MEGAGEOMORFOLOGIA E MORFOESTRUTURA DO PLANALTO

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Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 31 (1/2), 35-52, 2010
MEGAGEOMORFOLOGIA E MORFOESTRUTURA DO PLANALTO DA BORBOREMA
Antonio Carlos de Barros CORRÊA
Bruno de Azevêdo Cavalcanti TAVARES
Kleython de Araújo MONTEIRO
Lucas Costa de Souza CAVALCANTI
Daniel Rodrigues de LIRA
Resumo
A abordagem morfoestrutural do relevo pode ser definida em diversas escalas levando em consideração aspectos variados da morfogênese. Nesse sentido, este trabalho
procura enfatizar a importância dos componentes endógenos sobre a morfogênese da
principal unidade do relevo nordestino brasileiro, o Planalto da Borborema. O enfoque
morfoestrutural utilizado buscou reconstituir a influência dos mecanismos endógenos
atuantes sobre a hierarquização regional dos compartimentos do relevo. A partir dos dados integrados da revisão da literatura, juntamente com o cruzamento em meio digital do
mapa geológico com o modelo digital de elevação, acrescido de transectos topográficos,
foi possível estabelecer um modelo conceitual para a compartimentação morfoestrutural
do Planalto da Borborema, a partir do qual se postulou a divisão do planalto em oito sub-compartimentos morfoestruturais distintos. A partir da compartimentação do planalto o
papel dos controles estrutural e litológico foi destacado por meio da elaboração de perfis
topográficos que permitiram uma melhor interpretação de cada compartimento e seus
elementos definidores. O Planalto da Borborema corresponde ao conjunto de terras altas
contínuas que se distribuem ao longo da fachada do Nordeste oriental do Brasil, ao norte
do rio São Francisco, acima da cota de 200 metros, cujos limites são marcados por uma
série de desnivelamentos topográficos, cuja gênese epirogênica está ligada ao desmantelamento de Gondwana e ao magmatismo intraplaca atuante ao longo do Cenozóico. Do
ponto de vista metodológico, a identificação de três níveis hierárquicos de compartimentos morfoestruturais, a saber, o macrodomo correspondente à Província Borborema incluindo suas bacias fanerozóicas, o planalto stricto sensu e seus compartimentos, coloca
em dúvida a validade de alguns dos modelos clássicos de taxonomia das formas de relevo,
que atribuem apenas um nível categórico para as unidades morfoestruturais supracitadas.
Palavras-chave: megageomorfologia, morfoestrutura, Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil.
Abstract
The morphostructural approach to landforms can be defined in several scales,
taking into account different aspects of morphogenesis. In this regard, this work aims
to emphasize the role of endogenous components in the morphogenesis of the main
landform of Brazil’s Northeastern bulge, the Borborema Plateau. The morphostructural
approach was adopted in this study seeking to reconstruct the influence of endogenous
mechanisms on the regional hierarchy of landform units. Based on the specialized
literature, and on the cross-analysis, in digital format, of regional geological map, digital
elevation models and topographic transects, it was possible to develop a conceptual
model for the morphostructural subdivision of the Borborema Plateau into eight distinct
units. Following the mapping of the Borborema Plateau units, the role of structural
and lithological controls was highlighted based on topographic transects, which
enabled a better understanding of each unit and their defining elements. Therefore, it
was observed that the Borborema Plateau comprises the set of highlands continuously
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distributed along the eastern seaboard of Northeastern Brazil, northern São Francisco
river, above the 200 meters contour line, with boundaries marked by a sequence of
topographic escarpments, whose epeirogenic origin is related to the breakup of
Gondwana super-continent, as well as to the within-plate magmatism throughout the
Cenozoic. From the methodological standpoint, the identification of three hierarchical
levels of morphostructural units, namely, Borborema province macrodome including
its Phanerozoic basins, the Borborema Plateau itself and their units, calls into question
the validity of some classical models of landform taxonomy, which assign only one
category to the above-mentioned morphostructural units.
Keywords: mega-geomorphology, morphostructure, Borborema Plateau, Northeastern
Brazil.
1 INTRODUÇÃO
O objeto da geomorfologia é a descrição e
classificação das formas resultantes da contínua
interação das forças endógenas e exógenas que se
opõem e a compreensão dos mecanismos dessa interação. A partir destas considerações, o estudo dos
compartimentos morfoestruturais pode ser conduzido através de diversas escalas temporais e espaciais, abordando aspectos variados da morfogênese. Grosso modo, as abordagens regionalistas que
tratam do desenvolvimento do relevo do Nordeste
do Brasil utilizaram modelos climático-erosionais,
portanto, privilegiando a atuação dos componentes
exógenos sobre o modelado. Sem querer questionar a validade dessas interpretações, este trabalho
busca enfatizar a importância dos componentes endógenos sobre a morfogênese da principal unidade
de relevo do setor oriental do Nordeste brasileiro:
o Planalto da Borborema.
Compreende-se como sendo parte deste
“planalto”, todo o setor de terras altas, acima da
isolinha de 200 metros, situado a norte do rio São
Francisco, estruturado nos diversos litotipos cristalinos correspondentes aos maciços arqueanos
remobilizados, sistemas de dobramentos brasilianos e intrusões ígneas neoproterozóicas sin- tardie pós-orogênicas. O limite oriental do planalto é
genericamente definido pela ruptura de gradiente
existente entre a encosta e os patamares rebaixados
do piemonte em direção à costa. A depressão sertaneja, a oeste, define o limite ocidental como um
semicírculo de terras baixas semi-áridas separado
do topo do planalto por uma escarpa, que ressalta
os controles litológicos e estruturais.
A abordagem morfoestrutural utilizada neste
trabalho procura reconstituir a influência dos mecanismos endógenos atuantes no conjunto regional. Com base nesta linha de raciocínio, entende-se
ainda que as formas resultantes do desgaste diferencial de rochas cristalinas e cristalofilianas são
fortemente azonais e não revelam necessariamente as peculiaridades do contexto estrutural da área
estudada. Destarte, procurou-se prioritariamente
estabelecer o papel dos controles tectônicos cenozóicos a partir de sua atuação sobre as estruturas
geológicas herdadas. Dessa forma, a premissa norteadora desse trabalho é de que os diversos subcompartimentos definidos no âmbito do Planalto
estão em maior ou menor escala condicionados
pela dinâmica da morfotectônica regional ao longo
do Cenozóico, à qual obviamente se sobrepõem os
demais componentes do sistema geomorfológico.
Este trabalho lida com uma revisão dos conhecimentos acerca do Planalto da Borborema
baseada nos conhecimentos e teorias acerca das
morfoestruturas. A partir das informações obtidas
da revisão da literatura, conjuntamente com dados
dos mapas geológicos atualizados e da sobreposição dos modelos digitais de elevação e perfis em
transecto, foi possível estabelecer um modelo conceitual da compartimentação topográfica do Planalto da Borborema.
2 O CONCEITO DE MORFOESTRUTURA
Embora a geomorfologia sempre tenha se
dedicado ao estudo do saldo entre processos de
origem endógena e aqueles associados à degradação dos corpos litológicos e de suas fisionomias
primárias, tidos como de origem exógena, uma
abordagem que trata sistematicamente dos primeiros só se estabeleceu a partir da metodologia
e nomenclatura desenvolvida por geomorfólogos
russos e da Europa oriental, que a partir da década
de 1940, passaram a designar como morfoestrutura
os compartimentos de relevo definidos com base
na interação entre distintos litotipos e modos tec-
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tônicos vigentes (Gerasimov 1946, Gerasimov & Mescerjakov 1967, DEMEK 1972).
As morfoestruturas constituem uma tipologia
hierárquica de formas, que compreendem desde
conjuntos regionais de primeira ordem de grandeza (mega-morfoestruturas) até as menores ordens
(micro-morfoestruturas), tais como os grábens e
cimeiras em cristas de expressão local. O mapeamento e taxonomia das morfoestruturas possuem
importância teórica e explicativa para as relações
interativas entre a litosfera e o relevo (DEMEK et
al. 2007). Desta definição, podemos afirmar que as
morfoestruturas respondem pelas formas maiores
do relevo, tratadas em escala regional como planaltos bombeados em estruturas dobradas, bacias
sedimentares ou cinturões orogenéticos modernos.
No Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil, as marcantes diferenças climáticas existentes
entre as suas escarpas orientais, expostas às precipitações orográficas advindas da umidade trazida
pelos ventos úmidos dos setores E-SE, e a vertente
norte-ocidental, submetida ao clima semi-árido
tropical, com larga estação seca e precipitações
espasmódicas de verão-outono, exacerbado pelo
efeito da sombra pluvial, resultam em domínios
morfoesculturais distintos. A leste, as escarpas
são recobertas por espessos mantos de alteração;
a oeste, faz-se notável a distinção litólógica dos
modelados de dissecação diferencial, degraus de
soerguimento tectônico e extensas paleosuperfícies
regionais de gênese complexa.
É fato que a influência da estrutura sobre o
relevo pode ser percebida e tratada em diversas ordens de grandeza e detalhamento, podendo-se subdividir esta relação “forma X estrutura” até alcançar níveis que evidenciem topografias derivadas de
estruturas mais locais como os diques e sills. Na
área em questão, entra-se no domínio das microformas azonais esculturadas em litologias graníticas e
cristalofilianas em geral, como aquelas estudadas
por TWIDALE (1982) e genericamente definidas
como “modelado granítico”.
3 AS MORFOESTRUTURAS E
A TEORIA GEOMORFOLÓGICA
A importância da estrutura é um tema recorrente nas teorias clássicas acerca da evolução do
relevo. Embora os modelos pioneiros tenham sido
bastante detalhados (DAVIS 1899, PENCK 1924)
e contenham informações implícitas e explícitas
sobre a tectônica operando as estruturas em diversas escalas, era notável que a questão das morfoestruturas e o motor das mesmas (tectônica) não fo-
ram perpetrados com mais relevância nos estudos
geomorfológicos. O que se via era os autores que
comumente trabalhavam com escalas maiores de
processos e estudos das formas terem uma dificuldade de aplicar seus trabalhos a uma escala regional ou continental, no qual a tectônica teria muito
mais relevância (KIRKBY 1997).
DAVIS (1899) fez críticas às classificações
anteriores que utilizam unicamente a estrutura
como parâmetro de classificação do relevo. Segundo este autor, as formas se dividiriam em dois grandes grupos: grupo de estruturas horizontais como
planícies, platôs e suas derivações, e um grupo de
estruturas desordenadas incluindo as montanhas e
suas derivações. Dessa forma as estruturas seriam
definidas de acordo com o tempo de desgaste de
sua estrutura, no qual o grupo de formas horizontais estaria em uma fase de aplainamento, enquanto
o segundo grupo estaria ainda em fase de desgaste,
ou seja, não houve tempo suficiente para as formas
atingirem um caráter horizontal.
PENCK (1924) influenciou os teóricos russos GERASIMOV & MESCHERIKOV (1968) e
MESCERJAKOV (1968), no que tange à questão
das interações de forças endógenas e exógenas,
seguindo dessa forma uma ordenação no tempo e
espaço. No caso foram estes últimos que trouxeram a abordagem morfoestrutural para os estudos
geomorfológicos. O conceito de morfoestrutura
fundamenta-se nos postulados de Penck, que tratam do jogo das forças internas e externas atuantes
na gênese do modelado da superfície terrestre.
A questão das morfoestruturas não foi abordada diretamente pela teoria clássica do relevo de
King (1956), que trabalhou com a evolução do relevo a partir do modelo de regressão das escarpas.
TWIDALE (2003) faz colocações pertinentes acerca da importância da megageomorfologia para os
estudos da paisagem, considerando Lester C. King
um dos principais autores a colaborar e corroborar com a teoria da deriva continental ao tratar das
grandes formas do relevo em suas análises globais
da paisagem, podendo ser considerado um dos pais
da megageomorfologia.
Trabalhos como o de John T. Hack trouxeram contribuições para diferentes escalas de trabalho, que vão desde a análise de perfil de uma
encosta até estudos com grandes cadeias montanhosas. A idéia da manutenção dos grandes compartimentos de relevo foram disseminadas a partir
da teoria do equilíbrio dinâmico (HACK 1965,
1975). Conforme esta teoria, os modelados de relevo seriam mantidos pelo balanço de retirada do
material pela ação da erosão e o material advindo
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da astenosfera; dessa forma, os grandes corpos
montanhosos seriam mantidos na paisagem. Assim, a teoria do equilíbrio dinâmico não tratava
o relevo de forma cíclica como Davis, Penck e
Lester King, mas como uma troca de energia e
matéria dentro do sistema, procurando entender a
relação entre os seus componentes.
4 AS MORFOESTRUTURAS NO CONTEXTO
DAS PLATAFORMAS ANTIGAS
TRICART (1974) sumariza que são as forças
internas que criam rupturas na superfície da Terra e
que permitem à gravidade exercer seu trabalho como
agente geomórfico. A estrutura torna-se então um arcabouço que se sobrepõe hierarquicamente aos sistemas morfogenéticos. Os processos de dissecação,
em qualquer clima, estão influenciados pela natureza e disposição das rochas e pela evolução tectônica
geral da região. Assim, a erosão está subordinada ao
relevo criado primordialmente pela estrutura.
De uma maneira geral pode-se dizer que as
influências estruturais são predominantes quando
se trabalha em pequena escala, enquanto as influências morfoclimáticas tornam-se mais visíveis
numa escala de detalhe.
TRICART (1974) afirma que nas áreas plataformais há uma predominância de arqueamentos
em grande raio de curvatura, resultando numa dissecação mais gradual do que nos cinturões orogênicos ativos. No entanto, ao tratar das diferenças
litológicas, o autor ressalta que nas antigas plataformas, como a brasileira, o desenvolvimento de
relevos elaborados pela erosão diferencial não é favorecido, tal como ocorre nas paisagens apalachianas. Nesse caso as diferenças litológicas às vezes
são muito marcantes, como no caso das auréolas de
metamorfismo de contato (hornfelsen), mas muito
menores no contexto do metamorfismo regional,
cuja maior resposta geomórfica dá-se nos padrões
de dissecação expressos pela densidade da rede de
drenagem, perfil e gradiente das vertentes.
Em margens plataformais submetidas a uma
tectônica vertical, TRICART (1974) reconhece os
seguintes controles sobre o relevo:
1 – predomínio de rochas resistentes com
pouca margem à erosão diferencial, exceto no caso especial da existência de uma
estrutura apalachiana com sequências de
dobras de grande raio em cinturões de dobramentos paleo-mesozóicos;
2 – a natureza pulsante dos movimentos tectônicos de grande raio de curvatura, que
através de certas condições morfoclimá-
ticas trazem a possibilidade de formação
de superfícies de erosão;
3 – rigidez dos escudos que resulta, durante
os principais movimentos da crosta, em
deformações por fraturamento, produzindo blocos falhados.
Acrescenta-se às assertivas de TRICART
(1974) a ocorrência de pulsação tectônica oscilatória sobre ambientes plataformais, o que também favorece a dissecação de forma gradual e escalonada
(SLOSS & SPEED 1974). Isso se dá pela produção
de formas de dissecação diferencial, sempre que a
litologia permita e que o clima atue ativamente no
sentido da evacuação de detritos.
Nestas áreas, a dissecação diferencial controlada pelo intemperismo químico é a principal
formadora de pães-de-açucar, domos e inselbergs
litológicos. Nos cinturões de dobramentos antigos,
particularmente sob o clima tropical úmido, as
litologias mais resistentes, como os gnaisses leptiníticos e quartzitos, formam cristas e inselbergs
pseudo-apalachianos.
No caso do Planalto da Borborema, o uso do
conceito de antéclise permite-nos diferenciar o núcleo cristalino elevado do seu entorno rebaixado.
