A arca da aliança era uma caixa de madeira de acácia, recoberta de ouro, com cerca de 2,40m de comprimento, 1,40m de largura e 1,40m de altura (CHAMPLIN, 1979, p. 578). De imediato, se deduz que o santuário terrestre tem mais de um espaço sagrado, existindo, portanto, mais de uma tenda. A primeira tenda é o Santo, onde o sacerdote entra ‘todo tempo’, isto é, todos os dias, para cumprir o serviço religioso ordinário (GASS, 1992, p. 60). Neste espaço podiam entrar um razoável número de homens, porém já na segunda tenda, Santo dos Santos, só entrava um homem, enquanto ele vivesse, pois todo sumo sacerdote tinha função vitalícia (CHAMPLIN, 1979, p. 579). Uma vez por ano apenas, somente no dia do grande perdão o sumo sacerdote e somente ele entra no Santo dos Santos. Como era sacrifício de sangue o autor cria uma analogia com o sacrifício de Jesus. Jesus também entra como sumo sacerdote no Santo dos Santos. Ele entra no céu (no santuário interior do céu) como sacerdote e vítima. Porém, entrou uma única vez e para sempre. Com isso não há mais necessidade de sacrifício na terra, nem de sumo sacerdotes (BERGANT, 1999, p. 314). No entanto, segundo Varone, se a intenção é celebrar um sacrifício de aliança com Deus, cujo símbolo essencial é o sangue, não há dúvidas que tem que matar, sacrificar um animal. Mas, como obter sangue de um animal sem executá-lo? Em uma interpretação materialista a execução do animal é o centro do sacrifício, meio e fim. “El animal sacrificado ocupa el lugar del hombre, cuyo pecado es merecedor de la muerte y que, de este modo, paga su deuda mediante víctima interpuesta” (VARONE, 1988, p.125). Todavia, é bom lembrar que Varone não comunga dessa idéia materialista. Aliás, ele é um forte defensor da idéia de que o autor de Hebreus quando aborda o antigo sacrifício o toma a partir de uma concepção simbólica. Da mesma forma transparece essa posição nos escritos de Chaplin, quando argumenta que o autor de Hebreus aborda o sacrifício numa perspectiva simbólica: O sangue sagrado, derramado sobre um homem, absorve e dispersa a sua impureza. É provável que os hebreus muito antigos vissem as coisas mais ou menos por esse prisma, e essa suspeita é confirmada nos escritos rabínicos. O autor sagrado não compartilha de tal superstição, mas procura elevar tudo ao nível espiritual, fazendo os sacrifícios do antigo Testamento, serem apenas símbolos de realidades espirituais e místicas. Os sacrifícios de animais eram apenas simbólicos – não tinham eficácia própria. Não há de duvidar que o judaísmo comum cria na eficácia de tais sacrifícios, pois não viam como símbolos apenas. Imaginavam que deus realmente aceitava tal matança como expiação pelo pecado. O autor sagrado porém, já havia abandonado completamente essa idéia – a de que meros sacrifícios animais têm qualquer valor religioso ou espiritual (CHAMPLIN, 1979, p. 583). Na mesma linha de pensamento Ildo Bohn Gass, destaca que esses ritos não passam de ritos materiais: Eles não passam de ritos matérias (‘de carne’), porque se baseiam apenas em comida, bebidas e purificações diversas (v.10). Para poder entrar em contato com Deus é preciso uma profunda transformação, inclusive da consciência. Para isso, os ritos antigos eram completamente ineficazes. Não podiam realizar a mediação. A partir da correção ou reforma, inaugurada pelo sacrifício de Cristo, tais sacrifícios não podem ser mais aceitos. Perderam sua função (GASS, 1992, p. 61). Voltando a Varone, ele busca mostrar que a Carta apresenta esse ritual como um ato simbólico para uma melhor compreensão do novo sacrificio. “Si la Carta tuviera una visión ‘materialista’ de los elementos del sacrificio, no podría pasar de repente de la ‘sangre’ al ‘cuerpo de Jesús’ (VARONE, 1988, p. 125). Conforme o texto transcreve: “É por causa dessa vontade que nós fomos santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” (Hb10,10), “después de haber establecido con toda firmeza que ‘sin efusión de sangre no hay perdón (9,22)” (VARONE, 1988, p. 125). Na concepção do autor, falar em sangue e corpo é falar de Jesus em sua totalidade, em toda a sua vida. Portanto, em Hebreus não se estaria escrevendo somente sobre a morte de Cristo. Seu sacrifício é muito mais do que paixão e morte. O livro de Hebreus reforça essa idéia quando diz: Portanto, ofereçamos continuamente, por meio de Jesus, um sacrifício de louvor a Deus, isto é, o fruto de lábios que confessam o seu nome. Não se esqueçam de ser generosos, e saibam repartir com os outros, porque tais são os sacrifícios que agradam a Deus (Hb 13,15-16). Ou seja, não foi o ato em si, da morte que agradou a Deus, mas foi uma vida de fidelidade ao projeto de Deus que levou ao derramamento de sangue no sacrifício de cruz. Voltando ao antigo sacrifício para compreender melhor o sacrifício de Cristo: El pueblo no se identifica con el animal sacrificado ni ve en él una víctima que ocupe su lugar. No hay contexto alguno de castigo ni de sustituición: la ejecución es puramente técnica y sirve únicamente para obtener el símbolo ritual, la sangre, a fin de que la celebración pueda significar la andadura vital de todo el pueblo, que retorna hacia Dios y espera ser acogido por él una vez más (VARONE, 1988, p. 127). Sacrificado o animal o próximo passo no sacrifício antigo é o sacerdote pegar o sangue em um vaso e transportar até o interior do Santo dos Santos passando o véu que separa o lugar onde está Deus. Simbolicamente ele está levando o povo até Deus. Pois, o sangue representa a vida do povo (VARONE, 1988, p.127). No terceiro momento ele vai aspergir com sangue o propiciatório. É neste momento que se dá a renovação da aliança: o encontro do sangue (vida do povo) com o vazio10 (Deus) De acordo com seu sentido simbólico, o sangue que cai sobre o propiciatório é a vida do povo, que recupera sua condição de povo de Deus. Como diz o autor: Es la vida de Israel, renovada y plenamente realizada por la proximidad recobrada con su Dios, y recobrada al término de un proceso no compensatório (en virtud de los Dolores y la muerte de la vícitma que sustituye al pueblo), sino existencial: un proceso de conversión que se significa en el rito (VARONE, 1988, p. 128). Por fim, o último ato simbólico do sacrifício de expiação é a aspersão do povo com sangue. Após a aliança renovada o sumo sacerdote se aproximava do povo e dizia “He aqui la sangre de la alianza” (VARONE, 1988, p.128). O povo sabe que aquele sangue está representando o movimento de Deus em sua direção. É Deus quem dá a vida e renova a aliança com todos aqueles que, de fato, participaram do rito, que simbolicamente materializaram seus anseios e limitações interiores. Neste contexto, é o próprio Deus quem dá a oportunidade ao povo de novamente se aproximar de seu projeto, de renovar a aliança, mesmo que por limitações humanas o povo tenha se afastado. É a chance paternal de Deus para retomar a comunicação com Ele e a própria perfeição de povo de Deus. Por outro lado, é visível a limitação do rito judaico que não permitia o acesso direto do povo com Deus, eles precisam de um representante (sumo sacerdote) para que Deus reafirme a sua aliança para com os seus. Portanto, se o sumo sacerdote chegasse a uma idade avançada, mantendo-se no oficio por quarenta anos, como algumas vezes sucedeu, durante todo esse tempo, só uma pessoa, em toda aquela geração de israelitas, tinha acesso a Deus – o sumo sacerdote. Mas, em Cristo Jesus o acesso é oferecido a todos; e ele se tornou o precursor daqueles que entrarão no Santo dos Santos dos céus; pois, eventualmente, ele conduzirá até ali todos os remidos, mediante um absoluto acesso a Deus Pai (CHAMPLIN, 1979, p. 579). Como se viu, este ritual é importante como dimensão simbólica para a compreensão da entrada de Cristo no santuário celeste. O sumo sacerdote da antiga aliança entrava uma vez por ano no ‘Santo dos Santos’, ficava “frente a frente” com Javé para pedir