transferência de renda

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ARTIGO
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
TRANSFERÊNCIA DE RENDA:
ELEMENTO DE INCLUSÃO
SOCIAL DOS BENEFICIÁRIOS DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
NO BAIRRO VILA DAVI II?
Jailson de Macedo Sousa1
Édyla Azevedo da Silva2
Julieta Guerra Maia3
Sueli Brito Barbosa4
Resumo
O presente trabalho propõe analisar o processo de inclusão social
das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF) no bairro Vila Davi II do município de Imperatriz. Nesse contexto, enfatizam-se as condições de vida dessa população, objetivando identificar os verdadeiros efeitos do PBF na vida da comunidade estudada
e dos seus beneficiários e as reais possibilidades de inclusão social.
Palavras-chave: inclusão social, transferência de renda, Programa
Bolsa Família.
Abstract
The paper proposes to analyze the process of social inclusion of
families benefiting from the Family Grant Program (GMP) in Vila David II in the city of Imperatriz. In this context we emphasize the living
conditions of the population, to identify the true effects of GMP on
the lives of its users and the real possibility of inclusion
Keywords: social inclusion, income transfer, The Family Grant
Program.
81
OS AUTORES
Jailson de Macedo Sousa
1
Professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e da Unisulma. Mestre
em Geografia e doutorando em Geografia pelo Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia (IG/UFU). – ([email protected]).
Édyla Azevedo da Silva
2
Acadêmica da Unisulma – ([email protected]).
Julieta Guerra Maia
3
Acadêmica de Serviço Social da Unisulma – ([email protected]).
Sueli Brito Barbosa
4
Acadêmica de Serviço Social da Unisulma – ([email protected]).
82
EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
1. INTRODUÇÃO
As mudanças socioeconômicas, políticas e culturais, ocorridas a
partir de 1950, tornaram-se cada vez mais visíveis, desencadeando no espaço urbano várias formas de expressão da questão
social. Nesse contexto, tornou-se relevante o discurso acerca dos
programas de transferência de renda como tentativa do Estado
de controlar e dirimir as desigualdades sociais, especialmente
em países periféricos, como é o caso do Brasil.
No Brasil, os programas de transferência de renda assumem
significados importantes como estratégias de combate à fome
e à pobreza a partir do ano de 1996, por meio do governo de
Fernando Henrique Cardoso. Nessa ocasião, vários ministérios
implementaram programas sociais com características semelhantes, que tratavam da promoção da cidadania e melhoria
da qualidade de vida. No entanto, essa temática tornou-se mais
eloquente com o surgimento, já no governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, do Programa Bolsa Família, no ano de 2004, resultando da unificação de alguns programas de transferência de
renda que tratavam da mesma lógica.
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
A temática dos programas de transferência de renda é considerada de extrema relevância no contexto das políticas sociais de assistência, pois objetiva assegurar direitos e o resgate da cidadania
por meio de ações integradas que possibilitam a inclusão social.
O Programa Bolsa Família visa ao combate à fome, à pobreza e
às desigualdades sociais através da concessão de benefício, articulada às políticas de educação, saúde e segurança alimentar,
com a finalidade de garantir a inclusão social dos beneficiários.
Assim sendo, sentiu-se a necessidade, por meio deste ensaio, de
entender como este programa busca atingir seus objetivos, bem
como compreender de que forma são desenvolvidas suas ações
para a promoção do bem-estar da comunidade residente no
bairro Vila Davi II, no município de Imperatriz, Maranhão (MA).
Convém destacar que o bairro Vila Davi II emergiu, a exemplo
de outros bairros da cidade, de interesses políticos, através da
doação de terrenos situados na área periférica da cidade. Para
melhor compreensão deste fato, posteriormente estaremos dis-
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Associação Humanitária
Albé Ambrogio se originou de uma iniciativa
de um grupo de pessoas
ligado à igreja católica e
por intermédio e apoio
financeiro do representante missionário capuchinho, o italiano Albé
Ambrogio. Essa tem por
objetivo conceder ajuda
a pessoas do bairro periférico de Imperatriz, Vila
Davi II, a fim de proporcionar bem-estar social a
essa comunidade (SILVA,
2010).