O planalto enquadra-se assim dentro do contexto
das antéclises metamórficas rejuvenescidas, como
proposto por TRICART (1974).
Na perspectiva regional, a proposta terminológica de “antéclise rejuvenescida” se justifica
ainda pelo aspecto grosseiramente dômico do Planalto da Borborema, balizado por quase todos os
quadrantes por remanescentes de bacias sedimentares fanerozóicas igualmente soerguidas, sendo as
altitudes dos níveis somitais sempre maiores que as
dos planaltos sedimentares que o bordejam.
5 PLANALTO DA BORBOREMA:
UMA ABORDAGEM MORFOESTRUTURAL
Para iniciar a análise do quadro morfoestrutural do Planalto da Borborema permanecem válidos os diversos condicionantes morfoestruturais
já classicamente reconhecidos para o setor centro-oriental da região nordeste, definidos por CZAJKA (1958), KEGEL (1965), BEURLEN (1967),
ANDRADE (1958), ANDRADE & LINS (1965),
MABESOONE & CASTRO (1975), CASTRO
(1977) e SAADI & TORQUATO (1992), a saber:
• Influência das estruturas herdadas;
• Influência da litologia sobre os modelados
de erosão diferencial;
• Ocorrência de um ‘’bombeamento’’ regional a partir do Cretáceo.
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BIROT (1958) postulou que, em uma análise
inicial sobre os compartimentos do relevo em pequenas escalas cartográficas, é notável que as áreas
rebaixadas sejam estruturadas por rochas tenras ou
que sofreram um rebaixamento tectônico. Ao contrário, as áreas mais elevadas seriam compostas
por rochas mais resistentes, ou que sofreram um
soerguimento tectônico. Em relação ao Planalto da
Borborema, o quadro morfoestrutural é uma resposta da atuação em concerto dos cenários estruturais acima descritos, que se interagem ao longo
de uma estrutura grosseiramente dômica na escala
regional de observação.
O alçamento tectônico pós-Cretáceo da região, que atuou espasmodicamente durante todo o
Cenozóico, liberou-a da maior parte das coberturas
sedimentares fanerozóicas, bem como dos mantos
de alteração relacionados às fases de intemperismo,
que se desenvolveram durante um período de estabilidade associado ao lento soerguimento tectônico
ao longo do Terciário Médio (MABESOONE &
CASTRO 1975). Este alçamento atuou ao longo de
estruturas reativadas do Pré-Cambriano, em geral,
realçando os controles estruturais herdados e sobrepondo o modelado às distintas litologias, representadas pelas faixas móveis brasilianas com rochas de
diferentes graus de metamorfismo regional, maciços
arqueanos e proterozóicos gnáissico/migmatíticos e
corpos intrusivos brasilianos de diversas dimensões
e áreas aflorantes. TRICART (1974) afirma que o
papel das estruturas herdadas exerce normalmente
um controle muito maior sobre a morfogênese do
que os eventos tectônicos ativos, isto porque nas
plataformas a morfogênese atuará em um contexto
de relativa estabilidade tectônica, podendo este critério variar de caso para caso.
De uma forma geral, os corpos plutônicos são
expostos pela denudação das antigas áreas orogênicas e posteriormente retrabalhados pelos diversos
agentes erosivos associados aos sistemas morfogenéticos cambiantes ao longo do tempo. Havendo um contraste de composição marcante entre as
intrusões e as encaixantes regionais, a variação
será refletida nas formas de relevo resultantes, ora
elevadas, ora rebaixadas. O caráter granítico dos
corpos intrusivos da Borborema geralmente forma
relevos residuais isolados que se elevam sobre a
superfície geral do planalto, de forma geral, esculpida em rochas xistosas ou gnáissicas das faixas
de dobramentos e complexos metamórficos arqueanos, respectivamente. No entanto, a esta gênese
aparentemente simples e binomial, sobrepõem-se
aspectos mais particulares da composição mineralógica e fábrica das rochas plutônicas, estando
muitas vezes os granitos pórfiros, ricos em K-feldspatos, extremamente rebaixados pela morfogênese
semi-árida, sobretudo a oeste do planalto, igualmente integrando suas superfícies mais rebaixadas.
Na Borborema as vastas extensões de afloramento de rochas metassedimentares estão associadas às faixas móveis pré-cambrianas, cuja gênese
remonta a episódios de metamorfismo regional durante a orogênese Brasiliana. Devido aos esforços
sofridos, as rochas apresentam estruturas planares
caracterizadas pela textura xistosa e o bandamento
gnáissico. O grau de inclinação dos planos de xistosidade também exerce controle sobre a morfogênese regional, refletindo-se na disposição de linhas
de cristas e nas formas alongadas dos divisores.
Durante o Cenozóico essas rochas foram submetidas à flexura do rebordo continental, resultando
em um arranjo de blocos soerguidos, rebaixados e
basculados. A esculturação posterior evidenciou as
diversas direções da xistosidade e do bandamento.
O resultado dessa flexura é o modelado em cristas,
pontões, inselbergs e demais relevos aguçados, no
caso das rochas resistentes com foliação sub-vertical, enquanto que as litologias mais susceptíveis
ao intemperismo e de menor grau de inclinação
da foliação, respondem, grosso modo, por relevos
menos proeminentes e depressões. No Planalto da
Borborema as rochas metamórficas refletem sobre
o relevo apenas suas diferentes composições mineralógicas e ângulos de foliação ou fraturamento,
não sendo possível se reconstituir, a partir das formas contemporâneas, as diversas fases de deformação das orogêneses pré-cambrianas, como se esperaria em um relevo verdadeiramente apalacheano.
Todavia, antes de se proceder a uma análise
mais detalhada das formas atribuíveis ao controle
morfoestrutural da Borborema, cabe rever o histórico da definição deste compartimento dentro do
cenário geomorfológico regional.
6 O PLANALTO DA BORBOREMA E A
TEORIA GEOMORFOLÓGICA CLÁSSICA
As orogêneses contemporâneas e sua intensa atividade tectônica são caracterizadas por paisagens montanhosas e cordilheirianas, enquanto
áreas plataformais com longo tempo de exposição
possuem paisagens rebaixadas que tendem a uma
planura, como proposto por DAVIS (1899) e KING
(1953). Alvo de pesquisas aprofundadas, sobretudo ao longo das últimas décadas, o estudo da morfogênese sobre orógenos modernos encontra-se
bastante consolidado na literatura internacional;
entretanto nota-se a carência de estudos desenvol39
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vidos em ambientes plataformais, principalmente
os situados em ambientes tropicais sub-úmidos e
secos. Não obstante, importantes trabalhos foram
realizados ao longo do último século, com ênfase
para o continente africano e o sulamericano, tais
como os de KING (1956) e KING (1962).
No Brasil encontram-se as áreas plataformais
mais extensas da América do Sul e, por consequência, a maioria das pesquisas relacionadas à morfogênese de margem passiva. Ressalta-se a contribuição
de trabalhos pioneiros, que estabeleceram as bases
para a compreensão da evolução do modelado sobre
a fachada leste do continente, a partir de uma perspectiva geomorfológica clássica, ou seja, a da elaboração das superfícies regionais de aplainamento (DE
MARTONNE 1943, 1944; RUELLAN 1956; DEMANGEOT 1960; BIGARELLA & AB’ SABER
1964; BIGARELLA & ANDRADE 1964).
Mesmo sem possuir um caráter revisionista
ou de substituição de paradigmas interpretativos,
o entendimento da morfogênese do Planalto da
Borborema vem passando por graduais transformações a partir das últimas décadas do século XX,
com substituição dos modelos que propunham o
escalonamento de superfícies erosivas aplainadas
por processos oriundos da pedimentação, por uma
visão que incorpora a tectônica de pulsos verticais,
responsável pelo soerguimento do planalto, seguido pela elaboração das formas locais por ação da
tectônica sobre blocos isolados, erosão diferencial
e até aplainamento pedogeoquímico.