perdão pelos seus pecados e pelos pecados do povo (NICOLAU, 1962, p. 102). Como o rito de perdão dos 10 No Santo dos Santos, Deus está no vazio. Neste espaço há a arca da aliança, em que se encontram as tábuas da lei, recoberta de ouro e protegida de ambos os lados por dois querubins. Mas nenhum desses objetos representa Deus. Pois, Deus não pode ser representado por nenhuma imagem. Deus oferece sua presença no vazio que existe em cima da arca, entre os querubins. Ali está o coração do templo, a meta simbólica de todo o ritual de expiação (VARONE, 1988, p. 128). pecados se dava somente uma vez ao ano. O povo não tinha acesso ao íntimo do santuário, ou seja, o acesso a Deus era restringido e nisso consiste uma das grandes limitações do sacrifício antigo. O véu que dividia os lugares Santos dentro do santuário, era símbolo dessa restrição. “Um dos véus agia como porta do lugar Santo. E o outro era a porta do Santo dos Santos. Esse segundo véu, ou véu interior, tornou-se símbolo do corpo de Cristo (CHAMPLIN, 1979, p. 577). Segundo o evangelista Mateus, com a morte de Cristo o véu do santuário é rompido em duas partes de cima a baixo: “Imediatamente a cortina do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu, e as pedras se partiram” (Mt 27,51). Desta forma, os segredos reservados somente ao sumo sacerdote está disponível a todos. “O véu11 que se rasga com a morte de Jesus Cristo significa o fim do velho culto, permitindo ao povo o acesso direto a Deus” (GASS, 1992, p. 60). Segundo vários biblistas, o rito feito pelo sumo sacerdote no dia da expiação, nada mais é que uma imagem da verdadeira imagem. Para los cristianos, que ven en aquella entrada del sumo sacerdote en el santuario la entrada de Cristo en los cielos para ejercer su función sacerdotal; bien para los mismos judíos, que deben entender la dificuldad de aquel culto para hacer penetrar en el verdadero santuario. Porque, según este simbolismo, se oferecen dones y sacrificios que no pueden perfeccionar em su conciencia al que da culto. Sólo se obtiene con ellos una purificación legal (NICOLAU, 1962, p. 103). Como se pode perceber constantemente existe um paralelo do antigo com o novo sacrifício. Quando o autor de Hebreus aborda o antigo sacrifício sempre salienta as limitações deste em comparação com o novo sacrifício de Cristo, mostrando que, o antigo não passava de meras prescrições rituais. O ato mais importante do culto judaico não possibilitava o acesso do povo a Deus (BÍBLIA PASTORAL, 1991, p.1553 2.2 Cristo sumo sacerdote dos bens vindouros e do santuário celeste (9,11-14) Na Bíblia sempre que se menciona sacerdote, este está profundamente relacionado com sacrifício. Portanto, a partir da morte de Cristo, quando se fala no novo sacerdote, se está falando da dignidade e excelência de Jesus Cristo e, conseqüentemente, de seu sacrifício, que superou em todos os sentidos os antigos sacrifícios (NICOLAU, 1962, p. 93). Na verdade, aquilo que os judeus esperavam através dos ritos antigos para o perdão dos pecados realizou11 Este véu era feito de material pesadíssimo, de linho torcido, nas cores azul, púrpura e escarlate. As tradições rabínicas dizem que tinha a espessura da mão de um homem, com mais de 30m de comprimento e 18m de largura (CHAMPLIN, 1979, p. 577). se na Páscoa de Cristo, quando Nele está presente o santuário, o sacerdote e o sacrifício, assim como descreve o texto de Hebreus: Cristo, porém, veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Ele atravessou uma tenda muito maior e mais perfeita, não construída por mãos humanas, isto é, ele atravessou uma tenda que não pertence a esta criação. Ele entrou uma vez por todas no santuário, e não com sangue de bodes e novilhos, mas com o seu próprio sangue, depois de conseguir para nós uma libertação definitiva. Sangue de bodes e de touros e cinzas de novilha, espalhadas sobre pessoas impuras, as santificam, concedendo-lhes uma pureza externa. Muito mais o sangue de Cristo que, com um Espírito eterno, se ofereceu a Deus como vítima sem mancha! Ele purificará das obras da morte a nossa consciência, para que possamos servir ao Deus vivo” (Hb 9, 11-14). Estes quatro versículos citados acima complementam os dez anteriores, eles retomam pontos essenciais, mas em tudo há superioridade: o santuário celeste supera o terrestre, antigo; Cristo supera o sumo sacerdote da descendência de Aarão, o sangue de Cristo supera o sangue dos animais, a entrada de Cristo no céu é definitiva e eficaz, logo, supera a do sumo sacerdote que é anual; enfim, a ação de Cristo tem uma eficácia infinita (GASS, 1992, p. 61). Cristo, além de ser rei é sacerdote e liturgo. Liturgo aqui significa: servidor em uma obra pública, social ou ainda se aplica a um serviço realizado em uma obra pública religiosa em um culto público e oficial tributado a Deus (NICOLAU, 1962, p. 93). Isso reforça a idéia de Cristo sacerdote que é ofertante e se fez oferenda, vítima. Como diz o texto: “De fato, todo sumo sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios. Daí ser necessário que também ele tenha alguma coisa para oferecer” (Hb 8,3). Conseqüentemente, Cristo se oferece a si mesmo. Ele é o liturgo do santuário, das coisas santas. No entanto, ele não é ministro do templo material de Jerusalém, mas do santuário, da casa de Deus no céu e o “santuário es Dios mismo. Y en Dios vive y habita Cristo” (NICOLAU, 1962, p. 94). Cristo realiza plenamente seu sacerdócio no céu, pois na terra se tivesse sido sacerdote, seria um sacerdócio supérfluo, teria de oferecer seus dons segundo a lei, assim como os sacerdotes de Levi que agiam segundo a lei de Moisés. E desta forma, prestavam homenagem a uma sombra das coisas celestes. Aqui novamente transparece claramente a idéia platônica de mundo perfeito (inteligível) e mundo material (sensível). Tudo o que existe no mundo material é cópia do mundo inteligível. El servicio que los sacerdotes de Leví prestaban al tabernáculo material, trasunto o copia del celeste. Lo cual era asimismo prestar culto a una sombra de las cosas celestiales. De esta sombra, que tenia la Ley, de las cosas celestiales, sombra de las verdaderas realidades que hay en el cielo (NICOLAU,1962, p. 95). Neste sentido, o pensamento do autor do livro de Hebreus é claro. O culto antigo é sombra do verdadeiro culto celestial, cujo ministro, por excelência é Jesus Cristo. Assim como se fala de um novo santuário com a morte de Cristo, também há referência a uma nova aliança que suprime a antiga aliança, do mesmo modo como já se viu o contraponto com o ministério de Moisés e seus sacerdotes. Cristo aparece em todo o livro de Hebreus como o maior sacerdote de todos, pelo fato de seu sacerdócio ser de caráter definitivo e não meramente transitório (NICOLAU, 1962, p. 95). O que este sacerdote nos leva a conhecer não está escrito em pedras como a lei da antiga aliança, mas a lei do sumo sacerdote, Jesus Cristo, está escrita nos corações. Por isso a importância de conhecer esta lei. Pois o conhecimento da lei será a expressão e fundamento das relações entre Javé e aqueles que quiserem conhecer. Con el conocimiento del evangelio y de la nueva revelación traeda por Cristo y propagada por los apóstoles , todos los de su pueblo, los del nuevo Israel, pueden conocer a Dios trino y uno y su revelación sobrenatural, con un conocimiento exacto y preciso del verdadero Dios, que aventaja inmensamente al conocimiento de los gentiles y al de los filósofos heterodoxos (NICOLAU, 1962, p. 97). Logo, pode-se concluir que o conhecimento de Deus que se dá na nova aliança não é um conhecimento teórico e especulativo, mas sim, um conhecimento gostoso e experimental, com sabor do divino. A primeira aliança é marcada por um conjunto de ritos. Já a segunda aliança é a nova e definitiva aliança em Jesus Cristo. O lugar dos ritos da primeira aliança era o templo, um templo terrestre, mundano; enquanto que na segunda oferece um