Políticas Públicas de Educação e resíduos Sólidos

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Políticas Públicas de Educação e resíduos Sólidos
Valéria Gentil Almeida1
A participação, o envolvimento e a mobilização da sociedade estão diretamente
relacionados à Educação Ambiental (EA). A EA, dentre outros instrumentos, funciona
como mola propulsora para uma eventual mudança de paradigma. A EA, tal como definida
pela Política Nacional de Educação Ambiental, Lei 9795/1999, em seu Art. 1, constitui-se
de todo e qualquer processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade desenvolvem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum da humanidade, essencial a uma
qualidade de vida sadia e sua sustentabilidade.
Pode-se dizer que tanto a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) quanto
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) são ‘políticas verdes’, ou seja, políticas
adotadas com o objetivo de administrar as atividades humanas em relação ao meio
ambiente no Brasil. O objetivo dessas políticas, ao menos na teoria, é implantar no meio
da população, sobretudo numa faixa etária mais jovem, a capacidade de prevenir, mitigar
ou reduzir a degradação ambiental. Todavia, o sucesso de uma política verde deve
abranger os diferentes atores da sociedade dependendo da aceitação, eficácia e
eficiência dessa política. Ela deve, ao mesmo tempo, ser realista na sua implementação e
com vistas à sustentabilidade. Uma política verde pode ser baseada no comando e
controle, no mercado, na educação e nos resultados (os chamados green outcomes).
(GENTIL, 2013) .
Na gestão dos municípios brasileiros, os temas Educação Ambiental e Resíduos
Sólidos têm sido motivo de várias discussões.
1 Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasilia. Professora da Universidade de Brasília,
Brasil. [email protected].
Além da necessidade de execução das políticas que orientem os estados e
municípios
estabelecendo
responsabilidades,
são
necessários
mecanismos
que
estimulem as atividades recicladoras.
A EA desenvolve-se por meio da educação formal na escola e pela educação
informal nas unidades de triagem, nas comunidades, nos parques e nas empresas – em
todos os locais de trabalho, de modo geral. No entanto, a escola sozinha não consegue
efetuar mudanças, já que se depara com um processo contínuo de massificação,
reprodução e perpetuação de um padrão de consumo (Zaneti, 2006).
Trata-se de um consumismo explícito e, muitas vezes, exagerado que observamos,
por exemplo, nos Estados Unidos da América. As características deste consumismo
podem ser encontradas já na década de 1920, a dita “época do jazz” marcada por
gastanças tão glamourosas quanto supérfluas que precedeu a Grande Depressão
mundial de 1929. Por outro lado, não podemos esquecer o consumo reduzido e
controlado pelos órgãos estatais que teve lugar na União Soviética, na China e nos
demais países de orientação marxista e continua vigorando em certas partes do mundo,
por exemplo, em Cuba e na Coreia do Norte. Ambos os modelos demonstraram, ao longo
do tempo, seus pontos fracos. No caso dos EUA, os excessos consumistas daquele país
são questionados, hoje em dia, sob a ótica do impacto destrutivo que eles produzem
sobre o ecossistema global. No caso da União Soviética e seus aliados, a tentativa de
atrelar o consumo à motivação ideológica condicionou as múltiplas e profundas
transformações geopolíticas na Europa do Leste e, afinal de contas, provocou o colapso
do bloco socialista. A preocupação com a ameaça de degradação do meio ambiente, que
surgiu nos anos 1950 e ficou mais acentuada neste início do Terceiro Milênio, orientou a
elaboração dos conceitos ecológicos aplicáveis à economia. O desenvolvimento
sustentável, tido como uma alternativa do desenvolvimento econômico em geral, entrou
em cena: a maximização de lucros por conta do crescimento contínuo do consumo com o
consequente aumento da produção industrial cedeu espaço às atividades ambientalistas
de vários governos no sentido de promover uma exploração consciente e responsável dos
recursos naturais (sobretudo, daqueles não renováveis), desacelerar os processos globais
de aquecimento e poluição, combater o acúmulo de lixo em escala planetária, etc. Essas
atividades são especialmente perceptíveis em países europeus como a Alemanha, a
França, a Suécia, entre outros. O mesmo se refere aos trabalhos científicos que
incrementam a teoria do desenvolvimento sustentável.
