UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Fátima Cristina de Oliveira Duarte Calderal O USO DO LÚDICO E DA ARTETERAPIA NO PROCESSO ENSINOAPRENDIZAGEM DO DEFICIENTE MENTAL CURITIBA 2007 Fátima Cristina de Oliveira Duarte Calderal O USO DO LÚDICO E DA ARTETERAPIA NO PROCESSO ENSINOAPRENDIZAGEM DO DEFICIENTE MENTAL Artigo apresentado ao Curso de Psicopedagogia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, para obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia. Orientador: Laura Bianca Monti CURITIBA 2007 RESUMO Este presente artigo tem como objetivo “apresentar” a Arteterapia e o Lúdico, como instrumentos de intervenção e mediação no processo de ensino-aprendizagem com crianças portadoras de deficiência mental. A Deficiência Mental é complexa e conseqüentemente imprecisa, porém podemos “defini-la” como um funcionamento mental abaixo da média, com diferentes níveis de atraso, e seu diagnóstico é realizado sempre em função de critérios básicos para sua definição, variando de acordo com modelos médicos, psicológicos e sociais. O Deficiente Mental apresenta um atraso global no seu desenvolvimento o que acarretaria ou justificaria uma dificuldade de aprendizagem geral. O aproveitamento de situações lúdicas, com brinquedos e jogos e um espaço artístico com materiais “diversos”, proporcionam condições favoráveis de aprendizagem, pois este contexto criativo e lúdico possibilita o desenvolvimento das áreas emocionais, intelectuais, cognitivas, motoras e sensoriais, que são os prérequisitos para promover a aprendizagem quando íntegras. Palavras-chave: Arteterapia, Lúdico e Aprendizagem. ABSTRACT This current academic publishing has the goal to present Art Therapy and Ludotherapy as intervention and mediation instruments in the teaching-learning process with mental disabled children. Mental Disability is complex and consequently vague, however, we can define it as a mental functionality below the average, with different levels of retard, and its diagnosis is always carried through in function of basic criteria for its definition, varying in accordance with medical, psychological and socials models. The Mental Disabled presents a global retard in his/her development that would cause or justify a general learning difficulty. The utilization of ludical situations, with toys, games and an artistic area with several materials, provides favorable conditions of learning, because this creative and ludic context enables the development of emotional, intellectual, cognitive, motor and sensorial areas, which are prerequisites to promote learning when complete. Keywords: Art Therapy, Ludic and Learning. 3 INTRODUÇÃO Podemos caracterizar o Deficiente Mental como o sujeito que apresenta um atraso global no seu desenvolvimento e no funcionamento adaptativo (socialização). Apresenta um baixo rendimento cognitivo resultando, muitas vezes, de uma alteração na estrutura cerebral. As causas do retardamento mental podem ser hereditárias e ambientais, podendo iniciar-se na vida intra-uterina, no nascimento ou na vida pósnatal. Fonseca (1995, p.13) diz que deve-se a Strauss a distinção entre os deficientes mentais endógenos dos exógenos. Os endógenos indicariam uma deficiência mental em função de fatores familiares e os exógenos devido a déficits neurológicos provocados por doenças pré, peri ou pós natais, originando conseqüentemente, lesões cerebrais de vários tipos e apresentando várias etiologias, destacando-se nos fatores neonatais (infecções, convulsões, etc), nos fatores traumáticos (comprometendo a região cerebral), fatores genéticos (síndromes) e nos fatores bioquímicos (erros inatos ou congênitos do metabolismo). Conforme a Associação Americana para Deficiência Mental (AAMD) “o retardamento mental refere-se ao funcionamento intelectual geral abaixo da média, que se origina durante o período de desenvolvimento e está associado à deterioração do comportamento adaptativo.” (TELFORD, 1978, p. 227). O deficiente mental apresenta um desenvolvimento lento em relação a uma criança dita dentro dos padrões da normalidade, porém, deve-se compreender que o aproveitamento de suas potencialidades através de estímulos, pode sugerir uma capacidade de realização no que diz respeito às atividades como um todo. Telford relata que 4 os mentalmente retardados, como um grupo, são comprovada e sistematicamente lentos na aprendizagem de andar, falar, comer pela própria mão e desenvolvimento de hábitos e higiene pessoal. De fato, são atrasados em praticamente todos os aspectos do desenvolvimento