ESTUDO FLUIDODINÂMICO DE MISTURAS BINÁRIAS EM LEITO FLUIDIZADO COM PLANEJAMENTO EXPERIMENTAL 1 Gabriel Luiz Morellato Trazzi, 2 Katia Tannous 1 Bolsista de iniciação científica PIBIC/CNPq/Unicamp, discente do curso de Engenharia Química. 2 Professora da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp/SP. 1,2 Faculdade de Engenharia Quimica da Universidade Estadual de Campinas, Av. Albert Einstein, 500, Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, C.P.: 6066, Campinas/SP, CEP 1308390 Email: [email protected] RESUMO - O presente trabalho tem por objetivo estudar a fluidodinâmica de sólidos inertes (CMC e PVC) com características homogêneas e heterogêneas em dois leitos fluidizados gasosos, sendo um de formato cônico e outro de formato cilíndrico. As partículas utilizadas foram pertencentes aos grupos B e D da classificação de Geldart. Os resultados obtidos foram baseados em um 3 planejamento experimental fatorial completo 2 , para obtenção das vazões características da mistura. (Qfi, Qma, QS, Qfc), tendo como fatores fração de área livre do distribuidor, fração mássica e geometria do leito. A geometria do leito foi o fator que apresentou maior influência para a vazão mínima aparente e de fluidização completa. Um estudo comparativo com um fármaco foi realizado proveniente de uma planta industrial. Palavras-Chave: fluidização, leito cônico, mistura-segregação. INTRODUÇÃO A fluidização consiste basicamente na movimentação de sólidos juntamente com um fluido (gás ou líquido) permitindo um maior contato superficial entre sólido e fluido, favorecendo a transferência de massa e calor. A vantagem deste processo é baixa existência de gradientes de temperatura com mistura perfeita dos sólidos, evitando regiões estagnadas no leito. No meio industrial o leito fluidizado é muito utilizado para processos de secagem, misturas, tratamentos térmicos, recobrimento de materiais, dentre outros. Um tipo de indústria que faz uso deste equipamento é a indústria farmacêutica, visto que a umidade e tamanho das partículas afetam diretamente a qualidade do fármaco. Assim sendo, buscando uma melhor secagem dos grânulos úmidos, tentam-se novas geometrias para o aprimoramento do produto final. Fluidização Homogênea e Heterogênea Quando um gás passa em ascensão por um leito fixo, a queda de pressão aumenta com o aumento da velocidade superficial do gás, até que o arraste das partículas individuais exceda a força gravitacional. A velocidade do gás na qual essa condição é atingida dá-se o nome de velocidade mínima de fluidização (Umf) (Kunii e Levenspiel, 1991). Mediante o balanço de forças das partículas no leito, Ergun (1952) propõe uma estimativa para Umf, na forma: (1) A partir dessa equação fundamental, muitos autores tem proposto formas alternativas particulares e simplificadas, substituindo εmf e φs por valores numéricos. Tannous et al. (1994) faz uma revisão ampla destas correções empíricas. Para a determinação empírica da Umf é feita na maioria dos casos através da análise da queda de pressão pela velocidade superficial do gás. Quando a pressão atinge um patamar constante, tem-se a velocidade mínima de fluidização (Figura 1). Em leitos constituídos por mais de um tipo de partícula não é valida a idéia de velocidade mínima de fluidização, sendo então abordado o conceito de outras velocidades de transições, como fluidização inicial, mínima aparente, de segregação e de fluidização completa (Ufi, Uma, Us e Ufc, respectivamente). Na literatura não há muitas formas para se predizer essas velocidades de transição. Através da evolução da queda de pressão em função da velocidade do gás, para um sistema binário ou polidisperso, pode-se analisar o comportamento do