templo celeste. Por conseguinte, se tem “um sumo sacerdote tão grande, que se assentou à direita do trono da Majestade de Deus no céu. Ele é ministro do santuário e da verdadeira Tenda, que foi construída pelo Senhor, e não por um homem” (Hb 8, 1b-2). Sentar á direita de Deus significa ser sacerdote e pontífice da nova lei, é o novo rei que reina à direita de Deus e, portanto, tem poder divino como Deus. Isso dá autoridade ao sacerdócio de Cristo. Seu sacerdócio é soberano, autêntico, eficaz e definitivo (NICOLAU, 1962, p. 93). Assim, após a descrição do antigo e do novo sacrifício se pode concluir que o santuário celeste supera o santuário mosaico. O sangue, isto é, a vida de Cristo, substitui o sangue dos animais. Por isso quando se fala de Cristo como sumo sacerdote dos bens vindouros se está afirmando que o sangue do sacrifício consumado é a vida ressuscitada, é Jesus ressuscitado. É o Cristo ressuscitado, que abriu o caminho para que o povo com suas limitações humanas faça o caminho em direção de Deus. Ele mostrou que é possível, pois através da morte se tem a vida plena. O medo cede lugar a uma segurança plena, o absurdo à esperança (VARONE, 1988, p. 140). A carne de Jesus é a humanidade em marcha. Cristo abriu o caminho: agora todos são convidados a colocar a vida em marcha buscando o futuro que foi revelado e oferecido. Se o caminho está aberto, todos são convidados a marchar. Para isso, virtude marcante deverá ser a esperança. Como está na carta: “Sem vacilar, mantenhamos a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel” (Hb 10,23). E essa esperança deverá ser tamanha que a fidelidade pode levar até as últimas conseqüências, seguindo o exemplo de Jesus. La sangre de Jesús habla, es vehículo de una revelación; y los creyentes se ponen a la escucha de ella, haciendo de su vida, en lo sucesivo, un camino de acceso a Dios y a su perfección, haciendo de su propia vida un sacrificio, a imitación de Aquel a quien reconocen como su ‘percursor’ (VARONE, 1988, p. 142). Neste contexto, o acesso aos bens do reino está aberto aos crentes, graças ao sacrifício de Cristo, ou seja, o sacrifício de Cristo não dá só acesso a Deus, mas dá também aos bens por ele produzidos (GASS, 1992, p. 63). Com a Nova Aliança a entrada no templo celeste não se dá com sangue de animais, mas pelo próprio sangue transformado em corpo celeste e o entrar é definitivo e não uma vez por ano como na expiação. Jesus é o único mediador entre o povo e Deus, já que colocara por terra todos os ritos e instituições criadas com pseudo fim de levar o povo a Deus. 2.3 O fazer teológico: tentativas de compreender o “Sacrifício novo de Cristo” Segundo Varone, ainda se tem muito presente no cristianismo a idéia equivocada de que o homem deve pagar para obter o perdão dos pecados. E neste sentido, o que o homem teria de mais eficaz para oferecer? Não há dúvidas que é a vida, portanto, o que o ser humano tem de mais eficaz para oferecer é o sacrifício de sua vida. Como conseqüência de tal pensamento se caiu numa desastrosa interpretação do sacrifício de Cristo. Faz-se necessário desassociar o sacrifício do contexto de “satisfação” para devolvê-lo a seu verdadeiro sentido de “revelação”, ou seja, revelar a vontade do Pai através da vida prática de Jesus (VARONE, 1988, p. 16). A idéia de satisfação é fundamentada no seguinte pensamento: Al sufrir y morir en la cruz, Jesús tomó el lugar de los hombres pecadores y compensó por ellos la infinita ofensa inflingida a Dios por sus pecados. Consiguientemente, los salvó satisfaciendo en lugar de ellos las exigencias absolutas de la justicia divina (VARONE, 1988, p. 16). Para o mesmo autor essa interpretação deforma o rosto de Deus, transforma-o em uma máquina jurídica. É um Deus incapaz de perdoar, quer um resgate pela culpa a qualquer preço, tem sede de sangue e de vítimas. Entender o sacrifício como satisfação reduz Jesus a uma vítima expiatória, ignorando toda a densidade histórica que é a única que dá sentido a dimensão salvífica a sua morte. Segundo a concepção de sacrifício como ‘satisfação’, onde está a origem de Deus querer sacrificar seu próprio Filho? A origem está no pecado de Adão e Eva, que através da desobediência a Deus trouxeram para toda a humanidade a morte, o sofrimento e o pecado. Para reparar la falta cometida, la infinita ofensa hecha al Dios infinito, tiene el hombre algo que poder ofrecer? Su bien supremo es la vida, y podría ofrecerlo... si no fuera ya un capital completamente hipotecado: el hombre ya tiene que morir, en castigo a su pecado; el castigo ya se há apoderado de todo, y no queda nada con que poder dar una satisfacción ( VARONE, 1988, p. 19). Agora, talvez fique mais fácil entender por que Deus quis que seu Filho fosse sacrificado para remissão de nossos pecados: a vida não nos pertence, já está hipotecada pelos pecados que herdamos de Adão e Eva. Não há ninguém na humanidade, cuja morte compensaria a infinita ofensa infligida ao Deus infinito. Assim como o pecado deve ser castigado, a ofensa deve ser reparada. Portanto, única forma para reparar tais ofensas é o sacrifício de alguém que não tem a vida comprometida com o pecado dos antepassados. Esse “alguém” é o filho de Deus (VARONE, 1988, p. 19). Convertido en hombre inocente en medio de los hombres pecadores, su muerte podrá ser totalmente ‘satisfactoria’. Hijo de Dios hecho hombre, su muerte tendrá un valor infinito y podrá, por tanto, compensar perfectamente la ofensa infinita (VARONE, 1988, p. 20). Como se viu essa é uma teoria para justificar que a morte de sangue de Jesus foi para salvar toda a humanidade do pecado. No entanto, basta qualquer elemento novo para colocar toda essa concepção de sacrifício de Cristo por terra, pois, nesse contexto apresentado existe uma “salvação que não salva”. Não há uma salvação para a humanidade, mas sim para Deus, que, aliás, não precisa dela. Porque es él el que es liberado de su ira, aplacado en su deseo de venganza y satisfecho en su justicia. Y este paradójico aspecto lo confirma el hecho de que es la propia astucia de Dios la que há proporcionado el inocente que se precisaba, que no es outro que su propio Hijo. Por tanto, en realidad es Dios quien se salva a sí mismo ( VARONE, 1988, p. 21). A segunda limitação da tese da ‘satisfação’ é que se a ofensa de fato tivesse sido reparada com a morte de Cristo, então deveria cessar o castigo do sofrimento, do pecado e sobretudo, da morte em toda a humanidade, ou seja, a humanidade, hoje deveria estar vivendo no paraíso original. Por conseguinte, pode-se dizer que a religião ao defender a morte de Cristo como ‘satisfação’ criou um Deus temível, castigador, perigoso. Em outras palavras, ao desconhecer o verdadeiro Deus e sua verdadeira salvação, acabou pervertendo a transcendência (VARONE, 1988, p. 22). Na história do fazer teológico, a teologia da satisfação tem sido constantemente revisada, o que demonstra que ela nunca tenha sido plenamente satisfatória. Varone coloca a reinterpretação da Ressurreição como um novo paradigma para a compreensão do sacrifício e da salvação. “Finalmente, llegó la renovación bíblica, y com ella el redescubrimiento de la ressurrección como misterio de salvación” (VARONE, 1988, p. 24). Desta forma, a ressurreição abriu novos horizontes, superando a mentalidade de satisfação. Porém caiu-se numa redução também muito perigosa. Acabou-se silenciando acerca da morte, sacrifício e sangue de Cristo. E assim se começam a parecer também as limitações da teoria da ressurreição e esta como a teoria da satisfação vai aos poucos silenciando também (VARONE, 1988, p. 25). Como exemplo de algumas reduções, Varone, cita René Girard. A crítica começa quando segundo ele, Girard para dar autoridade a sua teoria teria de eliminar da Bíblia Paulo e a Carta aos Hebreus. Na interpretação de Varone, Girard culpa o livro de Hebreus pela ocultação da obra reveladora de Jesus (VARONE, 1988, p. 