À espera das Leónidas (Expresso: 14-11-1998) Os cientistas prevêem para as noites de terça e quarta-feira uma espectacular chuva de estrelas. Quem a quiser ver, saia da cidade e observe os céus de leste. VOLTA e meia, uma estrela cadente risca os céus. Por vezes, segue-se-lhe uma outra, e uma outra ainda. Em certas alturas, em meados de Agosto e noutras épocas do ano, vêem-se dezenas e dezenas de estrelas cadentes. São as chamadas chuvas de estrelas. Mas há alturas, raras, em que as estrelas cadentes parecem encher o céu. Aparecem ao ritmo de várias por minuto, às vezes várias por segundo. São autênticas tempestades. O espectáculo é raro, mas deixa uma imagem duradoura em quem tem a sorte de o observar. Na semana que entra, nas noites de terça, dia 17, e de quarta, dia 18, é possível que tenhamos tal sorte. É que a Terra passa nessa altura pelo centro mais denso da nuvem de poeiras deixada pelo cometa Tempel-Tuttle, na sua órbita periódica em torno do Sol. Teremos um chuvisco ou uma tempestade? Ninguém o pode garantir, mas quem não estiver atento certamente que não poderá assistir ao espectáculo. Durante muitos séculos, as chuvas de estrelas intrigaram o homem. Qual seria a origem desse estranho fenómeno? Muitos atribuíram-lhe um significado místico, enquanto os homens de ciência pensavam ser apenas um fenómeno meteorológico, semelhante aos relâmpagos. O nome científico das estrelas cadentes, meteoros, reflecte essa crença antiga. Para Aristóteles (384-322 a.C.), era claro que se tinha de tratar de algo terreno, pois os céus eram perfeitos e não originavam fenómenos tão esporádicos e imprevisíveis. Para Kepler (1571-1630), o estudo dos meteoros e dos meteoritos, as rochas caídas do céu, nada tinha a ver com a astronomia. Foi preciso esperar pelos séculos XVIII e XIX para que se começasse a perceber a origem cósmica das chuvas de estrelas. Sabe-se hoje que meteoritos são poeiras e rochas que abundam no espaço interplanetário. Uns serão restos dispersos do sistema solar primitivo, outros serão pedregulhos resultantes dos choques de asteróides, outros, ainda, minúsculas poeiras deixadas por cometas e por asteróides. Ao penetrarem na atmosfera terrestre a altas velocidades, essas poeiras e pedregulhos aquecem tremendamente, ionizam as moléculas de ar à sua passagem, deixando um rasto luminoso. Transformam-se em estrelas cadentes, ou meteoros. Na sua esmagadora maioria, são completamente destruídos pela nossa atmosfera, que assim nos protege dessas quedas. Na Lua, sem atmosfera, sem oceanos e sem uma vida geológica que recicle os traços dos meteoritos, vêem-se inúmeras marcas dessas colisões. Em alguns casos, muito raros, os meteoros atingem tais dimensões que provocam um rasto de fogo visível à luz do dia. São as bolas de fogo. Em muitos desses casos, os meteoritos não se desfazem completamente e caem no solo, chamam-se então meteorólitos ou aerólitos. Foi o estudo da composição química dessas pedras caídas do céu que convenceu os cientistas da sua origem extraterrestre, pois a análise dos elementos metálicos que as compõem revela concentrações não habituais no nosso planeta. Em 1803, em l'Agile, em França, teve-se a sorte de assistir à queda de uma bola de fogo e foi possível encontrar no solo o pedregulho caído do céu. Foi sobretudo a partir dessa data que os astrónomos começaram a dar atenção aos meteoros. Gravura que representa a Para estabelecer a relação entre as chuvas de chuva de estrelas de 1833, por muitos estrelas e os rastos dos cometas foi preciso esperar observada Olmsted, mais algumas décadas. Em Novembro de 1833, americanos. precisamente há 165 anos, os habitantes das Américas professor de Yale, viu que as assistiram a uma espectacular chuva de estrelas, uma estrelas pareciam partir da chuva que ficou