1 PULSO E FREQUÊNCIA CARDÍACA À palpação, na ausência de arritmias, o pulso arterial é percebido como uma expansão arterial síncrona com os batimentos cardíacos. GÊNESE DO PULSO ARTERIAL SAUDÁVEL o Sistema Arterial O objetivo do sistema arterial é levar sangue oxigenado para os tecidos, mas sua maior importância é converter o débito cardíaco intermitente em um fluxo capilar contínuo. Este objetivo é atingido primariamente por sua organização estrutural. Os vasos centrais, a aorta até a bifurcação das ilíacas e seus ramos principais, carótidas e artérias inominadas, são elásticos e comportam-se, em parte, como reservatórios, sendo também condutos. Outros vasos, como a artéria radial e a femoral, são musculares, enquanto as ilíacas, subclávias e vasos axilares são estruturas intermediárias ou de transição. 2 Quando a artéria é distendida, as fibras distensíveis do vaso comandam prontamente o seu comportamento, e quanto mais elástico é o vaso, maior o volume de sangue acomodado, causando uma pequena elevação na pressão. A contração do ventrículo esquerdo transmite sua energia contrátil para a massa de sangue nele contida, elevando a pressão até superar a pressão diastólica da aorta, abrir a valva aórtica e ejetar o sangue. O ventrículo ejeta a massa de sangue a cada sístole, criando pressão e fluxo sanguíneo pulsáteis. Quando a parede arterial é palpada, percebe-se a força exercida pela amplitude da onda de pressão e a variação do diâmetro arterial. Como a pressão e o raio da artéria são fatores importantes que afetam a tensão da parede arterial, como demonstrado pela relação de Laplace, deve-se considera-los em conjunto. Na verdade, o que o examinador sente quando palpa o pulso arterial é o efeito da variação na tensão da parede arterial. A lei de Laplace pode ser expressa da seguinte forma para uma parede arterial fina: Tensão = P (pressão) × r o Efeito do Volume de Sangue De acordo com a lei de Laplace, o volume de sangue tem efeito direto sobre a tensão da parede arterial e está relacionado com o raio da artéria. Entretanto, o volume de sangue recebido por cada segmento arterial e seu efeito na mudança da tensão da parede arterial também está relacionado com o tipo de vaso que recebe o sangue. Os vasos proximais elásticos, aorta e seus ramos, recebem quase todo o volume de sangue ejetado do ventrículo esquerdo. A natureza elástica destes vasos permite grande deslocamento da parede arterial e variação do seu raio. À medida que os vasos se tornam periféricos, se tornam também mais musculares e menos distensíveis e sua área total aumenta; consequentemente recebem uma fração menor do volume de sangue ejetado. Além disso, os vasos musculares são menos distensíveis e, para uma mesma pressão na aorta, a variação do diâmetro do vaso é menor. 3 o Reflexão da Onda de Pulso e Pressão no Vaso Atualmente, aceita-se que os princípios de mecânica dos movimentos são regulados pelas mesmas leis gerais, tanto em sistemas inanimados quanto em seres vivos. A onda de pulso gerada pelo ventrículo esquerdo após seguir pela árvore arterial é refletida na periferia. O aumento da resistência periférica aumentará a intensidade da onda de reflexão, e a vasodilatação periférica, sua diminuição. Como a onda de pulso circula com grande velocidade (em metros por segundos), ela vai e volta da periferia no mesmo ciclo cardíaco. O registro da onda de pressão arterial em qualquer local do sistema arterial é, geralmente, o resultado da combinação entre a onda de pressão gerada pela contração do ventrículo esquerdo e a onda refletida pela periferia. Portanto, a onda refletida pode mudar a forma da onda de pulso, dependendo do local no qual o pulso é palpado. A explicação para a onda de reflexão são o calibre e o padrão de ramificação das grandes artérias e arteríolas e as alterações na pressão arterial média e a resistência destes vasos. A aorta e seus ramos maiores são condutos de baixa resistência que levam o sangue por longas distâncias até os capilares. Durante este trajeto até os vasos periféricos, a redução da pressão arterial média é mínima. Entretanto, próximo aos capilares, a