Tratamento das convulsões neonatais

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Tratamento das convulsões neonatais
(Treatment of neonatal seizures)
Janet Rennie, Geraldine Boylan
Arc Dis Child Fetal Neonatal Ed 2007;92:F148-F150
Realizado pro Paulo R. Margotto e Martha G. Vieira, Intensivistas da Unidade de
Neonatologia do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)SES/DF
www.paulomargotto.com.br
[email protected]
Para qualquer recém-nascido (RN) que apresenta movimentos incomuns é pensado
tratar-se de convulsões, sendo administrado um ataque de fenobarbital sem a realização do
eletroencefalograma (EEG). A prescrição das drogas antiepilépticas (DAEs) é continuada, e
o “sucesso terapêutico” ou falha são determinados somente pela avaliação clínica. O
tratamento com DAE geralmente envolve múltiplas drogas dadas por um período de
semanas ou meses, período este em que o cérebro se desenvolve rapidamente e propenso a
estar especialmente vulnerável a qualquer efeito tóxico. As investigações geralmente são
limitadas a uma ultra-sonografia cerebral, avaliação da glicemia e eletrólitos e
ocasionalmente, uma punção lombar.
Nos últimos 4 anos tem ocorrido considerável avanço no campo das convulsões,
com avanços na farmacologia das DAE, na monitorização EEG contínua usando sistema
digital compacto com vídeo-gravação simultânea e análise off-line , detecção automatizada
das convulsões, neuroimagem e pesquisas a respeito do mecanismo celular da injúria
cerebral e o efeito das DAEs
Sabemos que uma mudança na prática já deveria ter ocorrido há muito tempo e os
bebês deveriam estar entre aqueles que estão se beneficiando destes avanços ocorridos; pelo
menos das 10 novas DAEs que foram licenciadas desde 1990.
A noção que “o que você vê é o que você faz” não constitui verdade para os RN
com convulsões. O fenômeno da dissociação eletro-clinica é bem reconhecido neste grupo
etário e há uma correlação deficiente entre qualquer sinal eletroencefalográfico de
convulsão e manifestações clínicas. Há um aumento da evidência de que as convulsões
neonatais têm um efeito adverso no prognóstico neurocomportamental e predispõe a
complicações comportamentais, cognitivas e epiléticas mais tarde. Estudos em animais têm
evidenciado que as convulsões prejudicam a neurogênese e lesam a estrutura, a função e a
conectividade neuronal. Experimentos em animais também têm evidenciado que as
convulsões alteram o crescimento das células hipocampais, ocorrendo apoptose e
brotamento de “fibras muscosas” nas células granulosas do dentato e na parte CA3 do
subcampo hipocampal.
Embora haja evidência de que o cérebro neonatal seja mais resistente a este tipo de
lesão do que o cérebro adulto, o cérebro imaturo certamente não é imune a lesão. O
mecanismo preciso e as vias pelas quais as convulsões na vida precoce exercem efeitos
tardios na cognição permanecem não esclarecidos. Evidências intrigantes provêm de
estudos em que ratos submetidos a um estado epiléptico induzido por drogas e
posteriormente criados em um ambiente enriquecido com brinquedos e música se saíram
melhor no teste de aprendizagem no labirinto de água do que os ratos criados da maneira
padrão. Semelhantemente, ratos com convulsões no período neonatal que eram privados do
contato materno evoluíram pior em relação àqueles que foram criados com suas genitoras.
Os presentes autores e outros têm demonstrado que as convulsões estão associadas
com o aumento da velocidade do fluxo sanguíneo. Este aumento presumivelmente reflete,
mas pode não compensar a exagerada demanda e qualquer desequilíbrio pode contribuir
com a morte celular e lesão. Convulsões não detectadas e não tratadas certamente
aumentam o insulto ao cérebro neonatal do rato. As convulsões somam-se ao insulto
hipóxico-isquêmico nos animais no período neonatal e o mesmo pode ser verdadeiro para
os bebês. Estados epilépticos podem ser particularmente lesivos. Após estimulação breve
mas repetitiva, que resulta em um efeito convulsivo acelerado e prolongado, tanto ratos
imaturos como adultos tiveram uma redução permanente do limiar convulsivógeno e
tornaram-se mais vulneráveis a lesão pelas convulsões na vida mais tarde (a hipótese dos
“dois golpes”).