Dentre as idéias mais acolhidas para compreender a conformação regional do planalto,
sobressai-se a de KING (1956), na qual o autor
sul-africano aplicou ao Brasil Oriental a idéia de
pedimentação desenvolvida por ele para o continente africano. Para King o relevo se desenvolveria
a partir de uma regressão erosiva paralela da encosta sobre uma superfície primariamente existente. O
ângulo de inclinação desta encosta seria mantido
a despeito do alastramento da superfície rebaixada
a jusante. KING (1956) definiu quatro principais
ciclos formadores de superfícies erosivas no Brasil
Oriental: Gondwana, Pós-Gondwana, Sul-americana e Velhas. Estes ciclos são determinados a partir
da identificação de níveis de topos concordantes,
que permanecem na paisagem como testemunhos
destes processos. Embora King não tenha visitado
o Planalto da Borborema - seu transecto terminou
em Sergipe - suas idéias e propostas terminológicas/cronológicas foram adaptadas para as terras
altas mais ao norte por diversos autores.
De fato, a aplicação deste modelo interpretativo já fora bem aceita e adaptada à paisagem do
centro-sul do Brasil uma década antes de King.
DE MARTONNE (1943), trabalhando no Sudeste do Brasil, identificou três principais superfícies
erosivas: Superfície dos Campos, a Paleogênica e
a Neogênica. Já AB’ SÁBER (1954), em seguida,
propõe quatro grandes superfícies, a Superfície dos
Altos Campos, a das Cristas Médias, a Neogênica
e a Jundiaí. Todas estas superfícies estão apresentadas de forma decrescente quanto à idade e altitude
(MONTEIRO 2010).
A partir dos postulados de Lester King sobre
a evolução do relevo, ANDRADE (1958), pioneiramente, e em seguida BIGARELLA & ANDRADE
(1964) identificaram níveis de topos no Nordeste
do Brasil e definiram superfícies erosivas crono-correlatas aos ciclos propostos por King. Estes
níveis seriam denominados de Pd3, Pd2, Pd1, P2 e
P1, sendo o Pd3 a superfície mais antiga e elevada
e o P1 o nível de pedimentação, e/ou formação de
terraços aluviais, mais recente e topograficamente
mais rebaixados.
Ao longo da década de 1970, MABESOONE
E CASTRO (1975) e colaboradores adaptaram as
nomenclaturas existentes a uma base mais regional
e centrada no Planalto da Borborema, denominando inclusive o nível de topos mais elevado da região (> 1.000m) de Superfície Borborema, sendo
este um provável correlato da Superfície Sul-Americana e Pd3 dos outros autores.
7 PLANALTO DA BORBOREMA: UM
ESBOÇO HISTÓRICO DE SUA DEFINIÇÃO
A assertiva de MELO (1956) sobre o Planalto
da Borborema em seu guia de excursão ao Nordeste do Brasil, preparado por ocasião do Congresso
da UGI daquele ano, no Rio de Janeiro, permite
compreender de forma sintética o padrão de idéias
que se tinha então na academia sobre o relevo do
extremo oriental do Nordeste, sua gênese, idade e
significado indireto das formas:
“De um modo geral o que se encontra no
Nordeste é um velho planalto com um grande
setor rebaixado sobre o qual se sobressaem relevos isolados e resíduos tabulares do antigo
capeamento sedimentar. A outra porção exibe
altitudes mais elevadas que vão dos 500 aos
1.000 metros em média, é o que se chama de
Planalto da Borborema propriamente dito”
(MELO 1956, p. 13).
Muito foi dito a respeito das superfícies de
erosão no Nordeste do Brasil, mas pouco foi trabalhado no sentido de elucidar os controles morfoes-
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truturais dos compartimentos individualizados do
relevo. As superfícies distribuídas em patamares
irregulares que se alçam da costa para o interior
foram interpretadas como remanescentes de fases
de aplainamentos posteriores aos eventos de soerguimento tectônico pós-Cretáceo.
No entanto, a interpretação das formas de relevo do Planalto da Borborema antecede o estabelecimento das escolas de geografia e geologia do
Recife ou do centro-sul do país. De fato, por toda
parte, a geomorfologia foi praticada inicialmente
por pessoas que dificilmente seriam tidas como
cientistas pelos padrões atuais. Assim, os primeiros
relatos a cerca do Planalto da Borborema seriam
os de viajantes, ora religiosos, ora agentes administrativos coloniais e, em menor escala, das primeiras expedições de cunho científico ao território
situado entre a costa úmida e o interior semi-árido
do Nordeste oriental (SPYX & MARTIUS, 1817,
HENDERSON 1993).
Dentre os relatos pioneiros sobre o Planalto da Borborema que já aplicavam metodologia e
nomenclatura geomorfológica, as observações de
CRANDALL (1910) foram por muitas décadas as
melhores descrições desse compartimento e sua
morfoestrutura. A “serra da Borborema”, como
a chamara, seria composta por um complexo de
gnaisses e xistos, tidos como paleozóicos. A cimeira do planalto seria estruturada por intrusões graníticas e sua extensão máxima ocorreria no paralelo de Campina Grande (PB), atingindo mais de
120 km de extensão E-W. Este autor afirmou que
a planura do topo do planalto estaria ligada a uma
evolução desta unidade como um peneplain granítico soerguido, dissecado atualmente pela drenagem.
Para Crandall, a Borborema devia a origem de suas
formas unicamente a uma dicotomia entre as rochas graníticas dos maciços intrusivos e as rochas
metamórficas, xistosas, das faixas de dobramento
modernamente reconhecidas. Na mesma linha de
raciocínio, MORAES (1924) também fez considerações sobre a Borborema, ressaltando a inexistência
de uma descontinuidade litológica entre a depressão
central de Pernambuco e a vertente ocidental do planalto. Este fato em si já sugeria ao autor o aporte
de um controle tectônico, além do litológico. No
entanto, anos mais tarde, em cima dessas mesmas
considerações, autores iriam fazer uso dessa continuidade litológica para justificar a regressão paralela
das escarpas a oeste da Borborema, mediante ação
de um ciclo de pediplanação (ANDRADE 1958, BIGARELLA & ANDRADE 1964).
Foi a partir da criação do Instituto de Ciências da Terra do Recife nos anos 1950, que os es-
tudos em geomorfologia foram de fato iniciados na
região nordeste, com a aplicação dos modelos de
pediplanação como motor de elaboração das superfícies regionais, conforme proposto por KING
(1956). A aplicação da teoria geomorfológica cíclica associada aos estudos de sedimentologia proporcionaram o encadeamento lógico necessário para
a reconstituição de eventos formadores de relevo
atuantes na região durante o Cenozóico. No entanto, após duas décadas, essa abordagem tornara-se
excessivamente regional e generalista, e no caso
do Planalto da Borborema, todas as formas encontradas foram relacionadas a um determinado ciclo
de elaboração de superfícies, sendo essas muitas
vezes caracterizadas apenas em função da distribuição do relevo em diversas zonas hipsométricas.
Outras abordagens geomorfológicas, sobretudo da vertente climática, como a de BÜDEL
(1982), não foram contemporaneamente aplicadas ao Planalto da Borborema ou ao Nordeste do
Brasil, ainda que ganhassem espaço e aplicabilidade em outros contextos tropicais. Ao contrário
do recuo erosivo das escarpas, a base da proposta
de Büdel assenta-se sobre a idéia do “duplo aplainamento”. A partir da aceitação da concepção da
gênese de etchplanos, novos entendimentos foram
trazidos para termos antigos como “erosão diferencial”. Tais concepções, embora destituídas de grandes esquemas crono-estratigráficos regionais, trouxeram novos ares às pesquisas em paisagens com
campos de inselbergs e maciços residuais, como as
cimeiras do Planalto da Borborema.
