SOFTWARE LIVRE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 MARINA SÁ CORRÊA Pesquisadora-bolsista em iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia. Advogada. SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direitos Fundamentais – 3. Análise do Direito de Propriedade – 4. Conclusão - Referências. Resumo: Os Softwares Livres fundam-se na filosofia de que todos possuem direito à informação. Aliada a isto está a idéia de que o Software Livre pode ser um instrumento de concretização da inclusão digital, da dignidade, da educação, da cidadania, da redistribuição de renda, da igualdade material, etc. 1. INTRODUÇÃO Software Livre é todo aquele software que concede em sua licença as liberdades de acessar o código-fonte, usá-lo, copiá-lo, modificá-lo e distribuí-lo, aos seus usuários. Os Softwares Livres fundam-se na filosofia de que todos possuem direito à informação. Desta forma, aliado a isto está a idéia de que o Software Livre pode ser um instrumento de concretização da inclusão digital, da dignidade, da educação, da cidadania, da redistribuição de renda, da igualdade material, etc. O movimento de software livre é a maior expressão da imaginação dissidente de uma sociedade que busca mais do que a sua mercantilização. Trata-se de um movimento baseado no princípio do compartilhamento do conhecimento e na solidariedade praticada pela inteligência coletiva conectada na rede mundial de computadores.(CASSINO;SILVEIRA, 2003, p.36). A partir desta simples explanação percebe-se uma clara afinidade entre tal filosofia e os princípios constitucionais. Portanto, a possível ligação entre o Software Livre e a CF/88 deve ser analisada, visto que para que um novo instituto possa subsistir juridicamente ele deve estar de acordo com a Carta Maior. Desta forma, temos o ensinamento de Luís Roberto Barroso (2004,p.301) que diz: nenhum conhecimento pode prescindir de princípios, conceitos e elementos que se articulem em torno de um objeto, ainda que seja para utilizá-los como instrumentos de transformação. Por tal razão, não existe direito sem doutrina, sem institutos próprios, sem um discurso que o singularize dos outros ramos do conhecimento. Não é possível, assim, desprezar sumariamente a dogmática jurídica nem o conjunto de experiências e conhecimentos acumulados ao longo dos séculos de vida social. Assim, o constituinte é invariavelmente mais progressista que o legislador ordinário. Tal fato dá relevo às potencialidades do direito constitucional, e suas possibilidades interpretativas. Sem abrir mão de perspectiva questionadora e crítica, é possível, com base nos princípios maiores da Constituição e nos valores do processo civilizatório, dar um passo à frente na dogmática constitucional. Cuida-se de produzir um conhecimento e uma prática asseguradores das grandes conquistas históricas, mas igualmente comprometidos com a transformação das estruturas vigentes, ilustra Luís Roberto Barroso (2004, p.301). Diante do exposto, este capítulo pretende comparar o Software Livre e algumas disposições fundamentais contidas na CF/88. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS Introdutoriamente considera Loacir Gschwendtner (2006, p.05) sobre os direitos fundamentais, para ele os direitos fundamentais estão inseridos dentro dos princípios constitucionais fundamentais, que são os princípios que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Continua Loacir Gschwendtner (2006) afirmando que os direitos fundamentais são estudados enquanto direitos jurídicos-positivos, uma vez que vigentes numa determinada ordem constitucional, razão pela qual os direitos fundamentais do homem são coisas desejáveis, fins que merecem ser perseguidos, contudo, apesar de toda essa desejabilidade, ainda não foram totalmente reconhecidos. Por fim, comenta Loacir Gschwendtner (2006) que no momento histórico atual não há mais a necessidade de fundamentar tais direitos, mas sim, de protegê-los, de modo que se verifica que a questão não é filosófica, mas, num sentido amplo, político. E ainda: Os princípios fundamentais expressam as principais decisões políticas no âmbito do Estado, aquelas que vão determinar sua estrutura essencial. Veiculam, assim, a forma, o regime e o sistema de governo, bem como a forma de Estado. De tais opções resultará a configuração básica da organização do poder político. Também se incluem nessa categoria os objetivos indicados pela Constituição como fundamentais à República e os princípios que a regem em suas relações internacionais. Por fim, merece destaque em todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), que se tornou o centro axiológico da concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais. (BARROSO, 2004, p.375). Institui o art. 1º da CF/88 como fundamentos da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade da pessoa humana, entre outros. Para Alexandre de Moraes (2006, p.16) a cidadania, representa um status e apresenta-se simultaneamente como objeto e um direito fundamental das pessoas. O Software Livre por visar a solidariedade do conhecimento permite que a cidadania possa ser praticada pelas pessoas. A partir do momento que é dado ao usuário a liberdade de conhecer, este ganha autonomia, independência para decidir o que ele deseja. E isso é o primeiro passo para a cidadania. Pois ser cidadão não é apenas votar ou ser votado, mas sim atuar socialmente, ou seja, transmitindo conhecimento uns aos outros, e não aceitando que informações básicas sejam lacradas por motivos meramente comerciais. Já a dignidade da pessoa humana: Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.