pressão arterial média cai abruptamente dentro das arteríolas de alta resistência; e é na junção das artérias de elevada condutância com as arteríolas de alta resistência que ocorre a reflexão da onda. Sob condições normais, aproximadamente 80% da onda incidente são refletidos pelas arteríolas periféricas. De acordo com o conhecimento teórico atual, o contorno da onda de pressão vai depender: Da forma e duração da ejeção ventricular, que determina a onda incidente (onda de percussão); Da intensidade da onda refletida da periferia, que determina o tamanho da onda refletida (onda de maré); Do momento da reflexão, que determina o ponto do ciclo cardíaco no qual as ondas irão se encontrar e emergir. 4 O aumento da onda de pressão em um determinado local arterial é produzido pela onda refletida somada à onda de percussão; já a amplificação é o aumento da amplitude da onda de pressão que ocorre progressivamente das artérias centrais para a periferia. o Ventrículo Esquerdo A elevação da pressão do ventrículo esquerdo acima da pressão diastólica da aorta é a força propulsora que movimenta o sangue para a aorta ascendente. Esta força depende da contratilidade do miocárdio ventricular esquerdo, dimensões e forma da câmara ventricular esquerda e da frequência cardíaca. Embora a onda de percussão possa ser modificada pelas ondas refletidas pela periferia, a taxa de ascensão e a amplitude do pulso arterial ainda dependem da ejeção de sangue na aorta e da contração ventricular esquerda. As condições que aumentam o volume sistólico ejetado acrescem a amplitude da onda de pulso. O volume sistólico estará aumentado na anemia, hipertireoidismo, gravidez e doença de Paget em decorrência de aumento do volume circulante e do estado hiperdinâmico. Além disso, anomalias do próprio coração ou do sistema circulatório, como insuficiência aórtica, persistência do canal arterial e fístulas arteriovenosas, aumentam o volume sistólico de ejeção. Por outro lado, a redução do volume sistólico de sangue ejetado diminui a amplitude da pressão de pulso, o que ocorre na estenose aórtica grave ou estenose mitral grave. A insuficiência cardíaca com disfunção ventricular esquerda grave também acarretará acentuada redução do volume de ejeção ventricular. A velocidade de ejeção ventricular será determinada pela força de contração ventricular e pela impedância à ejeção ventricular que inclui as propriedades vasculares do sistema arterial e a resistência periférica. o Contorno da Onda de Pulso O registro da onda de pulso arterial saudável possibilita identificar três ondas distintas: A onda de percussão, que é a porção inicial sistólica da pressão de pulso; A onda de maré, que é a segunda onda sistólica, mais tardia da pressão de pulso; 5 A onda dicrótica, que é a onda diastólica que aparece logo após a incisura dicrótica. Já nos pulsos periféricos, há um aumento gradual da rigidez das artérias, devido ao aumento da relação espessura da parede/diâmetro do vaso. Por isso, o declive do ramo ascendente da onda de pulso e da PA sistólica aumenta e a incisura dicrótica é reduzida, ocorrendo também tardiamente, e há diminuição da pressão arterial diastólica. EXAME DOS PULSOS O pulso arterial percebido pelo clínico é, na verdade, a pressão do pulso em uma artéria grande e acessível ao exame. ATENÇÃO! A palpação bilateral e comparativa dos pulsos periféricos (braquial, radial, femoral, poplíteo, tibial posterior e dorsal do pé) deve ser feita em todos os pacientes durante o exame do aparelho cardiovascular. Entretanto, com relação às artérias carótidas, o exame deve ser feito em cada uma delas isoladamente, especialmente em idosos, devido ao risco de se provocar isquemia cerebral em áreas irrigadas por artérias com placas de ateromas. Durante o exame do pulso arterial, são observados o ritmo, a frequência, o contorno da onda de pulso, a taxa de ascensão, a amplitude e as características da parede arterial. Se o objetivo do exame do pulso for determinar sua forma e amplitude, o pulso carotídeo é o que mais se aproxima do pulso aórtico com relação a estas características, uma vez que está mais próximo da aorta e sofre menos influência dos fenômenos de reflexão e amplificação da onda de pulso. 