PLATONISMO NA MÍSTICA DA OBRA SUBIDA DO MONTE CARMELO DE SÃO JOÃO DA CRUZ Nara Rela 4/10/2008 1. INTRODUÇÃO Não há dúvida entre os intelectuais espanhóis que a Grécia possuía seu misticismo, o que vamos encontrar não na sua religião, mas sim em sua filosofia que produziu idéias que, mais tarde em outro ambiente cultural, se converteu na base e raiz de certas construções místicas sistematicamente elaboradas. Platão contribuiu com elementos de sua filosofia, mistificados com outros para a formação de muitos sistemas místicos posteriores e é sua doutrina que, rodeando ela mesma as fronteiras da mística levou, necessariamente, ao misticismo aqueles que pretenderam chegar com suas conclusões para além de onde ele se deteve, transformando-se nas mãos dos platônicos alexandrinos em doutrina mística. A doutrina de Platão sobre o amor adquire uma transcendência social, sendo sua influencia nos místicos espanhóis uma das mais importantes e notórias. Os três marcos principais da tradição mística cristã são Dionísio Areopagita, porta que comunica o misticismo medieval com as doutrinas filosóficas da antiguidade; a abadia de São Victor, sendo genuínos representantes Hugo e Ricardo; e Santa Teresa de Jesus que exerceu profunda influência em São João da Cruz. Amigo inseparável e discípulo de Santa Teresa, além de companheiro na reforma da Ordem Carmelita, São João da Cruz (1524-1591), possuidor de uma refinada cultura literária e uma ciência filosófico-teológica tão completa quanto possível em sua época, levava consigo sua experiência pessoal sobre os caminhos por onde ele entendia que passa a alma, preocupando-se em dar a explicação filosófica dos fenômenos místicos. Entre 1577 e 1578 São João da Cruz esteve encarcerado em Toledo, perseguido por aqueles que eram contra a reforma na Ordem Carmelita que o 1 Frei pretendia implementar juntamente com Santa Tereza D’Avila. Foi no sofrimento do cárcere que iniciou seus escritos e poesias, que traduzem a busca da união mística com Deus através do amor, como afirma Frei Sciardini: É no sofrimento e na marginalização mais dura que nasce o Frei João, poeta e escritor. Ele preocupa-se em relatar com fortes pinceladas a sua experiência pessoal de nômade em busca de seu amado (sic) (grifo meu). Um coração ferido pela angústia de Deus que, atraído pela força do amor, corre ao encontro do eterno, atravessando com coragem as noites e os vazios humanos. (SJCruz, Obras completas, Vozes, 7ª. edição, pág. 29, introdução de Frei Patrício Sciadini). É importante observar nessa citação que para São João da Cruz Deus é significado como o Amado e, segundo o relato de Frei Sciardini, nos faz supor que o mesmo foi inspirado no Cântico dos Cânticos atribuído a Salomão, como se lê abaixo Conhecia de cor e lia de joelhos o Cântico dos Cânticos e pede (sic) que lhe seja lido poucos momentos antes de sua morte. (Idem, p. 17). O Cântico dos Cânticos celebra o amor mútuo entre um Amado e uma Amada, conforme consta na Bíblia de Jerusalém: O Cântico dos cânticos (sic), isto é, o Cântico por excelência, o mais belo Canto, celebra o amor mútuo de um Amado e de uma Amada, que se juntam e se perdem, se procuram e se encontram (grifo meu). (Bíblia de Jerusalém, Paulus, 3ª. edição, pág. 1086). O poema “Subida do Monte Carmelo” foi escrito no período de 1578 a 1585, ou seja, pouco tempo depois da saída de São João da Cruz do cárcere, mostrando que ali, no Cárcere, ele sentiu a necessidade de externar o seu amor por Deus, na forma da busca da amada por seu Amado, como demonstrou na estrofe 5 do referido poema: Oh! noite que me guiaste Oh! noite mais amável que a alvorada; Oh! noite que juntaste Amado com amada, Amada já no Amado transformada! (São João da Cruz, Obras Completas, São Paulo, Vozes: 2002, p. 136 e 137) 2 Por se tratar de um poema de extrema profundidade e de difícil entendimento, a pedido dos seus discípulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, fez