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
5
84
O fordismo teve início
na indústria automobilística e tem como características a produção
em massa, homogênea e
verticalizada de mercadorias. Esse modelo de
produção encontrou conjuntura para expansão
favorável, na intervenção
reguladora do Welfare
State ou Keynesianismo,
uma vez que a proteção
social assegurada pelo
Estado possibilitou um
consumo de massa, adequando à produção em
larga escala. Porém, a crise de 1970 colocou em
questionamento esse modelo de produção, devido
à forte redução do ritmo
do crescimento econômico e da queda das taxas
de lucro. (NETO, 2007, p.
195-216).
6
cutindo tal ocupação, considerando o contexto da realidade urbana de Imperatriz. Assim sendo, busca-se através deste artigo
compreender as reais possibilidades de inclusão social propiciadas através do Programa Bolsa Família.
O presente estudo é resultado do projeto de pesquisa “Bolsa
Família: uma análise do processo de inclusão/exclusão social
dos usuários residentes no bairro Vila Davi II, no município
de Imperatriz (MA)”, desenvolvido pela disciplina de Realidade
Regional do curso de graduação em Serviço Social da Unisulma, cujo objetivo central pautou-se na necessidade de articular a teoria e a prática, no que diz respeito à implementação e
efetivação das políticas públicas.
Desse modo, desenvolveu-se uma pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa, na qual se buscou compreender o caráter
complexo do fenômeno estudado. Tal pesquisa teve como enfoque o método dialético, que consiste “em estudar os fenômenos concretos existentes no contexto espacial, bem como
as suas contradições” (TRIVIÑOS, 2006, p.53). Desenvolveram-se
ainda, como procedimentos metodológicos, a pesquisa de natureza bibliográfica, a documental e a de campo.
A pesquisa de campo foi acompanhada de análise qualitativa envolvendo 30% das 78 famílias cadastradas no bairro, ou
seja, 24 famílias. Também foram realizadas entrevistas com
membros da comunidade e com fundadores da Associação
Humanitária de Imperatriz Albé Ambrogio5, sendo dirigida
também ao gestor do Programa Bolsa Família, cuja finalidade
fundamentou-se em relacionar os dados bibliográficos com a
realidade vivenciada por essas famílias.
Assim, organizou-se esse artigo da seguinte forma: inicialmente, tratamos dos aspectos característicos do Programa
Bolsa Família, abordando algumas considerações sobre a sua
implementação e características. A etapa posterior buscou fazer uma caracterização do bairro Vila Davi II, apontando sua
formação e sua atual situação estrutural, prosseguindo com a
análise dos dados coletados relacionados à pesquisa de campo
sendo, posteriormente, apresentadas as considerações finais.
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
A recessão econômica, verificada na década de 1970, resultou do
esgotamento do padrão de acumulação produtiva baseada no
pacto fordista/keynesiano6. Tal recessão refletiu em desemprego
e precarização das condições de vida da classe trabalhadora,
situações essas que foram agravadas a partir da década de 1980
com as transformações oriundas da revolução tecnológica.
Assim, ao mesmo tempo em que há um agravamento nas
expressões da questão social, os países capitalistas passam a
adotar uma série de medidas com a finalidade de retomada do
crescimento econômico e inserção no processo de globalização
e internacionalização da economia.
Esses acontecimentos provocaram profundas modificações no
mundo do trabalho, acentuando a desigualdade social. Segundo Giovanni, Silva, Yazbek (2008, p.15), esse contexto “demanda ações do Estado para proteção do amplo contingente de
trabalhadores que passam a vivenciar o desemprego estrutural
e a precarização do seu trabalho.” Nessa conjuntura é que os
programas de transferência de renda ganharam destaque em
nível internacional no âmbito da proteção social7.