26). “La carta a los hebreos, con su interpetación sacrificial, se encuentra en el origen de la teoria de la satisfacción, que será plenamente formulada por la teologia medieval” (VARONE, 1988, p. 26 apud GIRARD, 1991). De este modo, Girard acaba adoptando una posición de ‘malcreencia’. Es verdad que critica, y muy justificadamente, una forma inaceptable de organizar la fe por parte de la Tradición; pero su crítica queda en ciertos aspectos incompleta, inacabada, y desemboca en la reducción típica de silenciar la Ressurección y conceder importancia salvífica únicamente al mensaje de Jesús (VARONE, 1988, p. 26). Convém lembrar que não é só Girard que tem restrições com a linguagem sacrificial usada em Hebreus, além dele, que por sinal, é um nome significativo como pesquisador da teologia sacrificial, muitos outros teólogos pensam que a leitura de Hebreus pouco ajuda as comunidade cristãs que vivem sob o impacto de uma sociedade que exige sacrifícios e faz vítimas. Enxergam no livro de Hebreus um Deus que quer a morte do Filho para satisfazer suas exigências de sangue (PORATH, 1992, p. 65). Por tal razão, é que René Girard defende a idéia de uma sociedade sem intermediários sacrificiais. “A interpretação da morte de Jesus com linguagem sacrificial carece de releitura, especialmente numa sociedade marcadamente geradora de vítimas (PORATH, 1992, p. 65). Talvez o melhor, de fato, nos dias atuais, a partir da realidade que vivemos, seja abolir toda a linguagem sacrificial. É verdade que, em Hebreus há uma identificação da morte de Jesus com o “sacrifício pelo pecado” e Paulo reconhece isso na carta aos Romanos: “Ele enviou seu próprio Filho numa condição semelhante à do pecado, em vista do pecado, e assim condenou o pecado na sua carne mortal” (Rm 8,3b). No entanto, é bem provável que Paulo tenha assumido tal postura de uma tradição mais antiga. Porém, é de suma importância observar que para Paulo nada poderá excluir qualquer pessoa do amor de Deus, isso aparece também na carta aos Romanos (Rm 8,31s), ou seja, nada justifica fazer novas vítimas, nem mesmo aqueles que rejeitam a proposta de Cristo. Segundo alguns autores, o livro de Hebreus, em casos excepcionais, faz uma exclusão definitiva dos que renegam Cristo. Desta forma, a obra trai seu próprio princípio que é a superação do sacrifício, pois, acaba querendo sacrificar os sacrificadores (PORATH, 1992, p. 68). Neste contexto, o conceito básico de pecado é não permitir que Deus seja Deus para todos. Quando Jesus intercede pelos que o sacrificaram (Lc 23,34; Mt 5,44) está mostrando que Ele não quer que estes se tornem os novos excluídos e sacrificados, mas quer que todos se salvem, pois essa é a vontade do Pai (PORATH, 1992, p. 71). Talvez uma das únicas formas para entender a idéia de troca (sua vida por nossos pecados) presente em Hebreus é, olhar para a vida de Jesus como um grande profeta. “Assim, talvez visualizemos por que o Jesus solidário, que abre o caminho de Deus para junto de seus excluídos, precisa, para manter este caminho aberto, dar sua vida em troca” (PORATH, 1992, p. 71). Na mesma linha de pensamento, Franz Hinkelammert, exorta os leitores de René Girard para não confundir a idéia de Girard de não-sacrifício com a de anti-sacrifício. Pois, um entender anti-sacrificial gera mais sacrifícios. Um exemplo do pensamento anti-sacrifical foi à conquista da América. Os astecas sacrificam, os maias sacrificam, todos os índios são apresentados como sacrificadores, ou então, obsessivamente, como canibais, o que é a mesma argumentação. E a conclusão é: temos que sacrificá-los (embora não se diga com essas palavras) para que deixem de sacrificar. Portanto, um sacrifício inexorável para acabar com os sacrifícios” (HINKELAMMERT, 1991, p. 43). Nesse sentido, fica evidente que o anti-sacrificialismo exige novos sacrifícios. Por tal motivo é que uma das principais críticas de Girard ao livro de Hebreus é entendê-lo como uma obra anti-sacrificialista. Daí surge à idéia de que é necessário, agora, sacrificar aqueles que sacrificaram (HINKELAMMERT, 1991, p. 42). “Como percebemos, um determinado rechaço do sacrifício, um determinado anti-sacrificialismo se transforma, já na Epístola aos Hebreus, na razão do sacrifício” (HINKELAMMERT, 1991, p. 43). No entanto, tudo o que se abordou até agora neste trabalho, são teorias: há os que defendem que a obra de Hebreus possui uma linguagem sacrificial simbólica, cujo sacrifício não é um fim em si mesmo, mas que é a vida integral de Cristo: se o primeiro ato do sacrifício antigo começava com o sangue, que era símbolo da vida, o primeiro ato da vida de Jesus começa com sua vida real. Com sua prática concreta, do principio ao fim. E em toda a sua vida Jesus deixa transparecer a finalidade de sua vida, o essencial de sua existência. “Hacer la voluntad de Dios” (VARONE, 1988, p. 130). Aqui se pode perguntar, mas qual é a vontade de Deus? A partir da teoria da satisfação a vontade de Deus é que Jesus sofra e pague pelos demais, que seu sangue nos lave de todos os nossos pecados. Cabe ressaltar que, não se acredita em nenhum momento que a Carta aos Hebreus seja amparo argumentativo para tal teoria (VARONE, 1988, p. 130). A vontade de Deus, na interpretação de Varone, é a obediência (VARONE, 1988, p. 132). É a passagem do medo, das inseguranças humanas para a fidelidade e obediência total “as coisas do alto”. Em suma, a vontade de Deus é que todos se salvem. Como interpreta o autor: La voluntad de Dios es hacer de la vida humana – con su debilidad, sus sufrimientos y, finalmente, su muerte – un camino hacia la vida, hacia la realización plena, hacia la perfección. Dios quiere, pues, inaugurar este proyecto y revelarlo comenzando por Jesús, haciendo de este el ‘inaugurador de la salvación’”( VARONE, 1988, p. 132). Portanto, Jesus é o precursor ao acesso a Deus, à vida eterna. Isso significa que está intrínseco na vontade de Deus que todos os cristãos escutem a Palavra de Jesus e esse escutar tem uma conotação de obediência. Só assim se perceberá que Deus quer que cada um parta de sua condição humana (limitações, medos, sofrimentos) em direção à vida plena, perfeita. O propósito da Carta aos Hebreus não é mostrar a vida de Jesus em detalhes. Isso coube aos evangelhos. Mas ela salienta a entrada de Jesus no mundo (Hb 10,5) e a saída d’Ele deste mesmo mundo (Hb 5,7). Por um lado, descreve a participação da condição humana em sua totalidade, por outro, refere-se à obediência radical de Jesus, a toda sua vida centrada na escuta e na prática da vontade de Deus (VARONE, 1988, p. 133). O texto reforça tal idéia: La sangre de Jesús, al nível del primer acto sacrificial, es, pues, la expresión simbólica para referirse a la vida de Jesús, con su inserción total en la condición humana, pero también con su diferencia: la obediência, en lugar del temor; la práxis concreta en contra de todas las mentiras humanas, en lugar de las dominaciones y apariencias del deseo humano enloquecido, en lugar de las cobardias y abandonos del deseo humano desesperado (VARONE, 1988, p. 134). Portanto, entender o sacrifício de Jesus como sua vida toda, e não só a morte de Cruz, é assumir seu estilo de vida e correr o risco de ser sacrificado por este estilo de vida. Esta conduta exige fidelidade até a morte. Para Forcano, as principais razões que levaram Jesus à morte de cruz foi por estar no meio do povo. En alianza con los más débiles y apestados, defendió la verdad, denunció la hipocresía y mentiras de los dirigentes, desenmascaró la corrupción y engaños de la aristocracia político-religiosa, lanzó planteamientos y prácticas totalmente opuestas a las dominantes, actuó con liberdad y disidencia, hizo suya la causa de los desechados y más pobres, presentó a un Dios diferente del oferecido por el templo y la sinagoga, etc (FORCANO, 1999, p. 99). Foram essas razões que fizeram de Jesus um homem perigoso, inconveniente e, portanto, se