os comentários do primeiro livro, iniciou os comentários do segundo livro e não realizou nenhum comentário do terceiro livro. Delimitação do Tema: Há vários poemas de São João da Cruz que podem ser analisados pela ótica platônica. No presente estudo será feita uma análise exclusivamente do poema “Subida do Monte Carmelo”. Formulação do Problema: O problema que se pretende investigar é se existe fundamentação platônica no amor e na ascese da alma relatados no poema “Subida do Monte Carmelo” de São João da Cruz. Hipótese/Justificativa: A Espanha foi profundamente marcada pelas teorias platônicas e neoplatonistas, trazidas pela Escola de estudos místicos muçulmanos de Ibn Masarra, no século X. Após um período em Alexandria, influído pela filosofia de Filon, pelo gnosticismo e pelo neoplatonismo, especialmente por Plotino, Ibn Masarra concebeu Deus como Unidade perfeita e suprema, cujo conhecimento só pode ser alcançado pela via mística, ou seja, por uma fusão da alma com Deus. O período Renascentista, no qual viveu São João da Cruz, foi um “retorno às origens”, um fenômeno espiritual de “regeneração” e de “reforma”, marcado pela maciça revivescência do platonismo, que criou uma têmpera espiritual inconfundível. 3 A revivescência do platonismo, porém, não significa o renascimento do pensamento de Platão tal como o encontramos expresso nos diálogos. É verdade que a Idade Média leu pouquíssimos diálogos (Menon, Fedon e Timeu) e que, ao contrário, ao longo do Quatrocentos, os diálogos foram todos traduzidos para o latim, as versões de Leonardo Bruni alcançaram grande sucesso e muitos humanistas estavam em grau de ler e entender o texto grego original. Entretanto, o redescoberto texto platônico continuou a ser lido à luz da tradição platônica posterior, ou seja, em função dos parâmetros que os neoplatônicos tornaram normativos e com multisseculares incrustações. (REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia Antiga, volume 3). Manuel Crisolora, no final dos Trezentos, abriu uma escola de grego em Florença, destinada a ser a “nova Atenas” no Ocidente, onde Marsílio Ficino e L. Bruni traduziram Platão. Os doutos bizantinos, após a queda de Constantinopla em 1453, também possibilitaram a tradução de diversos textos gregos, até então traduzidos na Idade Média conforme os preceitos da Igreja. Essa nova possibilidade de leitura e análise dos escritos gregos originais levou a uma grande transformação no pensamento da época. O grande relançamento do Neoplatonismo, do ponto de vista filosófico, ocorreu graças a Nicolau de Cusa e à Academia Platônica florentina com Marsílio Ficino e Pico de Mirandola. Esta Academia não foi uma escola organizada, mas muito mais um sodalício de doutos e amantes da filosofia platônica. Ficino (1433 – 1499), como filósofo, se expressou nas obras Sobre a religião cristã e Teologia Platônica, além de vários comentários a Platão e Plotino. Em seu pensamento, uma forma de um Neoplatonismo cristianizado, pode-se destacar alguns pontos que têm relação com este estudo: a) O novo conceito de filosofia como “revelação”: a filosofia nasce como “iluminação” da mente e o ato de dispor e dobrar a alma de modo que se torne intelecto e acolha a luz da divina revelação (em que consiste a atividade filosófica), faz com que se torne coincidente à religião. Para ele era preciso fundar uma douta religião que sintetize filosofia platônica e mensagem evangélica. b) A estrutura hierárquica do real e a alma como “copula mundi”: sua concepção da estrutura metafísica da realidade segue o esquema neoplatônico, como uma sucessão de graus decrescentes 4 de perfeição: Deus, anjo, alma, qualidade (= forma) e matéria. Salienta a importância da alma com sua função de intermédio de todas as coisas; domina os corpos sensíveis, mas adere ao divino sendo, portanto, o “nó e a cópula do mundo”. c) Teoria do amor platônico: o conceito de alma está ligado ao conceito de “amor platônico”, no