GRAFITES DE BANHEIRO, DISCURSO E SEXUALIDADE: UMA ABORDAGEM PELA NOVA HISTÓRIA CULTURAL. Marco Antonio Pupo Coelho (IC/CNPq), André Luís Joanilho, e-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina/Departamento de História/CLCH Área e sub-área do conhecimento: História Moderna e Contemporânea Palavras-chave: Grafite, História, Sexualidade Resumo A Nova História Cultural inaugurou, no fim do século XX, novas possibilidades de abordagens nos documentos históricos. Com base nessas mudanças é que vamos descrever a relação entre sexualidade e grafites de banheiro em um espaço ressignificado pelos indivíduos que procuram pelo sexo homoerótico, utilizando-nos das noções de práticas e representações de Roger Chartier e Pierre Bordieu, respectivamente. Vamos analisar esses discursos “marginais”, levando em consideração as particularidades do grafite na análise, seu caráter efêmero, a ausência de uma datação precisa, seu suporte e etc. para realizar uma abordagem historiográfica sobre uma prática que é reconhecida entre estudantes, funcionários e comunidade do CLCH, Centro de Letras e Ciências Humanas da UEL, Universidade Estadual de Londrina. Com base nos escritos de Michel Foucault, discutiremos brevemente a relações entre poder, sexualidades e o banheiro público, e levantaremos algumas hipóteses sobre esse tema. Introdução e objetivo Considerando as noções de práticas e representações, deparamo-nos com novos paradigmas que formam um amplo horizonte teórico que figuram no campo historiográfico a partir das décadas de 1970 e 1980. Ora, se a História Econômica foi o campo historiográfico de maior destaque entre os anos de 50 e 70, as últimas décadas do século XX foram marcadas pela emergência de uma Nova História Cultural (BARROS, 2011: 37-38), que, no bojo de uma sociedade cada vez mais dinâmica e fluída inaugura novas formas de ler e interpretar os problemas relativos a História Cultural. É nesse contexto que a Nova História Cultural, pautada na aproximação de outras áreas do conhecimento, como a Antropologia e a Sociologia, mas também pelas novas abordagens (métodos) e fontes que o historiador pode utilizar em seu métier, conforme Peter Burke: “Certas teorias culturais fizeram com que os historiadores tomassem consciência de problemas novos ou até 1 então ignorados, e, ao mesmo tempo, criassem por sua vez novos problemas que lhes são próprios.’ (BURKE, 2005: 70). Entre as abordagens que poderiam ter sido utilizadas nesse trabalho, optamos por privilegiar a [...]corrente [...] da História Cultural [...] que tem atentado para os aspectos discursivos e simbólicos da vida sociocultural. Michel de Certeau e Pierre Bourdieu são aqui influências importantes; e o mesmo se pode dizer com respeito à contribuição da análise de discurso de Michel Foucault e Roger Chartier. Recolocar a noção de discurso no centro da História Cultural é considerar que a própria linguagem e as práticas discursivas que constituem a substância da vida social embasam uma noção mais ampla de Cultura. “Comunicar” é produzir Cultura, e, de saída, isto já implica na duplicidade reconhecida entre Cultura Oral e Cultura Escrita – sem falar que o ser humano também se comunica através dos gestos, do corpo, e da sua maneira de estar no mundo social, isto é, do seu “modo de vida”. (BARROS, 2011:42) Esse trabalho insere-se dentro desses novos paradigmas, e amparado por essa carpintaria teórica, realizaremos a descrição da relação entre o grafite como representação, no banheiro masculino do CLCH e as práticas sexuais para relações homoeróticas furtivas. Quais são as representações sobre o “homossexual” em nossa sociedade, a ponto dos indivíduos buscarem no banheiro público a realização de um prazer, que não pode ser efetivado em outros espaços? Isso é possível de ser analisado e problematizado no campo da Nova História Cultural? A última pergunta é a que buscamos responder nesse trabalho. Procedimentos metodológicos Ora, nesse ponto, é importante destacar a contribuição de Roger Chartier a definição de “práticas culturais”, é um dos conceitos que são capitais para construção desse trabalho [...] as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas graças às quais uns ‘representantes’ (instâncias colectivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade. (CHARTIER. 