Análise de erros em produção escrita de estudantes de inglês como língua instrumental Fabrícia Andrade Centro Federal de Educação e Tecnologia (CEFET – BA) Resumo A interferência de L1 na aquisição de L2, afetando o desempenho do estudante na língua alvo, seja no nível da fala ou no nível escrito, constitui uma das questões centrais das teorias de aquisição de segunda língua. A identificação das motivações dos erros pode ter implicações significativas no aprimoramento do trabalho do professor de língua estrangeira, principalmente se forem consideradas as especificidades de cada atividade de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, os erros em produção escrita cometidos por aqueles que estudam uma língua com finalidade específica, como, por exemplo, o conhecimento passivo de leitura e compreensão de textos, devem receber tratamento diferenciado, pois as habilidades trabalhadas com esses alunos são bastante específicas, com ênfase gramatical, assim como a abordagem feita pelo professor. Sendo assim, foi feita uma adaptação da análise de erros proposta por Corder (1981) para essa finalidade específica, identificando-se quais os tipos de erros mais freqüentes nesse nível de aquisição de L2. A partir da produção textual em Inglês de alunos do 2º ano do Ensino Médio do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET-BA), o trabalho apresenta um panorama da possível origem dos erros cometidos por esses alunos, fazendo uma análise descritiva e crítica, tendo como principal hipótese o fato de que os mesmos são, na sua grande maioria, conseqüência da influência da língua materna, principalmente nos níveis sintático e semântico. Palavras-chave: Análise de erros – interlíngua - inglês para fins específicos. Abstract L1 Interference in L2 acquisition, both at written and spoken levels, has been one the main areas of concern in theories of second language acquisition. Identifying the type of error might have meaningful implications in the improvement of the teacher’s job, mainly if we consider each activity specifications. Therefore, the errors in writing made by students who are studying English for specific purposes – reading technical and scientific texts, should be treated differently. Both the teaching approach and the skills emphasized during the course are very specific to the type of course. As a result, this paper proposes an adapted version of Corder’s (1981) error analysis when working with ESP including a list of the most frequent errors at this level of L2 acquisition. Texts written by high school students at CEFETBa (Federal Center of Technological Education) were analyzed and the origin of errors was determined in a descriptive and critical analysis. The hypothesis was that most of the errors are a consequence of L1 transfer, mainly at the semantic and syntactic levels. Keywords: Error analysis – Interlanguage - Contrastive analysis - English for specific purposes. Introdução A interferência de L1 na aquisição de L2, afetando o desempenho do estudante na língua alvo, seja no nível da fala ou no nível escrito, constitui uma das questões centrais das teorias de aquisição de segunda língua. A identificação das motivações dos erros pode ter implicações significativas no aprimoramento do trabalho do professor de língua estrangeira, principalmente se forem consideradas as especificidades de cada atividade de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, os erros em produção escrita 2 cometidos por aqueles que estudam uma língua com finalidade específica, como, por exemplo, o conhecimento passivo de leitura e compreensão de textos, devem receber tratamento diferenciado, pois as habilidades trabalhadas com esses alunos são bastante específicas, com ênfase gramatical, assim como a abordagem feita pelo professor. O trabalho tem por objetivo traçar um panorama da possível origem dos erros em produção escrita cometidos por um grupo de 63 alunos do 2º ano do Ensino Médio do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET-BA), fazendo uma análise descritiva e crítica, tendo como principal hipótese o fato de que os erros são, na sua grande maioria, conseqüência da influência da língua materna, principalmente nos níveis sintático e semântico. Para atingir o objetivo acima descrito será realizada uma uma adaptação da análise de erros proposta por Corder (1981) para essa finalidade específica, identificando-se quais os tipos de erros mais freqüentes nesse nível de aquisição de L2, o nível instrumental. Foram selecionadas 55 frases, a partir de uma atividade realizada pelos alunos que tinha como objetivo a construção de sentenças exemplificando os marcadores de discurso estudados ao longo do curso (3 unidades letivas, cerca de 08 meses). Para a elaboração de tais frases, os alunos, além de utilizarem conhecimento adquirido ao longo do curso, fizeram uso de dicionários. Referencial Teórico Quando uma segunda língua (L2) é estudada, independente da finalidade, a comparação com a língua materna (L1) é inevitável. Na perspectiva comportamental, que norteou os estudos sobre