na memória e que impressionou várias constelação de Leão, daí o gerações. Cinquenta anos mais tarde, ainda os artistas nome de Leónidas reproduziam essa tempestade e ainda circulavam panfletos religiosos com gravuras dessa tempestade celeste. Um professor de Yale, perto de Nova Iorque, de nome Denison Olmsted, foi acordado por um amigo para observar o espectáculo. Olmsted reparou que as estrelas cadentes pareciam partir de um mesmo ponto do céu, um ponto situado na constelação Leão. Reparou também que o ponto radiante das estrelas cadentes seguia a constelação à medida que esta se levantava no céu. Olmsted percebeu que os meteoros se deslocavam em trajectórias paralelas e que a sua aparente origem num ponto radiante se devia a uma ilusão de perspectiva. Também as gotas de chuva caem paralelamente no solo, mas, ao nos deslocarmos contra a chuva, parece que as gotas divergem de um ponto situado à nossa frente. Olmsted percebeu ainda que o ponto de onde os meteoros parecem radiar apontava para a direcção em que a Terra na altura se deslocava. A Terra estava a passar por uma zona de concentração de poeiras cósmicas. Mais tarde, um outro professor de Yale, Hubert A. Newton, estudou os registos históricos de grandes chuvas de estrelas no mês de Novembro e notou uma periodicidade de cerca de 33 anos. Vários astrónomos, entre os quais John Couch Adams (1819-92), Giovanni Schiaparelli (1835-1910) e Urbain LeVerrier (1811-77), calcularam a trajectória da nuvem interplanetária pela qual a Terra passava nessas alturas e verificaram que ela coincidia com a do cometa periódico Tempel-Tuttle. Foi assim finalmente estabelecida a origem cósmica das chuvas de estrelas. A observação e estudo das estrelas cadentes, durante tantos séculos desprezada pelos astrónomos, foi uma das bases que permitiram ao norte-americano Fred L. Whipple perceber a estrutura dos cometas. Num trabalho publicado em 1950, este astrónomo descreveu-a como um molho de pedregulhos e poeiras aglomeradas numa argamassa congelada, uma «dirty snowball», como lhes chamou. Ao se aproximarem do Sol, argumentou Whipple, essas bolas de neve suja derretem-se parcialmente e espalham poeiras pelo espaço. Assim se geram as caudas dos cometas e assim aparecem os meteoritos. Quando a sonda europeia «Giotto» observou de perto o cometa Halley, em 1986, o que se viu foi um núcleo em lenta desintegração no espaço. As Leónidas, originadas por um cometa menos famoso, têm proporcionado muitas surpresas. Em 1866 e 1867, originaram tempestades mais modestas do que em 1833. Quando se pensava que os rastos do cometa se teriam já esbatido com o tempo, o dobrar do século desmentiu os pessimistas. Em 15 de Novembro de 1900, a chuva de estrelas atingiu um ritmo de mil meteoros por hora. Trinta e três anos mais tarde, nada de especial se registou, mas em 1966 as Leónidas reapareceram em força, num ritmo que se estima em 150000 por hora. Os especialistas prevêem que em 1998 e em 1999 se possa assistir a uma chuva de estrelas semelhante. Este ano, quem está mais bem colocado são os observadores no Japão e no Sudeste Asiático. No ano que vem, será a vez da África e da Europa. Mas tudo é muito incerto, e só as noites da semana que entra o dirão. É quase certo que as Leónidas irão riscar os céus, mesmo que apenas esporadicamente. Mas é muito possível que a chuva de estrelas se transforme em tempestade. Quem a quiser observar deverá observar os céus de leste, de preferência perto da madrugada, nas noites de terça para quarta e de quarta para quinta. Mas os céus citadinos não oferecem as melhores condições. Nada se compara aos riscos luminosos das estrelas cadentes contra um céu escuro e limpo. A perspectiva de uma rara tempestade meteórica vale bem um passeio ao campo ou à praia. Texto de $U$O CRATO