fez necessária sua eliminação da convivência das demais pessoas. Foi esta forma de ser, está luta por um mundo melhor, por estar ao lado dos “lascados” que o levou a morte de cruz. Provavelmente se Jesus tivesse se calado, sido omisso, não teria terminado em uma cruz. Mas foi sua fidelidade ao projeto, ao seu modo de pensar que o levou ao sacrifico da cruz. O importante é perceber que a cruz não é vontade de um Deus sádico, mas conseqüência de uma luta contra todo tipo de dominação e degradação do ser humano (FORCANO, 1999, p. 99). Concluindo o segundo capítulo deste trabalho, pode-se dizer que, de teoria em teoria, vão aparecendo as limitações de cada uma. Tratar com o mistério da salvação com os olhos humanos traz grandes desafios; facilmente se pode cair em reduções ou em crenças infundadas. Mas, o desafio para os estudiosos é buscar a justa medida, evitando qualquer tipo de radicalismo. É fato que a teoria da satisfação contribuiu para muitos equívocos de interpretação e de ações da Igreja. No entanto, não se pode, de todo, condenar os livros bíblicos que abordam esse tema. É equivocada a idéia de Girard ao afirmar que a Carta aos Hebreus abandonou a grande novidade de Jesus e os evangelhos, que existe uma grande ruptura entre a carta e o conteúdo dos evangelhos, que a carta mistificou uma violência sagrada e arrastou o cristianismo para as teorias de satisfação. Si es cierto que el cristianismo se ha dejado invadir por las teorías religiosas de la ‘satisfacción’, no es menos cierto que el fundamento de esta evolución no se encuentra, objetivamente hablando, en la Carta a los Hebreus, la cual, por el contrario, suministra todos los elementos necesarios para poder obviar dichas teorias (VARONE, 1988, p. 142). De fato, a carta possui uma linguagem, um tanto quanto, complexa. Mas não há ruptura entre ela e os evangelhos, bem como, bem interpretada, estudada, ela não serve de argumento para a defesa de uma teoria de satisfação. Pois ela é uma carta de revelação, como já se viu no início deste capítulo. 3 A TEOLOGIA SACRIFICIAL NOS DIAS ATUAIS Nos debates atuais acerca da teologia sacrificial se sobressaem dois temas: o sacrifício planejado e as vítimas de um sistema econômico sacrificialista. Como este é o último capítulo deste trabalho, se buscará fazer uma atualização do sacrifício a partir dos dois temas citados acima e da influência de algumas teorias sacrificialistas na eucaristia e, conseqüentemente, na prática pastoral. 3.1 O sacrifício planejado12 De imediato, se faz necessário distinguir o auto-sacrifício e o sacrifício como dom de si ou sacrifício planejado. Segundo Franz Hinkelammert, o auto-sacrifício significa concordar em ser sacrificado, ou seja, estar de acordo com o sacrificador. Esta é a idéia medieval do sacrifício de Cristo, uma idéia de satisfação: Cristo se auto-sacrifica para satisfazer a vontade do Pai. Tal atitude não pode ser vista como dom de si (HINKELAMMERT, 1991, p. 36). No entanto, o dom de si, se dá, no momento em que se entrega a vida a uma causa, a uma razão maior, neste sentido, o sacrifício é conseqüência. Ao contrário do auto-sacrifício, o gesto do dom de si contém um elemento de superação e dissolução do próprio sacrifício, enquanto que, o auto-sacrifício torna-o mais radicalmente sacrifício, torna o inquestionável (HINKELAMMERT, 1991, p. 37). Como já se viu anteriormente neste trabalho, o maior exemplo do sacrifício planejado (dom de si) é Jesus Cristo, pois, Jesus não foi vítima por acaso, mas vítima planejada (Ele sabia das conseqüências de sua prática), mas mesmo assim, “colocou sua vida a serviço das vítimas da sociedade de sua época. Seu projeto foi solidarizar-se com essas vítimas, colocando-se contra os que as vitimavam. Por isso, se tornou a vítima do novo sacrifício oferecido a Deus pelo povo” (GASS, 1992, p. 56). Neste contexto, Jesus morreu, não para satisfazer o Pai, mas para revelar o projeto do Pai. Por ter sido coerente com o projeto, sua morte é entendida como um ato solidário, gerador de solidariedade. Portanto, “pode-se dizer 12 Sacrifício planejado é o sacrifício em vista de uma causa. Não é ao acaso ou um sacrifício em si mesmo, mas é doação, um dom de si mesmo para a concretização de um sonho. que Ele entregou sua vida. Que Ele fez da sua vida um dom, que Ele fez o dom de si” (FERRARO, 1991, p. 38). Hoje, muitas pessoas também entregam suas vidas por solidariedade, por causa da sua luta pela justiça. A exemplo de Jesus, elas também são perseguidas, rotuladas, mas elas ressuscitam nas lutas do povo. Ferraro cita a célebre frase de Dom Oscar Romero; “Se me matarem, ressuscitarei nas lutas do povo” (FERRARO, 1991, p. 38). Por outro lado, afirmar que Deus quis o sacrifício do Filho é o mesmo que dizer que Deus quer o sacrifício dos pobres, aprova a injustiça e a morte. Neste sentido, Ferraro tem a mesma postura de René Girard, sugere, abolir de vez essa linguagem sacrifical. Já que essas linguagens contribuem constantemente para que essa situação seja vista como uma situação querida por Deus (FERRARO, 1991, p. 39). Nos dias atuais, também é visível pessoas que fazem do sacrifício um auto-sacrifício, um sacrifício em si mesmo. Justamente porque não conseguiram superar a idéia medieval de sacrifício como satisfação. Para muitos cristãos Deus criou o homem perfeito, este por limitações caiu no pecado e para tirar do pecado Deus enviou seu próprio Filho para ser o bode expiatório de todos os pecados no mundo. Nesta concepção, Deus aparece como um Deus sádico, sedento de sangue e vingança. Como conseqüência desta concepção há muitas pessoas que têm a necessidade de sacrificar o corpo, praticar verdadeiras crueldades consigo mesmos. No entanto, segundo Forcano, isso prejudica muito a compreensão do verdadeiro significado da morte de cruz de Jesus. “La muerte de Jesús tiene un contexto real y causas históricas” (FORCANO, 1999, p. 98). A morte de Jesus deve ser entendida sempre em seu contexto real. Jesus morreu por seu projeto, por sua opção revolucionária. Quando Jesus diz “quem quiser me seguir, tome sua cruz e siga-me”, não está colocando o sofrimento pelo sofrimento como objetivo central da vida. Jesus não quer um sacrifício irracional, como se o sofrimento fosse vontade de Deus. Isso, segundo o autor, é heresia. Jesus nos pede um estilo de vida em que corresponda à verdade, à justiça e ao amor (FORCANO, 1999, p. 99). O sacrifício pelo sacrifício é absurdo e desagradável a Deus. Portanto, fazer sacrifício não significa, assim como não significou para Jesus, acumular sofrimentos como se estes tivessem um valor compensatório diante de Deus. Mas significa aderir de forma plena ao projeto de Deus, que é um projeto de amor, solidariedade e justiça. Esse é o verdadeiro sacrifício. É tornar sagrada sua vida, sua existência fazendo caminho em direção da perfeição, de Deus. Será tanto mais sagrada a vida quanto maior for o compromisso com o projeto de Deus. 3.2 Desejo mimético13 e sistemas auto-reguladores: o sacrificialismo na economia Nos dias atuais, assim como há muitos que entregam suas vidas em prol de uma causa maior (promoção da vida, justiça), há outros que simplesmente são vitimas de um sistema. Por exemplo: “Pode-se igualmente afirmar que os pobres são vítimas da exploração. São vítimas dos sacrifícios exigidos pelo deus-capital. O deus-capital exige o sangue dos pobres, dos operários” (FERRARO, 1991, p. 38). Portanto, conclui-se que, não é Deus que exige sacrifico, não exigiu de seu Filho, tampouco, dos pobres. Ele espera de nós coerência com seu projeto de vida. No entanto, hoje, quem exige sim, sacrifícios, é o capital. Este sim exige o sacrifício dos pobres (FERRARO, 1991, p. 39). Hugo Assmann faz uma crítica ao mercado enquanto sistema sacrifical e idolátrico. Pois, segundo ele todo sistema auto-regulador exige vítimas (ASSMANN, 1991, p. 59). O discurso neoliberal coloca o mercado como solução única, perfeita