O consumo exacerbado, o crescimento desordenado da população, a urbanização
caótica e a ausência de planejamento urbano são agravantes que provocam o aumento e
o rápido espalhamento do lixo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
realizou, em 2011, uma pesquisa sobre resíduos sólidos em 400 municípios brasileiros,
somando 51% da população urbana total. De acordo com o IBGE (2011), a quantidade de
RSU gerada e coletada no Brasil é de aproximadamente 198.514 ton/dia, com um índice
de 1,223 kg/hab/dia, conforme demonstrado abaixo:
Quadro 1 - Quantidade de RSU gerada por regiões no Brasil
Região
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
BRASIL
2010
RSU gerados
(t/dia) / índice
(Kg/hag/dia)
12,920
/
1,108
50.045
/
1,289
15.539
/
1,245
96.134
/
1,288
20.452
/
0,879
195.090
/
1,213
2011
População
urbana (hab)
11.833.104
RSU gerados Índice
(t/dia)
(Kg/hab/di
a)
13.658
1,154
39.154.163
50.962
1,302
12.655.100
15.824
1,250
75.252.119
97.293
1,293
23.424.082
20.777
0,887
162.318.568
198.514
1,223
Fontes: IBGE, 2011.
Segundo o IBGE (2011), 57,56% dos resíduos coletados nos municípios em
questão são dispostos de forma adequada, sendo que 42,44% ainda têm destinação fora
dos padrões aceitáveis. Em 2012, os resíduos gerados no país foram caracterizados e
quantificados pelo IPEA (2012) da seguinte forma: material reciclável - 58.527,40 (ton/dia);
matéria orgânica - 94.335,10 (ton/dia); e, outros - 30.618,90.
Uma “política verde” de comando e controle é expressa, por exemplo, na Lei 3273
de 06.09.2001. Esta Lei dispõe sobre a Gestão do Sistema de Limpeza Urbana no
Município do Rio de Janeiro. Na cidade está prevista a aplicação de multa para quem joga
lixo nas ruas, calçadas, praias, praças e outras áreas públicas. O Programa Lixo Zero
teve como ponto de partida essa Lei para conscientizar a população da importância de se
jogar o lixo no local correto, multando aqueles cidadãos que não demonstram um
comportamento amigável com o meio ambiente.
Tal exemplo de cobrança de multa aplicada a quem jogar lixo em via pública poderá
ser adotado em todas as cidades brasileiras. Aliás, essa prática está prevista no Projeto
de Lei do Senado (PLS) 523/2013. A grande questão é: o Brasil está preparado para a
utilização de políticas como estas?
No Rio, em dias de eventos públicos, por exemplo, as lixeiras espalhadas pela
cidade não comportam a quantidade de resíduos produzidos pelos indivíduos. As lixeiras
ficam cheias e os caminhões de coleta não passam com devida constância, ou seja, o lixo
é jogado no chão por falta de lixeiras, PEVs ou LEVs, e da coleta regular propriamente
dita. Quem acaba recolhendo esse lixo, são os catadores cuja qualidade de vida dá
margem ao rótulo estigmatizante de “pessoas residuais” que eles carregam! Precisa-se,
então, de uma gestão integrada e sustentável nessa área, bem como da respectiva
infraestrutura. Precisa-se também de uma sociedade devidamente educada para que
saiba como realizar os descartes dentro desses PEVs ou LEVs (ver fotos 1 e 2). Outro
exemplo de cidade que adotou a multa com uma das formas de controlar o lixo orgânico é
a cidade de Seattle/EUA. A lei municipal, que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de
2015, chega a proibir alimentos e resíduos orgânicos no lixo com a finalidade de aumentar
a reciclagem e a compostagem na cidade. A princípio, a comunidade não gostou da nova
lei, mas, a partir de processos de conscientização e educação, as pessoas começaram a
mudar seus hábitos e atitudes ambientais.
A coleta seletiva, etapa prévia aos processos de reciclagem, reaproveitamento e
destinação final dos resíduos, é uma das principais recomendações da Agenda 21, e
consiste em não misturar o lixo seco ao lixo orgânico ainda na sua fonte geradora
(residências, comércio, indústria, etc).
Na visão de Bringhenti e Gunther (2011), a efetividade de programas e iniciativas
de coleta seletiva requer necessariamente o envolvimento dos cidadãos, considerados, no
extremo da cadeia de produção e consumo, os geradores dos resíduos sólidos. Os
referidos autores comentam ainda que persiste a necessidade de divulgação de
programas e iniciativas implantados, no que diz respeito às diretrizes, princípios,
instrumentos, práticas e modalidades de coleta adotados. A comunidade deve ser
sensibilizada, motivada, e os conceitos e práticas precisam ser assimilados e
incorporados no cotidiano da população envolvida, com vistas a assegurar sua
operacionalização, viabilidade e continuidade, fatores fundamentais para atingir os
resultados esperados e garantir sua sustentabilidade. Para apoiar os sistemas de
tratamento do lixo existentes, a colaboração e a atitude cooperativista são consideradas
como condutas a serem adotadas. No sentido de melhorar o tratamento do lixo têm sido
sugeridas campanhas educativas, incentivos à reciclagem, além da educação e do
cumprimento de regras básicas no que se refere ao descarte consciente do lixo.