Além da preocupação de que convulsões não diagnosticadas e convulsões
subclinicas não tratadas podem ser lesivas ao cérebro neonatal, há evidência atual
disponível sobre o mecanismo celular de ação e efeitos das DAEs mais comumentemente
usadas. Muitas DAEs (ex: difenilhidantoína) atuam modulando os canais de sódio ou
cálcio disparados por voltagem, enquanto outras ( ex: benzodiazepínicos, fenobarbital)
atuam aumentando a inibição dos receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA),
particularmente os receptores GABAA cloreto-permeáveis. Holmes et al tem evidenciado
que os receptores AMPA (alfa-amino-3-hydroxy-5-methyl-4-isoxazolepropionic acid) estão
presentes, mas silenciosos no neonato, e que os canais N-metil-D-aspartato (NMDA) não
funcionam no potencial de repouso da membrana. Bem-Ari tem evidenciado que as
sinapses GABAérgicas precedem as sinapses glutaminérgicas e que os receptores são
formados antes das sinapses. Muitos anticonvulsivantes atuam aumentando a abertura dos
canais GABAA; quando este canal é aberto em uma situação normal, os íons cloro
carregados negativamente fluem para o neurônio a partir do espaço extracelular, devido aos
neurônios normalmente terem pouco cloreto em seus citoplasmas. Esta carga negativa
“extra” significa que o potencial neuronal é mesmo mais negativo que o usual, tornando
menos provável que o neurônio dispare um potencial de ação .
Os neurônios em desenvolvimento expressam cotransportadores Na+/K+/2Cl- e isto
resulta em um acúmulo de cloreto intracelular. Uma vez que os neurônios neonatais têm
alto conteúdo de cloreto conseqüentemente o cérebro em desenvolvimento tem uma
resposta diferente ao GABA, com um efluxo de cloreto mais do que um influxo, de modo
que a resposta à abertura dos canais GABAA é excitatória, mais do que inibitória. Além
disso, os receptores GABAA provavelmente se desenvolvem mais tarde no período neonatal
e proporcionam pouca inibição pós-sináptica neste período da vida.
Por todas estas razoes as DAEs “convencionais”, particularmente aquelas que
potencializam os receptores GABAA tendem a se mostrar inefetivas nos recém –nascidos.
Cotransportadores Na+/K+/2Cl- continuam a se expressar em filhotes de ratos até 12 dias
após o nascimento, antes que o transportador exportador de cloro assuma o comando. Isto
explica porque as convulsões são refratárias ao tratamento com DAEs que atuam nos
receptores GABA.
Além de fornecer uma elegante explicação para a observação de que DAEs que são
efetivas em crianças mais velhas e em adultos não funcionam no período neonatal, a
pesquisa básica tem levantado questionamentos a respeito da segurança do uso de DAEs
nos bebês com cérebro em rápido desenvolvimento.
Há muito se sabe que o fenobarbital, ainda a DAE mais utilizada no período
neonatal, tem efeitos a longo prazo no crescimento cerebral. Novos estudos têm
evidenciado aumento da degeneração apoptótica no cérebro do rato em desenvolvimento
após a exposição ao fenobarbital, difenilhidantoína e aos benzodiazepínicos. O ácido
valpróico é tóxico ao cérebro em desenvolvimento, como evidenciado pela Síndrome Fetal
do Valproato, que se acompanha de riscos de distúrbios no aprendizado
e
desenvolvimento.
Novos agentes como o topiramato e levetiracetam parecem mais promissores com
respeito a estas alterações, não havendo evidência experimental de neurotoxicidade nos
cérebros em desenvolvimento, em concentrações anticonvulsivantes. O topiramato tem a
vantagem adicional de poder prolongar a janela de tempo na qual a terapia com hipotermia
é efetiva.
Recentemente foi feita a interessante e excitante observação de que o bumetanide,
amplamente usado como diurético e que tem um bom perfil de segurança, suprime
convulsões em filhotes de rato. Há um grande entusiasmo na realização de um ensaio de
bumetanide como droga antiepilética no recém-nascido.
Há poucos estudos publicados usando o EEG em vez de observação clínica na
avaliação da resposta ao tratamento com DAEs nos recém-nascidos. Em um estudo (Painter
MJ et l), cerca de1/3 dos recém-nascidos responderam tanto ao fenobarbital como a
difenilhidantoína administrados como primeira linha e mais 1/3 alcançaram o controle
quando outros agentes foram usados. Nas mãos de outros autores, o midazolam foi
desapontador como segunda linha (Boylam G et al); bebês que responderam somente ao
fenobarbital provavelmente tinham uma baixa carga de convulsões e um EEG de fundo
relativamente normal. Midazolam controlou muitos casos de convulsões neonatais
resistentes a drogas em outro estudo, embora em doses muito elevadas (Castro Conde JR et
al).
