O Platonismo na Mística do Poema Subida Monte Carmelo

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PLATONISMO NA MÍSTICA DA OBRA SUBIDA DO MONTE CARMELO
DE SÃO JOÃO DA CRUZ
Nara Rela
4/10/2008
1. INTRODUÇÃO
Não há dúvida entre os intelectuais espanhóis que a Grécia possuía seu
misticismo, o que vamos encontrar não na sua religião, mas sim em sua filosofia
que produziu idéias que, mais tarde em outro ambiente cultural, se converteu na
base e raiz de certas construções místicas sistematicamente elaboradas. Platão
contribuiu com elementos de sua filosofia, mistificados com outros para a
formação de muitos sistemas místicos posteriores e é sua doutrina que, rodeando
ela mesma as fronteiras da mística levou, necessariamente, ao misticismo
aqueles que pretenderam chegar com suas conclusões para além de onde ele se
deteve, transformando-se nas mãos dos platônicos alexandrinos em doutrina
mística. A doutrina de Platão sobre o amor adquire uma transcendência social,
sendo sua influencia nos místicos espanhóis uma das mais importantes e
notórias.
Os três marcos principais da tradição mística cristã são Dionísio
Areopagita, porta que comunica o misticismo medieval com as doutrinas
filosóficas da antiguidade; a abadia de São Victor, sendo genuínos
representantes Hugo e Ricardo; e Santa Teresa de Jesus que exerceu profunda
influência em São João da Cruz.
Amigo inseparável e discípulo de Santa Teresa, além de companheiro na
reforma da Ordem Carmelita, São João da Cruz (1524-1591), possuidor de uma
refinada cultura literária e uma ciência filosófico-teológica tão completa quanto
possível em sua época, levava consigo sua experiência pessoal sobre os
caminhos por onde ele entendia que passa a alma, preocupando-se em dar a
explicação filosófica dos fenômenos místicos.
Entre 1577 e 1578 São João da Cruz esteve encarcerado em Toledo,
perseguido por aqueles que eram contra a reforma na Ordem Carmelita que o
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Frei pretendia implementar juntamente com Santa Tereza D’Avila. Foi no
sofrimento do cárcere que iniciou seus escritos e poesias, que traduzem a busca
da união mística com Deus através do amor, como afirma Frei Sciardini:
É no sofrimento e na marginalização mais dura que nasce o
Frei João, poeta e escritor. Ele preocupa-se em relatar com fortes
pinceladas a sua experiência pessoal de nômade em busca de seu
amado (sic) (grifo meu). Um coração ferido pela angústia de Deus
que, atraído pela força do amor, corre ao encontro do eterno,
atravessando com coragem as noites e os vazios humanos. (SJCruz,
Obras completas, Vozes, 7ª. edição, pág. 29, introdução de Frei
Patrício Sciadini).
É importante observar nessa citação que para São João da Cruz Deus é
significado como o Amado e, segundo o relato de Frei Sciardini, nos faz supor
que o mesmo foi inspirado no Cântico dos Cânticos atribuído a Salomão, como
se lê abaixo
Conhecia de cor e lia de joelhos o Cântico dos Cânticos e pede
(sic) que lhe seja lido poucos momentos antes de sua morte. (Idem, p.
17).
O Cântico dos Cânticos celebra o amor mútuo entre um Amado e uma
Amada, conforme consta na Bíblia de Jerusalém:
O Cântico dos cânticos (sic), isto é, o Cântico por excelência,
o mais belo Canto, celebra o amor mútuo de um Amado e de uma
Amada, que se juntam e se perdem, se procuram e se encontram (grifo
meu). (Bíblia de Jerusalém, Paulus, 3ª. edição, pág. 1086).
O poema “Subida do Monte Carmelo” foi escrito no período de 1578 a
1585, ou seja, pouco tempo depois da saída de São João da Cruz do cárcere,
mostrando que ali, no Cárcere, ele sentiu a necessidade de externar o seu amor
por Deus, na forma da busca da amada por seu Amado, como demonstrou na
estrofe 5 do referido poema:
Oh! noite que me guiaste
Oh! noite mais amável que a alvorada;
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
(São João da Cruz, Obras Completas, São Paulo, Vozes:
2002, p. 136 e 137)
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Por se tratar de um poema de extrema profundidade e de difícil
entendimento, a pedido dos seus discípulos da Ordem dos Carmelitas Descalços,
fez os comentários do primeiro livro, iniciou os comentários do segundo livro e
não realizou nenhum comentário do terceiro livro.