qual o Eros, entendido como Platão como força que, à visão da beleza, eleva o homem Absoluto, se conjuga com o amor cristão. Em Ficino, o amor coincide com a reintegração do homem empírico à sua metaempírica Idéia em Deus, através de uma progressiva ascensão na escala do amor. Certamente – escreve Ficino no Comentário ao Banquete – aqui estamos divididos e truncados, mas depois, ligados pelo Amor à nossa Idéia, voltaremos a ser íntegros, de modo que parecerá que nós primeiro amamos Deus nas coisas para depois amar as coisas nele e que nós honramos as coisas em Deus sobretudo para nos recuperarmos – e, mamando Deus, amamos a nós mesmos. (Citado em REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia Antiga, volume 3, p. 41). Pico della Mirandola (1463-1494), acrescentou ao pensamento de Ficino a Cabala, doutrina mística ligada à teologia judaica, sendo apresentada como revelação especial feita por Deus aos hebreus, a fim de que pudessem conhecêlo melhor e também melhor pudessem entender a Bíblia, como explica Reale em seu livro História da Filosofia (op. cit.). Para Pico, o homem é o grande milagre da criação divina, tendo o poder de se elevar à vida da pura inteligência e ser como os anjos ou até acima destes. Assim, é o artífice de si mesmo, autoconstrutor. Conforme o germe que cultivar, o homem se tornará planta, animal racional ou anjo e até mesmo, se não estiver contente com todas essas coisas e recolher-se em sua unidade mais íntima, então, ‘tornado um só espírito com Deus, na solitária névoa do Pai, aquele que foi posto acima de todas as coisas estará acima de todas as coisas’. (REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia Antiga, volume 3, p. 44). 5 Diante do “retorno às origens” e da importância das obras de Platão e de Plotino para o Renascimento, bem como por sua própria experiência de vida, pode-se levantar a hipótese de que São João da Cruz foi influenciado em seus escritos pelas doutrinas de Platão, estabelecendo-se, assim, uma relação entre a filosofia e a mística. Revisão Bibliográfica O objetivo do poema “Subida do Monte Carmelo” é mostrar como a alma poderá chegar à união mística, ou a sua união com o Amado e quais os degraus que deverá percorrer como esclarece São João da Cruz no “Argumento” inicial do poema: Encerra-se nas canções seguintes toda a doutrina que desejo expor na Subida do Monte Carmelo, assim como o segredo de alcançar o mais alto cume desta montanha, que outra coisa não é senão o estado de perfeição – estado sublime que chamamos aqui união da alma com Deus. (SJCruz – Obras Completas, p.134). Esta também é a interpretação do Pe. Felipe Sainz de Baranda, como explica na Introdução das Obras Completas de São João da Cruz: Quem lê as estrofes não suspeita, seguramente, a mensagem doutrinal subjacente, de uma ascética tão severa e inflexível. A mensagem das saborosas estrofes é ‘permanecer na suma desnudez e liberdade de espírito como se requer para a união divina’. A ‘Subida do Monte Carmelo’ descreve-nos as noites ativas do sentido e do espírito: é a alma que, com a graça de Deus, tem que realizar este difícil e heróico permanecer na escuridão e segura para poder aspirar à ‘ditosa ventura’ da união com o Amado. (SJCruz, Obras completas, Vozes, Introdução a “Subida do Monte Carmelo” por Pe. Felipe Sainz de Baranda, p. 133). No poema, São João da Cruz vai discorrendo sobre a busca da alma ao seu Amado e na segunda estrofe faz menção a uma escada onde se encontra a Ventura em seu mais alto degrau. Na escuridão, segura, Pela secreta escada disfarçada Oh! Ditosa ventura! Na escuridão, velada, Já minha casa estando sossegada (SJCruz – Obras Completas, p. 135). 