anatômico, fisiológico, motor, social, assim como, no desenvolvimento intelectual. (ibid., p. 230). O deficiente mental carece de conduta inteligente. Segundo Paín e Echeverria, Seria, então, por um lado, uma perturbação na atividade condicionada do sujeito, provocando um empobrecimento de seu reflexo no mundo e, portanto, diminuindo sua capacidade reagir sobre ele; por outro lado, aparece-nos fenomenicamente como um fracasso na tentativa de equilibrar as ações do indivíduo nas diversas etapas de sua vida – em resumo, incapacidade para um desenvolvimento adaptado do organismo. A medida da inteligência nos dá a possibilidade de calcular a desproporção no ritmo do desenvolvimento em comparação com as pautas gerais do comportamento. (1987, p. 9). Podemos especificar quatro níveis de gravidade do retardo mental: Leve, Moderado, Severo e Profundo. O Retardo Mental Leve apresenta um nível de QI 50-55 a, aproximadamente, 70, constituindo cerca de 85% dos portadores de DM. Estes conseguem desenvolver habilidades sociais e de comunicação, apresentando um baixo prejuízo nas áreas sensório-motoras e é geralmente percebido mais tarde. O Retardo Mental Moderado apresenta um nível de QI 35-40 a 50-55, constituindo cerca de 10% de toda a população. Uma grande parte alcança as habilidades de comunicação e podem cuidar de si mesma sob certa supervisão. O Retardo Mental Severo apresenta um nível de QI 20-25 a 35-40, constitui 34% dos indivíduos que são portadores de Retardo Mental. Apresentam pouca ou nenhuma fala comunicativa, beneficiando-se apenas em um grau limitado das instruções adaptativas. 5 O Retardo Mental Profundo apresenta um nível de QI abaixo de 20 ou 25 e constitui, aproximadamente, 1-2% dos indivíduos com Retardo Mental e, com treinamento apropriado, podem executar tarefas simples sob supervisão. O Retardo Mental e Gravidade Inespecificada acontecem quando se acredita que exista o Retardo Mental, porém, torna-se inviável a utilização de instrumentos para a verificação da inteligência. Telford comenta que É evidente que o grau, ou intensidade, do atraso mental pode ser tão importante quanto o próprio fato do retardamento. O grau de atraso mental é a diferença primordial entre o indivíduo de aprendizagem lenta, que estará atrasado um ano ou dois, mas que poderá chegar ao fim do curso ginasial, aprender um ofício, casar, criar uma família e viver uma existência razoavelmente normal e independente, e o caso de “assistência total”, que exigirá supervisão e cuidados comparáveis aos de um bebê durante a vida inteira. O fato do retardamento pode ser menos significativo do que sua intensidade. (ibid., p. 40) A Deficiência Mental pode ser considerada como uma das causas apontadas como responsáveis pela dificuldade de aprendizagem. Segundo Coll O “atraso mental”, em sentido estrito, envolve, também, uma significativa “limitação” ou “deficiência” mental: de aptidões, de capacidade, de inteligência. Trata-se da limitação na capacidade não somente de conhecimentos escolares, mas também de conhecimentos sociais e da vida diária. (1995, p. 232). 6 APRENDIZAGEM E SUAS DIFICULDADES Para podermos compreender as dificuldades de aprendizagem, primeiramente devemos entender o que é a aprendizagem e como esta acontece. Fonseca resume da seguinte maneira esse processo: A aprendizagem é um comportamento, isto é, uma relação inteligível entre a situação (conjunto de estímulos do mundo exterior; papel, lápis, letras, números, etc.) e a ação (adaptação, escrever, desenhar, ler, cantar, pintar, etc.) que põe em jogo estruturas neurológicas de recepção, integração, controle e expressão, onde os aspectos biológicos não se opõem aos aspectos sociais, isto é, as condições de aprendizagem da criança (condições externas) não se opõem à competência científico-relacional dos professores e dos adultos socializados responsáveis pela sua educação global (condições externas). (1995, p. 248). Hilgard nos mostra que A aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança de atividade não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do organismo. (1969, p.3) Encontramos no DSM-IV a seguinte definição para Transtornos de Aprendizagem. Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para a sua idade, escolarização e nível de inteligência. Os problemas de aprendizagem interferem significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades para leitura, matemática ou escrita. Variados enfoques estatísticos podem ser usados para estabelecer que uma discrepância é significativa. Substancialmente abaixo da média em geral define uma discrepância de mais de dois desvios padrão entre o rendimento e o quociente intelectual (isto é entre 1 e 2 desvios padrão) ocasionalmente é usada, especialmente em casos onde o desempenho de um indivíduo em um teste que avalia quociente intelectual foi comprometido por um transtorno associado no processamento cognitivo, por um transtorno mental comórbido ou condição médica geral, ou pela bagagem étnica ou cultural o indivíduo. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades de aprendizagem podem exceder aquelas habitualmente associadas com o 7 déficit. Os transtornos de aprendizagem podem persistir até a vida adulta. (1995, p. 46). Vigotsky contribui na questão da aprendizagem, não reduzindo a estrutura desta, a elementos constitutivos e dando importância à dimensão social, interpessoal na construção do sujeito. Sua pesquisa mostra alguns conceitos na área da aprendizagem, sendo o principal deles o da Zona de Desenvolvimento Proximal, onde defende a idéia de que a criança pode aprender quando lhe é dado suporte educacional para isso, relacionando o que a criança pode aprender sozinha e o que consegue aprender com a ajuda do outro. Podemos apontar várias causas para as dificuldades de aprendizagem tais como sensoriais, intelectuais, físicas, neurológicas, emocionais, ambientais, culturais entre outras, porém, nosso objetivo neste trabalho é abordar a dificuldade de aprendizagem como conseqüência da deficiência mental, assim como, os possíveis recursos a serem utilizados para que a criança, o adolescente ou adulto tenham esse processo de aprendizagem facilitado. Como no Retardo Mental, o desenvolvimento global apresenta um atraso. É esperado que o Deficiente Mental apresente dificuldades na aprendizagem em maior ou menor grau de acordo com suas defasagens. 8 PSICOPEDAGOGIA E DEFICIÊNCIA MENTAL A Psicopedagogia, em um sentido amplo, pode ser descrita como uma especialidade que investiga e compreende o processo de aprendizagem e a relação que o sujeito estabelece com a mesma, dentro dos padrões normais e patológicos, considerando a interação dos aspectos sociais, culturais e familiares. Paín relata que os objetivos básicos do tratamento psicopedagógico são, obviamente, a desaparição do sintoma e a possibilidade para o sujeito de aprender normalmente ou, ao menos, no nível mais alto que suas condições orgânicas, constitucionais e pessoais lhe permitam. (2006, p. 80). O trabalho do Psicopedagogo é interdisciplinar e faz uso de recursos das várias áreas do conhecimento humano, no que se refere ao ato de aprender e a compreensão do mesmo, valendo-se de métodos e técnicas próprios, considerando o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico. A aprendizagem do Deficiente Mental acontece de forma mais lenta, pois sua auto-regulação cognitiva é construída de forma distinta, não desenvolvendo estratégias de cognição e metacognição, ou seja, não apresenta consciência a respeito dos seus próprios processos cognitivos, havendo um prejuízo nas funções mentais superiores: percepção, sensação, memória, linguagem, imaginação, pensamento (a inteligência está na articulação do pensamento), raciocínio e criatividade, que são necessárias à aprendizagem. É importante que estas funções estejam preservadas para que o sujeito possa aprender. Qualquer dano em alguma delas, o processo de aprendizagem será prejudicado. 9 A Psicopedagogia efetiva um trabalho com o Deficiente Mental desenvolvendo na criança hábitos de aprendizagem voltados à realidade e diminuindo a inércia mental e, conseqüentemente, seu desinteresse pelo mundo. Essa educação diferencial tem três objetivos. Em primeiro lugar, encorajar a criança a se tornar independente do outro, mostrando-lhe o que pode fazer sozinha. Em segundo, estimular a criança a uma postura de autocrítica, onde ela possa analisar e questionar suas próprias atividades, reconhecendo seus erros e corrigindo-os. E por último, mostrar à criança a importância da aprendizagem, encontrando satisfação e reconhecimento na busca da mesma. Pesquisas têm mostrado resultados satisfatórios com relação à existência de potenciais e habilidades a serem exploradas nos portadores de Deficiência Mental, acreditando haver possibilidades reais para que ocorra o processo de aprendizagem, mesmo que esse seja gradual e lento, assim como compreendendo o amadurecimento das estruturas cognitivas, que potencialmente trabalhadas de forma clara e objetiva, possam promover uma organização de pensamento e maior autonomia, o que, conseqüentemente, contribuiria para essa