Delimitação do Tema:
Há vários poemas de São João da Cruz que podem ser analisados pela
ótica platônica. No presente estudo será feita uma análise exclusivamente do
poema “Subida do Monte Carmelo”.
Formulação do Problema:
O problema que se pretende investigar é se existe fundamentação platônica
no amor e na ascese da alma relatados no poema “Subida do Monte Carmelo” de
São João da Cruz.
Hipótese/Justificativa:
A Espanha foi profundamente marcada pelas teorias platônicas e
neoplatonistas, trazidas pela Escola de estudos místicos muçulmanos de Ibn
Masarra, no século X. Após um período em Alexandria, influído pela filosofia
de Filon, pelo gnosticismo e pelo neoplatonismo, especialmente por Plotino, Ibn
Masarra concebeu Deus como Unidade perfeita e suprema, cujo conhecimento
só pode ser alcançado pela via mística, ou seja, por uma fusão da alma com
Deus.
O período Renascentista, no qual viveu São João da Cruz, foi um “retorno
às origens”, um fenômeno espiritual de “regeneração” e de “reforma”, marcado
pela maciça revivescência do platonismo, que criou uma têmpera espiritual
inconfundível.
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A revivescência do platonismo, porém, não significa o
renascimento do pensamento de Platão tal como o encontramos
expresso nos diálogos. É verdade que a Idade Média leu pouquíssimos
diálogos (Menon, Fedon e Timeu) e que, ao contrário, ao longo do
Quatrocentos, os diálogos foram todos traduzidos para o latim, as
versões de Leonardo Bruni alcançaram grande sucesso e muitos
humanistas estavam em grau de ler e entender o texto grego original.
Entretanto, o redescoberto texto platônico continuou a ser lido à luz
da tradição platônica posterior, ou seja, em função dos parâmetros que
os neoplatônicos tornaram normativos e com multisseculares
incrustações. (REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da
Filosofia Antiga, volume 3).
Manuel Crisolora, no final dos Trezentos, abriu uma escola de grego em
Florença, destinada a ser a “nova Atenas” no Ocidente, onde Marsílio Ficino e
L. Bruni traduziram Platão. Os doutos bizantinos, após a queda de
Constantinopla em 1453, também possibilitaram a tradução de diversos textos
gregos, até então traduzidos na Idade Média conforme os preceitos da Igreja.
Essa nova possibilidade de leitura e análise dos escritos gregos originais levou a
uma grande transformação no pensamento da época. O grande relançamento do
Neoplatonismo, do ponto de vista filosófico, ocorreu graças a Nicolau de Cusa e
à Academia Platônica florentina com Marsílio Ficino e Pico de Mirandola. Esta
Academia não foi uma escola organizada, mas muito mais um sodalício de
doutos e amantes da filosofia platônica.
Ficino (1433 – 1499), como filósofo, se expressou nas obras Sobre a
religião cristã e Teologia Platônica, além de vários comentários a Platão e
Plotino. Em seu pensamento, uma forma de um Neoplatonismo cristianizado,
pode-se destacar alguns pontos que têm relação com este estudo:
a)
O novo conceito de filosofia como “revelação”: a filosofia nasce
como “iluminação” da mente e o ato de dispor e dobrar a alma de
modo que se torne intelecto e acolha a luz da divina revelação (em
que consiste a atividade filosófica), faz com que se torne
coincidente à religião. Para ele era preciso fundar uma douta
religião que sintetize filosofia platônica e mensagem evangélica.
b)
A estrutura hierárquica do real e a alma como “copula mundi”:
sua concepção da estrutura metafísica da realidade segue o
esquema neoplatônico, como uma sucessão de graus decrescentes
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de perfeição: Deus, anjo, alma, qualidade (= forma) e matéria.
