Os vermes que se cuidem

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Os vermes que se cuidem
Desde que o homem deixou de ser caçados pelos leões nas estepes africanas três grandes grupos
de seres vivos nos “caçam” na cidade e no campo. São os vírus, as bactérias e os parasitas. As
cidades, a agricultura e a domesticação dos animais nos tornaram presas mais difíceis para os
grandes carnívoros, mas facilitaram o ataque destes inimigos. No século XIX e XX o ser humano
conseguiu contra-atacar. Desenvolvemos vacinas para combater os vírus, antibióticos para matar
bactérias e compostos químicos capazes de curar infecções por parasitas. Muitas batalhas foram
ganhas, mas a guerra continua. Além de ainda existirem vírus para os quais não fomos capazes de
desenvolver vacinas (HIV) e parasitas que ainda matam milhões (Malária), as bactérias e os
parasitas desenvolveram estratégias para sobreviver ao nosso ataque. Surgiram bactérias
resistentes à maioria de nossos antibióticos e parasitam resistentes às drogas. Nessa corrida
armamentista os cientistas tentam desenvolver novas drogas e os parasitas “desenvolvem” genes
de resistência.
No caso dos vermes tudo indicava que estávamos perdendo a guerra. Faz mais de 25 anos que
nenhuma nova família de vermífugos foi descoberta enquanto a resistência dos parasitas se
espalhava. Mas este mês parece que temos uma chance de virar o jogo. Um grupo de cientistas
descobriu uma família de compostos capazes de matar vermes. O trabalho que é o resultado da
colaboração entre cientistas de um grande laboratório farmacêutico, de empresas de
biotecnologia, de universidades européias e cientistas da Costa do Marfim é um exemplo de como
se desenvolve um novo medicamento. A partir da descoberta de um derivado de uma aminoacetonitrila (AAD) capaz de matar parasitas quando administrado em altas doses, os cientistas
sintetizaram 600 diferentes derivados de AADs e testaram cada uma delas em larvas de diversos
parasitas. Selecionaram os 10 compostos mais ativos. Em seguida testaram estes compostos em
roedores infectados com parasitas, em ovelhas e em vacas infectados com parasitas resistentes a
todos os outros vermífugos. Finalmente selecionaram os compostos que poderiam ser
administrados por via oral e que permaneciam mais tempo no sangue. Para colocar a cereja no
bolo os cientistas utilizaram o verme C. elegans, cujo genoma já foi seqüenciado, para determinar
o mecanismo de ação das AADs. Primeiro obtiveram vermes mutantes resistentes à AADs e
analisando o genoma destes vermes descobriram que a resistência tinha ocorrido quando o verme
alterava um de seus receptores de acetilcolina. Isto demonstra que as AADs atuam sobre estes
receptores matando os vermes. Uma comparação com o genoma humano demonstrou que nós não
possuímos este receptor, o que sugere que a droga provavelmente vai poder ser usada para tratar
seres humanos. Este único uso do genoma do C. elegans provavelmente compensa o custo e o
esforço do seqüenciamento.
Nos próximos anos os derivados de AAD devem ser comercializados, primeiro como vermífugos
para animais, mais tarde para tratar seres humanos. Parece que depois de 25 anos ganhamos mais
uma batalha, mas no dia que os AADs chegarem aos consumidores os vermes iniciarão a contraofensiva e inevitavelmente surgirão vermes resistentes aos AADs.
Mais Informações em: A new class of anthelmintics effective against drug-resistant nematodes.
Nature vol. 452 pag 176 2008
Fernando Reinach ([email protected])
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