aprendizagem que através de recursos específicos, desenvolveriam suas habilidades, possibilidades e potencialidades. A criança Deficiente Mental poderá se sentir confortável e segura quando se percebe aceita, amada e valorizada. Como Telford cita, “o conceito de eu de uma pessoa é, por seu turno, em grande parte, o produto das avaliações que as outras pessoas formulam sobre ela.” (ibid., p. 57). Qualitativamente, classifica-se o ser humano por áreas. Podemos entender o desenvolvimento da criança como um processo global, onde algumas áreas se 10 interligam. Essa situação ocorre tanto para crianças que não apresentam alteração, quanto para aquelas em que observamos atraso mental. Cada área de desenvolvimento relaciona-se profundamente e integralmente com o outro. ÁREA INTELECTUAL Umas das características do portador de Deficiência Mental é o prejuízo do funcionamento na área intelectual, interferindo de maneira significativa na aprendizagem e na execução de tarefas da vida diária. Uma vez reconhecida essa dificuldade, poder-se-á realizar um trabalho que venha atender esse sujeito, percebendo-o como um ser que pode realizar e criar dentro de suas limitações visando seu desenvolvimento global. ÁREA COGNITIVA É a área onde percebemos que a inteligência passa por um processo de estruturação contínua, organizando-se a partir de experiências reflexas. As crianças só podem aprender o que suas estruturas cognitivas do momento permitem. A compreensão desses processos cognitivos é de fundamental importância para a compreensão do processo de aprendizagem. ÁREA PSICOMOTORA É a interação que existe entre pensamento e o movimento realizado pelos músculos com a ajuda do Sistema Nervoso. Este é responsável pelo ajustamento do organismo ao ambiente. Essa interação permite que o indivíduo explore o mundo ao 11 seu redor. Um indivíduo com liberdade terá, conseqüentemente, um maior e melhor aproveitamento de seus potenciais. O desenvolvimento psicomotor do Deficiente Mental sugere a mesma seqüência evolutiva da criança “normal”, porém, ocorre de forma mais lenta. Entretanto, é importante ressaltar que o atraso em uma das áreas não significa atraso nas demais, portanto quanto maior liberdade de movimentos e ações, e maior quantidade de estímulos, através de jogos e atividades lúdicas, maior será a possibilidade de um desenvolvimento psicomotor satisfatório. Cabe destacar que é de fundamental importância, como pré-requisito para a aprendizagem, a compreensão das noções de imagem corporal, lateralidade, orientação espacial e temporal, coordenação motora, ritmo, etc. ÁREA DA LINGUAGEM É através da linguagem que buscamos expressar o nosso pensamento. Na criança Deficiente Mental, o desenvolvimento e a organização da linguagem serão mais lentos, podendo até mesmo apresentar transtornos nessa área, já que apresenta limitações na utilização de signos lingüísticos. A linguagem acontece de acordo com o desenvolvimento geral, salvo alguns casos de comprometimento específico. Ela pode ser dividida em dois tipos: linguagem verbal que ocorre através da fala e da escrita; e linguagem não-verbal que pode acontecer com gestos, expressões faciais e movimentos corporais gerais. É necessário haver uma integridade anatômica e funcional do Sistema Nervoso, assim como dos fatores sociais e emocionais, para que haja um bom desenvolvimento da linguagem, caso contrário, o prejuízo dessa integração pode levar a um distúrbio de linguagem e, conseqüentemente, a uma 12 dificuldade na aprendizagem. É importante, porém, ressaltar que um atraso da linguagem pode não ser em função de uma Deficiência Mental e, sim, uma alteração neurológica ou no órgão fonador, uma deficiência auditiva e até mesmo problemas emocionais podem ser motivos pra essa dificuldade de comunicação. ÁREA DA AFETIVIDADE (EMOCIONAL) A afetividade fala de experiências vividas do sujeito com o meio ambiente, servindo de base para todas as relações que o sujeito vive com o outro. O ser humano se estrutura, desenvolve e amadurece a partir dessas relações pessoais. A evolução do desenvolvimento afetivo no Deficiente Mental acompanha um determinado ritmo, porém, de forma lenta sai de uma fase de dependência para uma fase mais independente de acordo com suas possibilidades. As relações afetivas, que o Deficiente Mental estabelece, ocorrem pela etapa de desenvolvimento no qual se encontram e não pela sua idade cronológica. A integridade afetiva é uma das condições básicas para que a aprendizagem aconteça. A criança Deficiente Mental pode vir a desenvolver suas potencialidades