Salienta a importância da alma com sua função de intermédio de
todas as coisas; domina os corpos sensíveis, mas adere ao divino
sendo, portanto, o “nó e a cópula do mundo”.
c)
Teoria do amor platônico: o conceito de alma está ligado ao
conceito de “amor platônico”, no qual o Eros, entendido como
Platão como força que, à visão da beleza, eleva o homem
Absoluto, se conjuga com o amor cristão. Em Ficino, o amor
coincide com a reintegração do homem empírico à sua
metaempírica Idéia em Deus, através de uma progressiva ascensão
na escala do amor.
Certamente – escreve Ficino no Comentário ao Banquete –
aqui estamos divididos e truncados, mas depois, ligados pelo Amor à
nossa Idéia, voltaremos a ser íntegros, de modo que parecerá que nós
primeiro amamos Deus nas coisas para depois amar as coisas nele e
que nós honramos as coisas em Deus sobretudo para nos
recuperarmos – e, mamando Deus, amamos a nós mesmos. (Citado
em REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia
Antiga, volume 3, p. 41).
Pico della Mirandola (1463-1494), acrescentou ao pensamento de Ficino a
Cabala, doutrina mística ligada à teologia judaica, sendo apresentada como
revelação especial feita por Deus aos hebreus, a fim de que pudessem conhecêlo melhor e também melhor pudessem entender a Bíblia, como explica Reale em
seu livro História da Filosofia (op. cit.). Para Pico, o homem é o grande milagre
da criação divina, tendo o poder de se elevar à vida da pura inteligência e ser
como os anjos ou até acima destes. Assim, é o artífice de si mesmo, autoconstrutor.
Conforme o germe que cultivar, o homem se tornará planta,
animal racional ou anjo e até mesmo, se não estiver contente com
todas essas coisas e recolher-se em sua unidade mais íntima, então,
‘tornado um só espírito com Deus, na solitária névoa do Pai, aquele
que foi posto acima de todas as coisas estará acima de todas as
coisas’. (REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia
Antiga, volume 3, p. 44).
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Diante do “retorno às origens” e da importância das obras de Platão e de
Plotino para o Renascimento, bem como por sua própria experiência de vida,
pode-se levantar a hipótese de que São João da Cruz foi influenciado em seus
escritos pelas doutrinas de Platão, estabelecendo-se, assim, uma relação entre a
filosofia e a mística.
Revisão Bibliográfica
O objetivo do poema “Subida do Monte Carmelo” é mostrar como a alma
poderá chegar à união mística, ou a sua união com o Amado e quais os degraus
que deverá percorrer como esclarece São João da Cruz no “Argumento” inicial
do poema:
Encerra-se nas canções seguintes toda a doutrina que desejo
expor na Subida do Monte Carmelo, assim como o segredo de
alcançar o mais alto cume desta montanha, que outra coisa não é
senão o estado de perfeição – estado sublime que chamamos aqui
união da alma com Deus. (SJCruz – Obras Completas, p.134).
Esta também é a interpretação do Pe. Felipe Sainz de Baranda, como
explica na Introdução das Obras Completas de São João da Cruz:
Quem lê as estrofes não suspeita, seguramente, a mensagem
doutrinal subjacente, de uma ascética tão severa e inflexível. A
mensagem das saborosas estrofes é ‘permanecer na suma desnudez e
liberdade de espírito como se requer para a união divina’. A ‘Subida
do Monte Carmelo’ descreve-nos as noites ativas do sentido e do
espírito: é a alma que, com a graça de Deus, tem que realizar este
difícil e heróico permanecer na escuridão e segura para poder aspirar à
‘ditosa ventura’ da união com o Amado. (SJCruz, Obras completas,
Vozes, Introdução a “Subida do Monte Carmelo” por Pe. Felipe Sainz
de Baranda, p. 133).
No poema, São João da Cruz vai discorrendo sobre a busca da alma ao seu
Amado e na segunda estrofe faz menção a uma escada onde se encontra a
Ventura em seu mais alto degrau.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada disfarçada
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada
(SJCruz – Obras Completas, p. 135).