Os inselbergs, por exemplo, possuíam diversas explicações versando sobre sua origem erosiva
e residual sob a luz das teorias geomorfológicas
clássicas. Contudo, a partir da concepção de duplo
aplainamento, verificou-se que os inselbergs, inclusive os da Borborema, localizam-se em áreas de
diferenças litológicas no contexto geológico regional, e que, da mesma forma, os maciços residuais
estavam em porções menos fraturadas ou mineralogicamente mais resistentes dos corpos rochosos
(CORRÊA 1997, 2001).
Todavia, de acordo com CHRISTOPHERSON (1994), a validade dos modelos cíclicos e
funcionais/processuais de evolução da paisagem
depende do intervalo de tempo e da escala espacial
do trabalho. No tempo geológico, os modelos cíclicos talvez ainda possam explicar, por exemplo, o
aspecto grosso-modo escalonar do relevo regional
do Nordeste e sua elaboração a partir dos eventos tectônicos e denudacionais numa macroescala
espaço-temporal. De qualquer forma deve-se ter
cuidado com as generalizações, que não se aplicam
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ao estudo das formas de detalhe e dos processos vigentes, como os ajustes em transcurso nos alvéolos
de drenagem e pedimentos embutidos que formam
patamares imediatamente abaixo da superfície de
cimeira da Borborema.
8 O PAPEL DO ARQUEAMENTO REGIONAL
Embora todos os autores que estudaram o relevo do Nordeste oriental nas décadas de 1950 e
1960 concordassem com a idéia de arqueamento
ou bombeamento do Planalto da Borborema, muito
pouco foi dito no sentido de buscar uma explicação morfoestrutural para a morfogênese regional.
Uma exceção foi o trabalho de CZAJKA (1958),
que praticamente estabeleceu as bases puramente
morfoestruturais para a análise do relevo do Nordeste oriental. Vale ressaltar que muito do que foi
proposto pelo autor foi confirmado em pesquisas
mais recentes em trabalhos de neo- e morfotectônica (SAADI & TORQUATO 1992, SAADI 1993).
CZAJKA (1958) afirmou que no nordeste do
Brasil a relação entre erosão e tectônica tem um
papel fundamental. O autor reconheceu a importância dos lineamentos estruturais de direção E-W
como condicionadores de alinhamentos de serras
e de eixos de depressões. Estes lineamentos estariam intimamente associados aos principais eixos
de soerguimento regional. Também foi observado
por Czajka o comportamento diferenciado do relevo do setor oriental de Pernambuco e Paraíba
em função do arqueamento. Em Pernambuco, os
vales instalados em falhas penetram para o interior do continente em diversos níveis elevados,
formando depressões intermontanas em níveis de
até 800 metros de altitude. Na Paraíba, os rios não
avançam além da escarpa oriental que delimita o
planalto stricto-sensu, entre 500 e 600 metros de
altitude, estando a cidade de Campina Grande situada nas imediações do seu rebordo oriental. O
Planalto da Borborema foi dividido pelo autor em
dois setores; um ao norte, mais elevado, a cerca
de 600 metros de altitude, e um mais rebaixado
ao sul, limitado pelo rio Paraíba, a 400 metros.
O patamar que separa estes dois níveis teria uma
origem por tectônica flexural.
CZAJKA (1958) ainda identificou duas
principais zonas de arqueamento regional, definidas pela presença de alinhamentos de relevo,
sobretudo nas direções preferenciais ENE-WSW
e E-W. O primeiro seria o mais oriental dos arqueamentos (direção NNE-SSW) e coincide com
os patamares de Garanhuns (PE), 900-1000 metros, e Arcoverde (PE), 1.000-1.100 metros. Este
arqueamento em forma de cúpula encontra-se já
bastante erodido pelos rios Ipojuca e Moxotó,
sendo que o último segue para o São Francisco
a sudoeste do planalto. O segundo eixo de arqueamento corresponde ao nível mais elevado, às
superfícies somitais da Borborema, estruturado
pelas serras da Baixa Verde (1.000-1.185 metros)
e Teixeira (1.000 -1.197 metros). Estes eixos possuem implicações geomorfológicas e o cruzamento dos mesmos refletem as heranças da estrutura
pré-cambriana reativada durante o Cenozóico.
Embora tenha tratado pouco dos controles
litológicos, Czajka forneceu as primeiras contribuições da perspectiva morfotectônica sobre o relevo nordestino, com estudos pormenorizados dos
controles estruturais exercidos sobre o relevo pela
reativação cenozóica das zonas de cisalhamento
pré-cambrianas. Já nos anos 60 os estudos foram
voltados para a definição dos compartimentos geomorfológicos. Como previra CZAJKA (1958),
o relevo do nordeste oriental e suas superfícies
escalonadas, na falta de seqüências sedimentares
continentais, seria utilizado como marcador estratigráfico para o estabelecimento da cronologia
pós-cretácea da região. Esse tipo de abordagem,
no entanto, foi marcadamente climática, com pouca ou nenhuma referência aos controles estruturais sobre o relevo.
No nordeste, a partir da década de 1960, o
resultado desta abordagem resultou no estabelecimento de quatro ciclos erosivos. No entanto, a
subordinação excessiva da esculturação do relevo à existência de patamares escalonados acabou
por generalizar as explicações e simplificar as
metodologias de investigação, a ponto de não se
mencionar mais qualquer intervenção geológica/
estrutural como condicionadora das formas. Ainda
nesta mesma década surge a definição do Planalto
da Borborema, como um complexo de maciços residuais de dimensões diversas, resultado da ação
de sucessivas fases de aplainamento, que de uma
maneira geral situa-se sobre o topo da segunda superfície ou Pd1 (MABESOONE 1966).
ANDRADE & LINS (1965) também optaram pela mesma individualização da Borborema a
partir do seu posicionamento acima da superfície
geral de aplainamento da região, de idade assumida Plio-Pleistocênica (Pd1 ou Superfície Sertaneja).
O principal problema para a determinação exata do
aplainamento Plio-Pleistocênico na vertente oriental do planalto é o fato de apresentar-se sobrelevado
por uma nítida escarpa, alçado mais de 200 metros
acima do degrau imediatamente inferior em direção
à costa. Estes mesmos autores perceberam que os
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maciços e cristas residuais encontram-se alinhados
de acordo com as principais direções estruturais da
região, ora E-W, ora NE-SW, e afirmaram que quanto mais bem conservado fosse o aplainamento, mais
evidente seria o controle estrutural.
O grande problema trazido pela perspectiva
da pediplanação para o Planalto da Borborema é
que se em Pernambuco o nível que baliza as cristas
assume de fato a feição de depressões interplanálticas, na Paraíba, este nível - se é que se trata do
mesmo, como já questionara Czajka (1958) - corresponde ao próprio planalto, constituindo uma
cimeira plana com mais de 100 km de largura e
praticamente nenhuma cobertura superficial. Outro problema dessa perspectiva é o de não buscar
nenhum condicionamento litológico ou tectônico-estrutural para justificar a ocorrência de cimeiras
diferenciadas em forma de maciços e cristas em
Pernambuco e sua ausência na Paraíba.
De acordo com DOMINGUES (1961), o
Planalto da Borborema seria um grande domo
alçado por um bombeamento pós-Cretáceo, que
teria removido as coberturas sedimentares antes
existentes, exumando o embasamento cristalino.
AB’SÁBER (1998) corrobora a idéia de que o núcleo bombeado da Borborema só teria ganhado forma a partir do Cretáceo; todavia, sugere que o mesmo continuou sendo afetado pela tectônica dômica
mais de uma vez até o Quaternário. Já BARBOSA
(1966) sugere que a Antéclise da Borborema tenha
sido gerada por uma série de arqueamentos epirogenéticos lentos, que se manifestaram não apenas
após o Cretáceo, mas ao longo do Fanerozóico,
possivelmente desde o Paleozóico.
No trabalho clássico de MABESSONE &
CASTRO (1975), a abordagem descritiva do planalto segue no mesmo sentido dos trabalhos da década
de 1960, atribuindo o nome de Superfície Borborema ao topo das cristas e maciços mais elevados do
conjunto. A diferença foi a inclusão das fases de intemperismo responsáveis pela formação do regolito
e os sedimentos correlativos dos ciclos de aplainamento, como no caso da Formação Barreiras.