e habilidades, e ser muito feliz apesar de suas limitações, permitindo-se ter uma vida prazerosa. É importante que possamos oferecer a esta criança oportunidades para que possa desenvolver-se até onde sua capacidade permita, percebendo-a como um indivíduo que pode produzir e ser útil, contribuindo da forma que puder. É equivocada a maneira de pensar que o Deficiente Mental seria incapaz de aprender. Apesar de suas limitações, com o auxílio apropriado e levando algum tempo 13 a mais, a criança tem condições de aprender inclusive um ofício e ter uma qualidade de vida melhor e mais independente. Paín e Echeverria destacam que “a possibilidade de educar a criança débil mental está ligada à capacidade do método educativo de determinar uma mudança de atitude, despertando interesse na criança pelo mundo que a rodeia”. (1987, p. 10). 14 O USO DO LÚDICO E DA ARTETERAPIA A seguir abordaremos, como já foram mencionados anteriormente, dois recursos “distintos” que acreditamos poder resultar positivamente no processo ensinoaprendizagem. Ressaltamos a palavra “distintos” por acreditar que esses trabalhos se completam no sentido que, quando criamos, estamos de uma certa forma brincando e quando brincamos, muitas vezes esse brincar nos proporciona criar. O trabalho realizado através "do brincar" tem como objetivo facilitar a expressão da criança, podendo ser desenvolvido individualmente ou em grupo. É através do brincar que a criança tem maior possibilidade de expressar seus sentimentos e conflitos, elaborando-os através de vivências lúdicas suas atividades mentais. É um retorno ao passado, reconstruindo-o. A importância do lúdico no desenvolvimento do processo ensino e aprendizagem está sendo comprovada pelos profissionais da área da educação e saúde que têm utilizado com maior freqüência no contexto escolar e clínico. Os profissionais perceberam sua eficácia confirmada por vários teóricos ao longo dos anos. O brincar cumpre três funções básicas: desenvolvimento motor, desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento emocional. Colabora na formação e no desenvolvimento intelectual, volitivo, social e físico, auxiliando e trabalhando o que nos indivíduos dificulta todo um processo de aprendizagem, vencendo suas dificuldades e aprendendo a interagir com o meio de forma positiva, ganhando competências e instrumentalizando-se para desenvolver-se em vários níveis. A intervenção do terapeuta é propiciar “atividades” onde a criança possa explorar o mundo externo através de desenhos, atividades projetivas, jogos, 15 modelagem e outros recursos lúdicos, com o objetivo de representar seu mundo interno, reconstruindo-o e, desta forma, facilitando o processo de aprendizagem. O brincar é um dos métodos mais usuais de comportamento durante a infância, tornando-se um campo de ação de grande estímulo e interesse para os profissionais no domínio do desenvolvimento humano e educacional. Assim sendo, o estudo do jogo no aspecto do desenvolvimento da criança pode ser considerado no domínio da aprendizagem como uma área exclusiva de abordagem. O brincar é uma característica inerente à infância, possuindo uma grandeza simbólica e funcional. Pensar o brincar nos remete às mais diversas abordagens, tais como a cultural, educacional e a psicológica. O valor do lúdico no desenvolvimento é consenso entre diversos estudiosos da psicologia infantil. Freud (1976) descreveu a estrutura psicológica do brincar e estudou a vinculação entre a brincadeira e a constituição do indivíduo. Percebeu seu valor terapêutico quando comprovou que comunicando seus descobrimentos no momento adequado ao paciente, conseguia que este tornasse consciente o que até então estava reprimido. Sua obra introduz a visão da função simbólica do brincar. Ele mencionava que brincando, as crianças situam-se na dimensão do sonho, desenvolvem e se constituem. Para Winnicott, a experiência da criança é adquirida através da brincadeira e esta é uma parcela importante da sua vida. “A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência”. (1982, p. 163) Na perspectiva da psicologia de Vigotsky, o jogo surge como facilitador do desenvolvimento, imaginação e criatividade. “[...] o aprendizado desperta vários 16 processos internos de desenvolvimentos, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros.” (1998, p. 117). Brincando, a criança aprende através de seus processos interativos, recriando a realidade. Imagina situações diversas, representa papéis do cotidiano, as regras e seus conteúdos. Para Vigotsky, o que nos torna humanos é a capacidade