6 o Localização dos Pulsos Arteriais A artéria carótida comum está localizada na região cervical anterior, entre o músculo esternocleidomastóideo e as vísceras cervicais. ATENÇÃO! Antes do exame das artérias cervicais, realiza-se a inspeção da região cervical, com o objetivo de observar assimetrias, pulsações anormais e massas. Para a palpação das artérias carótidas comuns, o paciente deverá: Estar sentado ou deitado com a cabeça e o tronco elevados, para que as estruturas cervicais estejam mais bem relaxadas, com o médico posicionado à sua direita O examinador fará a palpação da região anterior do pescoço com a borda cubital da mão direita para pesquisar frêmitos, e, em seguida, utilizará o polegar ou os dedos indicador e médio desta mesma mão para palpar as artérias carótidas comuns. 7 A artéria braquial é a artéria periférica na qual se pode observar mais facilmente a taxa de acessão do pulso, contorno, volume e as características do vaso. Esta artéria se localiza entre o tendão do músculo bíceps braquial e a aponeurose bicipital, no centro de fossa cubital, local em que a artéria braquial e o nervo mediano estão situados próximo à superfície da pele. O exame deverá ser iniciado pelo braço direito do paciente, que deverá estar em posição paralela ao tronco, com a palma da mão voltada para cima, o antebraço fletido e o cotovelo apoiado pela mão do examinador. A palpação deve ser feita com o polegar esquerdo do médico, comprimindo a artéria braquial direita do paciente até a percepção máxima do movimento arterial. A palpação da artéria braquial esquerda do paciente deverá ser realizada com o polegar direito do examinador. A artéria radial é palpada contra a epífise distal do rádio, na face palmar do punho. A palpação desta artéria, realizada por meio dos dedos indicador e médio do examinador, permite o contato físico inicial entre ele e o paciente. Essa artéria é frequentemente utilizada para aferir a frequência e o ritmo cardíaco. Para melhor percepção dela, a face palmar da mão direita do paciente deve estar voltada para cima e apoiada sobre uma mesa ou o leito do paciente. 8 Em pessoas magras ou com a parede abdominal flácida, o pulso da aorta abdominal pode ser palpado entre o apêndice xifoide e a cicatriz umbilical, comprimindose o local com as mãos direita e esquerda superpostas contra a coluna vertebral. As artérias femorais são examinadas com o paciente em decúbito dorsal. O local da palpação tem como referência o ponto médio do ligamento inguinal, acima da eminência iliopúbica, onde a artéria se localiza próximo à superfície. 9 O examinador deve ficar à direita do paciente e palpar o pulso da artéria femoral direita com o polegar esquerdo e o da artéria femoral esquerda com o polegar direito. Se houver suspeita de obstrução na aorta torácica ou abdominal, como nos casos de coarctação de aorta e arterite, é necessário comparar a amplitude e o sincronismo dos pulsos radial e femoral. A técnica de exame consiste na palpação do pulso femoral direito com o dedo indicador da mão direita e do pulso radial direito com o dedo indicador da mão esquerda. O exame do pulso da artéria poplítea é realizado com o paciente em decúbito dorsal, o joelho levemente flexionado e a perna apoiada sobre um travesseiro para que os músculos da região fiquem relaxados. O examinador coloca suas mãos de cada um dos lados do joelho e palpa a fossa poplítea posteriormente, aumentando progressivamente a pressão dos dedos contra a face poplítea do fêmur até perceber o pulso poplíteo em sua maior amplitude. 10 O pulso da artéria tibial posterior é palpado comprimindo-se a artéria contra a face posterior do maléolo medial. Já o pulso da artéria dorsal do pé tem localização menos exata. Alguns autores o localizam por meio de uma linha imaginária entre o ponto médio do maléolo medial até o primeiro espaço interdigital no dorso do pé e outros utilizam a proeminência dorsal do osso navicular do pé como referência anatômica. 