aquisição de segunda língua, principalmente nos anos 60, quando as características lingüísticas da L1 correspondem àquelas da L2, temos a chamada transferência positiva. Dessa forma, para um falante brasileiro que esteja aprendendo o inglês como segunda língua, a seqüência SVO em sentenças declarativas pode ser aplicada ao inglês caracterizando assim a transferência positiva (ex. O menino comeu o bolo e The boy ate the cake). Entretanto, se um adjetivo é inserido na mesma frase, há uma transferência negativa já que a ordem dos adjetivos dentro do grupo nominal em português é diferente do inglês (ex. O menino bonito comeu o bolo e *The boy beautiful ate the cake). Ainda de acordo com a perspectiva comportamental, a comparação dos dois sistemas linguísticos (L1 e L2), chamada de análise contrastiva, propicia ao professor 3 prever os possíveis erros que os alunos podem cometer e trabalhá-los no sentido de minimizar as ocorrências e se possível até evitá-las. No desenvolvimento dos estudos nessa área, a análise contrastiva cedeu espaço à análise dos erros, para que além de se compararem sistemas linguísticos distintos, se desse maior importância aos erros, reconhecendo-se que os mesmos são, na verdade, exemplos da construção de um novo sistema linguístico e precisam de uma análise mais aprofundada. A análise dos erros encontra grande espaço quando é inserida no conceito de interlíngua (SELINKER, 1972). A interlíngua é um sistema de transição criado pelo aprendiz durante o processo de aquisição de uma segunda língua, e que possui características peculiares no que diz respeito à influência da L1. Tal sistema apresenta características estruturais intermediárias entre a língua materna e a língua alvo. Os estudos relativos ao erro em segunda língua concentram-se basicamente na aquisição envolvendo as quatro habilidades (falar, ouvir, ler e escrever). A aprendizagem de um idioma no nível instrumental, entretanto, requer uma análise mais específica. Dessa forma, o que será abordado nos capítulos a seguir é uma adaptação dos conceitos supra citados com o objetivo de melhor explicar os erros cometidos na produção escrita de alunos no nível instrumental de aprendizado. Desenvolvimento O trabalho proposto pelo professor aos alunos foi a construção de uma tabela para resumir os marcadores de discurso estudados ao longo de três unidades letivas, cerca de 08 meses. As tabelas criadas continham as seguintes informações: marcador, tradução, função exercida pelo mesmo e um exemplo de frase contendo tal marcador (ver tabela 1). As frases foram criadas pelos alunos com base nos conhecimentos gramatical e de vocabulário adquiridos ao longo do curso da disciplina Língua Inglesa sendo permitido também o uso de dicionário bilíngue. Marcador do discurso But Tradução mas, porém Função exercida contrapor idéias Exemplo I wanted to buy a drink but I didn’t have any money. Tabela 1 Participaram do trabalho 63 alunos do 2º ano do Ensino Médio. Dentre as frases criadas, 55 foram selecionadas para análise devido aos erros que apresentaram. Na 4 construção de algumas sentenças foram encontrados mais de um erro, o que perfaz um total de 58 ocorrências. A hipótese inicial para a origem dos erros apresentados foi a influência e conseqüente transferência negativa da língua materna. Tal hipótese foi confirmada apresentando 77,58% de incidência, o que totaliza 45 erros decorrentes da influência de L1. Vejam-se abaixo alguns exemplos: a. When I get job, I’ll buy a new house. (tradução da expressão conseguir trabalho) b. *No day else. You were supposed to do it yesterday. (tradução da expressão nenhum dia a mais) c. Even the snake is animal domestic. (manutenção da ordem nome + adjetivo, típica do Português [estruturação sintática]) Outros erros, também decorrentes da influência de L1 porém mais relativos a questões gramaticais, foram verificados no corpus, tais como a não conjugação de verbos na 3ª pessoa do singular no presente (d), omissão do artigo indefinido (e), uso de artigo definido ao invés de indefinido (f) e falta do uso de auxiliar para formar a negativa de uma verbo no presente (g). d. *Kennedy teach at high school. He also work at the university. e. *João is boy on the contrary of Maria, who is girl. f. *I’ll do a entrance examination, then, enter university. g. *Milk is great drink for health, yet it hasn’t good taste. Considerando-se a análise de erros proposta por Brown (2000), os erros gramaticais acima descritos fazem parte do processo de transferência negativa no estágio de intralíngua, ou seja, dentro da própria língua alvo, mas essa premissa só pode ser confirmada através de sistemática e constante observação da produção oral dos aprendizes, conforme Corder (1981). Negative intralingual transfer, or overgeneralization, has already been illustrated in such utterances as “Does John can sing ?” Other examples abound-utterances like “He goed”, “I don’t know what time is it” and “Il a tombé.” Once again, the teacher or reseracher cannot always be certain of the source of an apparent intralingual error, but repeated systematic observations of a learner’s speech data will often remove the ambiguity of a single observation of an error. 