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Tal estrofe nos parece indicar que a alma deverá subir os degraus para
encontrar a “ditosa ventura” da união mística com Deus. Da mesma forma,
Platão no “Banquete”, no diálogo de Sócrates com Diotima (211b-212a),
também parece traçar os caminhos e degraus do amor que a alma deve galgar
para atingir o Bem, o amor supremo, a verdadeira virtude, fazendo, assim a sua
ascese:
Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo,
através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo,
quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que
consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro
se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele
belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para
dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os
elos ofícios, e dos ofícios para as bela ciências até que das ciências
acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo,
e conheça enfim o que em si é belo. Nesse ponto da vida, meu caro
Sócrates, continuou a estrangeira de Mantiéia, se é que em outro mais,
poderia o homem viver a contemplar o próprio belo. (...) Ou não
consideras, disse ela, que somente então, quando vir o belo com
aquilo com que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não
sombras de virtude, porque não é em sombras que estará tocando, mas
reais virtudes, porque é no real que estará tocando”. (O Banquete,
Nova Cultural, 211b a 212a, p. 48 e 49).
Reportando-se agora à Alegoria da Caverna de Platão em sua obra
República, o Filósofo também parece relatar o caminho que a alma percorre da
escuridão à verdadeira luz. Na caverna, que pode ser entendido como a vida
mundana, a alma vivia presa ao mundo sensível e tudo o que apreendia pelos
sentidos era falso, não passava de sombras da realidade, esta entendida por
Platão como mundo das Idéias ou o mundo inteligível. Assim, após um esforço e
desejo da Verdade, ou o Bem supremo ou o Belo, que são a mesma coisa para
Platão, a alma consegue se libertar e vislumbrar uma luz que, a princípio, a cega
tamanha intensidade, mas que gradualmente (saliento: em graus) vai desvelando
a verdadeira realidade. Assim, após perceber a realidade, a alma pode
contemplar o Belo, como explica Platão nos excertos abaixo:
Toda essa imagem, Gláucon, deve ser aplicada ao que
dissemos anteriormente. A região visível deveria ser comparada à
morada, que é a prisão e a luz da fogueira nela ao poder do sol. E se
interpretares a subida e o exame das coisas acima como a ascensão da
alma à região inteligível, terás captado o que espero transmitir, uma
vez que isso é o que queiras ouvir. Se isso é verdadeiro ou não, só o
deus o sabe. De qualquer modo, eu o vejo assim: no domínio
cognoscível, a Idéia do bem é a ultima coisa a ser vista, sendo atingida
somente com dificuldade; entretanto, uma vez que alguém a tenha
contemplado, será imperioso concluir que é a causa de tudo que é
correto e belo em quaisquer coisas, que produz tanto a luz quanto sua
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fonte na região visível e que na região inteligível comanda e gera
verdade e entendimento, de sorte que todos que se predispõem a agir
com sensatez privada ou publicamente têm dela percepção.
Ocorreu-me o mesmo pensamento, ao menos no que sou
capaz.
Vem então juntar-te a mim neste pensamento: não é de se
surpreender que os que atingem esse ponto não estão predispostos a se
ocuparem de assuntos humanos, e suas almas experimentam sempre a
premência da ascensão e o anelo da permanência acima; pois, afinal,
isso é indubitavelmente o que esperaríamos, se é que efetivamente as
coisas se enquadram na imagem por mim descrita. (A República,
Livro VII, Bauru, Edipro: 2006, p. 310 e 311, 517b – 517d)
É impossível deixar de se fazer uma analogia às quatro primeiras estrofes
do Poema de São João da Cruz, que relata o caminho da alma da escuridão à luz:
Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh! Ditosa ventura!
Sai sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia
Analisando agora a quinta estrofe do Poema, São João da Cruz nos leva a
considerar que o amor faz a união da alma com Deus, após passar pela “Noite
Escura”:
Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada;
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
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Em 202d a 203a, ainda no diálogo entre Sócrates e Diotima sobre o que é o
amor, Platão também parece afirmar que este é que faz a união dos homens a
Deus:
-O quê, então, ó Diotima?
- Um grande gênio, ó Sócrates; e com efeito, tudo o que é
gênio está entre um deus e um mortal.
-E com que poder? Perguntei-lhe.