No Brasil, os programas de transferência de renda passaram a ser
discutidos, no âmbito do sistema de proteção social brasileiro8, a
partir de 1991 por meio do projeto de Lei nº 80/91, elaborado
pelo senador Eduardo Matarazzo Suplicy do Partido dos Trabalhadores e aprovado em 16 de dezembro de 1991. Tal projeto
propunha instituir o Programa de Garantia de Renda Mínima
(PGRM). Essa proposta foi interrompida pelo Congresso Nacional,
contudo, impulsionou uma série de experiências a nível municipal
e estadual, a partir de 1995 (GIOVANNI, SILVA, YAZBEK, 2008).
Experiências precursoras foram desenvolvidas em alguns municípios do estado de São Paulo, além da capital federal, Brasília.
Segundo Silva (2008, p. 23),
A trajetória histórica
do capitalismo possibilita compreender o sistema de seguridade social como resultado da
complexa relação entre o
Estado, a sociedade civil
e o mercado. Assim, na
sociedade organizada sobre o modo de produção
capitalista, a seguridade
social tem se afirmado
como mecanismo de intervenção do Estado ou
da sociedade frente às
expressões da questão
social, com a finalidade de
conter a luta de classes e
garantir os mínimos sociais aos segmentos empobrecidos da sociedade.
7
No Brasil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
sistema de proteção social tinha como principal objetivo a garantia
dos direitos da classe
trabalhadora como forma de conter a luta de
classe. Porém, com o texto constitucional, a seguridade social passa a
ser definida como ações
integradas da política de
saúde, de previdência e
de assistência social
8
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
2. ASPECTOS CARACTERÍSTICOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
o desenvolvimento de Programas de Transferência de Renda insere-se no âmbito da proteção social no Brasil a partir de 1995, com a implementação das
experiências pioneiras de programas municipais do tipo Renda Mínima Familiar em Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo, e da experiência do
Programa Bolsa Escola de Brasília.
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Neste contexto, é importante destacar que, com
a inserção do Brasil no
contexto de globalização
econômica e de inovações tecnológicas, o setor econômico será colocado como prioridade
do governo brasileiro até
aproximadamente 1996.
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
9
Em 1996, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso
(1995 – 1998), manifestou-se a necessidade de adotar ações que
objetivassem a erradicação da pobreza, fome e miséria. Iniciouse então a elaboração de programas de transferência de renda
descentralizados9. Tais programas foram elaborados e implementados por vários ministérios, sendo que os primeiros foram o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de
Prestação Continuada (BPC) e Agente-Jovem, viabilizados através
do Ministério da Assistência Social, no ano de 1996.
A partir de 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso (1999 – 2002), o Ministério da Educação elaborou o
programa Bolsa Escola. Neste mesmo ano também foi elaborado o Programa Bolsa Alimentação pelo Ministério da Saúde. Em
2002, foi instituído, pelo Ministério de Minas e Energia, o AuxílioGás; e em 2003, o Cartão Alimentação, através do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (GIOVANNI;
SILVA; YAZBEK, 2008).
No período de transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 – 2003),
após estudos sistemáticos realizados, constatou-se a necessidade
de unificação de alguns Programas de Transferência de Renda,
uma vez que a diversidade de programas descentralizados resultava nos altos custos operacionais e impedia a eficiência da ação.
Deste modo, surge o Programa Bolsa Família, criado pela Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, que significou
para o Governo Federal uma estratégia de unidade administrativa, objetivando a racionalização dos gastos e integração entre
as três esferas de governo. É oportuno destacar que, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2006), o Programa Fome
Zero insere-se na agenda política como prioridade de governo,
apontando o Programa Bolsa Família como principal estratégia
no combate à fome, à miséria e à pobreza, sendo criado o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
substituindo o Ministério da Assistência Social e o Ministério
Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome.