5 A análise desses dados apresenta semelhança com a análise porposta por Brown, já que os alunos de Inglês Instrumental não trabalham com a habilidade oral e portanto, não se encontram num estágio de interlíngua e sim de intralíngua. A grande ressalva que pode ser feita em relação às duas análises de erros que nortearam esse trabalho é a ênfase dada à coleta de dados em produção oral. Como os alunos de Inglês Instrumental não trabalham com a habilidade oral, é necessário que dados para análise tenham outra fonte, por exemplo, a produção escrita. Com a hipótese inicial confirmada, outro fato importante observado nessa análise, que diferencia os tipos de erro em L1 e L2, é a influência, muitas vezes não apropriada, do dicionário bilíngue. A análise dos dados apresentou 22,42% de incidência desse fenômeno, totalizando 13 erros decorrentes do uso do dicionário bilíngüe. A tendência dos alunos é a de aplicar na frase a primeira correspondência em inglês que eles porventura achem no dicionário, sem considerar, muitas vezes, o valor semântico do termo e/ou não aplicando os conhecimentos gramaticais já estudados. Considerem-se os exemplos: h. *He fell then if hurt. (He fell and hurt himself) i. *I’ll go to the UFBA whether Fabrícia approve me. (I’ll go to [study at] UFBA if Fabrícia approves me) j. I’m without my husband – he traveled. O exemplo (h) mostra que o aluno procurou a tradução do pronome se e aplicoua na frase. Entretanto, não foi levado em consideração o fato de que o pronome a ser usado seria o reflexivo himself. Em (i) a distinção entre o uso de if e whether não ocorreu. O aluno aplicou na frase uma das traduções para o referido pronome, sem atentar para a questão gramatical. O exemplo (j), por sua vez, mostra que o aluno aplicou à frase a preposição without sem atentar para a diferença entre o valor semântico da mesma em inglês, e português. Dessa forma, de maneira geral, foram classificados no corpus erros gramaticais e semânticos relativos à influência da língua materna (transferência negativa no estágio de intralíngua) e erros decorrentes do uso de dicionário bilíngüe, como mostra o gráfico a seguir: 6 22% Influência de L1 no processo de intralíngua Uso Inadequado de dicionário bilingue 78% Implicações Pedagógicas O trabalho com Inglês Instrumental segue os padrões do ensino de inglês para fins específicos (ESP – English for Specific Purposes), dando ênfase, na maioria das vezes, à habilidade de leitura. A disciplina Inglês nas séries do ensino médio no Brasil tem foco em leitura. Entretanto, muito espaço é dado a aspectos gramaticais baseado no fato de que os mesmos ajudam no processo de compreensão de textos, sendo que, muitas vezes, essa gramática é apresentada de maneira descontextualizada. Fica assim definido o conteúdo básico das séries de ensino médio: estratégias de leitura e interpretação de textos e aspectos gramaticais. Com base nos resultados da pesquisa realizada torna-se necessário um trabalho de contextualização gramatical específica porque, ao contrário de alunos que aprendem inglês como segunda língua trabalhando as quatro habilidades (ouvir, falar, ler e escrever), os alunos de ESP não passam pelo processo de interlíngua, ou seja, as hipóteses desses alunos para a construção de um sistema linguístico não passam por um processo de testes até a aquisição. Outro fato não menos importante é o trabalho que deve ser feito com o dicionário bilíngüe. Ele não deve ser uma constante para a prática de interpretação textual, considerando-se que as estratégias de leitura devam ser mais trabalhadas para que os alunos se tornem cada vez menos dependentes dos dicionários. O que deve ser proposto no currículo é o ensino de como fazer uso do dicionário, exemplificando-se as partes que o compõe, as siglas, as categorias gramaticais, as diferentes entradas que uma palavra pode apresentar, etc. 7 Conclusão A prática escrita é pouco abordada no ensino médio, sendo freqüentemente associada à compreensão gramatical em exercícios do tipo fill in the blanks. A construção de frases ou até mesmo composições é evitada pelo argumento de que os alunos não têm vocabulário necessário para tais finalidades. Ao trabalhar a gramática de forma contextualizada e ao incentivar o uso do dicionário para a elaboração de frases ou até mesmo pequenos textos escritos, o professor terá à disposição, através da produção escrita dos alunos, possíveis erros que podem refletir o processo de aprendizagem, possibilitando tanto ao aluno quanto ao professor uma reflexão mais aprofundada das práticas de ensino e aprendizado. Referências BROWN, H.D. Principles of Language Learning and Teaching. White Plains: Addison Wesley Longman, Inc. 2000. CORDER, S.P. Error Analysis and Interlanguage. Oxford: Oxford University Press. 1981. LIGHTBOWN, P. M. Classroom Research and Second Language Teaching. Applied Linguistics. No. 21. p. 431-462. 2000. SELINKER, L. “Interlanguage.” IRAL Vol. 10 No. 3. p. 209-231. 1972.