para a ordem planetária. Pois segundo Adam Smith não há harmonia sem sacrifício. “A harmonia está baseada em deixar morrer aqueles que não entram na harmonia. E o equilíbrio dos interesses é o equilíbrio dos ‘nossos’ interesses. O ‘nós’ de Adam são aqueles aos quais não toca morrer. Portanto, é uma classe social” (HINKELAMMERT, 1991, p.63). É importante perceber que é justamente a eliminação dos que não conseguem acompanhar as leis do mercado que vai permitir que o sistema funcione. O sistema se constitui mediante a expulsão. Com isso o sistema autoregulador é essencialmente um sistema sacrifical. É sacrificando que alcança o equilíbrio mediante a desordem. A lógica do mercado é que só há progresso econômico se houver sacrifícios (HINKELAMMERT, 1991, p. 64). Para René Girard o desejo mimético está na raiz do processo vitimário. É a base para a concepção de conflito humano e do próprio homicídio unânime. O esforço de Girard é desenvolver uma teoria geral da religião centrada sobretudo no sacrifício ou, melhor, sobre uma hipótese a respeito da origem do sacrifício (ASSMANN, 1991, p. 102). Importante observar um aspecto destacado por Girard: praticamente todas as sociedades anteriores às nossas consideram alguma forma de imolação sacrificial como uma parte normal da cultura. Então, por que o sacrifício para nós é tão repugnante? Aqui convém salientar de que tipo de sacrifício René Girard está falando. Não é só do sacrifício de imolação. Se fosse só deste, estariam excluídas do conceito de sacrifício, aplicável à 13 Desejo mimético é o desejo de imitação, querer o que o outro quer. Parte-se da idéia de que não se é, o outro é, portanto, precisa-se trazer o outro para dentro de mim. Por desejar o desejo do outro é que a sociedade é marcada pela violência, competitividade, ganância, exploração e sacrificialismos. modernidade, todas aquelas vítimas incontáveis que são sacrificadas, por exclusão silenciosa ou descaradamente articulada, já que não há lugar para elas no interior da lógica do poder político e econômico (ASSMANN, 1991, p. 110). É visível o grande número de vidas sacrificadas em nome do progresso, do crescimento econômico, da lógica de mercado. Neste sentido está a insistência da Teologia da Libertação em seu caráter não-sacrificial e não-idolátrico. Neste contexto, houve uma inversão do sacrifício, uma inversão dos papéis vitimários. Aqui Assmann, entende que: O verdadeiro sacrificador (agressor) demoniza suas vítimas, apresenta-as como obstáculo à sua nobre missão e, por conseqüência, transforma-as em ameaça, ou seja, em agressoras. O agressor passa a entender-se como vítima, e as vítimas reais são apresentadas como sacrificadoras (ASSMANN, 1991, p. 112). Dessa forma, são os verdadeiros sacrificadores que são mitologizados, ou seja, sacralizados, e não as verdadeiras vítimas. Essas vítimas perdem até a dignidade de ser uma ameaça, mas se ainda não estão totalmente mortas, e reclamarem seus direitos, elas voltam a ser demonizadas, voltam a serem vistas como um perigo; e os vitimadores não perderão tempo para re-sacralizar sua missão, “benéfica ao bem comum” (ASSMANN, 1991, p. 113). Lendo as reflexões sobre o sacrifício feitas por alguns Teólogos da Libertação, não é difícil de perceber a profunda relação que há entre a teoria girardiana do desejo mimético e do processo vitimário com a leitura sócio-política que a Teologia da Libertação faz da Bíblia. O que aproxima mais ainda a teoria de Girard é a possível relação entre as vítimas do resultado do desejo mimético com os pobres, centro da Teologia da Libertação e o resultado de um sistema econômico-sócio-político excludente e vitimário. Importante buscar na Bíblia o Deus da vida. O Deus que desmascara o sistema sacrificial – idolátrico – e toma partido em favor da vítima, chegando a identificar-se com ela (SOARES, 1991, p. 273). Isso quer dizer a hermenêutica feita do sacrifício não pode ficar só no estágio de quem o interpreta, mas, sobretudo, na exigência que tal hermenêutica traz de o interpretador intervir no processo da história para transformá-la (SOARES, 1991, p. 274). O grande desafio já está quando se constata que “a própria existência do excluído já é um julgamento vivo de Deus contra o sistema que impede que se organize uma convivência humana fraterna, ou seja, o sistema da vitimação” (SOARES, 1991, p. 274). Segundo Sebastião Soares em seu texto “Leitura Bíblica na América Afro-latina e as sugestões de René Girard”, diante desta realidade apresentada acima, há duas possíveis formas de apropriação do mundo: Ou excluir o outro como competidor, pelo processo do desejo mimético que desencadeia a violência, unilateral e/ou recíproca; ou aceitar a vocação, o chamamento que se inscreve na própria dinâmica da vida: a vida que se recebe de graça convoca a fazer-se dom e graça em continuidade; a vida quer continuar a ser em cada um aquilo que ela radicalmente é: doação de si (SOARES, 1991, p. 276). A partir das realidades apresentadas, cabe aos teólogos, pastoralistas, líderes de comunidades eclesiais fazer um exame de consciência acerca de sua prática. Se é, de fato, promotora da vida ou promotora de um sistema cada vez mais excludente, sacrificialista? No entanto, a antropologia fundamental de René Girard, com sua crítica às culturas e religiões sacrificias, continua a nos desafiar para leituras não-sacrificiais da Bíblia e das práticas humanas, particularmente das nossas práticas políticas de libertação. A pergunta que não quer calar é se, de fato, nos dias atuais ou se em algum período da história foi possível viver com a ausência de violência e de sacrificialismo, já que, viver na prática uma interpretação não-sacrificialista da Bíblia parece que remete a uma sociedade “perfeita”. Viver a não-violência e o não-sacrificio é primar sempre pela vida e nunca pela morte e desprezo, já que estas duas últimas são as armas dos violentos de todos os tempos. Portanto, nesta lógica de pensamento, se pode pensar que em uma guerra, se alguém tem que morrer deve ser o justo e não o “monstro”, na condição que a sua inocência seja testemunhada por seus discípulos (SUNG, 1991, p. 283). Toda revolta partidária, isto é, que abrange só uma nação, uma classe de homens, por mais válida que seja, é levada inevitavelmente a reconstruir uma estrutura de dominação, pois, sendo partidária ela tem que eliminar o outro partido para chegar ao poder. Se, ao lutar contra um opressor, estou criando um contrapoder revolucionário estou utilizando as mesmas armas violentas do opressor (SUNG, 1991, p. 283). Por outro lado, segundo a teoria da não-violência e do não sacrifício entendida de forma radical, o único meio para tal concretização é a reconciliação que se dará através do inocente que morre se for necessário, para a comunidade tomar consciência do caráter insensato e odioso de seu comportamento. Só assim, a violência é desenraizada, pois é toda a comunidade que se descobrirá como receptáculo do mal (SUNG, 1991, p. 284). Por conseguinte, só haverá uma sociedade isenta de violência e sacrifícios, se, como já se viu, for priorizada a reconciliação ao invés do conflito e se houver a superação de todos os mimetismos conflitivos, com o fim total das carências de bens materiais e simbólicos ou a formação de uma consciência não-mimética em todas as pessoas (SUNG, 1991, p. 285). Como se pode ver, parece que uma sociedade totalmente pacífica e sem sacrifícios não é possível. Na verdade, o projeto de uma sociedade absolutamente não-sacrificial e uma prática política coerente com este projeto, portanto absolutamente não violenta, são dois conceitos limites ou dois conceitos transcendentais. Isto é, conceitos utópicos não realizáveis humanamente (SUNG, 1991, p. 285). No entanto, esses conceitos são necessários para uma construção de um quadro teórico e para apontar o caminho da superação das limitações humanas do desejo mimético e conseqüentemente da violência. 