(MORAES, 2006, p.16). Mecanismo de alcance da dignidade da pessoa humana, essa é uma das propostas ligadas ao movimento do Software Livre, atualmente. Quando esse movimento iniciou-se não havia essa preocupação, a intenção era apenas liberar as informações contidas nos códigos-fontes dos softwares. No entanto, essa idéia de liberdade do conhecimento se transformou no pilar para se reinvidicar outros direitos, como por exemplo, direito à cidadania, direito à educação, direito a uma vida digna, entre outros. O Brasil é um país que grande parte de sua população carece não só das liberdades contidas na filosofia do Software Livre, mas é carente das suas necessidades básicas como saúde, alimentação e moradia. Desta forma, para os colaboradores da filosofia do Software Livre, este pode ajudar a mudar essa situação vergonhosa, por exemplo, na medida em que se abrem telecentros com aulas de informática gratuitas, escolas públicas sejam equipadas com computadores que tenham Softwares Livres instalados, etc. O baixo custo inicial de um Software Livre permite que um país como o Brasil economize neste aspecto e direcione mais investimentos para áreas mais necessitadas. Ademais, não devemos abrir mão de buscar uma inserção tecnológica própria no cenário mundial. O simples fato de desenvolver Softwares Livres é um elemento de afirmação de nossa cidadania, de nossa inteligência coletiva, de redução da dependência tecnológica e do pagamento de royalties ao Primeiro Mundo. (SILVEIRA, 2001, p.39); Do ponto de vista de Sérgio Amadeu da Silveira (2001, p.39), para o setor público a adoção do software livre traz a vantagem de economizar quantias vultosas com o pagamento de licenças de programas proprietários. Além disso, pode permitir a melhor formatação e configuração dos softwares aos interesses da administração. A desvantagem inicial estaria na necessidade de treinamento dos usuários e no custo de desenvolvimento de ferramentas adequadas. Qualquer conhecimento é válido, qualquer oportunidade é bem-vinda quando o objetivo é garantir a dignidade da pessoa humana. No caso brasileiro é neste sentido que deve ser aplicado o uso do Software Livre. Dentro da ótica de uma escola ou universidade, cujo papel é formar pessoas e criar conhecimento (e não desenvolver ou vender software), esse modelo é totalmente coerente. O software é um meio para se alcançar um fim e seu desenvolvimento é válido desde que alinhado com os objetivos finais da instituição. A criação do software não é mais uma atividade que requer investimentos monstruosos. Tudo o que se necessita é criatividade e vontade de aprender para, quem sabe, revolucionar o mundo. Certamente Linus Torvalds nunca pensou em todas as implicações de seu trabalho quando estava programando, só por prazer, em um quarto escuro na Finlândia. Afinal de contas, como dizem os hackers, programar é a melhor coisa que se faz vestido. (QUEIROZ,2006,p.04). Assim, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são princípios compatíveis com o Software Livre, assim como a liberdade, a justiça, a igualdade e o bemestar comum. O Software Livre é um produto que foi exportado para o Brasil, e este deve usá-lo de forma que aquele se molde a contribuir para a melhoria da qualidade de vida nacional. Na visão filosófica do Software Livre, a liberdade não é um direito individual, é um direito coletivo e por isso deve ser mantido e passado de pessoa para pessoa. Além disso, a premissa de qualquer projeto de Software Livre é a colaboração entre as pessoas interessadas, sem concentração de poder ou qualquer outro artifício que venha a ferir as liberdades. (BAHIA, 2005, p.26). Dispõe a CF/88 em seu art. 3º que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O Software Livre é conceituado como um tipo de programa de computador que se caracteriza por permitir ao usuário: liberdade de executar o programa para qualquer propósito; liberdade de acesso ao código-fonte do mesmo a fim de que se possa modificá-lo conforme as necessidades individuais; liberdade de redistribuir cópias de modo que se possa ajudar ao próximo; liberdade de distribuir as versões modificadas desde que a coletividade se beneficie. Importante ressaltar, portanto, que apesar do conceito de liberdade ser preponderante quando se trata de Software Livre, outros direitos também se fazem presentes, tais como a busca pela solidariedade, igualdade e bem comum, assim, como preconiza o citado art. 3º da CF/88. Então, utilizar o Software Livre como instrumento para combater o atraso tecnológico, social e educacional em que o Brasil está mergulhado, pode suprir em parte a necessidade de se concretizar os alguns direitos previstos constitucionalmente. A seguir tem-se que: Os princípios constitucionais gerais, embora não integrem o núcleo das decisões políticas que conformam o Estado, são importantes especificações dos princípios fundamentais. Têm eles menor grau de abstração, sendo mais facilmente determinável o núcleo em que se operam como regras. Por tal razão, prestam-se de modo corrente à tutela direta e imediata das situações jurídicas que contemplam. Por serem desdobramentos dos princípios fundamentais, irradiamse eles por toda a ordem jurídica. A maior parte dos princípios gerais concentrase no art. 5º da Constituição, dedicado aos direitos e deveres individuais e coletivos, o que apenas ratifica a equiparação doutrinária que se costuma fazer entre direitos fundamentais e princípios. (BARROSO, 2004, p.375-376). Do art. 5º da CF/88 emana que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, XIV-é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; entre outros. Sobre o significado de “liberdade” no conceito de Software Livre, tem-se que: A liberdade de utilizar um programa significa liberdade para qualquer tipo de pessoa, física ou jurídica, utilizar o software em qualquer tipo de sistema computacional, para qualquer tipo de trabalho ou atividade, sem que seja necessário comunicar ao desenvolvedor ou a qualquer outra entidade em especial. A liberdade de redistribuir deve incluir a possibilidade de se repassar tanto os códigos fontes quanto os arquivos binários gerados da compilação desses códigos, quando isso é possível, seja o programa original ou uma versão modificada. Não se pode exigir autorização do autor ou do distribuidor do software para que ele possa ser repassado. Para que seja possível modificar o software (para uso particular ou para distribuir), é necessário ter o código fonte. Por isso, o acesso aos fontes é pré-requisito para esta liberdade. Caso ele não seja distribuído junto com os executáveis, deve ser disponibilizado em local onde possa ser copiado, ou deve ser entregue ao usuário, se solicitado.