ARTIGO DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL DOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO BAIRRO VILA DAVI II? Jailson de Macedo Sousa1 Édyla Azevedo da Silva2 Julieta Guerra Maia3 Sueli Brito Barbosa4 Resumo O presente trabalho propõe analisar o processo de inclusão social das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF) no bairro Vila Davi II do município de Imperatriz. Nesse contexto, enfatizam-se as condições de vida dessa população, objetivando identificar os verdadeiros efeitos do PBF na vida da comunidade estudada e dos seus beneficiários e as reais possibilidades de inclusão social. Palavras-chave: inclusão social, transferência de renda, Programa Bolsa Família. Abstract The paper proposes to analyze the process of social inclusion of families benefiting from the Family Grant Program (GMP) in Vila David II in the city of Imperatriz. In this context we emphasize the living conditions of the population, to identify the true effects of GMP on the lives of its users and the real possibility of inclusion Keywords: social inclusion, income transfer, The Family Grant Program. 81 OS AUTORES Jailson de Macedo Sousa 1 Professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e da Unisulma. Mestre em Geografia e doutorando em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (IG/UFU). – ([email protected]). Édyla Azevedo da Silva 2 Acadêmica da Unisulma – ([email protected]). Julieta Guerra Maia 3 Acadêmica de Serviço Social da Unisulma – ([email protected]). Sueli Brito Barbosa 4 Acadêmica de Serviço Social da Unisulma – ([email protected]). 82 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE 1. INTRODUÇÃO As mudanças socioeconômicas, políticas e culturais, ocorridas a partir de 1950, tornaram-se cada vez mais visíveis, desencadeando no espaço urbano várias formas de expressão da questão social. Nesse contexto, tornou-se relevante o discurso acerca dos programas de transferência de renda como tentativa do Estado de controlar e dirimir as desigualdades sociais, especialmente em países periféricos, como é o caso do Brasil. No Brasil, os programas de transferência de renda assumem significados importantes como estratégias de combate à fome e à pobreza a partir do ano de 1996, por meio do governo de Fernando Henrique Cardoso. Nessa ocasião, vários ministérios implementaram programas sociais com características semelhantes, que tratavam da promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida. No entanto, essa temática tornou-se mais eloquente com o surgimento, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, do Programa Bolsa Família, no ano de 2004, resultando da unificação de alguns programas de transferência de renda que tratavam da mesma lógica. TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... A temática dos programas de transferência de renda é considerada de extrema relevância no contexto das políticas sociais de assistência, pois objetiva assegurar direitos e o resgate da cidadania por meio de ações integradas que possibilitam a inclusão social. O Programa Bolsa Família visa ao combate à fome, à pobreza e às desigualdades sociais através da concessão de benefício, articulada às políticas de educação, saúde e segurança alimentar, com a finalidade de garantir a inclusão social dos beneficiários. Assim sendo, sentiu-se a necessidade, por meio deste ensaio, de entender como este programa busca atingir seus objetivos, bem como compreender de que forma são desenvolvidas suas ações para a promoção do bem-estar da comunidade residente no bairro Vila Davi II, no município de Imperatriz, Maranhão (MA). Convém destacar que o bairro Vila Davi II emergiu, a exemplo de outros bairros da cidade, de interesses políticos, através da doação de terrenos situados na área periférica da cidade. Para melhor compreensão deste fato, posteriormente estaremos dis- Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 83 Associação Humanitária Albé Ambrogio se originou de uma iniciativa de um grupo de pessoas ligado à igreja católica e por intermédio e apoio financeiro do representante missionário capuchinho, o italiano Albé Ambrogio. Essa tem por objetivo conceder ajuda a pessoas do bairro periférico de Imperatriz, Vila Davi II, a fim de proporcionar bem-estar social a essa comunidade (SILVA, 2010). JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA 5 84 O fordismo teve início na indústria automobilística e tem como características a produção em massa, homogênea e verticalizada de mercadorias. Esse modelo de produção encontrou conjuntura para expansão favorável, na intervenção reguladora do Welfare State ou Keynesianismo, uma vez que a proteção social assegurada pelo Estado possibilitou um consumo de massa, adequando à produção em larga escala. Porém, a crise de 1970 colocou em questionamento esse modelo de produção, devido à forte redução do ritmo do crescimento econômico e da queda das taxas de lucro. (NETO, 2007, p. 195-216). 