DA LEI 10.436 DE 24 DE ABRIL DE 2002 Por Claudio Alves BENASSI ! ⇓! ! 2 2 Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, sancionada pelo então A presidente da República Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de Libras nos cursos de licenciaturas e saúde, significando um grande avanço – ainda que tardio - para a sociedade, especialmente para a comunidade surda. Vale apresentar aqui todos os artigos da referida lei, sendo que alguns deles serão comentados. No entanto, o artigo que é motivo central de nossa preocupação é o de número quatro. ! Segundo a referida lei, em seu primeiro artigo e parágrafo único: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil20. A lei reconhece e legitima a Libras como meio legal de comunicação e de expressão das comunidades surdas e de todos os sujeitos que dela fazem uso para expressarem suas ideias, pensamentos, conhecimentos e sentimentos. Em seu parágrafo único, a lei enfatiza que a LBS consiste em um sistema linguístico visual-motor, isto é, que se utiliza de recursos imagéticos para a efetiva comunicação entre os sujeitos – locutor > interlocutor – com estrutura gramatical própria, dando a entender que trata-se de uma língua. Para Bakhtin língua é, [...] a materialização da linguagem humana verbalizada. É fruto do trabalho humano, o que implica dizer que é ideológica, ou seja, é mais do que um sistema unirreferencial, pois além de referenciar o mundo imediato, ela também representa um mundo para além da imediatez interacional. Portanto, língua é um sistema linguístico-ideológico (pois se constitui de signos linguístico-ideológicos) através do qual a linguagem humana verbal se materializa para referenciar o mundo, representa-lo e construir outro mundo para além do imediato21. Assim entendida a LBS, não resta dúvida quanto ao seu reconhecimento, como dá a entender Duarte e Lopes22, de que existam pesquisadores que qualificam a Libras como sendo linguagem. Entenda-se por linguagem o uso que um determinado sujeito faz de um sistema de comunicação em um momento que é único e irrepetível. Para Bakhtin toda e qualquer atividade humana está diretamente ligada a linguagem23. O autor assim a define: […] ela é tida como atividade […] vinculada à dimensão da vida, sendo, por isso, concreta: a linguagem é vista em relação ao atos únicos e singulares !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Brasil. Lei n.º 10.436, 2002. GEGe, 2009: 65 22 Duarte e Lopes, 2012: 109 23 Bakhtin, 2003, p.261 20 21 ⇓! ! 2 3 ! realizados e ao ser-evento-unitário. Com isso a linguagem carrega expressividade, ou seja, ela carrega a atitude valorativa dos sujeitos em relação ao seu objeto discursivo24. O segundo e o terceiro artigos dispõem sobre as obrigações do poder público, de forma geral, quanto ao apoio no uso e na difusão da Libras, atendimento e tratamento à comunidade usuária da LBS. Propõem os artigos: Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor25. Notamos que, apesar do tardio reconhecimento, o poder público legitima a LBS como meio de comunicação das comunidades surdas do Brasil, e por força de lei garante apoio ao uso e à disseminação da mesma como tal. Para que tais direitos sejam garantidos, o Estado vem investindo na criação de cursos de licenciaturas e bacharelados em Libras e ainda tem ofertado cursos de capacitação para o funcionalismo público afim de garantir que as disposições destes artigos sejam de fato efetivos. Seguindo, o quarto artigo e seu parágrafo único dispõem: Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa26. Fica evidente a obrigatoriedade do ensino de Libras na educação especial (termo do qual discordo, pois vejo toda e qualquer forma de educação – sendo ela dirigida a pessoas com limitações físicas, intelectuais, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! GEGe, op., cit., 66 Brasil. Lei n.º 10.436, op., cit. 26 Brasil. Lei n.º 10.436, op., cit. 24 25 ⇓! ! 2 4 ! auditivas, visuais, surdas ou cegas ou não –como especial), bem como nos níveis médio e superior, sendo que esta não deverá substituir a manifestação escrita da língua portuguesa. Isso quer dizer que a pessoa surda deve aprender a Língua Portuguesa, e a avaliação escrita dos conhecimentos do usuário da LBS deve ser em português. No entanto, a referida lei não fixa carga horária mínima para a disciplina de Libras nos cursos de licenciaturas, ficando a cargo do colegiado de curso a sua definição. Observa-se que a carga horária das disciplinas de Libras tem variado entre trinta e sessenta horas e em raras exceções uma carga horária igual ou superior que cem horas. O quinto e último parágrafo coloca em vigor a referida lei a partir da data de sua publicação. ⇓! ! 2 5