leito no início da fluidização (Figura 1). A curva AB corresponde a um crescimento progressivo da camada segregada, acompanhada de uma tendência ondulada, que representa o fenômeno de segregação e a defluidização local (US) (Tannous, 1998). A velocidade de segregação, em muitos casos, nem é apresentada devido sua complexidade para ser descoberta. O ponto B corresponde ao estado de mistura completa do leito, denominado de velocidade de fluidização completa (Ufc). A curva inferior, BCO, descreve a defluidização lenta do leito. Figura 1: Evolução da queda de pressão total em função da velocidade do gás para partículas homogêneas e heterogêneas Além disso, a evolução do desvio padrão das flutuações de pressão em função da velocidade superficial do gás pode auxiliar na determinação destas velocidades bem como identificar os estados de transição entre a segregação e mistura (Figura 2). Figura 2: Evolução do desvio padrão das flutuações de pressão em função da velocidade superficial do gás A fim de comparação com um fármaco de produção industrial, este trabalho tem por objetivo estudar a fluidodinâmica de misturas binárias através de um planejamento experimental em leitos fluidizados, cônico e cilíndrico, com materiais inertes para obtenção das velocidades características de transição entre os estados fluidizados. MATERIAIS E MÉTODOS Os experimentos foram realizados em duas colunas de acrílico, sendo uma cônica e outra cilíndrica com diâmetro da base de 0,0528m o (angulo de 71 ) e 0,092m, respectivamente.O suprimento de ar comprimido foi através de um soprador radial com potência máxima de 7,5 CV. O resfriamento do ar de entrada foi feito por um trocador de calor tendo água como fluido refrigerante. A vazão de ar foi medida por rotâmetros operados nas faixas de vazões de 0 a 3 3 3 1 m /h, de 0 a 10 m /h e de 10 a 100 m /h. As medidas de pressões para correção da vazão eram feitas por manômetros em U de coluna de água e mercúrio. As temperaturas da linha do ar comprimido foram medidas mediante termômetros digitais (faixa de -70ºC a 120ºC), acoplados a termopares do tipo K. Na entrada do leito um termo-higrômetro, indicava a temperatura (faixa de -50°C+70°C) e umidade relativa do ar (25 a 98% UR). A aquisição das flutuações de pressão foi feita por um transdutor de pressão do tipo membrana (0-25 in coluna de água), e mediante o software EASYLX em uma freqüência de 200 Hz. O software auxiliou na determinação da queda de pressão média e desvio padrão das flutuações de pressão. Os materiais utilizados, PVC e celulose microcristalina, assim como o fármaco, estão mostrados na Tabela 1. Na figura 3 tem-se um histograma comparativo da distribuição granulométrica dos materiais utilizados. Figura 3: Distribuição granulométrica fármaco e das misturas binárias do Tabela 1: Propriedades Físicas dos Materiais e Características Fluidodinâmicas Material dp (µm) ρ (kg/m ) φ (-) Classificação de Geldart Umf (m/s) εmf ( - ) CMC 340 1550 - B 0,07 0,69 PVC 2960 1220 0,75 D 1,75 0,48 Fármaco 309 1400 - Polidisperso - - 3 Os experimentos foram realizados com uma distribuição granulométrica que atendesse as características do fármaco no que tange seu diâmetro e massa específica média. O diâmetro médio das partículas homogêneas foi calculado pela equação de Sauter conforme: dp = 1 n ∑ i (2) xi d pi A fim de atender a semelhança com o fármaco trabalhou-se com duas frações, 4 % e 8% de PVC, obtendo diâmetros médios de 356µm e 373µm, respectivamente. Por haver uma diferença nas densidades também dos materiais inertes escolhidos, calculou-se o diâmetro médio por Goossens (1996). Metodologia Experimental Para a determinação das velocidades mínimas de fluidização (Umf) das partículas