A coleta seletiva pode ser feita, basicamente, de quatro formas: Porta a Porta,
Postos de Entrega Voluntária (PEVs), Locais de Entrega Voluntária (LEVs) e via “pessoas
residuais”. Para Fuzaro (2005), a Remoção Porta a Porta é bastante parecida com a
coleta de lixo utilizada na maioria dos municípios brasileiros. Nos dias e horários
determinados, esses materiais são depositados na frente dos domicílios pelos seus
usuários, sendo, então, removidos pelos veículos de coleta. Mas quais são os tipos de
veículos/caminhões que estão realizando esta coleta? Eles são adequados? Os Postos
de Entrega Voluntária (PEVs), segundo o autor, são locais pré-determinados pela
administração pública, onde os materiais recicláveis são depositados pela população que
se desloca para estes locais a fim de realizar o descarte de maneira correta. Outra
questão é: por que estes locais pré-determinados pela administração pública não são as
próprias organizações de catadores?
Por fim, o problema crucial são as “pessoas residuais”, ou seja, os catadores de
materiais recicláveis que sobrevivem da coleta dos resíduos, cumprindo assim uma
importante função socioeconômica, mas parecem continuar invisíveis. Talvez não o sejam
em sua totalidade, mas certamente em sua maioria. Especial atenção deve ser dada a
estes trabalhadores, pois o papel deles é fundamental. O catador, que sempre promoveu
a coleta seletiva, precisa entender cada vez mais desse negócio do lixo que, feitas as
contas, movimenta globalmente 600 bilhões de dólares por ano. Então, o catador não
pode ser lembrado apenas como um participante em programas de coleta seletiva. Muito
pelo contrário. Estes trabalhadores precisam ser inseridos em organizações munidas de
infraestrutura e tecnologias apropriadas para que ocorra, de fato, a agregação de valor
aos resíduos coletados por meio da reciclagem propriamente dita. Em seguida, eles
poderão comercializar seus produtos para a comunidade local ou a de outras localidades.
A ideia de desenvolver um modelo educativo para a coleta seletiva, que seja
economicamente viável e envolva todos os atores sociais com o intuito de gerar empregos
e reduzir o impacto ambiental do lixo, é absolutamente plausível. Para implantá-lo, as
diferentes entidades interessadas precisam divulgar a importância da educação ambiental
e desenvolver materiais educativos para a gestão de resíduos sólidos, incluindo
seminários, conferências, workshops e quaisquer tipos de eventos visando promover a
missão educacional das instituições ambientalistas. Com uma nova gestão, o desafio será
o de oferecer apoio institucional e estrutural aos catadores de lixo, estimulando o respeito
a esses profissionais para fomentar suas atividades.
O catador, enquanto educador, também contribuirá para levar às comunidades a
importância das questões sociais e ambientais, abordando aspectos como consumo
consciente, coleta seletiva, minimização da quantidade de resíduos destinados aos
aterros, entre outros. Sua participação precisa tornar-se mais ativa e consistente.
Em suma, as perguntas que necessitam ser respondidas neste contexto são: Quais
medidas estão sendo tomadas no Brasil em relação à Educação Ambiental e aos
Resíduos Sólidos? Essas medidas são pontuais ou têm continuidade? Como é a real
participação das “pessoas residuais”? Para serem implantadas com maior eficiência, as
políticas ambientais precisam corresponder ao perfil socioeconômico e ecológico de cada
localidade (ver foto 3). Estas são metas a serem cumpridas, pois de nada adianta a
elaboração de “políticas verdes” se estas não forem claras, exequíveis, devidamente
cumpridas e fiscalizadas. De nada adianta pensar em um modelo de gestão se esta não
for integrada e articulada, com ações contínuas e realmente “verdes”. A educação
ambiental deve estar presente em todas as fases coordenadas desse processo e
relacionar-se com as diferentes práticas de gestão de resíduos sólidos, sejam a
minimização de resíduos, inclusão das “pessoas residuais”, reciclagem/reaproveitamento
ou reuso de materiais, conversão de resíduos em energia, biocombustíveis, produtos
químicos ou outros produtos, disposição em aterros, etc.
Fotos 1 e 2 – Local de Entrega Voluntária localizado em Perus/SP
Foto: Valéria Gentil (2013)
Foto 3 – Política de comando e controle ineficaz (muro de uma escola em Perus/SP): “Proibido
Depositar Lixo e Entulho: Multa e Apreensão, Lei 13.478/02, Crime Ambiental, R$ 12.000,00”
Foto: Valéria Gentil (2013)
Bibliografia consultada:
BRASIL. Lei 12.305 de agosto de 2010. Presidência da República. Casa Civil. Brasília, 2010. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em:
13/06/2013.
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em: 05/02/2012
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