CASTRO (1977) discute a evolução do relevo
nordestino dentro de uma abordagem que contrapõe morfogênese e sedimentação. Sua abordagem
tratou mais detalhadamente do intemperismo como
preparação para o aplainamento posterior, dentro
da abordagem biorresistásica de ERHART (1956).
CASTRO (1977) descreve a Borborema como um
maciço antigo, elevado, rejuvenescido e com diversas áreas de aplainamento no seu interior. As cristas constituiriam os núcleos mais elevados formados por granitos, gnaisses e migmatitos, enquanto
as áreas deprimidas, onde a drenagem se encaixa,
seriam estruturadas nos micaxistos. Com a flexura
do bloco continental para leste, as vertentes orientais
da Borborema passaram a funcionar como áreas de
exposição às massas de ar úmidas de E-SE. O resultado seria a dissecação do relevo pela drenagem
consequente, enquanto na porção ocidental, situada
na sombra pluvial, ocorreria o contrário.
Em reconhecimento das formas de relevo do
Nordeste oriental do Brasil, MATSUMOTO (1973)
define o Planalto da Borborema como um grande
bloco montanhoso, que apresenta, em muitas áreas, uma superfície de erosão com altitude inferior a
400m, flanqueada por escarpas em muitos pontos.
Sobre tais escarpas, o autor aventa a hipótese de
estarem associadas a movimentos tectônicos, mas
afirma que mais estudos seriam necessários afim
de reconhecer sua natureza como escarpas de falha
ou escarpas de linha de falha. Matsumoto sugere
que a região do planalto teria sofrido um forte soerguimento pós-Cretáceo, de natureza tão ativa, que
foi acompanhado por movimentos locais e diferenciais de blocos e por atividade vulcânica que se
prolongou até o Quaternário. Tal atividade poderia
ser responsável pela gênese das escarpas, que poderia ter idade relativamente recente. Esta hipótese
foi corroborada 35 anos mais tarde pelo estudo de
OLIVEIRA (2008), como será visto adiante.
No mapa geomorfológico do Estado de Pernambuco (MABESOONE & NEUMMAN 1995),
que adota o esquema teórico-metodológico do
Projeto RADAMBRASIL (PRATES et al. 1981,
NOU et al. 1983), foram identificadas três regiões
morfogenéticas para o Planalto da Borborema: as
encostas orientais, as encostas ocidentais e o pediplano central.
As encostas orientais são marcadas por um
alinhamento diferencial, onde se distingue uma
porção setentrional com direção N-S e um setor
meridional alinhado a NE-SW. Trata-se de uma
área intensamente dissecada e rampeada em direção ao litoral, com altitudes que variam entre 200
e 500m, destacando-se na paisagem alguns blocos
serranos com altitudes acima de 600m. Esta região
reflete um controle tectônico com planos alçados e
inclinados para SE, sendo a dissecação controlada
pelas linhas de fratura, que se refletem nos interflúvios, geralmente apresentando linhas de cumeadas e cristas simétricas em concordância com as
direções dos falhamentos. Ainda é possível notar
mudanças bruscas no modelado decorrentes de diferenças litológicas.
As encostas ocidentais representam um modelado composto de formas erosivas de dissecação
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diferencial, salientadas pela orientação e entalhe
dos vales, estruturadas em rochas graníticas, apresentando cristas esculpidas em filitos, biota-xistos
e quartzitos. Trata-se de uma área intensamente
dissecada com recorrência de formas aguçadas e
convexas, com as cotas altimétricas mais altas da
região, variando entre 400 e 900m, até mais de
1000m. Estas encostas apresentam um traçado irregular e tortuoso nos limites com as depressões
sertanejas, associado aos processos de pedimentação, que teriam contribuído para a expansão das
depressões ao longo do Cenozóico.
O pediplano central da Borborema é marcado
por uma suave inclinação para leste, com altitudes
médias entre 500 e 600m, apresentando alguns blocos serranos com altitudes que superam os 800m.
Predomina um modelado de superfícies aplainadas com ocorrência de formas de dissecação diferencial. Segundo MABESOONE & NEUMMAN
(1995), os processos erosivos que atuaram na porção central da Borborema conduziram à diferenciação de duas superfícies: uma inferior, denominada
Cariris Velhos ou Soledade, associada a uma fase
biostásica, e outra superior, denominada Borborema, correspondente a um período de resistasia, ambas formadas entre o Albiano e o Pleistoceno.
Utilizando dados gravimétricos e magnetométricos para o estudo da isostasia e das causas
do magmatismo cenozóico na Província Borborema, OLIVEIRA (2008) atribui o alçamento do
Planalto da Borborema ao magmatismo continental gerado por um mecanismo de convecção de
borda impulsionada (Edge Driven Convection),
que explica a geração de correntes de convecção
em pequena escala decorrente da instabilidade no
contato entre a crosta continental fria e espessa e o
manto adjacente quente (KING 2004). No modelo de Oliveira o magma teria sido aprisionado no
limite da raiz da litosfera e da crosta continental,
gerando uma assimilação subsuperficial de magma (underplating). Como resultado da diferença
de densidade, a área do Planalto da Borborema foi
alçada por empuxo devido ao underplating. Esta
proposta corrobora a hipótese aventada por MATSUMOTO (1973), trazendo luz à explicação das
deformações recentes na região.
A hipótese do surgimento do planalto stricto sensu apenas após o Cretáceo, como sugerido
por DOMINGUES (1961), estaria em consonância
com o modelo de Oliveira (2008). Contudo, idades de Traços de Fissão em Apatita (TFA) obtidas
para a região de Triunfo (PE) apontam para eventos
de resfriamento de até 172,9±24,7 Ma (Jurássico)
(MORAES NETO et al. 2009). Correlacionando
estas idades com as obtidas para a Bacia Sedimentar do Araripe (a oeste do Planalto da Borborema),
obtidas por Moraes Neto et al. (2006), os autores
sugerem um evento contínuo de resfriamento/soerguimento a partir do Eopermiano até o Cretáceo.
Além disso, as idades TFA do estudo de Morais
Neto et al. (2009) agrupam-se entre 90-100Ma e
20Ma, indicando duas fases de soerguimento associáveis à abertura do Atlântico e ao magmatismo
continental, respectivamente, corroborando com o
modelo de OLIVEIRA (2008). Dessa forma, compreende-se que os mecanismos de soerguimento da
borda do continente se diferenciam naqueles decorrentes do próprio rifteamento e abertura do oceano e nos associados ao underplating miocênico,
provavelmente relacionados às diversas evidências
de magmatismo fissural ao longo deste período, sobretudo ao norte/nordeste do planalto.
9 COMPARTIMENTAÇÃO
MORFOESTRUTURAL DO PLANALTO
DA BORBOREMA
Uma proposta de compartimentação do Planalto da Borborema é sugerida a seguir (Figura 1),
destacando as seguintes unidades morfoestruturais:
Cimeira Estrutural São José do Campestre, Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas, Depressão Intraplanáltica do Pajeú, Depressão Intraplanáltica
do Ipanema, Depressão Intraplanáltica Paraibana,
Depressão Intraplanáltica Pernambucana, Maciços
Remobilizados Pernambuco-Alagoas e Maciços
Remobilizados do Domínio da Zona Transversal.
• Cimeira Estrutural São José do Campestre
Este setor exibe pequenos horsts por vezes
encimados por sedimentos terciários (Formação
Serra dos Martins), cortados em sua base por diques basálticos. Tal peculiaridade permitiu datar
o evento de vulcanismo miocênico que afetou a
base dos sedimentos, antes de sua sobrelevação
até 900m (Serra de Santana). Esta cimeira, apesar
de capeada por sedimentos, pode ser enquadrada
dentro do Planalto da Borborema, por sua gênese
estar associada ao alçamento do compartimento
como um todo, devido ao magmatismo Cenozóico.