de utilizar instrumentos simbólicos e, ter assim, uma mediação simbólica ao nos expressarmos para complementar nossa atividade, que tem bases biológicas. No brinquedo, a criança absorve aptidões para que no futuro ela consiga desenvolver seu plano de ação real e moral. Vigotsky considera que o brincar deve ser compreendido em função das mudanças nos desejos e necessidades da criança e que conduzem à ação. Piaget interpreta que o lúdico é universal e formador do desenvolvimento saudável, sendo o crescimento facilitado, permitindo um entrosamento social, podendo exercer como intermediário entre a realidade externa e a interna. Por meio do jogo espontâneo e do faz-de-conta, a criança imagina, cria e elabora, desenvolvendo sua inteligência. Brincando, externaliza situações ruins e persecutórias, aliviando-se de suas ansiedades. De acordo com Piaget, a inteligência é um exemplo de comportamento adaptativo que vai se desenvolvendo desde os primeiros anos de vida, em um processo contínuo. A inteligência é a capacidade que o indivíduo tem de interagir com o meio ambiente. Ela se desenvolve através de estágios ou fases que se sucedem sempre em uma mesma ordem, mas que, devido às diferenças individuais, podem ser alcançados em idades diferentes, dependendo do ritmo do indivíduo. (citado por DROUET, 2001, p. 12). Analisando por essa perspectiva, o Deficiente Mental não sairia do estágio pré-operacional, que se estende cronologicamente de dois anos até, aproximadamente, 17 os sete anos de idade. Nesta fase, a criança acomoda gradualmente estruturas de conhecimento do período anterior denominado sensório-motor, que são caracterizadas por ações externas em direção a estruturas de conhecimentos caracterizadas por ações internas. Neste período, a utilização da linguagem é de extrema importância e a aprendizagem é intuitiva. O espaço lúdico é uma condição intrínseca na vida do sujeito e elemento essencial para a educação, fornecendo subsídios que podem contribuir para um bom desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, principalmente quando o indivíduo tem dificuldades nesse processo. O brincar pode ser visto como um recurso mediador, tornando mais fácil e prazerosa a aprendizagem, como por exemplo, através de jogos que contribuem para o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático, atividades para trabalhar atenção, concentração e memória, atividades com regras e limites, atividades que desenvolvam a linguagem escrita e falada, etc., sempre com o lúdico presente. Aspectos da intervenção no ambiente clínico devem ser criados através de mecanismos promotores de um ambiente saudável e vendo o brincar como uma possível estratégia no enfrentamento de condições estressantes como recurso, que pode ser utilizado tanto pela criança quanto pelos profissionais para lidarem com as adversidades do processo de aprendizagem. O lúdico exerce um papel de facilitador, sendo o jogo e os brinquedos ferramentas indispensáveis na intervenção psicopedagógica com o portador de dificuldade de aprendizagem, desde que seja utilizado com fins realmente educativos. Brincando, a criança aprende e assimila melhor os conteúdos, expressando-se e 18 construindo na realidade. O jogo propicia um ambiente de descontração e de grande interação social. “A interação social é um outro fator de desenvolvimento cognitivo.” (WADSWORTH, 1999, p. 35). Um outro recurso igualmente eficaz que podemos utilizar para intervir na dificuldade de aprendizagem do Deficiente Mental é a Arteterapia. Segundo Philippini, a Arteterapia é considerada como um processo terapêutico, que ocorre através da utilização de modalidades expressivas diversas. As atividades artísticas utilizadas configurarão uma produção simbólica, concretizadas em inúmeras possibilidades plásticas, diversas formas, cores, volumes, etc. Esta materialidade permite o confronto e gradualmente a atribuição de significado às informações provenientes de níveis muito profundos da psique, que pouco a pouco serão apreendidos pela consciência. (2000 citado por COUTINHO, 2007, p. 46). A Arteterapia tem como um dos objetivos fazer com que o sujeito conheça a si mesmo e aprenda a lidar consigo. Ela oferece técnicas e materiais que possibilitam um suporte e um canal de expressão, auxiliando e estimulando o sujeito nesta jornada. Com crianças Deficientes Mentais, além de trabalhar as questões emocionais, esse recurso terapêutico auxilia nas dificuldades de aprendizagem, pois através da arte e suas produções, a criança desenvolve habilidades que facilitam o processo de ensinoaprendizagem. Allessandrini comenta que Tem sido importante compreender as relações subjacentes ao uso da arte na perspectiva do desenvolvimento de uma aprendizagem global. Sinto que a ação de aprender transcorre de forma diferenciada quando o processo de aprendizagem é intermediado pelo uso de diferentes materiais, como argila, gesso, lápis de cor, crayon, tintas variadas, madeira, tecido, papel e papelão; em atividades de pintura, desenho, modelagem, colagem, construção de maquetes, criação de histórias, dramatizações, construções sonoras etc. (2002, p. 34). 