A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO “A partir do momento em que o homem começou a modificar a natureza, plantando e colhendo, criando animais, erguendo construções, o planeta deixou de ser apenas uma paisagem natural para se transformar em espaço geográfico: um espaço humanizado, construído por meio do trabalho. À medida que mudam os instrumentos de trabalho, a sociedade também vai se modificando: surgem novas formas de pensar, de morar, de relacionar-se. Desenham-se espaços geográficos típicos de cada sociedade e de cada época. “Por isso, ao olhar uma paisagem, não podemos deixar de refletir sobre o modo como vive a sociedade que a construiu, e assim discutir as novas formas de organização social que surgem com o avanço tecnológico.” Igor Moreira - A geografia é um dos saberes mais antigos que existem. A palavra geografia (geo, “Terra”; grafia, “descrição”, “escrita”) foi criada pelo filósofo grego Erastóstenes no século III a.C. - Esse filósofo foi um estudioso da geografia, algo muito comum na época, quando praticamente todos os sábios ou estudiosos eram filósofos (filo, “amigo”; sofia “saber”, “sabedoria”) e, com freqüência se ocupavam de quase todos os temas ou assuntos que hoje dividimos entre várias disciplinas distintas. - Por meio de uma contínua observação do movimento do Sol, ele pôde deduzir que a Terra era esférica – fato impressionante para a época -, constatar a existência do zênite do sol e calcular a dimensão praticamente exata da circunferência da Terra, a partir de experiências com as sombras projetadas pela luz solar. - Uma das faces que rapidamente ocuparam o lugar central na ciência geográfica foi a Cartografia (a técnica da construção de mapas). Para os gregos, a parte do planeta habitável era somente o hemisfério norte; o hemisfério sul tinha um calor insuportável e era inóspito para a vida humana. - É interessante notar que desde os tempos antigos ressaltava-se o valor do norte em detrimento do sul. Essa concepção certamente acompanhou muitos daqueles que se dedicaram à Geografia em outros períodos. Podemos afirmar com certeza que um dos ingredientes do eurocentrismo (concepção cartográfica que colocava a Europa no centro do mundo) foi herdada da Grécia Antiga e sua visão de mundo. - Sobre a Geografia na Antiguidade, podem-se citar as contribuições de expedições e da biblioteca de Alexandria. Nesse período, destacam-se as obras de pensadores como: Ø - Tales de Mileto (640-546 a.C.), que calculou a primeira medida da circunferência da Terra, muito próxima aos dados atuais; Ø - Anaximandro (610-546 a.C.), criador da obra Descrição da Terra; Ø - Hecateu (550-475 a.C.), responsável pelo primeiro mapa-múndi; Ø - Hipócrates (460-377 a.C.), criador de Tratado dos ares, das águas e dos lugares, em que se discute a influência do meio ambiente sobre o ser humano; Ø - Eratóstenes (275-194 a.C.), que calculou a superfície terrestre e introduziu o conceito de coordenadas geográficas; Ø - Estrabão (63-25 d.C.), responsável pela obra Geografia, que deu origem ao nome conhecido até hoje para essa área do conhecimento; Ø - Cláudio Ptolomeu (90-168 d.C.), que defendeu a idéia de que a Terra era o centro do universo. - Com o colapso do Império Grego e do Império Romano, o conhecimento geográfico foi assimilado e passou a ser produzido pelos árabes, que, com muita habilidade, comprovaram inúmeras teorias criadas anteriormente. - Com a Idade Média a Geografia sofreu certo retrocesso. Do ponto de vista do feudo através da diminuição gradual do horizonte geográfico. Do ponto de vista político e religioso, o poder estabelecido pela Igreja, em associação com as camadas sociais dominantes, permitiu a imposição de certos conceitos de sua doutrina sobre o conhecimento estabelecido até então. - A crise do sistema feudal impulsionou a atividade comercial na Europa. Era fundamental ampliar os horizontes geográficos para conquistar novos mercad de modos por meio da oferta de novos produtos. Essa necessidade levou muitos comerciantes a investir em expedições marítimas. Nascia, assim, o período das Grandes Navegações e da expansão ibérica, que foi fundamental para o renascimento da Geografia. - Os grandes navegantes tiveram um papel fundamental na retomada pelo interesse da descrição, mapeamento e exploração geográfica. Sem uma técnica de localização razoável, qualquer expedição marítima poderia fracassar e acarretar um prejuízo enorme. Portanto, conhecer Geografia e, por conseqüência, entender a cartografia eram uma forma de garantir lucros. - O holandês Gerard Mercator (1512-1594) elaborou um mapa-múndi composto