homogêneas, utilizou-se dos métodos de queda de pressão (Richardson, 1971), desvio padrão das flutuações de pressão (Puncochar et al., 1985) e expansão de leito (razão entre volume de vazios e volume total) em função da velocidade superficial do gás. A Tabela 1 apresenta as velocidades mínimas de fluidização de cada material, obtidos empiricamente. Tem-se para as misturas binárias três métodos para determinação das velocidades de transição, como dito anteriormente. São eles: evolução da queda de pressão, desvio padrão das flutuações de pressão e expansão do leito em função da velocidade superficial do gás (Tannous et al., 2008). Queda de pressão: Apresenta-se na Figura 4 um exemplo típico. A velocidade de fluidização inicial, Ufi, é detectada quando se inicia o movimento das partículas mais leves, nesse caso, a celulose. Seguindo a linha que indica o leito fixo e fazendo a intersecção desta com o patamar da região completamente fluidizada tem-se a Uma.Nota-se que para esse tipo de mistura a Uma se aproxima da Ufi, devido à alta concentração de partículas finas. A velocidade de segregação é caracterizada pelo limiar entre a segregação parcial e segregação total da mistura. A fluidização completa ocorre quando todas as partículas estão em suspensas e queda de pressão constante. Desvio padrão: Para o gráfico do desvio padrão das flutuações, a Ufi é representada pelo inicio das flutuações, no entanto não e claramente visível (Figura 5). A Uma é representada quando há um pequeno aumento nesse desvio. A US pode ser observada como uma mudança na inclinação da curva, uma vez que as flutuações de pressão se alteram, conseqüentemente o desvio, devido a transição de estado de fluidização, segregado total para parcial. A Ufc não é vista neste método com clareza. Expansão do leito: A Uma ocorre quando as partículas menores estão suspensas, aumentando a expansão. Quando se tem o início da movimentação das partículas maiores, nota-se uma mudança na inclinação na curva, sendo caracterizada a Us. A figura 6 mostra um exemplo deste método. Planejamento Experimental Neste trabalho, fez-se um planejamento experimental fatorial 23 completo, baseado em técnicas estatísticas apresentadas na literatura (Barros Neto, 1995), tendo como fatores: razão de fração mássica PVC/CMC (χ), fração de área livre do distribuidor (FALD) e geometria do leito, podendo ser cônica ou cilíndrica. Foram analisadas nesse planejamento as vazões correspondentes às velocidades de transição, porque não há uma compatibilidade de dados ao comparar as velocidades no leito cônico e no cilíndrico, pois possuem áreas na base diferentes. Na Tabela 2 encontram-se os dados do planejamento, com os oito ensaios especificados. Figura 4: Evolução da queda de pressão total em função da velocidade do gás Figura 5: Desvio padrão das flutuações de pressão em função da velocidade do gás Figura 6: Expansão do leito em função da velocidade do gás (PVC/CMC, ensaio 4, χ=8%; Dc=0,092m, FALD=1,34%) RESULTADOS E DISCUSSÃO Através do Software Statistica®, fez-se a análise dos parâmetros estudados. Sob um intervalo de confiança de 95%, os gráficos de Pareto, mostrados na Figura 7 apresentam a influência das variáveis independentes sobre as vazões respostas. O limite de significância é a linha tracejada indicada por p = 0,05 (p-valor), que revela quais efeitos mais relevantes sobre o estudo. As Figuras 7b e 7d mostram que apenas a geometria do leito influencia nas vazões. A mudança da geometria cônica para cilíndrica provoca um aumento nas vazões de mínima aparente e de fluidização completa, como se pode ver na Tabela 2. Isso ocorre devido a movimento das partículas ascendente e centralizado e descendente à parede do