(BAHIA, 2005, p.18). Sobre a liberdade no movimento de Software Livre, Imre Simon (2006,p.06) menciona que a motivação original deste movimento foi a visão de Richard Stallman de que o software de uso geral deveria estar associado à prática de ampla liberdade. Liberdade de expressão, liberdade de cooperação, liberdade de compartilhamento, liberdade de distribuição, liberdade de experimentação, liberdade de uso, liberdade de trocas de experiências, liberdade de evolução. Liberdade ampla, geral e irrestrita, enfim. Com relação ao inciso IV do artigo constitucional supracitado, José Afonso da Silva (2004, p.244), diz que, a forma de se exteriozar o pensamento pode se dar entre interlocutores presentes ou ausentes. No primeiro caso, pode verificar-se de pessoa a pessoa ou de uma pessoa para outras, interferindo aqui com o direito de reunião e de associação. No segundo caso, pode ocorrer entre pessoas determinadas, por meio de correspondência pessoal e particular sigilosa, ou expressar-se para pessoas indeterminadas, sob a forma de livros, jornais, revistas e outros periódicos, televisão e rádio, que mereceram normas especiais na Constituição. Por isso, de acordo com os incisos IV e IX do art. 5º da CF/88, nada obsta que o Software Livre, já que este possui natureza jurídica de bem autoral, possa ser amplamente divulgado em território nacional, através de cartilhas educativas, congressos, sites, entre outros. Por fim, a liberdade de transmissão e recepção do conhecimento é uma das formas de comunicação e de manifestação do pensamento, tanto que todos podem comunicar e manifestar seu pensamento e seu conhecimento pela imprensa, pela radiodifusão, pelos livros e conferências, segundo José Afonso da Silva (2004, p.255). E, atualmente, pode-se incluir também a internet como meio de comunicação. Sobre o conceito de liberdade discorre José Afonso da Silva (2004, p.233): [...] deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade.[...]. Vamos um pouco mais além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e subjetivos necessários à idéia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade. E aqui, aquele sentido histórico da liberdade se insere na sua acepção jurídico-política. Assim, por exemplo, deixar o povo na ignorância, na falta de escola, é negar-lhe a possibilidade de coordenação consciente daqueles meios; oprimir o homem, o povo é, retirar-lhe aquela possibilidade etc. desse modo, também, na medida em que se desenvolve o conhecimento, se fornecem informações ao povo, mais se amplia a sua liberdade com abrir maiores possibilidades de coordenação de meios necessários à expansão da personalidade de cada um. Assim, as liberdades concedidas aos usuários de Software Livre permitem não só a liberdade de conhecer o código-fonte, mas também a liberdade de optar que tipo de software ele deseja usar. O Software Livre quebra a imposição comercial de somente se utilizar softwares proprietários, ele abre caminho para a liberdade de escolha do usuário. O usuário passa a ser o agente de sua própria vida, ele passa a buscar o que melhor atende às suas necessidades. Isto é ter dignidade, isto é ser cidadão, isto é ter liberdade de expressão. Por isso, o acesso à comunicação em rede é a nova face da liberdade de expressão na era da informatização. Todo cidadão ou cidadã deve ter o direito de acessar a web e utilizar uma caixa postal eletrônica. Todo cidadão deve ter o direito a acessar as informações e serviços governamentais que cada vez mais migram para a Internet. A cidadania na era informacional impõe o direito de se comunicar, de armazenar e processar informações velozmente, independentemente de condição social, capacidade física, visual ou auditiva, gênero, idade, raça, ideologia e religião (CASSINO; SILVEIRA, 2003, p.45). João Cassino e Sérgio Amadeu (2003, p.30) acreditam que, hoje, o direito à comunicação é sinônimo de direito à comunicação mediada por computador. Portanto, trata-se de uma questão de cidadania. O avanço tecnológico na área da comunicação atropelou nações subdesenvolvidas, como o Brasil. Nestes países somente uma pequena parcela do povo pode usufruir plenamente das novas tecnologias. A grande maioria da população vai sendo engolida pelas novas práticas, como, por exemplo, possuem aparelho celular, mas utilizam apenas funções básicas do produto. Assim, vai se criando uma nova parcela de excluídos, os analfabetos tecnológicos. Se o problema fosse somente este, menos mal. Ele se agrava na medida em que grande parte dos brasileiros é analfabeta, ou sub-alfabetizada. Ou seja, deve-se correr contra o tempo. E a informática pode contribuir em curto prazo para melhorar este problema, pois se pode utilizar os computadores como meio de alfabetização tanto da língua portuguesa quanto da informática. Não adianta, portanto, aderir ao uso do Software Livre sem ficar alerta aos problemas que estão arraigados no país. Com relação à inclusão digital: Outro ponto relevante quando se discute a inclusão digital está na definição do seu foco principal. Em geral podemos observar três focos distintos no seu discurso e nas propostas de inclusão. O primeiro trabalha a inclusão digital voltada à ampliação da cidadania, buscando o discurso do direito de interagir e do direito de se comunicar através das redes informacionais. O segundo focaliza o combate à exclusão digital como elemento voltado à inserção das camadas pauperizadas no mercado de trabalho na era da informação. Assim, o foco da inclusão tem o seu epicentro na profissionalização e na capacitação. O terceiro está voltado mais à educação. Reivindica a importância da formação sociocultural dos jovens na sua orientação diante do dilúvio informacional, no fomento de uma inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na sociedade informacional.(CASSINO; SILVEIRA, 2003, p.33). Comenta Sérgio Amadeu da Silveira (2001, p.30) que nas sociedades modernas, o acesso às tecnologias de reprodução de informações em larga escala era uma condição democrática. Na sociedade da informação, a defesa da inclusão digital é fundamental não somente por motivos econômicos ou de empregabilidade, mas por razões político-sociais, principalmente para assegurar o direito inalienável à comunicação. Para José Afonso da Silva (2004, p.246), a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência da censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. O acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º inc. XIV). Mais uma vez verifica-se que a filosofia preconizada pelo Software Livre está de acordo com os ditames constitucionais, na medida em que a liberdade de conhecimento e informação é direito de todos e o seu acesso não pode ser embargado por motivos egoísticos. O movimento de Software Livre nasceu de uma crença, a de que todos os homens possuem direito à informação. Por conseguinte, apesar desta crença ter surgido anos antes da entrada em vigor da atual Constituição, este e outros valores encontraram-se arraigados em seu texto. Nesse sentido as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão e manifestação do pensamento, tomado esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais e conceptuais e intuitivos. A atividade intelectual é genérica. Não diremos que abrange também o conhecimento artístico, porque este é intuitivo. A arte ingênua, primitiva, certamente não é uma atividade intelectual. Mas por certo a atividade científica o é. A atividade intelectual é especialmente vinculada ao conhecimento conceptual que abrange a produção científica e filosófica. Esta, como em todas as manifestações artísticas, está protegida pela liberdade de que estamos nos ocupando. Todos podem produzir obras intelectuais, científicas ou filosóficas, e divulgá-las, sem censura e sem licença de quem quer que seja. (SILVA, 2004, p.253). Encontra respaldo constitucional para a inserção do Software Livre no ordenamento jurídico brasileiro não só no rol direitos fundamentais, mas também no rol dos preceitos sociais e de temas especiais. Em seguimento: Princípios setoriais ou especiais são aqueles que presidem um específico conjunto de normas afetas a determinado tema, capítulo ou título da Constituição. Eles se irradiam limitadamente, mas no seu âmbito de atuação são supremos. Por vezes, são mero detalhamento dos princípios gerais, como os princípios da legalidade tributária ou da reserva legal em matéria penal. Outras vezes são autônomos, como o princípio da anterioridade em matéria tributária ou o do concurso público para provimento de cargos na administração pública. Há princípios especiais em domínios diversos, como os da Administração Pública, organização dos Poderes, tributação e orçamento, ordem econômica e ordem social. (BARROSO, 2004, p.376). Segundo o art. 6o CF/88 são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Alexandre de Moraes (2006, p.177) define direitos sociais como direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. Com base nesse posicionamento, considera-se o seguinte aspecto relativo aos Softwares Livres: Os benefícios econômicos são muito maiores e mais importantes que a simples economia com o licenciamento de software. A robustez e confiabilidade do Software Livre provocam reduções significativas em custos operacionais. A disponibilidade do código fonte permite que os sistemas sejam adaptados às condições e necessidades dos usuários. Estas adaptações poderão ser efetuadas por profissionais brasileiros, que terão oportunidades de desenvolvimento muito distintas daquelas vigentes num mercado monopolístico. Além disso, a possibilidade de consulta ao código dos programas permite condições de estudo e aprendizado que são absolutamente inviáveis com software proprietário.(HEXSEL, 2006, p.II). Desta forma, garantindo e defendendo o acesso dos usuários ao seu código-fonte o Software Livre passa a ser instrumento social. O Software Livre, portanto, deve ser implantado visando sempre o benefício da sociedade, ou seja, visando projetos que promovam o aprendizado, o lazer, a profissionalização, etc. Enuncia o art. 205 da CF/88 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com o art.6º, eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem. Aí se afirma que a educação é direito de todos, com o que esse direito é informado pelo princípio da universalidade. Realça-lhe o valor jurídico, por um lado, a cláusula- a educação é dever do Estado e da família-, constante do mesmo artigo, que completa a situação jurídica subjetiva, ao explicitar o titular do dever, da obrigação, contraposto àquele direito. Vale dizer: todos têm o direito à educação e o Estado tem o dever de prestá-la, assim como a família. (SILVA, 2004, p.312). Apesar do direito à educação ser primordial, o direito à cultura também tem relevância. O art. 215 (caput) da CF/88 obriga o Estado a garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais. E ainda: § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I- defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II- produção, promoção e difusão de bens culturais; III- formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV- democratização do acesso aos bens de cultura; V -valorização da diversidade étnica e regional. Assim, esclarece José Afonso da Silva (2004, p.313) que os direitos culturais não foram arrolados no art. 6º como espécies de direitos sociais, mas, se a educação o foi, aí também estarão aqueles, até porque estão explicitamente referidos no art. 215, consoante o qual o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Por aí também se vê que se trata de direitos informados pelo princípio da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos. Os Softwares Livres também possuem o caráter cultural, pois a construção desses softwares resulta da participação intelectual de milhares pessoas de várias partes do mundo, por isso caberá a tutela estatal segundo preceitua o artigo constitucional supracitado. É obrigação do Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas (art.218, CF/88). É por crer que o investimento em pesquisas gera benefícios para a sociedade, que muitos projetos baseados em Software Livre vêm ganhando financiamento. Alexandre de Moraes (2006, p.746) leciona que a Constituição Federal prevê duas espécies de pesquisas: científica e tecnológica. A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. Na opinião de Roberto Hexsel (2006, p.II) o código de um programa distribuído como Software Livre torna-se um bem público que está à disposição de toda a sociedade. Neste sentido, software assemelha-se ao conhecimento científico, que uma vez difundido pode ser livremente utilizado por todos, e que assim possibilita o próprio avanço da Ciência. Portanto, os benefícios sociais da publicação e do uso de Software Livre são a liberdade na utilização das ferramentas, e especialmente na disponibilidade do conhecimento envolvido na produção destas ferramentas, bem como de sua evolução. Sobre incentivar o uso do Software Livre: É necessário um esforço no sentido de esclarecer, e talvez até mesmo de convencer, a todos os níveis decisórios da administração Pública quanto às vantagens decorrentes da adoção de Software Livre, para que soluções baseadas nestas tecnologias sejam consideradas como bons candidatos à adoção pelas instituições de governo. Os governos, além de incentivar o uso e a adoção de Software Livre, devem também recomendar a adoção de soluções baseadas em Software Livre nas instituições de governo, públicas e autarquias. Estas recomendações devem obrigar a que sistemas de Software Livre sejam considerados para aquisição sempre que tais sistemas ofereçam alternativas viáveis a sistema proprietários.