por latitudes e longitudes padronizadas, fundamental para a expansão dos horizontes dos navegantes. Seu mapa tornou popular a Projeção de Mercator. - A partir do século XVI, a evolução da Geografia recebeu uma profunda influência da filosofia. O pensador Auguste Comte criou uma doutrina, o Positivismo, segundo a qual as leis naturais regem a evolução da humanidade. O papel do Positivismo na história do pensamento humano consistiu em reconhecer que, assim como há leis naturais no âmbito dos fenômenos matemáticos, físicos, químicos e biológicos, também há no âmbito dos fenômenos sociais e psicológicos. - Passou-se também a reconhecer que todos os fenômenos da natureza, sem exceção, acham-se regidos por leis naturais e que o mundo, o homem, a vida e a natureza podem ser explicados de modo comprovado, ou seja, científico, sem espaço para a intervenção divina no cotidiano. Positivismo: Augusto Comte afirmava que a ciência deveria deixar de especular sobre a origem dos fenômenos e se apoiar apenas na observação, na experimentação e na comparação dos resultados, procurando a causa dos fenômenos e formulando leis. PRINCIPAIS ESCOLAS DE PENSAMENTO GEOGRÁFICO São chamadas de Escolas Geográficas, as correntes de pensamento que formulavam teorias e se concentravam no estudo da Geografia. Determinismo geográfico: - A geografia científica ganha força a partir de 1750, na Alemanha com Kant, Humboldt, Ritter. (escola alemã). No século XIX é reconhecida oficialmente e passa a ser ensinada nas escolas. Surgia a Escola Alemã, apresentando o determinismo, que suportava a idéia de que o clima era capaz de estimular ou não a força física e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Seu principal pensador, Ratzel sustentava que as condições ambientais, em especial o clima, são capazes de influenciar o desenvolvimento intelectual e cultural das pessoas. Esta teoria afirmava que nas áreas temperadas a humanidade teria um desenvolvimento mais elevado do que nas áreas tropicais, quentes e úmidas. A teoria determinista tentava explicar e justificar os deslocamentos e as conquistas dos povos. Afirmava que os grupos humanos, ao crescer, tendem a alargar seus territórios, ocupando territórios vizinhos. Reforçou a idéia, já comum nos países conquistadores, de supremacia racial que entende que um povo ou uma determinada etnia é superior a outra e influenciou a expansão nazista alemã. A partir dessa concepção, elaborou o conceito de espaço vital, conceito desenvolvido por Kant no qual haveria uma relação entre uma determinada população e os recursos disponíveis em seu território. Assim, se o território se mostrasse insuficiente para suprir as necessidades dessa população, o progresso natural seria a apropriação de novos territórios. Na realidade, esta teoria justificava a expansão imperialista da época. O nazismo, política expansionista e totalitária da Alemanha, utilizou a idéia de que o país tinha de conquistar Possibilismo: Na França, a geografia ganhou reconhecimento como uma ciência importante para o ensino, após a perda da França na guerra contra a Alemanha, no final do século XIX. Tal perda foi justificada pela implantação da cátedra de Geografia na Alemanha o que teria influenciado na criação de uma melhor consciência espacial por parte dos alemães. Com isso o governo francês buscou voltar sua atenção ao desenvolvimento da Geografia na França, recorrendo inclusive ao ensino da mesma para além da universidade. Desde então criou-se a cadeira de geografia sob responsabilidade de Paul Vidal de La Blache, que dizia que a geografia é uma “ciência dos lugares e não dos homens”. Foi uma reação da Escola Francesa, com Vidal de La Blache, que afirmava que as pessoas poderiam atuar no meio, modificando-o e determinando o seu desenvolvimento, ou seja, o meio natural oferece um conjunto de possibilidades, e sua utilização depende dos costumes e das técnicas de cada sociedade. “o homem pensante é capaz de modificar o meio”. O gênero de vida é um conceito criado por La Blache para analisar as formas de organização das diferentes sociedades. O contato entre diferentes gêneros de vida evidenciaria a superioridade das técnicas de certos grupos humanos. Os grupos tecnicamente superiores difundiriam o seu gênero de vida para novas áreas, por meio da colonização. Método regional: A terceira corrente de pensamento geográfico, o método regional, opõe-se às duas anteriores, visto que “a diferenciação de áreas não é vista a partir das relações entre o homem e a natureza, mas sim da integração de fenômenos heterogêneos em uma dada porção da superfície da Terra”. A