leito, voltando à base gerando uma melhor homogeneização do leito. . Tabela 2: Resultados experimentais obtidos Ensaio FALD Geometria Já no leito cilíndrico, sua geometria e a força de resistência da parede podem provocar movimentos empistonados, isto é, movimentos de vai e vem, impedindo que as partículas tenham movimentos circulares, como é o caso do leito cônico. Quanto às vazões de fluidização inicial e de segregação, pode-se ver pelas Figuras 7a e 7c que nenhum fator teve influência significante para essas respostas. Pode-se ver na Tabela 2 que não há uma variação significativa para os dois casos. Com relação ao fármaco (Tabela 2), percebe-se uma aproximação da Qfi com os ensaios 8 e 6, pois as partículas menores possuem as mesmas propriedades fluidodinâmicas. Momento este que as partículas finas começam a fluidizar. χ (%) Qfi (m3/h) Qma Qs 3 (m /h) (m /h) Qfc (m3/h) 3 (%) do leito 1 1,34 Cônica 4% 0,47 0,97 6,38 8,51 2 1,34 Cilíndrica 4% 0,96 1,48 5,34 9,33 3 1,34 Cônica 8% 0,79 1,15 4,31 6,78 4 1,34 Cilíndrica 8% 1,32 1,63 6,10 11,53 5 5,89 Cônica 4% 0,63 1,18 4,57 8,75 6 5,89 Cilíndrica 4% 0,72 1,34 4,36 10,70 7 5,89 Cônica 8% 0,79 1,09 5,52 7,88 8 5,89 Cilíndrica 8% 0,72 1,29 6,51 13,16 Fármaco 5,89 Cilíndrica Disperso 0,79 5,15 6,10 9,94 Para QMA, vazão na qual as partículas teriam propriedade ao início da fluidização, houve um aumento considerável, pois a mistura do fármaco possui maiores quantidades de tamanhos de partículas maiores. Assim a faixa de segregação total é mais ampla. Para Qs, observa-se que há uma semelhança do ensaio 8 com o fármaco , pois a fração de partículas maiores podem ser semelhantes em ambos os casos. Há uma concordância com o ensaio 6, isto é menor fração menor a vazão de segregação. Comparando as vazões de fluidização completa (Qfc) do fármaco com da mistura PVC/CMC (ensaios 6 e 8), nota-se que a dispersão das partículas auxilia na homogeneização do leito. CONCLUSÕES Observa-se que na literatura poucos trabalhos que determinem as transições dos diferentes estados de fluidização, sendo o mais usual a velocidade mínima aparente, para misturas heterogêneas. (a) Vazão inicial de fluidização (Qfi) (b) Vazão aparente de fluidização (Qma) (c) Vazão de segregação (Qs) (d) Vazão completa de fluidização (Qfc) Figura 7: Gráficos de pareto das vazões de transição Com o planejamento experimental, observou-se que o fator de maior efeito sobre as vazões respostas mínima aparente e fluidização completa, foi a geometria do leito, revelando que o formato cônico proporciona melhor homogeneidade do leito. O comparativo com o fármaco revela que a dispersão proporciona menor vazão de fluidização completa, o que favorece a homogeneização da mistura. NOMENCLATURA d p Diâmetro médio entre peneiras dp Diâmetro médio de partícula [µm] [mm] g Aceleração gravitacional Qfc Vazão de fluidização completa Qfi Vazão de fluidização inicial Qma Vazão mínima aparente Qs Vazão de segregação Ufc Velocidade de fluid. completa Ufi Velocidade de fluidização inicial [m/s ] 3 [m /h] [m3/h] [m3/h] 3 [m /h] [m/s] [m/s] i 2 Uma Umf Us xi Velocidade mínima aparente Velocidade mínima de fluidização Velocidade de segregação Fração mássica [m/s] [m/s] [m/s] [-] Letras Gregas χ ∆P ε εmf ργ ρσ σ Razão de fração mássica [-] Queda de Pressão [Pa] Expansão do leito [-] Porosidade na mínima fluidização [-] Massa específica do gás [kg/m3] Massa especifica do sólido [kg/m3] Desvio padrão das flut. de pressão [Pa] BIBLIOGRAFIA BARROS NETO, B.; SCARMINO, I. S.; BRUNS R. E.; Planejamento e Otimização de Experimentos, Editora da Unicamp, 1995. GOOSSENS, W.R.A. Hydrodynamical Fundamentals for Five Classes of Fluidized Beds. 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