6 cutindo tal ocupação, considerando o contexto da realidade urbana de Imperatriz. Assim sendo, busca-se através deste artigo compreender as reais possibilidades de inclusão social propiciadas através do Programa Bolsa Família. O presente estudo é resultado do projeto de pesquisa “Bolsa Família: uma análise do processo de inclusão/exclusão social dos usuários residentes no bairro Vila Davi II, no município de Imperatriz (MA)”, desenvolvido pela disciplina de Realidade Regional do curso de graduação em Serviço Social da Unisulma, cujo objetivo central pautou-se na necessidade de articular a teoria e a prática, no que diz respeito à implementação e efetivação das políticas públicas. Desse modo, desenvolveu-se uma pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa, na qual se buscou compreender o caráter complexo do fenômeno estudado. Tal pesquisa teve como enfoque o método dialético, que consiste “em estudar os fenômenos concretos existentes no contexto espacial, bem como as suas contradições” (TRIVIÑOS, 2006, p.53). Desenvolveram-se ainda, como procedimentos metodológicos, a pesquisa de natureza bibliográfica, a documental e a de campo. A pesquisa de campo foi acompanhada de análise qualitativa envolvendo 30% das 78 famílias cadastradas no bairro, ou seja, 24 famílias. Também foram realizadas entrevistas com membros da comunidade e com fundadores da Associação Humanitária de Imperatriz Albé Ambrogio5, sendo dirigida também ao gestor do Programa Bolsa Família, cuja finalidade fundamentou-se em relacionar os dados bibliográficos com a realidade vivenciada por essas famílias. Assim, organizou-se esse artigo da seguinte forma: inicialmente, tratamos dos aspectos característicos do Programa Bolsa Família, abordando algumas considerações sobre a sua implementação e características. A etapa posterior buscou fazer uma caracterização do bairro Vila Davi II, apontando sua formação e sua atual situação estrutural, prosseguindo com a análise dos dados coletados relacionados à pesquisa de campo sendo, posteriormente, apresentadas as considerações finais. DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE A recessão econômica, verificada na década de 1970, resultou do esgotamento do padrão de acumulação produtiva baseada no pacto fordista/keynesiano6. Tal recessão refletiu em desemprego e precarização das condições de vida da classe trabalhadora, situações essas que foram agravadas a partir da década de 1980 com as transformações oriundas da revolução tecnológica. Assim, ao mesmo tempo em que há um agravamento nas expressões da questão social, os países capitalistas passam a adotar uma série de medidas com a finalidade de retomada do crescimento econômico e inserção no processo de globalização e internacionalização da economia. Esses acontecimentos provocaram profundas modificações no mundo do trabalho, acentuando a desigualdade social. Segundo Giovanni, Silva, Yazbek (2008, p.15), esse contexto “demanda ações do Estado para proteção do amplo contingente de trabalhadores que passam a vivenciar o desemprego estrutural e a precarização do seu trabalho.” Nessa conjuntura é que os programas de transferência de renda ganharam destaque em nível internacional no âmbito da proteção social7. No Brasil, os programas de transferência de renda passaram a ser discutidos, no âmbito do sistema de proteção social brasileiro8, a partir de 1991 por meio do projeto de Lei nº 80/91, elaborado pelo senador Eduardo Matarazzo Suplicy do Partido dos Trabalhadores e aprovado em 16 de dezembro de 1991. Tal projeto propunha instituir o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM). Essa proposta foi interrompida pelo Congresso Nacional, contudo, impulsionou uma série de experiências a nível municipal e estadual, a partir de 1995 (GIOVANNI, SILVA, YAZBEK, 2008). Experiências precursoras foram desenvolvidas em alguns municípios do estado de São Paulo, além da capital federal, Brasília. Segundo Silva (2008, p. 23), A trajetória histórica do capitalismo possibilita compreender o sistema de seguridade social como resultado da complexa relação entre o Estado, a sociedade civil e o mercado. Assim, na sociedade organizada sobre o modo de produção capitalista, a seguridade social tem se afirmado como mecanismo de intervenção do Estado ou da sociedade frente às expressões da questão social, com a finalidade de conter a luta de classes e garantir os mínimos sociais aos segmentos empobrecidos da sociedade. 7 No Brasil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema de proteção social tinha como principal objetivo a garantia dos direitos da classe trabalhadora como forma de conter a luta de classe. Porém, com o texto constitucional, a seguridade social passa a ser definida como ações integradas da política de saúde, de previdência e de assistência social 8 TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... 