O Programa Bolsa Família, transformado na Lei nº 10.836, de 9
de janeiro de 2004, unificou quatro Programas de Transferência
86
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
Os critérios que definem a situação da família são instituídos
por uma renda per capita baseada na renda familiar. De acordo
com Souza,
O programa beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por
pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa
de R$ 70). Qualquer família em extrema pobreza pode participar do programa,
enquanto as famílias em situação de pobreza somente participam do programa caso tenham algum filho de até 17 anos. Os valores dos benefícios variam
com a condição de pobreza e a composição familiar (SOUZA, 2011, p.168).
As condicionalidades do programa são utilizadas como estratégias para garantir a participação dos beneficiários à rede de serviços e programas do governo. São entendidas como mecanismos que possibilitam a promoção da cidadania e emancipação
das famílias. Tais condicionalidades são, segundo Brasil (2010):
a) Assiduidade dos responsáveis nas ações socioeducativas
promovidas por programas do Governo Federal;
10
As condicionalidades
do programa são condições direcionadas às famílias beneficiadas e seu
cumprimento resulta no
recebimento mensal de
benefício. São elas: frequência escolar, acompanhamento nutricional
das crianças de 0 a 7
anos e acompanhamento
à gestante.
O Cadastro Único é um
instrumento que identifica e caracteriza as famílias com renda per capita
de até meio salário mínimo, sendo elemento determinante para inserção
das mesmas nos programas sociais.
11
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
de Renda do Governo Federal: o Bolsa Escola, o Auxílio Gás, o
Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação. Desse modo, o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o
Programa Bolsa Família, estabelece como principais objetivos o
combate à fome e à pobreza, bem como à desigualdade social,
através da concessão de um benefício associado ao cumprimento de condicionalidades10 com a finalidade de garantir as condições básicas – o acesso à rede de serviços públicos, em especial,
de saúde, educação e assistência social – para promoção da
inclusão social das famílias beneficiárias (BRASIL, 2004).
b) Frequência escolar de 85% da carga horária mensal das
crianças e adolescentes de 6 a 17 anos;
c) Acompanhamento nutricional das crianças;
d) Participação das gestantes e lactantes na unidade de saúde e atividades promovidas pelo poder público sobre aleitamento e alimentação saudável.
Desse modo, o benefício é concedido mensalmente às famílias e são realizadas periodicamente atualizações das mesmas
através do Cadastro Único11 para programas sociais, que serve de acompanhamento dos resultados e do cumprimento das
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CRAS é um espaço governamental de execução
dos serviços de proteção
social básica, destinado
à população em situação
de vulnerabilidade social.
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
12
condicionalidades do programa. Além disso, o Programa Bolsa
Família está integrado a uma rede de proteção social e procura
articular as políticas universais de saúde e educação com as políticas estruturantes de assistência social e segurança alimentar.
Essa articulação ocorre através de ações e programas desenvolvidos no âmbito dessas políticas como, por exemplo, o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), por meio Centro
de Referência da Assistência Social (CRAS)12, onde uma equipe
multidisciplinar composta por assistentes sociais, psicólogos e
educadores desenvolve ações socioeducativas de caráter preventivo para famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, em especial as beneficiárias do Bolsa Família; o
ProJovem Adolescente, que atende a adolescentes entre 15 e 17
anos, no contraturno da jornada escolar, e visa à socialização e
permanência deste adolescente na escola; e o Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que proporciona
o acompanhamento nutricional das crianças de até sete anos,
beneficiárias do PBF.
Para compreender de forma mais sistemática o sentido prático da referida política, buscou-se considerá-la através de uma
experiência particularizada no município de Imperatriz, com a
finalidade de entender o papel do Programa Bolsa Família no
processo de inclusão social das famílias em situação de vulnerabilidade social. Buscou-se, dessa maneira, conduzir esta reflexão
através de uma realidade específica vivenciada no bairro Vila
Davi II, no município de Imperatriz.