região, definida como objeto de estudo da Geografia seria o espaço natural (Geografia Física), e as modificações provocadas pela sociedade a Geografia Humana. Do estudo de regiões com características semelhantes surgem a Geografia Agrária, da População, Urbana, etc. Nova Geografia Essa corrente do pensamento geográfico surgiu em meados do século XX, a partir da 2ª. Guerra Mundial, na Inglaterra, Estados Unidos e Suécia. Foi o período da chamada “Guerra Fria”, da recuperação econômica da Europa, do desmantelamento dos impérios coloniais e do progresso tecnológico. O momento histórico em que surgiu esse paradigma foi caracterizado pela intensa urbanização, industrialização e expansão de capital, gerando modificações profundas na organização espacial; essas modificações inviabilizaram a aplicação dos três paradigmas tradicionais – determinismo, possibilismo e método regional –, propiciando o surgimento da nova Geografia, na qual utilizaram-se freqüentemente técnicas estatísticas e matemáticas, o emprego da geometria e de modelos normativos. Por essa razão, passou a ser conhecida também como Geografia quantitativa ou teorética. Geografia crítica Em oposição ao pensamento da Nova Geografia emerge, a partir da década de 1970, a Geografia crítica, na qual os geógrafos destacam as contradições que ocorrem na organização do espaço promovidas pelas sociedades contemporâneas e decorrentes da produção capitalista. O agravamento das tensões sociais nos países desenvolvidos, aliado aos movimentos libertários nos países subdesenvolvidos, animou o surgimento da Geografia crítica, criticando severamente a nova Geografia. “Os modelos normativos e as teorias de desenvolvimento foram reduzidos ao que efetivamente são: discursos ideológicos, no melhor dos casos empregados por pesquisadores ingênuos e bem intencionados” (CORRÊA, 1991, p. 20). Os autores que compartilhavam dessa nova perspectiva teorética se posicionaram criticamente diante da realidade e propuseram o uso dos saberes geográficos para a transformação do mundo. A LINGUAGEM DA GEOGRAFIA - Para entender o processo de produção do espaço nas diferentes sociedades, é preciso conhecer alguns termos que, na Geografia, são conceitos dotados de um significado especial. Paisagem: são as formas que vemos quando olhamos ao longe. É tudo aquilo que nossa vista alcança em determinado momento. É formada pela natureza e por tudo aquilo que o ser humano já construiu ou alterou. Lugar: podemos entender como lugar o espaço no qual as relações cotidianas entre as pessoas, governos e empresas de fato acontecem. Trata-se do espaço próximo aos indivíduos, com o qual eles efetivamente mantêm relações de familiaridade e pertencimento. Nossos vínculos sociais, familiares e profissionais se processam nos lugares. Espaço natural: é o espaço antes de se tornar geográfico pela intervenção das sociedades, é fruto de uma determinada combinação de elementos naturais, como o clima, relevo, vegetação, etc. Essas características naturais estão sempre se modificando, mesmo que geralmente tais transformações ocorram de modo lento e pouco perceptível. Espaço geográfico: É o espaço natural transformado pelo trabalho das sociedades que o produziram, em determinado “período”. Assim, o espaço geográfico se transforma infinita e constantemente. Por exemplo; a sociedade medieval produziu o “espaço geográfico medieval”, com ruas estreitas e dispostas de modo radial e concêntrico cercadas por muralhas. Ele é fruto da interação entre as sociedades humanas e a superfície terrestre. - A sociedade modifica o espaço através do seu trabalho. Sociedades diferentes produzem espaços diferentes. - Modernamente a Geografia é definida como o estudo das relações entre o espaço e as sociedades. Fontes: http://ocanto.esenviseu.net/lexicon/dtermins.htm http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=determinismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Determinismo http://brasilescola.uol.com.br/geografia/friedrich-ratzel.htm http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Teoriaymetodo/Pensami entogeografico/32.pdf http://agb.org.br/ https://geografiaeotempo.wordpress.com/2012/04/21/escolas-geograficas/ NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: Das origens à idade moderna. São Paulo: Editora Globo, 2005. MARTINS, Dadá; BIGOTTO, Francisco; VITIELO, Márcio. Geografia Sociedade e Cotidiano. Edições Escala Educacional, 2010. DA SILVA, Angelo Corrêa; OLIC, Nelson Bacic; LOZANO, Ruy. Geografia Contextos e Redes. Moderna, 2013. TAMDJIAN, James Onnig; MENDES, Lazzari Ivan. Geografia Geral e do Brasil. FTD, 2004.