2. ASPECTOS CARACTERÍSTICOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA o desenvolvimento de Programas de Transferência de Renda insere-se no âmbito da proteção social no Brasil a partir de 1995, com a implementação das experiências pioneiras de programas municipais do tipo Renda Mínima Familiar em Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo, e da experiência do Programa Bolsa Escola de Brasília. Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 85 Neste contexto, é importante destacar que, com a inserção do Brasil no contexto de globalização econômica e de inovações tecnológicas, o setor econômico será colocado como prioridade do governo brasileiro até aproximadamente 1996. JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA 9 Em 1996, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998), manifestou-se a necessidade de adotar ações que objetivassem a erradicação da pobreza, fome e miséria. Iniciouse então a elaboração de programas de transferência de renda descentralizados9. Tais programas foram elaborados e implementados por vários ministérios, sendo que os primeiros foram o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Agente-Jovem, viabilizados através do Ministério da Assistência Social, no ano de 1996. A partir de 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999 – 2002), o Ministério da Educação elaborou o programa Bolsa Escola. Neste mesmo ano também foi elaborado o Programa Bolsa Alimentação pelo Ministério da Saúde. Em 2002, foi instituído, pelo Ministério de Minas e Energia, o AuxílioGás; e em 2003, o Cartão Alimentação, através do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (GIOVANNI; SILVA; YAZBEK, 2008). No período de transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 – 2003), após estudos sistemáticos realizados, constatou-se a necessidade de unificação de alguns Programas de Transferência de Renda, uma vez que a diversidade de programas descentralizados resultava nos altos custos operacionais e impedia a eficiência da ação. Deste modo, surge o Programa Bolsa Família, criado pela Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, que significou para o Governo Federal uma estratégia de unidade administrativa, objetivando a racionalização dos gastos e integração entre as três esferas de governo. É oportuno destacar que, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2006), o Programa Fome Zero insere-se na agenda política como prioridade de governo, apontando o Programa Bolsa Família como principal estratégia no combate à fome, à miséria e à pobreza, sendo criado o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), substituindo o Ministério da Assistência Social e o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome. O Programa Bolsa Família, transformado na Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, unificou quatro Programas de Transferência 86 DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE Os critérios que definem a situação da família são instituídos por uma renda per capita baseada na renda familiar. De acordo com Souza, O programa beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70). Qualquer família em extrema pobreza pode participar do programa, enquanto as famílias em situação de pobreza somente participam do programa caso tenham algum filho de até 17 anos. Os valores dos benefícios variam com a condição de pobreza e a composição familiar (SOUZA, 2011, p.168). As condicionalidades do programa são utilizadas como estratégias para garantir a participação dos beneficiários à rede de serviços e programas do governo. São entendidas como mecanismos que possibilitam a promoção da cidadania e emancipação das famílias. Tais condicionalidades são, segundo Brasil (2010): a) Assiduidade dos responsáveis nas ações socioeducativas promovidas por programas do Governo Federal; 10 As condicionalidades do programa são condições direcionadas às famílias beneficiadas e seu cumprimento resulta no recebimento mensal de benefício. São elas: frequência escolar, acompanhamento nutricional das crianças de 0 a 7 anos e acompanhamento à gestante. O Cadastro Único é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias com renda per capita de até meio salário mínimo, sendo elemento determinante para inserção das mesmas nos programas sociais. 11 TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... de Renda do Governo Federal: o Bolsa Escola, o Auxílio Gás, o Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação. Desse modo, o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o Programa Bolsa Família, estabelece como principais objetivos o combate à fome e à pobreza, bem como à desigualdade social, através da concessão de um benefício associado ao cumprimento de condicionalidades10 com a finalidade de garantir as condições básicas – o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social – para promoção da inclusão social das famílias beneficiárias (BRASIL, 2004). b) Frequência escolar de 85% da carga horária mensal das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos; c) Acompanhamento nutricional das crianças; d) Participação das gestantes e lactantes na unidade