3. CONSIDERAÇÕES
SOBRE A URBANIZAÇÃO DE
SUAS IMPLICAÇÕES NO BAIRRO
IMPERATRIZ
E
VILA DAVI II
A cidade de Imperatriz localiza-se no sudoeste do estado
do Maranhão e teve a sua ocupação intensificada a partir
da segunda metade do século XX, em razão das políticas de
desenvolvimento regional dirigidas para a Amazônia (SOUSA,
2009). Atualmente, Imperatriz se apresenta como o segundo
município mais populoso do estado do Maranhão, contando
com uma população de 247.505 habitantes (IBGE, 2010). Assim
sendo, a cidade se destaca como polo atacadista e varejista e
88
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
ainda na prestação de serviços na área da educação e, mais
recentemente, tem se destacado em função de diversas obras
ligadas ao segmento da construção civil.
O crescimento desordenado da cidade de Imperatriz se manifestou com bastante vigor a partir de 1950, demonstrando estreita
relação com o fenômeno urbano brasileiro. Além disso, o crescimento desordenado da cidade contou ainda com ações clientelistas de agentes políticos locais e regionais, o que se refletiu na
formação da maioria dos bairros no município, como é o caso
do processo de ocupação do bairro Vila Davi II. A este respeito,
Sousa comenta:
Têm-se outras situações semelhantes na cidade, ou seja, a formação de bair-
Informação fornecida
por João Silva Lima durante entrevista realizada na sede da Associação Humanitária Albé
Ambrogio, no dia 19 de
novembro de 2010.
13
14
Cabe ressaltar que João
Silva Lima encontrava-se
como diretor financeiro
da referida associação,
quando se realizou essa
entrevista.
local, estadual ou federal, como é o caso da Vila Fiquene, diretamente vinculada ao ex-prefeito da cidade, José de Ribamar Fiquene; Vila Cafeteira, ligada
ao ex-governador do Estado, Epitácio Cafeteira; e algumas cidades que foram
emancipadas mediante os interesses eleitoreiros de políticos como Edison Lobão, atualmente Senador da República (SOUSA, 2009, p. 89).
Nesse contexto, o bairro Vila Davi II surgiu através de uma ação
pessoal, do então deputado federal Davi Alves Silva, que, por volta de 1997, deu início ao plano de loteamento da sua propriedade rural de 89 hectares, com a finalidade de doar os terrenos
a famílias de baixa renda (informação verbal)13. De acordo com
João Silva14, a doação dos lotes ficou sob responsabilidade da Sra.
Antonia Silva, irmã de Davi Alves Silva e do Sr. João Macedo15,
assessor político do então deputado. Posteriormente, foi criada
a Associação dos Amigos de Davi Alves Silva, pela referida Sra.
Antonia Silva, com objetivo de dar continuidade a essa ação.
Informação fornecida
por Edmilson Pinto da
Silva, durante entrevista
realizada na sede da Associação Humanitária Albé
Ambrogio, no dia 25
de novembro de 2010.
Edmilson Pinto da Silva
encontrava-se como diretor contábil da referida
associação quando se realizou a entrevista.
15
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
ros vinculados aos interesses eleitoreiros de políticos que atuam no âmbito
Portanto, o bairro Vila Davi II emergiu pela facilidade de acesso
às terras não regulamentadas e se desenvolveu de forma precária,
refletindo um crescimento urbano não acompanhado de infraestrutura e serviços sociais básicos. Os estudos empreendidos possibilitaram constatar que o bairro não conta com os serviços de
saneamento básico, iluminação pública, abastecimento de água
e coleta de lixo, como também não possui pavimentação. Além
disso, percebeu-se que a maioria das casas foram construídas sem
as mínimas estruturas, não oferecendo condições de higiene adequadas, o que sugere a situação de pobreza e extrema pobreza.
Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012
89
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
Figura 1: Aspectos da infraestrutura do Bairro Vila Davi II
Fonte: Silva, Édyla (2010)
Estas características apresentadas retratam o modelo de urbanização vivenciado em Imperatriz, marcado pela exclusão social
de parcela significativa da população. Como consequência, têm-se situações de miséria e pobreza que agravam as expressões
da questão social e passam a exigir mecanismos de intervenção
social, que possibilitem a não reprodução dessa questão, visando à melhoria da qualidade de vida dessa população.
No bairro Vila Davi II, é necessário destacar que as iniciativas pioneiras foram desenvolvidas em 2004 por meio da Associação Hu-
90
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
De acordo com João Silva e Valdilene Feitosa, também no ano de
2004 foram cadastradas algumas famílias do bairro Vila Davi II
no Programa Bolsa Família. Essa ação contou inicialmente com a
realização de um pré-cadastramento efetuado na sede da Associação Albé Ambrogio pela equipe técnica do programa no município de Imperatriz (informação verbal)17, prosseguindo com
as visitas domiciliares, realizadas em outra oportunidade pela
referida equipe, com a finalidade de constatar se as famílias cadastradas obedeciam aos critérios para inclusão, sendo alguns
cadastros efetivados.
Desse modo, o bairro Vila Davi II passou a contar com alguns serviços de iniciativas do poder público voltados para a melhoria das
condições de pobreza das famílias. Neste contexto foram disponibilizados serviços, como o de educação e saúde, desenvolvidos
através de parcerias entre o poder público e a referida associação.
Ibidem.
16
17
Informação fornecida
por João Silva Lima e
Valdilene Feitosa Álvares
Lima, em entrevista realizada na sede da Associação Humanitária Albé
Ambrogio, no dia 19 de
novembro de 2010. Valdilene Feitosa Lima encontrava-se como diretora de comunicação social
da associação quando se
realizou a entrevista.
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
manitária Albé Ambrogio, que contou com recursos advindos do
exterior, através do missionário capuchinho, o italiano Albé Ambrogio. Nessa oportunidade, construiu-se uma estrutura para a
associação constituída por um posto de saúde, uma capela, uma
escola, um campo de futebol e um poço artesiano. A partir de então, a população passou a contar com os seguintes serviços: curso
de informática e de violão, aulas de futebol, medicina alternativa e
fonte alternativa de abastecimento de água, uma vez que essa era
viabilizada apenas por cisternas (informação verbal).16
4. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A SUA FUNCIONALIDADE
NO BAIRRO VILA DAVI II: ELEMENTOS DE INCLUSÃO OU
EXCLUSÃO SOCIAL?
O Programa Bolsa Família foi implementado no município de
Imperatriz em janeiro de 2004. Atualmente, a política abrange
todos os bairros do município, atendendo a cerca de 19.000
famílias e conta com uma equipe formada por coordenador,
auxiliar administrativo, equipe de fiscalização, vigias e auxiliares
de serviços gerais, sendo que estes são concursados pela prefeitura municipal de Imperatriz ou contratados pela Secretaria de
Desenvolvimento Social (IMPERATRIZ, 2010).
Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012
91
O NASF é constituído
por equipes compostas
por psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, educador físico e assistente
social.
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
18
O Programa Bolsa Família conta ainda com uma estrutura física
mantida pela prefeitura e localizada no bairro Juçara, próximo
ao centro da cidade.
No município de Imperatriz, o cadastramento das famílias é realizado por meio de demanda espontânea ou encaminhamentos de outros serviços, não havendo focalização estratégica nos
bairros de maior vulnerabilidade social. Desse modo, os critérios
obedecidos para inclusão de beneficiários e os objetivos do programa seguem de forma genérica as orientações nacionais.