3.3 Eucaristia: dimensão teológico-pastoral Em uma rápida leitura acerca do tema “eucaristia” se percebe que houve uma relevante ressignificação do sentido teológico da eucaristia após o Concílio Vaticano II. Até o Concílio a eucaristia se resumia em: Santíssimo Sacramento (cada um comungava individualmente dentro ou fora da missa); Sacramento (adorava-se no sacrário); levava-se em forma de viático aos doentes, se manifestava na exposição da custódia e se tornava público com a procissão de Corpus Christi. Importante perceber que tudo se concentra na hóstia consagrada (CODINA, 1985, p. 26). No entanto, o que mais interessa agora é o processo de compreensão e ressignificações da eucaristia como Santo Sacrifício da Missa. Como já se viu ao longo deste trabalho, não foram poucas as interpretações equivocadas e desastrosas da morte de Cristo. Se a morte de Jesus for vista a partir de um cunho ritual de sacrifício onde este foi a vontade do Pai que sacrificou seu Filho para a remissão dos pecados de todos, então, a eucaristia resume-se a memória do preço do nosso perdão. Por outro lado, as novas reflexões pós-conciliares sobre a eucaristia enriqueceram o significado do sacramento a partir de duas importantes considerações teológicas: A eucaristia como ação de graças e uma releitura da eucaristia como sacrifício (CODINA, 1985, p. 26). É claro que devido ao enfoque desse trabalho se dará uma atenção maior sobre a dimensão de sacrifício, mas, não há dúvidas que ficaria difícil entender o autêntico sacrifício eucarístico sem antes compreender a eucaristia como ação de graças. 3.3.1 Eucaristia como ação de graças A palavra Eucaristia tem origem no grego e etimologicamente, significa agradecimento, ou ação de quem agradece. A ceia pascal no Antigo Testamento, na qual depois a eucaristia foi instituída, já possuía esta dimensão de agradecimento (BARROS, 1989, p. 62). Aliás, já aparecia no sacrifício antigo de comunhão esta dimensão de ação de graças (Lv 3,1-17). Por conseguinte, na ceia pascal se proclamavam as maravilhas realizadas por Deus em seu povo. A própria oração sacramental de Jesus na última ceia tem esta dimensão de agradecimento. Inclusive era costume na ceia pascal o chefe da família tomar o pão e o vinho e render graças. Na instituição da eucaristia o contexto é de uma refeição, segundo a maioria dos autores uma refeição pascal. E foi nesta ceia de ação de graças que Jesus pediu para que seus seguidores revivessem este gesto e, sobretudo, seu significado, que é doação plena da vida em favor dos outros. Para isso, convida cada um a uma atitude de gratidão, ou seja, a gratidão é indispensável para a pessoa poder reconhecer o amor de Deus, que se manifesta concretamente em todos os sinais e acontecimentos. Quem não vive a gratidão não percebe as maravilhas do amor que se faz doação. Prova disso, é que em diversos momentos, a celebração eucarística tem expressão de agradecimento. “Na verdade é digno e justo dar-vos graças em todo tempo e lugar...” diz o começo de quase todos os prefácios. De imediato, percebe-se que a ação de graças é o próprio núcleo da eucaristia (DUFOUR, 1972, p. 09). Como se viu a eucaristia instituída por Jesus na última ceia, traz em si algumas categorias cultuais do Antigo Testamento, por exemplo: a comemoração da Páscoa dos judeus, o sentido de memorial, de aliança, de ação de graças e de libertação. É claro que a ação de graças e libertação também começaram a ter relação direta com o projeto trazido por Jesus de Nazaré. Em Jesus se dá a verdadeira Páscoa; esta verdadeira Páscoa não é apenas ritualismo farisaico, mas traz consigo uma dimensão comunitária. Segundo os próprios evangelistas salientam não se pode esquecer da dimensão de ceia, porque a ceia remete a uma ação comunitária. É a participação dos fiéis no banquete sacrifical, pois é a renovação da vida de Cristo tornada atual em sua Igreja (IDÍGORAS, 1983, p. 440). Portanto, a celebração vai tomando um sentido comunitário, realizando a novidade, que não dissocia a celebração litúrgica da comunidade cristã com a prática fraterna. Acrescenta-se na celebração o gesto concreto que o culto pede: a preocupação pelos necessitados de justiça e de solidariedade. Em cada celebração, a Igreja dos filhos de Deus é convocada e enviada a testemunhar a fé na ressurreição e a fraternidade entre os homens. 3.3.2 Eucaristia como sacrifício Como já se constatou anteriormente, no livro de Hebreus, aparecem as semelhanças e as diferenças entre o sacrifício de Jesus e os do culto do Antigo Testamento. A semelhança é a entrega de sua vida a Deus. A diferença é que Jesus não é um animal degolado para, com seu sangue, anualmente purificar o sacerdote e o povo, e sim uma pessoa livre que oferece a Deus tudo o que ela é e faz, para manifestar o nome de Deus a seus irmãos e os levar a uma vida nova, uma vez para sempre. Jesus não é vítima de sacrifício violento, para apaziguar um Deus vingativo, é sim sujeito de seu projeto, até a morte, para encarnar o amor libertador de Deus. Sua morte é a conseqüência de seu modo de viver. O autor do livro bíblico de Hebreus deixa claro que Jesus, viveu e morreu em fidelidade a Deus e aos seres humanos, substituindo, portanto, os antigos sacrifícios de reconciliação. Assim, quando se participa da missa, atualiza-se o sacrifício da cruz, isto é, a entrega de Jesus Cristo ao Pai em nome de todos os seres humanos de todos os tempos. Na celebração da missa, não se faz um novo sacrifício, nem se repete o sacrifício no qual Cristo se ofereceu, mas torna-se o sacrifício atual, fazendo o memorial do único e eterno sacrifício. Na missa, Cristo é novamente o sacerdote e a vítima. Cristo está presente em sua Igreja, sobretudo no sacrifício da missa. Ele se faz presente tanto na pessoa do ministro – pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz – quando sobretudo sob as espécies eucarísticas (SACROSANTUM CONCILIUM, 1997, n. 07). Pela celebração da missa tornamos presente todo o caminho que Cristo quis nos mostrar em sua vida prática para que se pudesse aderir a seu projeto e caminhar em direção à plenitude definitiva. Em cada celebração eucarística, estreitam-se ainda mais os laços da nova e eterna aliança de Deus com o homem e do homem com Deus. A eucaristia realiza, pelo seu caráter profundamente sacrifical, em Jesus Cristo, a renovação de toda a humanidade, pois sua força é o próprio Jesus Cristo presente e atuante como sacrifício, oferenda consagrada. O que é certo é que não se consegue entender a última ceia, bem como, a eucaristia sem os relatos da paixão, ou seja, do sacrifício de Cristo. Jesus não foi morto por um ato apenas, mas foi condenado e morto por suas opções proféticas, pelo teor de sua vida. Deus constitui Messias e Senhor aquele a quem seu messianismo e senhorio levou a morrer por todos em defesa da justiça, essência do Reino (CONDINA, 1985, p. 30). Deste modo, falar hoje em sacrifício eucarístico exige uma profunda pesquisa para uma autêntica interpretação, pois a hermenêutica feita do sacrifício de Cristo repercute diretamente na pastoral. Portanto, assim como o antigo sacrifício tinha suas limitações, o acesso a Deus era limitado, contemplava alguns interesses dos poderosos da época. Por outro lado, era fortemente denunciada a hipocrisia de muitos freqüentadores do templo. Ao se entender a eucaristia como sacrifico, pode- se cair nos mesmos erros do antigo sacrifício. Infelizmente, para muitos cristãos comungar significa receber a hóstia, ou seja, ainda hoje, para alguns comungar se resume ao ato de ir ao encontro do Cristo eucarístico, um gesto meramente externo e que muitas vezes é de conveniência porque em sua vida prática não há sinais de comunhão com o projeto e vida de Jesus. Para muitos, a eucaristia é para um grupo restrito. “Aproximem-se da mesa os preparados”. Ela é para os amigos do Senhor. É com os amigos que Ele reparte o pão. “Em nossa