(HEXSEL, 2006, p.28). Nessa linha de pensamento, o governo federal lançou um portal na internet para estimular a adoção, pela administração pública federal, de softwares livres. O www.softwarelivre.gov.br reúne informações, documentos e notícias, além de uma ferramenta que disponibiliza códigos-fonte que podem ser baixados, utilizados e melhorados pela sociedade. A intenção do governo é incentivar a adoção e a produção dos programas abertos como instrumento de fortalecimento da indústria nacional, inclusão digital, integração de sistemas e geração de emprego e renda, informa Walter Pinheiro (2004, p.14). O Software Livre é a chance de tornar a tecnologia aliada ao desenvolvimento nacional. O Governo, sensível a essa oportunidade, vem incentivando cada vez mais o uso de Softwares Livres nas repartições públicas, reduzindo drasticamente os custos com licenças de software proprietário. Sendo que a economia deste recurso poderá ser redirecionada para investimentos em tecnologia nacional; ou até mesmo para setores mais problemáticos, como a saúde e a educação, minimizando a injustiça social. (BAHIA, 2005, p.16). No entanto: O conjunto de instituições que provê treinamento em larga escala sobre produtos de Software Livre é relativamente pequeno. São, portanto necessárias medidas de incentivo aos programas de treinamento, bem como auxílio financeiro a instituições que desejam treinar sua força de trabalho para a aplicação de tecnologias baseadas em Software Livre. Tais medidas permitiriam acelerar a utilização de Software Livre, especialmente em pequenas e médias empresas. (HEXSEL, 2006, p.29). Na opinião de Roberto Hexsel (2006,p.II) quanto à utilização de Software Livre no Brasil, ele destaca que não há ainda massa crítica de programadores e desenvolvedores, e nem de usuários. Isso se deve em parte à pequena capilaridade de Internet no país, e à relativa falta de alguns aplicativos que são usados pela maioria dos usuários não especialistas. E ainda, considerando-se as inúmeras vantagens da adoção do software livre em larga escala no país, o Governo pode e deve criar as condições para que se estabeleça a massa crítica no Brasil, de forma a que a utilização de Software Livre produza os benefícios econômicos e sociais que lhe são característicos. Por fim, percebe-se a plena sintonia entre os artigos constitucionais supracitados e movimento do Software Livre. Assim, o Software Livre deve ser utilizado como um meio que poderá contribuir para o pleno exercício dos direitos garantidos pela CF/88. Desta forma, expandindo o direito de acesso à informação e ao conhecimento, outros direitos também serão alavancados. Portanto, desenvolvendo-se a educação, as pessoas se conscientizarão que a cidadania vai além dos direitos políticos, ela representa o exercício de todos direitos e deveres previstos constitucionalmente. 3. ANÁLISE DO DIREITO DE PROPRIEDADE Determina o art. 5º da CF/88 nos incisos XXII e XXIII que é garantido o direito de propriedade e que a propriedade atenderá a sua função social, respectivamente. Segundo Patrícia Del Nero (1998, p.33) a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXII, garante o direito de propriedade e, imediatamente no inciso XXIII, condiciona esse direito à sua função social. Entretanto, a importância da propriedade no ordenamento brasileiro não é apenas constituída como um direito. Nesse sentido, verifica-se que a própria Constituição determina um dos condicionamentos específicos da propriedade, qual seja, sua destinação social. Portanto, além de direito, a propriedade, modernamente é princípio que se realiza, na medida em que a coisa possui e realiza sua função social. E ainda: Com essa concepção é que o intérprete tem que compreender as normas constitucionais, que fundamentam o regime jurídico da propriedade: sua garantia enquanto atende sua função social, implicando uma transformação destinada a incidir, seja sobre o fundamento mesmo da atribuição dos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o modo em que o conteúdo do direito vem positivamente determinado; assim é que a função social mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas. Enfim, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo, e utilização dos bens. (SILVA, 2004, p.283-284). O ilustre doutrinador Orlando Gomes (1986, p.90) conclui que a atividade do proprietário de bens de produção não pode cumprir-se em contraste com a utilidade social, somente se justificando sua proteção jurídica se em conformidade com esse propósito. Diz-se, em fórmula expressiva, que a função social da propriedade consiste na sua idoneidade a atingir e obter fins sociais. Em consonância, comenta André Ramos Tavares (2003, p.163) que a propriedade privada é considerada como um elemento essencial ao desenvolvimento do modelo capitalista de produção e, ademais, o direito à propriedade é inafastável da concepção de democracia atualmente existente. Foi por esse motivo que se preservou o direito de propriedade, alterando-se-lhe o conteúdo, com a consagração de direitos sociais, e, ainda, com a declaração expressa de que também a propriedade é alcançada pela concepção social do Direito, o que se dá pela determinação de que a propriedade cumprirá sua função social e se harmonizará com a busca da dignidade para todo cidadão. Assim: O atendimento ao princípio da função social da propriedade requer não só que seu uso seja efetivamente compatível à destinação socioeconômica do bem. Deve haver, portanto, uso efetivo e socialmente adequado da propriedade. Busca-se equilibrar o direito de propriedade como uma satisfação de interesses particulares, e sua função social, que visa atender ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade. A propriedade está, portanto, impregnada de socialidade e limitada pelo interesse público. Por tal razão prescreve, por exemplo, o art. 1.228, §1º, com Código Civil que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, [...]”. A propriedade recebe no novo Código Civil, uma abordagem peculiar, que revela seu sentido no mundo contemporâneo, mantendo sua natureza de direito real (art.1225,I) pleno sobre algo, perpétuo e exclusivo (CC, arts. 1.228,caput, e 1.231), porém não ilimitado, por estar seu exercício condicionado ao pressuposto de que deve ser socialmente útil. Reprimido está, juridicamente, o exercício antisocial do direito de propriedade. O proprietário deverá conformar o exercício do seu direito ao bem-estar social, sem que isso venha a negar seu domínio e sem que o Estado venha a impor os fins a que a gestão de bens privados deva perseguir.o exercício do domínio deve ser instrumento de cooperação de finalidades públicas.