2002, p.23) 2 Portanto, buscaremos compreender a relação entre as práticas homoeróticas e os grafitos de banheiro, e as representações que são geradas pelos indivíduos sobre esse espaço, ou seja, como o espaço é resignificado por discursos que relacionam sexualidades, interdições e (re)significação do banheiro público. Os lugares que dão suporte a esses registros podem ser os mais variados: portas de banheiros, paredes, tapumes, muros ou qualquer lugar para onde se lance o olhar, porém, uma característica importante é de que “[o] ato de escrever na parede alheia, pública, é uma característica primordial do grafite. Através dessa escrita pública e em local proibido, surge a rebeldia em relação à organização político-social imposta. ”. (NOGUEIRA, 2010: 2). Tomaremos como uma das referências para nossa pesquisa a relação entre o conceito de prática, utilizado por Chartier, e o conceito de representação na obra de Bourdieu. As preposições teóricas elaboradas por esses autores nos fornecem ferramentas para pensarmos a metamorfose que tanto a linguagem como as práticas culturais sofrem. Resultados e discussão Nesse sentido que pensamos no banheiro público como um espaço que é reinterpretado e assume novas funcionalidades quando passa de um espaço para evacuação para um espaço de sexo, e os grafites por meio do qual algumas dessas relações sexuais se iniciam, são tomados por nós como vestígios, indícios de uma prática que gera representações sobre esse espaço (o banheiro) como ponto de encontros fugidios e sexo, são pertinentes aos estudos culturais, pois também são parte da cultura contemporânea. Portanto, compreendemos a história como o estudo que interpreta a cadeia de ações humanas no tempo/espaço, possibilitada pela análise dos vestígios do passado – as fontes. Nosso olhar se dirige para as representações contemporâneas e visa traçar uma “análise das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens simbólicos, produzindo assim usos e significações diferençadas. ” (CHARTIER. 2002, p.178). Os grafites podem assumir o papel de comunicar, de alertar, de convidar, de repreender e por isso produzem significações diferenciadas, estão sujeitos a interpretações diversas, olhares diversos. Conclusão Ora, considerando a descrição de Foucault, muito distante de reprimir o sexo, o poder produz a sexualidade, mesmo que esse discurso produzido tenha sido higienizado para ingressar nos mecanismos de poder, incitando a “fazer de seu desejo, de todo o seu desejo, um discurso. Se for possível, nada deve escapar a tal formulação, mesmo que as palavras empregadas devam ser 3 cuidadosamente neutralizadas. ” (FOUCAULT, 2014: 24), não se trata de dizer sim ou não, ser lícito ou ilícito, interditar ou permitir, mas [...] falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se. Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve ser assumido por discursos analíticos. (FOUCAULT, 2014: 27). Neste trabalho, opta-se nesse trabalho por não reforçar a “hipótese repressiva”, pois longe de coibir ou interditar, o poder estimulou e incitou uma produção gigante sobre o sexo e a sexualidade, e os indivíduos, transformando seus prazeres em discurso, acabaram por inseri-lo nas estratégias de poder. Agradecimentos Ao PROIC/UEL e ao CNPq pelo auxílio financeiro para realização dessa pesquisa, pela oportunidade de crescimento acadêmico em atividades extra sala de aula; ao meu orientador André Luís Joanilho por se mostrar sempre prestativo e cordial, pelos puxões de orelha que fizeram e fazem com que eu busque ser um pesquisador e ser humano melhor. Referências BARROS, José D`Assunção. A Nova História Cultural – considerações sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, 1º sem. 2011. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 3ª Edição. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2000. BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2004. CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e Representações. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. Maria Tereza da C. Albuquerque e revisão de J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. NOGUEIRA, Cristiana. A (im)pertinência do traço: rastro, memória e contestação. Macapá – AP: PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Nº 2. Dez. 2009. Disponível em < http://periodicos.unifap.br/index.php/pracs/article/viewArticle/35 > 4