6 Tal estrofe nos parece indicar que a alma deverá subir os degraus para encontrar a “ditosa ventura” da união mística com Deus. Da mesma forma, Platão no “Banquete”, no diálogo de Sócrates com Diotima (211b-212a), também parece traçar os caminhos e degraus do amor que a alma deve galgar para atingir o Bem, o amor supremo, a verdadeira virtude, fazendo, assim a sua ascese: Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo, através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os elos ofícios, e dos ofícios para as bela ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo. Nesse ponto da vida, meu caro Sócrates, continuou a estrangeira de Mantiéia, se é que em outro mais, poderia o homem viver a contemplar o próprio belo. (...) Ou não consideras, disse ela, que somente então, quando vir o belo com aquilo com que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não sombras de virtude, porque não é em sombras que estará tocando, mas reais virtudes, porque é no real que estará tocando”. (O Banquete, Nova Cultural, 211b a 212a, p. 48 e 49). Reportando-se agora à Alegoria da Caverna de Platão em sua obra República, o Filósofo também parece relatar o caminho que a alma percorre da escuridão à verdadeira luz. Na caverna, que pode ser entendido como a vida mundana, a alma vivia presa ao mundo sensível e tudo o que apreendia pelos sentidos era falso, não passava de sombras da realidade, esta entendida por Platão como mundo das Idéias ou o mundo inteligível. Assim, após um esforço e desejo da Verdade, ou o Bem supremo ou o Belo, que são a mesma coisa para Platão, a alma consegue se libertar e vislumbrar uma luz que, a princípio, a cega tamanha intensidade, mas que gradualmente (saliento: em graus) vai desvelando a verdadeira realidade. Assim, após perceber a realidade, a alma pode contemplar o Belo, como explica Platão nos excertos abaixo: Toda essa imagem, Gláucon, deve ser aplicada ao que dissemos anteriormente. A região visível deveria ser comparada à morada, que é a prisão e a luz da fogueira nela ao poder do sol. E se interpretares a subida e o exame das coisas acima como a ascensão da alma à região inteligível, terás captado o que espero transmitir, uma vez que isso é o que queiras ouvir. Se isso é verdadeiro ou não, só o deus o sabe. De qualquer modo, eu o vejo assim: no domínio cognoscível, a Idéia do bem é a ultima coisa a ser vista, sendo atingida somente com dificuldade; entretanto, uma vez que alguém a tenha contemplado, será imperioso concluir que é a causa de tudo que é correto e belo em quaisquer coisas, que produz tanto a luz quanto sua 7 fonte na região visível e que na região inteligível comanda e gera verdade e entendimento, de sorte que todos que se predispõem a agir com sensatez privada ou publicamente têm dela percepção. Ocorreu-me o mesmo pensamento, ao menos no que sou capaz. Vem então juntar-te a mim neste pensamento: não é de se surpreender que os que atingem esse ponto não estão predispostos a se ocuparem de assuntos humanos, e suas almas experimentam sempre a premência da ascensão e o anelo da permanência acima; pois, afinal, isso é indubitavelmente o que esperaríamos, se é que efetivamente as coisas se enquadram na imagem por mim descrita. (A República, Livro VII, Bauru, Edipro: 2006, p. 310 e 311, 517b – 517d) É impossível deixar de se fazer uma analogia às quatro primeiras estrofes do Poema de São João da Cruz, que relata o caminho da alma da escuridão à luz: Em uma noite escura, De amor em vivas ânsias inflamada, Oh! Ditosa ventura! Sai sem ser notada, Já minha casa estando sossegada. Na escuridão, segura, Pela secreta escada disfarçada, Oh! ditosa ventura! Na escuridão, velada, Já minha casa estando sossegada. Em noite tão ditosa, E num segredo em que ninguém me via, Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia Além da que no coração me ardia. Essa luz me guiava Com mais clareza que a do meio-dia, Aonde me esperava Quem eu bem conhecia, Em sítio onde ninguém aparecia Analisando agora a quinta estrofe do Poema, São João da Cruz nos leva a considerar que o amor faz a união da alma com Deus, após passar pela “Noite Escura”: Oh! noite que me guiaste, Oh! noite mais amável que a alvorada; Oh! noite que juntaste Amado com amada, Amada já no Amado transformada! 