(DINIZ, 2003b, p.113). Considera, também, Paulo Marcos Rodrigues Brancher (2003, p.37-38) que o direito à propriedade privada é princípio basilar em qualquer sociedade capitalista, de forma que se afasta do estado a titularidade dos bens de uso, gozo, posse ou por qualquer título considerados privados, deles dispondo seu legítimo proprietário conforme sua vontade, nos limites da lei. Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1990, p.23) a função social da propriedade filia-se de forma desenganada ao primado da propriedade. Contudo, a sua fruição tem de compatibilizar-se com fins sociais mais amplos. Por isso, não é simples estabelecer qual a aptidão que um determinado bem possui para a prossecução de interesses sociais. De qualquer sorte, o interesse coletivo passa desse modo a fazer parte integrante do regime da propriedade individual. Aliado a isto, comenta Maria Helena Diniz (2003b, p.112-113): Com o escopo de coibir abusos e impedir que o exercício do direito de propriedade acarrete prejuízo ao bem-estar social, permitindo desse modo o desempenho da função social da propriedade, preconizado pela nossa CF, arts.5º, XXIII, 184,185, §único, 186,182, §2º, e 170,II e pela Lei n.10.257/01, arts. 1º a 4º. A socialização do direito está expressa na Carta Magna. A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. A Constituição Federal, no art.5º, XXII, garante o direito de propriedade, mas requer como vimos que ele seja exercido atendendo a sua função social. Com isso, a função social da propriedade a vincula não só à produtividade do bem, como também aos reclamos da justiça social, visto que deve ser exercida em prol da coletividade. Fácil é perceber que os bens, que constituem objeto do direito de propriedade, devem ter uma utilização voltada à sua destinação socioeconômica. O princípio da função social da propriedade está atrelado, portanto, ao exercício e não ao direito de propriedade. Em consonância com o comando constitucional, o Código Civil, no art.1.228, §§ 1º a 5º, afasta o individualismo, coibindo o uso abusivo que deve ser utilizada para o bem comum. Condicionada está a convivência privada ao interesse coletivo, visto que a propriedade passa a ter função social, não mais girando em torno dos interesses individuais do seu titular. Paulo Marcos Rodrigues Brancher (2003, p.38) discorre, ainda, que no caso em apreço, o ato de criação do programa de computador é protegido pelo regime dos direitos autorais. Nesse sentido, o direito à propriedade pode ser visualizado de duas formas. Uma delas se refere ao direito da personalidade, sendo facultado ao autor reivindicar a autoria e preservar eventuais modificações do software que resultem em desrespeito à honra ou à imagem do autor. A outra, seria em relação aos aspectos patrimoniais, sendo que a própria Constituição, no art. 5º XXVII, conferiu aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras. Com isso, nesse último caso, conclui Paulo Marcos Rodrigues Brancher (2003, p.37-38) que a propriedade do software não se refere à obra enquanto instalada em um determinado suporte físico. A propriedade de que falamos existe enquanto direito, seja de comercialização, modificação, reprodução, ou uso, ao que se atribui um determinado valor, conforme o caso. Sobre a função social da propriedade autoral: A finalidade dessa limitação, se de um lado procura evitar que o monopólio do direito de autor impossibilite o desenvolvimento educacional, cultural e, principalmente, científico da sociedade; por outro lado, estabelece regras para o exercício irregular desse direito exclusivo não se transforme em abuso perante terceiros. Dessa forma, longe do conceito de expropriação dos bens particulares, como no caso de imóveis para uso público, entendemos que o direito do autor tem, de certa forma, que cumprir uma função social que fomente o desenvolvimento e não resulte em impedimento à criação de novas obras intelectuais. (BRANCHER, 2003, p.38-39). Para José Afonso da Silva (2004, p.275-276), o art. 5º XXVII, que assegura o direito autoral, contém duas normas bem distintas. A primeira e principal confere aos autores o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir sua obra, sem especificar, como faziam as constituições anteriores, mas compreendido em conexão com o disposto no inciso IX do mesmo artigo, conclui-se que são obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação. Enfim, aí se asseguram os direitos do autor de obra intelectual e cultural, reconhecendo–lhe, vitaliciedade, o chamado direito de propriedade intelectual, que compreende direito moral e patrimonial. A segunda norma declara que esse direito é transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. Segundo o Prof. Denis Borges Barbosa (2003a, p.131) certo é que, no que for objeto de propriedade (ou seja, no alcance dos direitos patrimoniais), o direito autoral também está sujeito às limitações constitucionalmente impostas em favor do bemcomum - a função social da propriedade de que fala o art.5º, XXIII, da Carta de 1988. Note-se que a proteção autoral, como propugna boa parte da doutrina, não se esgota na noção de propriedade, em particular pela presença dos direitos de personalidade. Por conseguinte, afirma o Prof. Denis Borges Barbosa (2003a, p.131) que o art.5º, XXIII, da Carta, que assegura inequivocadamente o direito de propriedade, deve ser contrastado com as restrições do inciso seguinte, a saber, as de que a propriedade atenderá a sua função social. E, também no art.170 a propriedade privada é definida como princípio essencial da ordem econômica, sempre com o condicionante de sua função social. No tocante à propriedade resultante da proteção aos programas de computador, das patentes e dos demais direitos intelectuais de funções essencialmente econômicos, a Carta aceita sem dúvida a restrição à concorrência, mas evitando que os poderes dela resultantes tenham o caráter absoluto - o monopólio só existe em atenção ao seu interesse social e para propiciar o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. [...]