de saúde e atividades promovidas pelo poder público sobre aleitamento e alimentação saudável. Desse modo, o benefício é concedido mensalmente às famílias e são realizadas periodicamente atualizações das mesmas através do Cadastro Único11 para programas sociais, que serve de acompanhamento dos resultados e do cumprimento das Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 87 CRAS é um espaço governamental de execução dos serviços de proteção social básica, destinado à população em situação de vulnerabilidade social. JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA 12 condicionalidades do programa. Além disso, o Programa Bolsa Família está integrado a uma rede de proteção social e procura articular as políticas universais de saúde e educação com as políticas estruturantes de assistência social e segurança alimentar. Essa articulação ocorre através de ações e programas desenvolvidos no âmbito dessas políticas como, por exemplo, o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), por meio Centro de Referência da Assistência Social (CRAS)12, onde uma equipe multidisciplinar composta por assistentes sociais, psicólogos e educadores desenvolve ações socioeducativas de caráter preventivo para famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, em especial as beneficiárias do Bolsa Família; o ProJovem Adolescente, que atende a adolescentes entre 15 e 17 anos, no contraturno da jornada escolar, e visa à socialização e permanência deste adolescente na escola; e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que proporciona o acompanhamento nutricional das crianças de até sete anos, beneficiárias do PBF. Para compreender de forma mais sistemática o sentido prático da referida política, buscou-se considerá-la através de uma experiência particularizada no município de Imperatriz, com a finalidade de entender o papel do Programa Bolsa Família no processo de inclusão social das famílias em situação de vulnerabilidade social. Buscou-se, dessa maneira, conduzir esta reflexão através de uma realidade específica vivenciada no bairro Vila Davi II, no município de Imperatriz. 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A URBANIZAÇÃO DE SUAS IMPLICAÇÕES NO BAIRRO IMPERATRIZ E VILA DAVI II A cidade de Imperatriz localiza-se no sudoeste do estado do Maranhão e teve a sua ocupação intensificada a partir da segunda metade do século XX, em razão das políticas de desenvolvimento regional dirigidas para a Amazônia (SOUSA, 2009). Atualmente, Imperatriz se apresenta como o segundo município mais populoso do estado do Maranhão, contando com uma população de 247.505 habitantes (IBGE, 2010). Assim sendo, a cidade se destaca como polo atacadista e varejista e 88 DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE ainda na prestação de serviços na área da educação e, mais recentemente, tem se destacado em função de diversas obras ligadas ao segmento da construção civil. O crescimento desordenado da cidade de Imperatriz se manifestou com bastante vigor a partir de 1950, demonstrando estreita relação com o fenômeno urbano brasileiro. Além disso, o crescimento desordenado da cidade contou ainda com ações clientelistas de agentes políticos locais e regionais, o que se refletiu na formação da maioria dos bairros no município, como é o caso do processo de ocupação do bairro Vila Davi II. A este respeito, Sousa comenta: Têm-se outras situações semelhantes na cidade, ou seja, a formação de bair- Informação fornecida por João Silva Lima durante entrevista realizada na sede da Associação Humanitária Albé Ambrogio, no dia 19 de novembro de 2010. 13 14 Cabe ressaltar que João Silva Lima encontrava-se como diretor financeiro da referida associação, quando se realizou essa entrevista. local, estadual ou federal, como é o caso da Vila Fiquene, diretamente vinculada ao ex-prefeito da cidade, José de Ribamar Fiquene; Vila Cafeteira, ligada ao ex-governador do Estado, Epitácio Cafeteira; e algumas cidades que foram emancipadas mediante os interesses eleitoreiros de políticos como Edison Lobão, atualmente Senador da República (SOUSA, 2009, p. 89). Nesse contexto, o bairro Vila Davi II surgiu através de uma ação pessoal, do então deputado federal Davi Alves Silva, que, por volta de 1997, deu início ao plano de loteamento da sua propriedade rural de 89 hectares, com a finalidade de doar os terrenos a famílias de baixa renda (informação verbal)13. De acordo com João Silva14, a doação dos lotes ficou sob responsabilidade da Sra. Antonia Silva, irmã de Davi Alves Silva e do Sr. João Macedo15, assessor político do então deputado. Posteriormente, foi criada a Associação dos Amigos de Davi Alves Silva, pela referida Sra. Antonia Silva, com objetivo de dar continuidade a essa ação. Informação fornecida por Edmilson Pinto da Silva, durante entrevista realizada na sede da Associação Humanitária Albé Ambrogio, no dia 25 de novembro de 2010. Edmilson Pinto da Silva encontrava-se como diretor contábil da referida associação quando se realizou a entrevista. 