- O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos
homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os
sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios;
e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo
fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não
só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se
ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim
de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se
mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo
dos deuses com os homens, tanto quanto despertos como quando
dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de
gênio, enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou ofício, é um
artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é
justamente o Amor. (O Banquete, p. 40 e 41).
Ainda no “Banquete”, em 204c a 204e, Platão mostra o desejo do amante
em se unir ao Amado e assim permanecer, o que parece se assemelhar ao amor
da alma à união mística.
Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que
Amor era o amado e não o amante; eis por que, segundo penso,
parecia-te todo óbelo o Amor. E de fato o que é amável é que é
realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém
é outro o seu caráter, tal qual eu expliquei. (...)Tal é de fato a sua
natureza e tal a sua origem; e é que é amor do que é belo o Amor, ó
Sócrates e Diotima? Ou mais claramente: Ama o amante o que é belo;
que é que ele ama?
-Tê-lo consigo – respondi-lhe.
-Mas essa resposta – dizia-me ela – ainda requer uma pergunta
desse tipo: Que terá aquele que ficar com o que é belo?
-Absolutamente – expliquei-lhe – eu não podia mais
responder-lhe de pronto a essa pergunta.
-Mas é, disse ela, como se alguém tivesse mudado a questão e,
usando o bom em vez do belo, perguntasse: Vamos Sócrates, ama o
amante o que é bom; que é que ele ama?
- Tê-lo consigo – respondi-lhe.
-E que terá aquele que ficar com o que é bom?
-Isso eu posso – disse-lhe – mais facilmente responder: ele
será feliz. (Ibidem, p. 42)
No Fedro, entre 252a e 253a, Platão parece expor o desejo da alma, ou
amada, de se assemelhar ao Amado e sua busca para isso.
Daí certamente não se deixa afastar de livre vontade e a
ninguém estima tanto como à pessoa amada (...) sempre pronta a ser
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escrava e a deitar-se, onde alguém lho permita, o mais perto possível
do objecto do seu desejo. Na verdade, além de venerar aquele que
possui a beleza, nele encontra o único médico para os seus graves
sofrimentos. É nesse estado de espírito, ó belo jovem a quem se dirige
o meu discurso, chamam os homens Amor (...) Por isso, os seguidores
de Zeus desejam que a alma dos seus amados seja do modelo dessa
divindade (...) quando o encontram, dedicam-se a amá-lo e fazem tudo
para que continue a assemelhar-se-lhe. Ora, se anteriormente não
tinham caminhado na senda dessas preocupações, dedicam-se a elas
agora, procuram instruir-se nas possibilidades que têm ao seu alcance,
e buscam-nas eles próprios. (Fedro, Platão, Lisboa, Edições 70, p. 69
e 70).
Para Platão o Bem é a manifestação do belo e o amor que a beleza suscita
desperta o desejo e esse é o ponto de partida para a contemplação das
substâncias Ideais, é a busca pelo Amado ou o Bem supremo. No
neoplatonismo, principalmente em Plotino que exerceu uma grande influência
na mística de São João da Cruz, essa doutrina do Belo assume caráter místico
porque o bem ou as essências ideais de que falava Platão são unificadas em
Plotino no Uno, ou seja, em Deus.
A especulação teológica sobre o amor retorna no platonismo renascentista,
porém acentuando a reciprocidade do amor entre Deus e homem. Não só Deus é
objeto do amor, mas Ele próprio ama, o que é bem ressaltado na poesia de São
João da Cruz, que coloca Deus como o Amado e a alma como a amada.
Desta forma, diante do acima exposto, nota-se haver pontos passíveis de
comparação na descrição do amor e da ascese da alma em Platão com o poema
de São João da Cruz, sendo plenamente viável que o Frei possa ter sofrido
influências das doutrinas platônicas, uma vez que foi um estudioso de filosofia e
que viveu no período renascentista, período esse marcado por “um retorno às
origens”, ao estudo dos filósofos gregos, no qual Platão foi extremamente
estudado. Tal fato poderá ser confirmado após um minucioso estudo das obras
de Platão: Banquete, Fédon, Fedro e República e do poema Subida do Monte
Carmelo de São João da Cruz e seus Argumentos.