. (BARBOSA, 2003a, p.131). Enfim, tanto o direito de propriedade regulado pela CF/88 quanto o direito da Propriedade Intelectual, incide sobre o Software Livre. Assim, a regra ditada pela CF/88, a qual determina à propriedade uma função social, irradiou-se para toda e qualquer forma de propriedade. Complementa Maria Helena Diniz (2003b, p.114) ao dizer que a sociedade deve extrair benefícios do exercício do direito de propriedade. A propriedade pertence, portanto, mais à seara do direito público do que a do direito privado, visto ser a Carta Magna que traça seu perfil jurídico. Urge fazer com que se cumpra a função social da propriedade, criando condições para que ela seja economicamente útil e produtiva, atendendo o desenvolvimento econômico e os reclamos de justiça social. O direito de propriedade deve desempenhar uma função social no sentido de que a ordem jurídica confere ao seu titular um poder em que estão conjugados o interesse do proprietário e do Estado ou o social. O Software Livre representa no contexto atual uma ruptura nos estigmas da Propriedade Intelectual, e principalmente no Direito Autoral. Em primeiro lugar, porque até então jamais se imaginou que um proprietário de um software (bem protegido pelo direito autoral) permitisse que o cerne do conhecimento por ele aplicado e desenvolvido na sua criação (código fonte) pudesse ser compartilhado com toda a sociedade. Segundo, porque com o avanço da informática, da computação e da programação, houve a transformação do software em objeto comercial, e diante disso um recrudescimento na legislação de proteção dos bens frutos do intelecto a fim de proteger o segredo de negócio dos usuários e concorrentes. Com isso, gerou-se um verdadeiro monopólio do conhecimento em relação aos softwares. O Software Livre, entretanto, rompe esta barreira monopolista de acesso ao conhecimento e inova através de suas licenças livres, permitindo plena liberdade de acesso ao código fonte. Em terceiro lugar, o Software Livre trouxe para o mundo da proteção intelectual uma nova visão de propriedade, aquela que cumpre sua função social tanto no âmbito econômico quanto no âmbito do atendimento da diminuição das desigualdades sociais. Assim, economicamente, o Software Livre permite sua comercialização e outros modelos de negócios, não se extingue, portanto, a destinação comercial que todo bem tem em potencial. Aliado a isto, o Software Livre contribui para o fortalecimento da educação e da disseminação do conhecimento, ao liberar o conteúdo do seu código fonte. É este o sentido de propriedade com função social que está inerente ao uso do Software Livre: aquela que consegue aliar o fomento da economia com preservação do direito de se desenvolver o meio social. No paradigma do Software Livre, o autor do software resguarda seus direitos de criador, mantendo livres o uso e o conhecimento (do código fonte) do software para quem deles precisar através da redação adequada de um copyright. O que se efetiva como uma subversão. (BAHIA,2005,p.22). Portanto, o Software Livre é um claro exemplo de função social da propriedade autoral. Pois, o autor/desenvolvedor ao submeter seu software a uma licença livre, deseja que posteriormente o usuário possa acessar o conhecimento que foi empregado para construir aquele programa de computador. Desta forma, ao disponibilizar essa e outras liberdades aos usuários, incentiva-se a educação, a cultura, o desenvolvimento tecnológico, etc. Isto, por fim, é o que se pode chamar de função social da propriedade autoral, ou seja, o direcionamento dos direitos autorais para o bem-estar social, conforme preconiza a CF/88. 4. CONCLUSÃO Segundo João Cassino e Sérgio Amadeu da Silveira (2003, p.65-66), importante considerar que em contraste com a realidade de alguns anos atrás, vivemos um momento de clara estabilidade democrática. Isso reforça a oportunidade de aproveitarmos intensamente as condições de fortalecimento da participação cidadã, decisiva para transformar regimes formais em democracias efetivas. Aqui está um dos desafios mais importantes das organizações da sociedade civil e não-governamentais: contribuir para canalizar as necessidades das populações, traduzindo anseios e criando instrumentos de participação efetiva, fazendo “elevar” a voz com a proposição de soluções discutidas amplamente com a sociedade. Nesse sentido: o ciberespaço pode ser proposto como potencializador de sentido de ‘agoras’ virtuais, momentos no tempo e encontros de interesses e linguagens comuns em que - por intermédio de dinâmicas escolhidas e consentidas coletivamente - as necessidades, vontades, disposições e talentos de cada elemento de um grupo são postos a serviço do ‘todo’, e pontos de consenso são identificados. A Internet possibilita que a democratização de discursos, problemas identificados e caminhos sugeridos seja instantânea. Mas, para isso, pe necessário que o acesso às novas tecnologias e à rede www seja universal. Caso contrário, a possibilidade de exercício de democracia através das tecnologias digitais de comunicação e informação é falácia.(CASSINO; SILVEIRA, 2003, p.65-66). É neste contexto que surge a proposta de adotar Softwares Livres pelo Brasil. Assim, conforme idealizam os autores supracitados, deve haver um amplo debate com a população sobre o que é Software Livre e quais as possíveis conseqüências de sua implantação. Essa discussão faz-se necessária e útil, pois é o direito à informação, à educação, à vida digna que se pretende tutelar com a adoção de Softwares Livres. O Software Livre surge, então, da necessidade de abandonar-se o velho papel de meros usuários da tecnologia e passar-se a desenvolvê-la e usá-la para o bem de todos. O Brasil, particularmente, precisa acabar com sua depência tecnológica e passar a desenvolver softwares, ao invés de continuar refém dos preços abusivos impostos pelas grandes corporações e seus mercados.(BAHIA,2005, p.16). Mais do que desejável optar-se pro adotar Softwares Livres, visto que: O mercado de trabalho relacionado ao software livre abrange atividades que vão desde o desenvolvimento do software propriamente dito até a prestação de serviços de consultoria, treinamento, documentação e suporte. O modelo empregado pelas empresas que trabalham exclusivamente com software livre se contrapõe àquele empregado em empresas de softwares proprietários: o foco passa a ser o relacionamento com o cliente, ao invés do produto em si. Além disso, surge também uma nova ética no trabalho, em que as relações passam a funcionar de modo cooperativo e a permitir uma interação maior entre a evolução da idéia, os desenvolvedores e os usuários, pois o produto é aberto para quem quiser ver, contribuir e usar.