15 TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... ros vinculados aos interesses eleitoreiros de políticos que atuam no âmbito Portanto, o bairro Vila Davi II emergiu pela facilidade de acesso às terras não regulamentadas e se desenvolveu de forma precária, refletindo um crescimento urbano não acompanhado de infraestrutura e serviços sociais básicos. Os estudos empreendidos possibilitaram constatar que o bairro não conta com os serviços de saneamento básico, iluminação pública, abastecimento de água e coleta de lixo, como também não possui pavimentação. Além disso, percebeu-se que a maioria das casas foram construídas sem as mínimas estruturas, não oferecendo condições de higiene adequadas, o que sugere a situação de pobreza e extrema pobreza. Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 89 JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA Figura 1: Aspectos da infraestrutura do Bairro Vila Davi II Fonte: Silva, Édyla (2010) Estas características apresentadas retratam o modelo de urbanização vivenciado em Imperatriz, marcado pela exclusão social de parcela significativa da população. Como consequência, têm-se situações de miséria e pobreza que agravam as expressões da questão social e passam a exigir mecanismos de intervenção social, que possibilitem a não reprodução dessa questão, visando à melhoria da qualidade de vida dessa população. No bairro Vila Davi II, é necessário destacar que as iniciativas pioneiras foram desenvolvidas em 2004 por meio da Associação Hu- 90 DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE De acordo com João Silva e Valdilene Feitosa, também no ano de 2004 foram cadastradas algumas famílias do bairro Vila Davi II no Programa Bolsa Família. Essa ação contou inicialmente com a realização de um pré-cadastramento efetuado na sede da Associação Albé Ambrogio pela equipe técnica do programa no município de Imperatriz (informação verbal)17, prosseguindo com as visitas domiciliares, realizadas em outra oportunidade pela referida equipe, com a finalidade de constatar se as famílias cadastradas obedeciam aos critérios para inclusão, sendo alguns cadastros efetivados. Desse modo, o bairro Vila Davi II passou a contar com alguns serviços de iniciativas do poder público voltados para a melhoria das condições de pobreza das famílias. Neste contexto foram disponibilizados serviços, como o de educação e saúde, desenvolvidos através de parcerias entre o poder público e a referida associação. Ibidem. 16 17 Informação fornecida por João Silva Lima e Valdilene Feitosa Álvares Lima, em entrevista realizada na sede da Associação Humanitária Albé Ambrogio, no dia 19 de novembro de 2010. Valdilene Feitosa Lima encontrava-se como diretora de comunicação social da associação quando se realizou a entrevista. TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... manitária Albé Ambrogio, que contou com recursos advindos do exterior, através do missionário capuchinho, o italiano Albé Ambrogio. Nessa oportunidade, construiu-se uma estrutura para a associação constituída por um posto de saúde, uma capela, uma escola, um campo de futebol e um poço artesiano. A partir de então, a população passou a contar com os seguintes serviços: curso de informática e de violão, aulas de futebol, medicina alternativa e fonte alternativa de abastecimento de água, uma vez que essa era viabilizada apenas por cisternas (informação verbal).16 4. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A SUA FUNCIONALIDADE NO BAIRRO VILA DAVI II: ELEMENTOS DE INCLUSÃO OU EXCLUSÃO SOCIAL? O Programa Bolsa Família foi implementado no município de Imperatriz em janeiro de 2004. Atualmente, a política abrange todos os bairros do município, atendendo a cerca de 19.000 famílias e conta com uma equipe formada por coordenador, auxiliar administrativo, equipe de fiscalização, vigias e auxiliares de serviços gerais, sendo que estes são concursados pela prefeitura municipal de Imperatriz ou contratados pela Secretaria de Desenvolvimento Social (IMPERATRIZ, 2010). Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 91 O NASF é constituído por equipes compostas por psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, educador físico e assistente social. JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA 18 O Programa Bolsa Família conta ainda com uma estrutura física mantida pela prefeitura e localizada no bairro Juçara, próximo ao centro da cidade. No município de Imperatriz, o cadastramento das famílias é realizado por meio de demanda espontânea ou encaminhamentos de outros serviços, não havendo focalização estratégica nos bairros de maior vulnerabilidade social. Desse modo, os critérios obedecidos para inclusão de beneficiários e os objetivos do programa seguem de forma genérica as orientações nacionais. No bairro Vila Davi II, residem cerca de 400 famílias, das quais 78 são atendidas pelo programa. Contudo, a oferta e o acesso dessa comunidade aos serviços de educação, saúde, assistência