O neoplatonismo utilizou a noção de amor para indicar uma das fases do
caminho que conduz a Deus. Conforme esclarece o Dicionário de Filosofia
(ABAGGNANO 2000), para Plotino na Enéadas, VI, 7,22, o Amor é o caminho
preparatório que conduz à visão dele, pois conforme a doutrina de Platão o
amor é o bem e o Uno é o bem mais alto. Explica, ainda, na Enéadas, VI 9,11,
que o Uno é o verdadeiro termo e o objeto último e ideal de todo Amor,
conquanto que não seja através do Amor que o homem se una a Ele, mas através
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da intuição, de uma visão que o vidente e o visto se fundem e se unificam. Na
Enéadas III 5, Plotino explica esse amor da alma como desejo de unir a algo:
No que diz respeito ao estado de alma que corresponde ao
amor, ninguém desconhece que ele nasce nas almas desejosas de se
unirem a alguma coisa bela.
Já na Enéadas I, 6, Plotino explica o desejo da Alma em vislumbrar o Belo
e o esforço desta para não ser privada desta contemplação e então relata o
caminho a ser percorrido.
2. OBJETIVOS
Gerais:
Este trabalho se propõe a investigar com rigor as doutrinas do amor e da
ascese da alma nas obras de Platão: Banquete, Fedro, Fedon e República; nas
Enéadas de Plotino e no poema “Subida do Monte Carmelo” de São João da
Cruz.
Específicos:
Verificar se há relação entre a mística de São João da Cruz e as filosofias de
Platão, Plotino no que tange ao amor e à ascese da alma.
3. METODOLOGIA:
Utilizando-se de pesquisa bibliográfica, o projeto será realizado em três
partes. Na primeira fase será efetuada leitura e estudo das obras de Platão:
Fedro, Fédon, A República, O Banquete e Timeu; na segunda se fará a leitura e
estudo das Obras Completas de São João da Cruz e na terceira e última parte
será feito um estudo comparativo entre as obras, objetivando identificar
doutrinas platônicas sobre o amor e ascese da alma no poema “Subida do Monte
Carmelo”.
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4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BÁSICA
CRUZ, San Juan de la. Obras Completas, Burgos, Editorial Monte Camelo:
2003.
CRUZ, São João da. Obras Completas. São Paulo, Vozes: 2002
PLATÃO, O Banquete in Obras Completas, Coleção Os Pensadores, vol. III.
São Paulo: Abril Cultural, 1972.
_______, Fédon, in Obras Completas, Coleção Os Pensadores, vol. III. São
Paulo: Abril Cultural, 1972.
_______, A República , Bauru, Edipro: 2006.
_______. Timeu e Crítias, Curitiba, Hemus: 2002
_______, Fédro, Lisboa: Edições 70: 1998.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA COMPLEMENTAR
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. edição. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
PACHO, Eulogio. Diccionario de San Juan de la Cruz, Burgos, Editorial Monte
Carmelo: 2000.
_____________. Estudios Sanjuanistas, volumes I e II, Burgos, Editorial Monte
Carmelo: 2000.
_____________. San Juan de la Cruz. História de sus escritos, Burgos, Editorial
Monte Carmelo: 1998.
PENSADO, Berta. La Mística, Temas Españoles 208, Madrid, 1955 disponível
em < http://www.filosofia.org/mom/tem/es0208.htm >. Acesso em 16 de julho
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PLOTINO, Tratado das Enéadas. São Paulo: Polar, 2007.
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga, Vol. IV. São Paulo: Edições
Loyola, 1993.
______________. Para uma nova interpretação de Platão, 2ª. edição, São Paulo,
Loyola: 2004.
12
______________ e ANTISERI, Dario. História da Filosofia.
Patrística e
Escolástica. Vol II. 2ª. Edição. São Paulo: Paulus, 2006.
________________________________. História da Filosofia. Do Humanismo a
Descartes, Vol. III, 2ª. edição. São Paulo: Paulus, 2005.
ROGUE, Christophe. Compreender Platão. Petrópolis: Vozes, 2005.
VÁRIOS. A Bíblia de Jerusalém, 3ª. edição, São Paulo: Paulus, 2004
13
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