(COMCIENCIA, 2006b,p.01) Para Roberto Hexsel (2006, p.12) o Software Livre é vantajoso porque possui baixo custo social; não se fica refém de tecnologia proprietária; independência de fornecedor único; desembolso inicial próximo de zero; não obsolescência do hardware; robustez e segurança; possibilidade de adequar aplicativos e redistribuir versão alterada; suporte abundante e gratuito, e sistemas e aplicativos geralmente muito configuráveis. Sobre o sistema operacional GNU/Linux: Trata-se de um produto de tecnologia muito sofisticada, literalmente escrito a milhares de mãos. Surpreendentemente, em curto espaço de tempo o GNU/Linux tornou-se um fator econômico importante, ainda em pleno crescimento, mas que já não pode ser ignorado. Uma das principais causas do sucesso do GNU/Linux é uma estabilidade extraordinária, uma característica altamente desejável e muito elusiva em sistemas operacionais. Não está suficientemente esclarecido ainda como e porque esta estabilidade foi conseguida, mas é muito provável que o modelo encontrado por Linus Torvalds para o seu desenvolvimento, chamado de método bazar por Raymond, seja pelo menos parcialmente responsável por esta característica. A prática irrestrita e fortemente incentivada da cópia do software, inclusive da sua fonte, é parte essencial deste método [...]. (SIMON, 2006,p.06). São razões para se utilizar Software Livre: poder usar o software para qualquer finalidade; ter acesso ao código fonte e poder modificá-lo, sem quaisquer restrições; poder copiá-lo e executá-lo em quantas máquinas desejar; poder distribuí-lo, sem violar, é claro, essas liberdades que todos têm direito; ter o seu comportamento equipado com software de qualidade a um custo baixo ou nulo; não ficar preso às restrições impostas pelas licenças de softwares proprietários; não ficar dependente de novas versões com preços abusivos que eventualmente apresentam incompatibilidades com versões antigas; ficar livre da pirataria; incentivar o desenvolvimento de tecnologia nacional; interagir e compartilhar soluções com sua comunidade, seja física ou virtual; e, lutar contra o monopólio de grandes corporações que buscam se apropriar do conhecimento intelectual coletivo. Além disso: A substituição dos softwares proprietários por livres nos órgãos públicos tem sido defendida pelo governo federal, com base em argumentos como a qualidade equivalente ou superior dos softwares livres, custo reduzido, autonomia de gestão e maior segurança. Algumas grandes modificações já estão em curso. Ministérios como o de Minas e Energia e o do Meio Ambiente já estão em fase final de planejamento para a migração de seus sistemas. A Caixa Econômica Federal também pretende mudar todo o seu sistema computacional e tem como meta investir 10 milhões de reais em software livre este ano contra 62 mil investidos em 2003.(COMCIENCIA, 2006c, p.01) Outro benefício social importante é a transparência na codificação das informações tratadas pelos programas. Os formatos empregados para armazenar e tratar as informações são abertos porque o código fonte dos programas pode ser livremente examinado, e não existe assim a possibilidade de que, por exemplo, dados usados no serviço público sejam mantidos em formatos de propriedade de uma entidade privada. O mesmo raciocínio se aplica aos protocolos de comunicação empregados para a transferência de informações entre computadores ou sistemas. (HEXSEL, 2006, p.II). Existem diversos projetos de lei no Congresso Federal sobre a adoção preferencial de software livre e código aberto, além da Frente Parlamentar do Software Livre, que articula politicamente a aprovação de tais leis, alterando inclusive a Lei das Licitações, número 8.666/93. Um deles é a Lei do Software Livre (2.269/99) do deputado petista Walter Pinheiro. Segundo o parlamentar, a medida resultaria numa economia de até 60% nos gastos do governo. (COMCIENCIA, 2006a, p.04-05). Contudo, são desvantagens do Software Livre, na opinião de Roberto Hexsel (2006, p.18): interface de usuário não é uniforme nos aplicativos, instalação e configuração pode ser difícil, e mão-de-obra escassa e/ou custosa para desenvolvimento e/ou suporte. Assim, uma das dificuldades a serem enfrentadas na adoção de sistemas de Software Livre em larga escala é a necessidade de maior capacitação dos operadores destes sistemas. Por operadores entenda-se os técnicos que instalam, configuram e mantém os sistemas em operação. Dada a natureza própria do Software Livre, especialmente seu modo de desenvolvimento, a instalação e configuração destes sistemas exige maior nível de conhecimento técnico do que simplesmente inserir o CD e reinstalar o sistema. A necessidade de maior capacitação é a contrapartida à flexibilidade e configurabilidade do Software Livre, segundo o ilustre Roberto Hexsel (2006, p.22). Por isso, importante enfatizar a necessidade de se incentivar cada vez mais o uso e a divulgação dos ideais fundantes do Software Livre. Em conclusão: a sociedade da informação está aí, a despeito de quem pode se considerado como incluído nessa realidade ou não. As possibilidades que ela encerra são encantadoras ou aterradoras e a distância entre conhecer uma possibilidade ou outra depende de que prioridades serão estabelecidas na condição das sociedades e das relações entre as pessoas. É ingenuidade esperar que a s forças e interesses dominantes, que têm conduzido o rumo da história, se ocupem de defender direitos humanos e de cidadania, seja sob que paradigma for. Mas também é ingenuidade pensar que se opor a essas forças seja um exercício inútil ou uma responsabilidade que compete apenas a quem detenha conhecimentos específicos ou trabalhe em projetos diretamente vinculados à tecnologia e à Internet. Lutar por uma sociedade da informação onde todas as pessoas tenham iguais oportunidades de acesso à informação, ao conhecimento, a canais e oportunidades de expressão cabe a cada cidadão e cidadã do planeta. Nunca é demais lembrar que a sociedade da informação somos nós, seres humanos, sem os quais não há rede possível.(CASSINO;SILVEIRA, 2003, p.75) Enfim, mais do que cabível defender a adoção de Softwares Livres no Brasil. O progresso que se faz necessário ao desenvolvimento da nação não pode abrir mão de um instrumento potencialmente tão eficaz no combate às misérias educacional e econômica em que a maioria da população está inserida.