19 Dentre os vários materiais que podemos utilizar na arteterapia, iremos destacar no momento o papel, que se apresenta em dois tipos: os lisos (sulfite, cartolina, papel cartão, celofane, papel cuchê, papel de presente, papel de seda, papel glacê, e papel manteiga) e os porosos (papel canson, papel camurça, papel crepom, e papel craft). Entre as várias técnicas com papel, temos a dobradura, por exemplo, que permite a criança a desenvolver sua capacidade de concentração e raciocínio, assim como a coordenação motora-fina. Podemos fazer inúmeras atividades com esses materiais, havendo para cada uma delas uma técnica especial, onde a criança pode vir a desenvolver sua criatividade e potencial artístico. Algumas atividades podem ser trabalhadas com lápis com seus diferentes graus de maciez, cores e tipos, o hidrocor, o giz de cera, assim como, as tintas (aquarela, tinta acrílica, tinta guache, tinta para pintura a dedo) desenvolvendo nas crianças habilidades motoras, esquema corporal, lateralidade, criatividade, capacidade de expressão e interação espacial. As atividades desenvolvidas com cola colorida e massa plástica (massinha) e colagem são de grande interesse por parte das crianças. Essas atividades permitem a criança desenvolver a coordenação motora fina e a organização espacial. O trabalho com argila é baseado também na criação. O indivíduo faz e refaz; elabora e re-elabora. Assimila e acomoda. Aprende através de experiências esquemáticas, crescendo cognitivamente e afetivamente. 20 As atividades realizadas com sucata permitem a criança uma criação transformadora onde esta resignifica e nomeia os materiais utilizados, exigindo-se um nível de organização mental e motora. O trabalho feito com fantoches é muito interessante. Podem ser fabricados pelas próprias crianças ou comprados prontos. Além de todo um trabalho manual desenvolvendo a coordenação global, atenção e percepção, esta atividade estimula a criatividade dando vida a personagens dentro de uma história a ser desenvolvida. 21 CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos considerar que mesmo apresentando um prejuízo no seu desenvolvimento global, o deficiente mental pode e tem condições através de estímulos adequados e dentro de suas limitações, aprender e interagir com o meio de forma adequada. As possibilidades que a Arteterapia e o Lúdico oferecem são inúmeras. Este artigo não tem a intenção de esgotá-las. Nosso objetivo é citar algumas dessas atividades que podem ser realizadas no possível trabalho com o deficiente Mental. Oferecer estes recursos é promover um vínculo positivo com a aprendizagem. O terapeuta deve ter consciência do que pode esperar ou não daquela criança, pois dessa forma, terá melhores condições de indicar e oferecer atividades adequadas às situações apresentadas, que tenham como objetivo principal facilitar a aprendizagem, trabalhando suas dificuldades e deficiências, assim como observando de que forma trabalha e como estabelece essa relação. O profissional de Psicopedagogia, utilizando os recursos da Arteterapia e Ludoterapia, pode ajudar a criança Deficiente Mental a realizar uma transformação dos objetos dentro de todo este contexto lúdico e artístico, representado por jogos, brinquedos, desenhos, dramatização, etc., construindo a partir de uma ação e reflexão, e ao mesmo tempo havendo o envolvimento integrado de várias áreas: cognitiva, motora, afetiva, linguagem, perceptiva, assim como os trabalhos de conteúdo pedagógicos. É de grande importância ressaltar que todos os profissionais envolvidos como psicólogos, neurologistas, neuropsicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, professores, 22 etc., possam ter a consciência de que integrando seus conhecimentos com ética e respeito ao paciente e apresentando uma prática responsável, podem contribuir para o desenvolvimento e saúde dessa criança. 23 REFERÊNCIAS ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. 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