CRER EM QUÊ? CRER PARA QUÊ? «Crer» é uma forma peculiar de conhecimento que permite entrar no mistério e percebê-lo na sua importância para a vida pessoal. Por isso, a fé exprime-se num comportamento concreto; de facto, implica «reconhecer», «ver», «ouvir», «escutar»..., em suma, um ato global e complexo em que cada um pode exprimirse a si mesmo plenamente: inteligência, vontade, compreensão de si e decisão. A teologia medieval, baseando-se num texto atribuído a Santo Agostinho, Sermão do Symbolo, fez sua a tripla formulação: «credere Deo», «credere Deum», «credere in Deum»: Crer-Lhe (confiar em Deus) significa crer que é verdade tudo o que Ele disse; crê-l’O equivale a crer que Ele próprio é Deus; crer n’Ele significa amá-l’O». Nas três fórmulas, explicam-se os três aspetos do ato de fé e não três modos diferentes de crer: Com a fórmula «crede Deo» (confiar em Deus) cada um de nós aceita o testemunho que Deus dá de si mesmo e que se funda sobre a sua autoridade; por isso, o crente aceita a verdade da revelação porque o próprio Deus é garante disso. Com a expressão «credere Deum» (crê-l’O), quer fazer-se referência ao conteúdo da fé, àquilo que é acreditado, ao próprio mistério do amor de Deus. Sublinha-se a dimensão do mistério como horizonte em que se põe a existência de Deus. Um mistério que não pode ser plenamente analisado pela razão, mas nem por isso é menos compreensível; a fé torna-se, precisamente, a forma mediante a qual se conhece o mistério porque se apoia na revelação de Jesus Cristo. Acolher o mistério de Deus comporta dar o seu assentimento. Implica que se pretende exprimir um empenhamento absoluto na aceitação de um conteúdo. Para compreender o valor do assentimento é necessário fazer referência, uma vez mais, a Santo Agostinho que, no célebre texto escreve: «O próprio ato de crer não consiste noutra coisa que não seja dar assentimento refletindo. De facto, pensa todo aquele que crê e, crendo, pensa e, pensando, crê... A fé que não é pensada é nula. Se se lhe tirar o assentimento, tirar-se-lhe-á a fé porque sem assentimento não há fé». Finalmente, com a fórmula «credere in Deum» (crer em Deus) pretende-se definir o valor dinâmico da fé e da sua dimensão interpessoal. Crer em Deus significa, antes de tudo, crer numa pessoa; isto comporta o desejo de querer conhecê-la cada vez mais e de entrar numa relação de amor. Portanto, a expressão mostra a finalidade própria da fé: um crescimento contínuo na confiança e no abandono em Deus, sabendo que Ele próprio se entregou por nós, oferecendo o seu Filho. Nesse senti- do, é expressivo o pensamento de M. Blondel: «Se a fé aumenta a nossa consciência, não é porque, em primeiro lugar e principalmente, por testemunho autorizado, nos ensina verdades objetivas; mas porque ela nos faz simpatizar, real e profundamente, com um ser, enquanto nos une à vida de uma pessoa, enquanto nos inicia, por meio do pensamento amante, a outro pensamento e a outro amor». Por último, impõe-se estabelecer a diferença entre fé e crença. Como se viu, a fé é, por sua natureza, formada pelo assentimento que é dado à revelação de Deus. Portanto, na fé permanece ativo o princípio de que quanto se crê, tal não provém dos homens, mas de Deus. A crença, pelo contrário, é o fruto da compreensão humana do mistério do transcendente; enquanto tal, não tem a pretensão de exigir o assentimento porque é fruto da reflexão pessoal. Nas suas diversas articulações, crer é um ato de abandono pessoal ao mistério sem temer submergir-se. O mistério é parte essencial da vida e não será a razão que poderá destruí-lo. Vivemos do mistério e nós próprios somos um mistério; e, contudo, nada fascina nem inquieta tanto a mente como o mistério, enquanto ela não encontra o porto da certeza. A fé põe o mistério no início do seu caminho e não no fim, quando tudo parece irreparável e já nenhuma explicação parece bastar. Ao acolher em si o mistério de Deus que se faz homem por amor, o crente consegue fazer continuamente perguntas com a intenção de compreender cada vez melhor o que já crê. No seu Proslogion, Santo Anselmo tem páginas de extrema profundidade ao conseguir conjugar, juntamente, o primado da fé com o seu desejo de compreender cada vez melhor com a razão o que já crê e ama: «Ensina-me a procurar-Te e mostra-Te a quem Te busca; porque não posso procurar-Te, se não me ensinares, nem encontrar-Te se não Te mostrares. Que eu Te procure desejando, que Te deseje procurando, Te encontre amando, que Te ame voltando a encontrar-te... De facto, não peço que entenda para que possa crer, mas creia para que possa entender. Pois também isto não entenderei, se não tiver crido». Adaptado de «A FÉ COMO RESPOSTA DE SENTIDO». Rino Fisichella. Paulinas. 2006. Pg 88-93.