experiência ainda é assim. Para a mesa, a gente convida os amigos. O pai reparte o pão com os filhos. Só quem é muito amigo nós o convidamos para a mesa. Para uma refeição em comum” (HASTENTEUFEL, 1995, p. 93). Quando se parte de tal concepção teológica de eucaristia fica claro que há apenas um grupo apto a receber a eucaristia: os amigos de Jesus, ou seja, os preparados. No entanto, o que significa estar preparado hoje? Muitos casais de segunda união, por exemplo, mesmo sendo participantes ativos na comunidade de fé não podem comungar por uma questão moral, “por estarem em pecado”. Marcelo Barros, em uma carta que escreve ao Papa João Paulo II em conseqüência da encíclica “Ecclesia de Eucharistia”14 chama a atenção como o próprio Papa freqüentemente dá a comunhão a presidentes da República casados em segundas ou terceiras núpcias como eram Collor no Brasil e Menen na Argentina. Outro caso citado por Barros e visto por milhares de pessoas pelos meios de comunicação, foi o Papa, em plena ditadura chilena, aceitar celebrar a eucaristia no palácio presidencial e dar a comunhão ao General Pinochet que, apesar do sangue derramado dos oponentes, é casado na Igreja (BARROS, 2007, p. 05). A partir desses exemplos fica evidente como a própria igreja ainda tem atitudes questionáveis, como ainda restringe o acesso a Deus a alguns e possibilita a outros, mesmo que estes últimos não demonstrem motivações internas para uma adesão ao projeto de Jesus. Se se parte da idéia de pecado, se pode perguntar: por que um presidente da República pode 14 Carta encíclica Ecclesia de Eucharistia, do Sumo Pontífice João Paulo II, escrita em abril de 2003, aos bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos e leigas sobre a eucaristia e sua relação com a igreja. ter acesso a Deus (comungar a vida integral de Jesus) através da eucaristia e um cristão comum não pode? Entretanto, se houver a concepção de que a comunhão é a adesão a Cristo e ao seu projeto, a comunhão não pode ser um ato de exclusão, mas sim um ato de inclusão e amor. Logo, todos são convidados a sentar-se à mesa a exemplo de Jesus que fazia suas refeições com os pecadores dando a eles a oportunidade de também aderirem ao seu projeto de fraternidade e justiça (Mt 9,12). Conforme a concepção teológica de eucaristia, facilmente a prática pastoral pode assemelhar-se aos antigos sacrifícios. E a eucaristia torna-se ritualismo e farisaísmo, com uma dimensão excludente. Pouco ou nada valerá ao fiel realizar o rito da missa se não viver de coração a atitude de doação do Cristo. São João, ao dizer que conhecemos o amor na dimensão do amor e da doação de Cristo por nós, acrescenta: “Também nós devemos dar nossa vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3,16). Na celebração da missa se deve compartilhar a doação dos cristãos com a doação de Cristo. Outra dimensão fundamental para compreendermos a dimensão do sacrifício eucarístico é a dimensão do serviço, pois, comungar sacramentalmente o Corpo de Cristo, Ele que é a eucaristia centro da comunidade, significa estar pronto para o serviço. Quem nos ensina isto é o próprio Jesus, com o rito do lava-pés antes da última ceia, conforme o Evangelista João (Jo 13). Estar em comunhão com Cristo implica viver como Ele viveu: unido ao Pai e servindo aos homens, sobretudo, aos que sofriam mais. É estar pronto a anunciar o Evangelho do Reino, sendo fermento e luz. CONCLUSÃO Ao chegarmos ao término desta pesquisa sobre o sacrifício na obra de Hebreus, mas estendida para muitas outras reflexões acerca do referido tema, percebemos a complexidade deste assunto. A partir dos estudos foi possível perceber as divergências de interpretações, as contribuições e desafios para a vida eclesial e para sociedade em geral, bem como, o uso do sacrifício para “justiçar tantas injustiças” e interesses particulares. No entanto, não há como negar que o antigo sacrifício tem um papel fundamental para a compreensão do novo. Como também, podemos constatar que as limitações do antigo sacrifício, mesmo em outro contexto, em alguns aspectos, estão presentes nas interpretações do novo. Em uma linguagem girardiana, diríamos que os desejos miméticos do ser humano não mudam muito, estão presentes em todas as civilizações e em todos os tempos. É importante buscar na Bíblia o Deus da vida. O Deus que desmascara o sistema sacrificial – idolátrico e toma partido em favor da vítima, chegando a identificar-se com ela. Isso quer dizer que a hermenêutica feita do sacrifício não pode ficar só no estágio de quem o interpreta, mas, sobretudo, há uma exigência para com o interpretador, para intervir no processo da história e transformá-la. Outro aspecto observado, é que, de fato, existe uma ambigüidade na obra de Hebreus que transparece uma complexidade muito grande acerca do tema sacrifício. A morte sacrifical de Jesus dá margens a muitas interpretações equivocadas. Podemos dizer que, nas reflexões atuais, o que menos importa é a interpretação do sacrifício como ato purificador, idéia de lavar com seu sangue o santuário celestial, de limpar as manchas do pecado. O mais importante hoje em uma leitura sacrifical da morte de Jesus é interpretar o valor salvífico de sua morte, a partir de um gesto radical de solidariedade (2 Cor 8,9; Fl 2,5-11) e do martírio (Hb 12,2; Ap 12,11) (PIXLEY, 1991, p. 218). Finalmente, não se pode concordar que Deus exija sacrifícios cruentos. Os sacrifícios cruentos eram uma concessão ao apetite humano de carne e aos instintos violentos do ser humano. A função dos sacerdotes era controlar e processar esta violência tolerada por Deus. Não que Deus, por sua própria iniciativa, pedisse sacrifícios, mas em vista do apetite e da violência humana, Deus controlava com sacrifícios o perigo conseqüente e aproveitava as virtudes do sangue derramado para “limpar” sua Casa. O sistema levítico procurava exorcizar o perigo de cair na idolatria, postulando uma suposta violência na natureza de Deus. O ritual sacrifical foi usado como artifício para entender a morte de Cristo. No entanto, essa comparação traz consigo o risco de cair nas mesmas limitações e hipocrisias do Antigo Sacrifício, já mencionadas no primeiro capítulo deste trabalho: entender que o sacrifício de Cristo é eficaz por si mesmo, como uma forma para purificar as consciências, sem a exigência de uma conversão e uma nova vida; converter, através de uma linguagem descuidada ou malinterpretada, o Deus verdadeiro em um ídolo que exige sangue para satisfazer seus apetites. O que nos importa como cristãos é ter presente que o sacrifício de Cristo é um chamado a cada um, cada uma, a ser testemunha de sua prática, mesmo que humanamente este testemunho venha carregado de marcas de violência e sacrifício. Assim como Jesus agiu, cada um é desafiado a estar do lado, ajudando na superação de todas as vítimas inocentes da sociedade. Buscando constantemente desvelar um Deus da vida, dos pobres que buscam defender sua vida e das demais vítimas. “Como têm dito e celebrado as comunidades eclesiais de base, o nosso Deus se revela nas ambigüidades e limites das nossas lutas pela vida” (SUNG, 1991, p. 286). Todos são, portanto, chamados a acreditar na vítima e não nos seus carrascos. Só assim se poderá entender o que Deus diz “O que eu quero é misericórdia e não sacrifícios” (Mt 9,13). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALDAZÁBAL, José. A eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2002. ANA, Julio de Santa. Sacralizações e sacrifícios nas práticas humanas In: ASSMANN, Hugo. René Girard com teólogos da libertação: um diálogo sobre ídolos e sacrifícios. Petrópolis: Vozes, 1991. p.121-152. ASSMANN, Hugo. René Girard com teólogos da libertação: um diálogo sobre ídolos e sacrifícios. Petrópolis: Vozes, 1991. _______________. O pensamento de René Girard desperta interesses diferenciados. In: ASSMANN, Hugo. 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