11 A palpação dos pulsos mais distais é importante para avaliar se há insuficiência arterial periférica aguda ou crônica. Alguns pulsos arteriais não costumam ser palpáveis no exame de rotina, como, por exemplo, os pulsos temporais superficiais, subclávios, cubitais, axilares e tibiais anteriores. FREQUÊNCIA, RITMO E DÉFICIT DE PULSO Durante o exame do pulso, são observadas a regularidade e a frequência das pulsações durante um minuto. O ATENÇÃO! p u l s Frequência cardíaca no adulto saudável 50-100 pulsações por minuto. Frequência de pulso maior ou igual a 100 pulsações por minuto (ppm) ou batimentos por minuto (bpm) é denominada TAQUISFIGMIA, e menor ou igual a 50 ppm, BRADISFIGMIA o em condições saudáveis é regular e possível inferir quando será a próxima pulsação. Também é possível verificar a frequência do pulso regular durante o 12 tempo de 15 segundos, e multiplicar por 4 o valor encontrado para se obter a frequência durante um minuto. OBS.: Os professores não indicam essa prática!! O pulso irregular é indicativo de arritmias cardíacas, embora sua regularidade não as exclua. A análise isolada do pulso arterial não é suficiente para se determinar o tipo e a gravidade das arritmias cardíacas, sendo necessário seu registro em um eletrocardiograma. Quando há irregularidade, a frequência do pulso arterial não reflete com exatidão a frequência cardíaca. Nesses casos, a ausculta cardíaca concomitante à palpação do pulso irá revelar uma frequência cardíaca maior que a do pulso arterial; esta diferença é denominada déficit de pulso. Nos casos de falência circulatória, a determinação do pulso arterial e sua frequência são fundamentais para se tomar uma conduta clínica inicial acertada. TAXA DE ASCENÇÃO DO PULSO É uma avaliação subjetiva da velocidade de elevação da onda de pulso, desde seu início até o pico da onda de pulso, correspondendo ao contorno do pulso. A taxa de ascensão é determinada pela palpação do pulso arterial e o melhor local para esta avaliação é a artéria carótida comum. Normalmente, a elevação do pulso carotídeo transmite a sensação de uma pancada aguda para o dedo do examinador. Quando há estenose aórtica importante, a taxa de ascensão do pulso é lenta e sustentada (pulsus tardus), empurrando o dedo do examinador levemente. Quando a taxa de ascensão do pulso é rápida e a amplitude do pulso aumentada, o quadro sugere estados hiperdinâmicos como os que ocorrem na insuficiência aórtica importante, persistência do canal arterial e janela aorticopulmonar. AMPLITUDE É avaliada pelo deslocamento da parede arterial, no momento em que o pulso arterial é palpado pelo examinador. Esse deslocamento depende da mudança na tensão da parede arterial durante o ciclo cardíaco. 13 De acordo com a lei de Laplace, esta tensão depende do raio e da pressão na artéria. Portanto, se o volume de sangue é grande, a distensão da artéria e a pressão estão aumentadas, resultando no aumento da amplitude do pulso. Pacientes com baixo volume sistólico terão pulso pequeno, resultante do pequeno deslocamento da parede arterial e da baixa tensão que é desenvolvida na artéria; nestes casos, a amplitude do pulso estará diminuída. Essa amplitude também estará reduzida se houver obstrução significativa ao fluxo de sangue, como no caso da estenose aórtica e estenose mitral graves. Nas doenças cardíacas com grandes volumes sistólicos de ejeção e baixa pressão diastólica, como na insuficiência aórtica, persistência do canal arterial e janela aorticopulmonar, os pulsos arteriais serão de grande amplitude, fortes e em salto, com um grande volume de expansão. Por este motivo, a amplitude é frequentemente referida como volume do pulso. CARACTERÍSTICAS DA PAREDE ARTERIAL Nas pessoas jovens, geralmente, as artérias não são visualizadas sob a pele e à palpação a parede arterial é lisa, uniforme e elástica. À medida que envelhecemos as artérias se tornam rígidas, tortuosas, endurecidas e pouco compressíveis em decorrência da arteriosclerose. Em alguns casos, o aspecto tortuoso da artéria é observado sob a pele dos braços. REFERÊNCIA SILVA, R.M.F.L. Tratado de semiologia médica. 1ª ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2014.