Na visão dos autores, o único caminho a seguir, nessa área por tanto tempo
negligenciada, é a melhora ao acesso ao EEG e à monitorização, com relatórios
especializados de neurofisiologia de alta qualidade e alterações rápidas de conduta. A falta
de especialistas na interpretação do EEG neonatal inibe o amplo uso desta técnica.
Seria interessante a centralização dos relatos no Reino Unido, face ao
desenvolvimento da tecnologia e a possibilidade de rápida transmissão de grandes volumes
de dados.
A alternativa é a automação da detecção das convulsões. Muitos grupos ao redor do
mundo, incluindo estes autores, estão trabalhando duro neste sentido. Nenhum algoritmo
tem provado ser clinica e suficientemente robusto para detectar de modo confiável um
número suficiente de convulsões neonatais, provavelmente devido à variabilidade
morfológica das convulsões observadas nos recém-nascidos.
Os problemas práticos associados com a aplicação de múltiplos eletrodos de EEG
podem ser rapidamente resolvidos com o desenvolvimento de eletrodos especialmente
desenhados para monitorização a longo prazo.
A monitorização da função cerebral é provavelmente melhor do que nada, e pode
ajudar no reconhecimento e monitorização do tratamento de bebês com um EEG de base
normal ou atenuado e convulsões generalizadas de alta-voltagem, mas tende a ser enganoso
naqueles (particularmente os prematuros) com EEG de fundo moderadamente anormal e
convulsões de baixa-voltagem ou localizadas. Registros de EEG de múltiplos canais com
eletrodos que cubram couro cabeludo, em particular as áreas centrais e temporais,
permanecem como o “ padrão ouro” para o reconhecimento de uma convulsão, e têm o
benefício adicional de se poder obter informações úteis para o prognóstico a partir do
padrão de fundo.
Grandes ensaios usando a monitorização contínua de EEG para o reconhecimento
das convulsões e monitorização das respostas terapêutica são sem dúvida necessários e
poderiam ser facilitados por um sistema de relato central para EEG neonatal que poderia
recrutar pacientes através de uma rede. Tais ensaios são particularmente vitais em um
subgrupos de bebês com encefalopatia hipóxico-isquêmica e na lesão cerebral dos prétermos para estabelecer se o tratamento quando há quietude elétrica pode melhorar o
prognóstico do neurodesenvolvimento destes bebês.
Do ponto de vista dos autores, uma medida objetiva de surtos de convulsão com o
EEG serviria para definir o sucesso (redução dos surtos de convulsão em 80% ou mais) e
evitaria um problema comum, o do supertratamento destes bebês que têm anormalidades
clínicas sutis usando múltiplas DAEs, o que leva a um tempo de internação prolongado nas
Unidade de Cuidados Intensivos.
As drogas antiepiléticas para avaliação seriam o TOPIRAMATO, o
LEVETIRACETAM e talvez também o BUMETANIDE.
Os bebês com convulsões são crianças de alto risco que tem sido negligenciadas por
um longo tempo, e que vêm recebendo um padrão de investigação e tratamento que agora
está ficando muito atrás daquele oferecido para crianças maiores e adultos; pelo bem deles,
nós precisamos mudar.
Consultem a seguir:
Convulsões no recém-nascido
Autor(es): Paulo R. Margotto
Convulsão Neonatal
Autor(es): Mary L. Zupanc. Apresentação: Fábio Macias Frade
Função do cálcio na lesão neuronal após hipóxia ou convulsões neonatais
Autor(es): I. Valencia, et al. Apresentação: Cássio Lemos Jovem,
Thiago Santos Lima Almendra, Paulo R. Margotto
Malformação arteriovenosa da veia de Galeno e convulsões neonatais
Autor(es): Trujillo C, González-Luis FG, et al
Midazolam intramuscular versus diazepam endovenoso nas crises
convulsivas
Autor(es): Joana Cecília, Marcela Maia, Paulo R. Margotto
Convulsões neonatais e epilepsia
Autor(es): Silva LFG et al. Apresentação: Andersen Fernandes,
Albaneide Formiga
Phenobarbital compared with phenytoin for the treatment of neonatal seizures.
N Engl J Med. 1999 Aug 12;341(7):485-9.
Related Articles, Links
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Treatments with midazolam and lidocaine for status epilepticus in neonates.
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Related Articles, Links
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[Neonatal convulsions: influence of the electroencephalographic pattern and the response to
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Referências do artigo TREATMENT OF NEONATAL SEIZURES
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