social constitui um problema que merece destaque. No bairro, os serviços de saúde são oferecidos e mantidos pela prefeitura municipal no posto de saúde da Associação Albé Ambrogio, que conta com uma equipe técnica composta por um médico clínico geral, uma enfermeira, uma técnica de enfermagem e um vigia, sendo que o médico atente três vezes na semana. Essa equipe conta ainda com o apoio do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)18, que desenvolve ações junto ao posto de saúde, duas vezes semanais. Os serviços de educação são proporcionados na escola da referida associação, que se encontra alugada pela prefeitura, oferecendo o ensino fundamental, do 1º ao 9º ano. A população conta ainda com os serviços de creche ofertados de forma precária em outro prédio alugado e mantido pela prefeitura. Além disso, através da pesquisa realizada, pode-se observar que os serviços da política de assistência social são restritos e há a ausência de programas ou serviços que objetivem a redução do analfabetismo, a qualificação profissional, a geração de trabalho e renda, ou ainda que possibilitassem a melhoria das condições de vida e moradia da referida população. Esses programas são essenciais para proporcionar às famílias a superação da situação de vulnerabilidade social. No que se refere à efetivação do Programa Bolsa Família no bairro em questão, buscou-se compreender, através da entrevista realizada com as famílias, qual o mecanismo utilizado pelo programa para elevação da qualidade de vida e inclusão social 92 DIREITO, CIDADANIA E SOCIEDADE dos beneficiários, observando se os eixos dessa política são articulados. Desse modo, a pesquisa permitiu identificar que essas famílias não participam de atividades desenvolvidas pelos programas complementares devido às dificuldades de buscá-los em outros bairros, já que a Vila Davi II não dispõe desses serviços. Constatou-se ainda que o acompanhamento das famílias cadastradas no Programa Bolsa Família se restringe aos serviços de saúde e de educação. Na saúde esse acompanhamento é realizado através do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que viabiliza uma avaliação nutricional a cada seis meses das crianças menores de seis anos, além de acompanhamento às gestantes. Na educação são realizados envios periódicos da frequência escolar das crianças e adolescentes para o órgão gestor do programa. Assim sendo, pode-se perceber a ausência de consentimento e efetivação das políticas públicas entre os objetivos do Programa Bolsa Família e a realidade constatada desta política no bairro Vila Davi II, o que nos permite questionar sobre os limites de compromisso do poder público na efetivação da referida política, bem como na garantia do acesso a serviços sociais básicos à população em situação de vulnerabilidade social. TRANSFERÊNCIA DE RENDA: ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL... Além disso, percebeu-se que essas famílias não reconhecem no programa a possibilidade de emancipação, uma vez que ao serem questionadas sobre suas perspectivas ao possível desligamento do programa, todas as famílias analisadas não conseguiram apontar nenhuma alternativa para superar sua situação de vulnerabilidade. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Programa Bolsa Família surge em um contexto histórico de agravamento da pobreza e das desigualdades sociais, apresentando-se como uma possibilidade de inclusão social. Portanto, a articulação de políticas públicas associadas à concessão monetária realizadas pelo programa expressa um fundamento essencial para que se possa promover inclusão social das famílias beneficiadas. Desse modo, para a efetivação qualitativa do programa é indispensável a articulação dos três eixos essenciais desta política: a Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.81-94 • janeiro/julho • 2012 93 transferência de renda, o acesso aos serviços sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social e os programas complementares que objetivem a emancipação das famílias. JAILSON DE MACEDO SOUSA, ÉDYLA AZEVEDO DA SILVA, JULIETA GUERRA MAIA, SUELI BRITO BARBOSA É importante refletir sobre a eficácia do programa de transferência de renda Bolsa Família na busca da promoção e inclusão social das famílias beneficiárias no bairro Vila Davi II, uma vez que a fragilidade das políticas sociais e a ausência de programas complementares dificultam a promoção da autonomia dessas famílias. Diante do exposto, observamos que a ausência da articulação proposta pelo programa pode contribuir para a postura de dependência dos beneficiários em relação à política, agravando o posicionamento acrítico das famílias à realidade. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Agenda da família. Brasília: MDS, 2010. NETO, José Paulo. Economia política: uma introdução crítica. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. ______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem populacional. 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