Trata-se da área com anomalias magnéticas mais
evidentes, provavelmente em função da maior
proximidade de rochas máficas/ultramáficas da superfície (OLIVEIRA 2008). Este compartimento
é bordejado por soleiras epigênicas, constituindo
pedimentos escalonados, cuja dissecação provavelmente acompanhou o arqueamento desta região.
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FIGURA 1 – Compartimentação megageomorfológica do Planalto da Borborema.
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• Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas
Este setor define-se na paisagem da Borborema, de norte para sul, a partir das imediações do
Município de São Caetano, Pernambuco, assumindo
uma feição topográfica mais homogênea em relação
aos setores circunvizinhos, onde predominam as
cristas e relevos residuais. Ao longo de um transecto
pelo eixo central desta unidade, que se estende pela
BR-423 entre São Caetano e Garanhuns, predomina
uma topografia marcada pelas cimeiras planas com
espesso manto de argissolos e neossolos, cuja elevação varia de 600 a 700 metros. Sua ocorrência resulta
da combinação de fatores, como a homogeneidade litológica do Maciço Pernambuco-Alagoas (Complexo Gnáissico-Migmatítico), seu afastamento do Domínio da Zona Transversal (um dos eixos principais
do arqueamento regional) e finalmente sua própria
posição interiorana, na cimeira do bloco, a montante das áreas escarpadas sujeitas à intensa dissecação
vertical. Por fim, o próprio posicionamento entre os
eixos de arqueamento da região teria permitido a este
compartimento uma evolução morfogenética como
cimeira de planalto, assim como acontece com o setor paraibano na região de Campina Grande.
O único ressalto estrutural deste compartimento que pode ser designado de ‘’planalto’’
stricto senso é o patamar erosivo de Garanhuns.
Constitui-se numa das superfícies mais elevadas da
Borborema (900-1.000 metros) e está estruturado
numa faixa de quartzitos, orientada, grosso modo,
E-W, relacionada ao Complexo Belém do São
Francisco (Mesoproterozóico). Contudo não se
descarta a possibilidade deste nível também estar
condicionado por um eixo de arqueamento, devido
à sua proximidade do rebordo oriental do planalto.
• Depressão Intraplanáltica Paraibana
Este setor, na porção central da Borborema
Paraibana, encontra-se delimitado a leste e oeste
pelos compartimentos de encostas. A falta de uma
perturbação tectônica mais intensa permitiu o desenvolvimento de feições bastante planas, limitadas ao sul pelos Maciços Remobilizados do Domínio da Zona Transversal. O clima semi-árido severo
reinante (Cabaceiras registra apenas 275mm/ano e
Soledade 350 mm/ano) não permite o desenvolvimento de regolito, expondo os gnaisses e migmatitos diretamente à superfície. CRANDALL (1910)
já chamara esta área de peneplano granítico.
• Depressão Intraplanáltica Pernambucana
A área plana que se estende ao sul da Depressão Intraplanáltica Paraibana pode em muitos
aspectos ser comparada com esta última. Sua configuração é aproximadamente triangular, inclinando-se para leste em direção à encosta oriental. Sua
altitude média varia de 500 a 600 m, embora alguns blocos serranos atinjam mais de 800 metros.
Este compartimento encontra-se em grande parte
estruturado nos gnaisses e migmatitos dos complexos regionais mesoproterozóicos, não sendo
diretamente afetado pelos eixos do arqueamento
regional, que remobilizaram os maciços entre os
lineamentos Patos e Pernambuco. Deste modo, sua
morfologia é representada por alvéolos largos entre maciços e cristas residuais, apresentando-se na
paisagem como uma depressão intraplanáltica. Os
eixos principais das depressões estão diretamente
relacionados com os maciços arqueados que os delimitam. Neste unidade predominam climas semi-árido e sub-úmido com deficiência hídrica anual e
drenagem intermitente, incapaz de entalhar profundamente os vales. O padrão regional da drenagem
é o radial dendrítico, com marcado controle estrutural. O limite sul desta unidade é a Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas, que também exibe um
condicionamento tectônico.
• Depressão Intraplanáltica do Pajeú
Entre os Maciços Remobilizados do Domínio
da Zona Transversal e a Encosta Ocidental desenvolve-se outra depressão alongada para nordeste,
confinada entre maciços residuais. O aspecto geral do compartimento, inclinado para SW, sugere
um basculamento do bloco. Seus limites ocidentais
coincidem com a escarpa que delimita os níveis de
cimeira mais elevados do planalto (Baixa Verde e
Teixeira). Neste compartimento rebaixado entre os
dois principais eixos dos arqueamentos regionais
instalou-se a bacia do Rio Pajeú, tributário sudoeste do São Francisco.
• Maciços Remobilizados do Domínio da Zona
Transversal
O domínio da Zona Transversal corresponde
à área morfologicamente mais afetada pelos arqueamentos que atuaram sobre o planalto, exibindo as
cimeiras mais elevadas e os relevos mais vigorosos.
Situada numa faixa aproximadamente E-W entre os
estados de Pernambuco e Paraíba, nesta zona o termo
genérico “planalto” é pouco esclarecedor do aspecto
real da paisagem. Tem-se aí uma sucessão de maciços isolados, cristas e depressões intraplanálticas estreitas (como por exemplo, o Maciço da Serra Negra
de Bezerros e o Batólito de Brejo da Madre de Deus).
Este setor do planalto é fortemente condicionado
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pela presença de intrusões brasilianas de diversas dimensões, que resultaram em uma série de maciços
residuais, alguns com expressiva área aflorante. Destacam-se nesta unidade os batólitos da Serra da Baixa
Verde e de Teixeira, ambos situados nos limites dos
estados de Pernambuco e Paraíba. A superfície somital sobre estes corpos atinge 1.185 e 1.197 metros
respectivamente, constituindo a área mais elevada do
Nordeste Oriental. Tanto em Baixa Verde quanto em
Teixeira a tectônica agiu em consonância com a litologia para formar a área arqueada mais elevada do
planalto. Essas serras encontram-se alinhadas segundo as zonas de cisalhamentos sinistrais (Afogados da
Ingazeira e Serra Talhada), que atuaram como falhas
de transferência do Lineamento Pernambuco. Outro
aspecto fundamental em sua morfologia é o formato em ‘’panqueca’’ (ARCANJO 1993), oriundo de
sua geometria lacolítica em contato com estruturas
regionais de baixo ângulo.Tal peculiaridade lhe atribui uma cimeira notavelmente plana. Suas vertentes
adaptadas a linhas de falhas reativadas expõem a rocha sã, que não sofre substancial alteração química
sob o domínio do clima semi-árido.
Embora de altitudes modestas - nenhuma
cota atinge 1.200 metros - a proximidade entre
essas superfícies somitais e a depressão sertaneja,
estruturada nos Sistemas de Dobramentos neoproterozóicos, gera relevos fortes do tipo “montanhas
dissecadas” (MABESOONE & NEUMANN 1995,
CORRÊA 1997), com desníveis locais de até cerca
de 1.000 metros.
• Depressão Intraplanáltica do Ipanema
Corresponde ao pediplano escalonado ao sul
do Lineamento Pernambuco, no trecho situado a
oeste da Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas e
a leste dos Maciços Remobilizados do Domínio Pernambuco-Alagoas. O limite sul da unidade é marcado por uma ruptura de gradiente ao longo da cota
400m, com desnível de cerca de 100m em relação
ao pediplano imediatamente inferior, já reportado à
depressão sertaneja alagoana. Esta área foi provavelmente afetada pelos mesmos eventos que alçaram as demais unidades que compõem o Planalto da
Borborema. Caracteriza-se também pela marcada
dissecação epigênica do alto curso do Rio Ipanema.
•M
aciços Remobilizados do Domínio Pernambuco-Alagoas
Trata-se de uma estreita faixa de relevo escarpado que bordeja o limite leste do Planalto Sedimentar Recôncavo Tucano Jatobá, em continuidade com
a superfície cimeira deste compartimento. Estrutura-
-se em rochas metamórficas com intensa presença
de plútons brasilianos dispostos num alinhamento
NNE-SSW. A linha de plútons que define o compartimento, assim como sua encaixante metassedimentar, é limitada a leste por uma falha, no contato com
a Depressão Intraplanáltica do Ipanema.