8 Em 202d a 203a, ainda no diálogo entre Sócrates e Diotima sobre o que é o amor, Platão também parece afirmar que este é que faz a união dos homens a Deus: -O quê, então, ó Diotima? - Um grande gênio, ó Sócrates; e com efeito, tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal. -E com que poder? Perguntei-lhe. - O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quanto despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de gênio, enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou ofício, é um artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor. (O Banquete, p. 40 e 41). Ainda no “Banquete”, em 204c a 204e, Platão mostra o desejo do amante em se unir ao Amado e assim permanecer, o que parece se assemelhar ao amor da alma à união mística. Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que Amor era o amado e não o amante; eis por que, segundo penso, parecia-te todo óbelo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém é outro o seu caráter, tal qual eu expliquei. (...)Tal é de fato a sua natureza e tal a sua origem; e é que é amor do que é belo o Amor, ó Sócrates e Diotima? Ou mais claramente: Ama o amante o que é belo; que é que ele ama? -Tê-lo consigo – respondi-lhe. -Mas essa resposta – dizia-me ela – ainda requer uma pergunta desse tipo: Que terá aquele que ficar com o que é belo? -Absolutamente – expliquei-lhe – eu não podia mais responder-lhe de pronto a essa pergunta. -Mas é, disse ela, como se alguém tivesse mudado a questão e, usando o bom em vez do belo, perguntasse: Vamos Sócrates, ama o amante o que é bom; que é que ele ama? - Tê-lo consigo – respondi-lhe. -E que terá aquele que ficar com o que é bom? -Isso eu posso – disse-lhe – mais facilmente responder: ele será feliz. (Ibidem, p. 42) No Fedro, entre 252a e 253a, Platão parece expor o desejo da alma, ou amada, de se assemelhar ao Amado e sua busca para isso. Daí certamente não se deixa afastar de livre vontade e a ninguém estima tanto como à pessoa amada (...) sempre pronta a ser 9 escrava e a deitar-se, onde alguém lho permita, o mais perto possível do objecto do seu desejo. Na verdade, além de venerar aquele que possui a beleza, nele encontra o único médico para os seus graves sofrimentos. É nesse estado de espírito, ó belo jovem a quem se dirige o meu discurso, chamam os homens Amor (...) Por isso, os seguidores de Zeus desejam que a alma dos seus amados seja do modelo dessa divindade (...) quando o encontram, dedicam-se a amá-lo e fazem tudo para que continue a assemelhar-se-lhe. Ora, se anteriormente não tinham caminhado na senda dessas preocupações, dedicam-se a elas agora, procuram instruir-se nas possibilidades que têm ao seu alcance, e buscam-nas eles próprios. (Fedro, Platão, Lisboa, Edições 70, p. 69 e 70). Para Platão o Bem é a manifestação do belo e o amor que a beleza suscita desperta o desejo e esse é o ponto de partida para a contemplação das substâncias Ideais, é a busca pelo Amado ou o Bem supremo. No neoplatonismo, principalmente em Plotino que exerceu uma grande influência na mística de São João da Cruz, essa doutrina do Belo assume caráter místico porque o bem ou as essências ideais de que falava Platão são unificadas em Plotino no Uno, ou seja, em Deus. A especulação teológica sobre o amor retorna no platonismo renascentista, porém acentuando a reciprocidade do amor entre Deus e homem. Não só Deus é objeto do amor, mas Ele próprio ama, o que é bem ressaltado na poesia de São João da Cruz, que coloca Deus como o Amado e a alma como a amada. Desta forma, diante do acima exposto, nota-se haver pontos passíveis de comparação na descrição do amor e da ascese da alma em Platão com o poema de São João da Cruz, sendo plenamente viável que o Frei possa ter sofrido influências das doutrinas platônicas, uma vez que foi um estudioso de filosofia e que viveu no período renascentista, período