No bairro Vila Davi II, residem cerca de 400 famílias, das quais 78
são atendidas pelo programa. Contudo, a oferta e o acesso dessa
comunidade aos serviços de educação, saúde, assistência social
constitui um problema que merece destaque. No bairro, os serviços de saúde são oferecidos e mantidos pela prefeitura municipal
no posto de saúde da Associação Albé Ambrogio, que conta com
uma equipe técnica composta por um médico clínico geral, uma
enfermeira, uma técnica de enfermagem e um vigia, sendo que
o médico atente três vezes na semana. Essa equipe conta ainda
com o apoio do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)18,
que desenvolve ações junto ao posto de saúde, duas vezes semanais. Os serviços de educação são proporcionados na escola
da referida associação, que se encontra alugada pela prefeitura,
oferecendo o ensino fundamental, do 1º ao 9º ano. A população
conta ainda com os serviços de creche ofertados de forma precária em outro prédio alugado e mantido pela prefeitura.
Além disso, através da pesquisa realizada, pode-se observar que
os serviços da política de assistência social são restritos e há a
ausência de programas ou serviços que objetivem a redução do
analfabetismo, a qualificação profissional, a geração de trabalho e renda, ou ainda que possibilitassem a melhoria das condições de vida e moradia da referida população. Esses programas
são essenciais para proporcionar às famílias a superação da situação de vulnerabilidade social.
No que se refere à efetivação do Programa Bolsa Família no
bairro em questão, buscou-se compreender, através da entrevista realizada com as famílias, qual o mecanismo utilizado pelo
programa para elevação da qualidade de vida e inclusão social
92
DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE
dos beneficiários, observando se os eixos dessa política são articulados. Desse modo, a pesquisa permitiu identificar que essas
famílias não participam de atividades desenvolvidas pelos programas complementares devido às dificuldades de buscá-los em
outros bairros, já que a Vila Davi II não dispõe desses serviços.
Constatou-se ainda que o acompanhamento das famílias cadastradas no Programa Bolsa Família se restringe aos serviços
de saúde e de educação. Na saúde esse acompanhamento é
realizado através do Sistema Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (SISAN), que viabiliza uma avaliação nutricional
a cada seis meses das crianças menores de seis anos, além de
acompanhamento às gestantes. Na educação são realizados envios periódicos da frequência escolar das crianças e adolescentes para o órgão gestor do programa.
Assim sendo, pode-se perceber a ausência de consentimento e
efetivação das políticas públicas entre os objetivos do Programa
Bolsa Família e a realidade constatada desta política no bairro
Vila Davi II, o que nos permite questionar sobre os limites de
compromisso do poder público na efetivação da referida política, bem como na garantia do acesso a serviços sociais básicos à
população em situação de vulnerabilidade social.
TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL...
Além disso, percebeu-se que essas famílias não reconhecem no
programa a possibilidade de emancipação, uma vez que ao serem
questionadas sobre suas perspectivas ao possível desligamento do
programa, todas as famílias analisadas não conseguiram apontar
nenhuma alternativa para superar sua situação de vulnerabilidade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa Bolsa Família surge em um contexto histórico de agravamento da pobreza e das desigualdades sociais, apresentando-se
como uma possibilidade de inclusão social. Portanto, a articulação
de políticas públicas associadas à concessão monetária realizadas
pelo programa expressa um fundamento essencial para que se
possa promover inclusão social das famílias beneficiadas.
Desse modo, para a efetivação qualitativa do programa é indispensável a articulação dos três eixos essenciais desta política: a
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93
transferência de renda, o acesso aos serviços sociais básicos nas
áreas de educação, saúde e assistência social e os programas
complementares que objetivem a emancipação das famílias.
JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA
É importante refletir sobre a eficácia do programa de transferência de renda Bolsa Família na busca da promoção e inclusão social
das famílias beneficiárias no bairro Vila Davi II, uma vez que a fragilidade das políticas sociais e a ausência de programas complementares dificultam a promoção da autonomia dessas famílias.
Diante do exposto, observamos que a ausência da articulação
proposta pelo programa pode contribuir para a postura de dependência dos beneficiários em relação à política, agravando o
posicionamento acrítico das famílias à realidade.
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