esse marcado por “um retorno às origens”, ao estudo dos filósofos gregos, no qual Platão foi extremamente estudado. Tal fato poderá ser confirmado após um minucioso estudo das obras de Platão: Banquete, Fédon, Fedro e República e do poema Subida do Monte Carmelo de São João da Cruz e seus Argumentos. O neoplatonismo utilizou a noção de amor para indicar uma das fases do caminho que conduz a Deus. Conforme esclarece o Dicionário de Filosofia (ABAGGNANO 2000), para Plotino na Enéadas, VI, 7,22, o Amor é o caminho preparatório que conduz à visão dele, pois conforme a doutrina de Platão o amor é o bem e o Uno é o bem mais alto. Explica, ainda, na Enéadas, VI 9,11, que o Uno é o verdadeiro termo e o objeto último e ideal de todo Amor, conquanto que não seja através do Amor que o homem se una a Ele, mas através 10 da intuição, de uma visão que o vidente e o visto se fundem e se unificam. Na Enéadas III 5, Plotino explica esse amor da alma como desejo de unir a algo: No que diz respeito ao estado de alma que corresponde ao amor, ninguém desconhece que ele nasce nas almas desejosas de se unirem a alguma coisa bela. Já na Enéadas I, 6, Plotino explica o desejo da Alma em vislumbrar o Belo e o esforço desta para não ser privada desta contemplação e então relata o caminho a ser percorrido. 2. OBJETIVOS Gerais: Este trabalho se propõe a investigar com rigor as doutrinas do amor e da ascese da alma nas obras de Platão: Banquete, Fedro, Fedon e República; nas Enéadas de Plotino e no poema “Subida do Monte Carmelo” de São João da Cruz. Específicos: Verificar se há relação entre a mística de São João da Cruz e as filosofias de Platão, Plotino no que tange ao amor e à ascese da alma. 3. METODOLOGIA: Utilizando-se de pesquisa bibliográfica, o projeto será realizado em três partes. Na primeira fase será efetuada leitura e estudo das obras de Platão: Fedro, Fédon, A República, O Banquete e Timeu; na segunda se fará a leitura e estudo das Obras Completas de São João da Cruz e na terceira e última parte será feito um estudo comparativo entre as obras, objetivando identificar doutrinas platônicas sobre o amor e ascese da alma no poema “Subida do Monte Carmelo”. 11 4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BÁSICA CRUZ, San Juan de la. Obras Completas, Burgos, Editorial Monte Camelo: 2003. CRUZ, São João da. Obras Completas. São Paulo, Vozes: 2002 PLATÃO, O Banquete in Obras Completas, Coleção Os Pensadores, vol. III. São Paulo: Abril Cultural, 1972. _______, Fédon, in Obras Completas, Coleção Os Pensadores, vol. III. São Paulo: Abril Cultural, 1972. _______, A República , Bauru, Edipro: 2006. _______. Timeu e Crítias, Curitiba, Hemus: 2002 _______, Fédro, Lisboa: Edições 70: 1998. 5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA COMPLEMENTAR ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PACHO, Eulogio. Diccionario de San Juan de la Cruz, Burgos, Editorial Monte Carmelo: 2000. _____________. Estudios Sanjuanistas, volumes I e II, Burgos, Editorial Monte Carmelo: 2000. _____________. San Juan de la Cruz. História de sus escritos, Burgos, Editorial Monte Carmelo: 1998. PENSADO, Berta. La Mística, Temas Españoles 208, Madrid, 1955 disponível em < http://www.filosofia.org/mom/tem/es0208.htm >. Acesso em 16 de julho de 2007. PLOTINO, Tratado das Enéadas. São Paulo: Polar, 2007. REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga, Vol. IV. São Paulo: Edições Loyola, 1993. ______________. Para uma nova interpretação de Platão, 2ª. edição, São Paulo, Loyola: 2004. 12 ______________ e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Patrística e Escolástica. Vol II. 2ª. Edição. São Paulo: Paulus, 2006. ________________________________. História da Filosofia. Do Humanismo a Descartes, Vol. III, 2ª. edição. São Paulo: Paulus, 2005. ROGUE, Christophe. Compreender Platão. Petrópolis: Vozes, 2005. VÁRIOS. A Bíblia de Jerusalém, 3ª. edição, São Paulo: Paulus, 2004 13