10 DISTRIBUIÇÃO DOS COMPARTIMENTOS
REGIONAIS DO PLANALTO DA
BORBOREMA: PERFIS TOPOGRÁFICOS
A fim de melhor visualizar a distribuição dos
compartimentos regionais do Planalto da Borborema foram elaborados três perfis topográficos (Figura
2). A construção desses perfis obedeceu aos critérios
metodológicos definidos por DEMEK (1972), procurando orientar sua disposição de forma a melhor
ressaltar a distribuição espacial das estruturas.
Perfil A-B
Esse perfil mostra as áreas altas dos Maciços
Remobilizados do Domínio da Zona Transversal
e da Cimeira Estrutural São José do Campestre,
estruturadas em rochas metamórficas resistentes
como migmatito e quartzito. A presença de quartzito no primeiro compartimento pode justificar a
ocorrência de cotas superiores a 800m. Nota-se um
claro basculamento do interior do continente em
direção à costa, que pode ser resultado da flexura da borda continental gerado pelo underplating
miocênico (OLIVEIRA 2008)
Perfil C-D
Esse perfil abrange o compartimento Maciços
Remobilizados do Domínio da Zona Transversal
e a Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas, que
apresentam uma composição litológica semelhante.
Assim como no primeiro perfil, mostra um basculamento em direção à costa, com cotas altimétricas
acima de 1.000m na porção mais interior do continente, enquanto mais próximo à costa, apenas alguns
topos atingem cotas superiores a 800m. No centro
do perfil verifica-se um rebaixamento topográfico
em relação às porções oeste e leste, justamente na
passagem da chamada Zona de Cisalhamento Pernambuco, que corta o Estado de Pernambuco de leste a oeste, constituindo zona de fraqueza litológica
aproveitada pela erosão diferencial.
Perfil E-F
O perfil E-F abrange 5 compartimentos: a
Cimeira Estrutural São José do Campestre, a De47
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FIGURA 2 – Perfis topográficos ao longo dos compartimentos estruturais. A-B: porção setentrional do planalto.
C-D: porção meridional do planalto. E-F, mostrando a variação de sul para norte na compartimentação
do planalto. Compartimentos do planalto: 1 – Cimeira Estrutural São José do Campestre; 2 – Depressão
Intraplanáltica Paraibana; 3 – Depressão Intraplanáltica Pernambucana; 4 – Cimeira Estrutural PernambucoAlagoas; 5 – Depressão Intraplanáltica do Ipanema; 6 – Maciços Remobilizados do Domínio PernambucoAlagoas; 7 – Maciços Remobilizados do Domínio da Zona Transversal; 8 – Depressão Intraplanáltica do Pajeú.
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pressão Intraplanáltica Paraibana, a Depressão Intraplanáltica Pernambucana, a Cimeira Estrutural
Pernambuco-Alagoas e os Maciços Remobilizados
do Domínio da Zona Transversal. De sul para norte, observa-se inicialmente a Cimeira Estrutural
Pernambuco-Alagoas e os Maciços Remobilizados
do Domínio da Zona Transversal, com litologias
resistentes como migmatito, anfibólio, quartzito e
metadiorito, que estruturam compartimentos elevados com topos atingindo cotas muitas vezes superiores a 800m. Ao atingir a Depressão Intraplanáltica Pernambucana e posteriormente a Depressão
Intraplanáltica Paraibana, as cotas topográficas decrescem (400 a 600m), devido à presença de dois
anfiteatros erosivos com exutórios em direção ao
Oceano Atlântico. Ao norte, na Cimeira Estrutural
São José do Campestre, a topografia volta a se elevar a mais de 600m; entretanto não atinge as cotas
elevadas dos compartimentos à sul, possivelmente
pela ausência de rochas quartzíticas, ou ainda, devido à passagem pela Zona de Cisalhamento Pernambuco. Esta área pode estar sendo soerguida ou
sofrendo uma redução no seu rebaixamento devido
aos movimentos transcorrentes.
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As evidências reunidas até o presente momento permitem tecer as considerações abaixo
sobre o quadro morfoestrutural do Planalto da Borborema.
Não há sedimentação fanerozóica preservada no domo da Borborema, com exceção de
suas margens, onde ocorre de forma assimétrica
e extremamente descontínua. A leste do planalto,
área mais deformada pelo rifteamento e posterior
flexura, a única cobertura sedimentar remanescente que pode servir de marcador estratigráfico
é a Formação Serra dos Martins (PB/RN), com
remanescentes tabulares delgados, que se elevam
sobre as bordas da superfície geral do planalto
(nível de 400/500m). Estes sedimentos de origem
continental possuem idade mínima (U-Th)/He de
20Ma (LIMA 2008), provavelmente marcando
um primeiro nível de base regional pós-rifte, a
nordeste do planalto atual.
A Formação Barreiras é um marcador morfoestratigráfico imperfeito, uma vez que só ocorre a
leste do Planalto e mesmo assim não constitui uma
unidade cronológica segura, já que muitos sedimentos tidos como Barreiras podem ser de fato do
Pleistoceno Superior (BEZERRA et al. 2008). De
qualquer forma, essa formação só atesta um pulso
tectônico (Mioceno), sendo posteriormente dis-
secada e fortemente erodida no Pleistoceno, com
exceção de alguns fundos de vale e áreas tectonicamente rebaixadas que antecedem a linha de costa.
Os marcadores pedológicos confirmam a falta de coberturas antigas, denotando uma retomada
vigorosa da erosão durante o Cenozóico Superior,
possivelmente associada ao alçamento decorrente
do underplating. Logo, o modelo de etchplanação
só se aplicaria à região na sua fase final de elaboração, sob a forma de um etchplain denudado, com
subseqüente fase de formação de solos imaturos,
altamente dependentes da litologia e dos topoclimas (CORRÊA et al., no prelo).
O underplating relacionado ao magmatismo
do leste da Borborema paraibana e potiguar pode
confirmar uma nova fase de soerguimento do núcleo arqueado, mas não a formação do planalto
stricto sensu, uma vez que a geração do domo da
Borborema pode ter se iniciado a mais de 200 Ma,
conforme evidências de idades de traços de fissão
na região de Triunfo. No entanto, as evidências
estratigráficas apontam para uma evolução do planalto como uma antéclise ao longo de todo o Fanerozóico, tendo funcionado como área-fonte de sedimentos, pelo menos para as duas fases terminais
de sedimentação das bacias do Araripe, Potiguar e
do aulacógeno Tucano-Jatobá. Os pulsos posteriores de isostasia positiva se refletiram na retomada
erosiva, encaixamento e adaptação da drenagem
aos trends regionais, epigenia e erosão diferencial.
Em síntese, o Planalto da Borborema corresponde ao conjunto de terras altas que se distribuem
no nordeste oriental do Brasil, com limites marcados por uma série de desnivelamentos topográficos, geralmente com amplitude da ordem de 100m
em relação ao entorno, sendo comum não apresentar solução de continuidade litológica em relação
ao relevo rebaixado adjacente. Sua gênese reflete
uma série de pulsos epirogenéticos, associados
inicialmente ao desmantelamento do Gondwana
e posteriormente ao magmatismo continental Cenozóico, que atuaram sobre estruturas herdadas,
dando origem a um mosaico de subcompartimentos com características distintas do ponto de vista
morfoestrutural.
Do ponto de vista metodológico, a identificação de três níveis hierárquicos de compartimentos
morfoestruturais, a saber: o macrodomo correspondente à Província Borborema incluindo suas bacias
fanerozóicas, o planalto stricto sensu e seus compartimentos, coloca em dúvida a validade de alguns
dos modelos clássicos de taxonomia das formas de
relevo, que dispensam apenas um nível categórico
para as unidades morfoestruturais supracitadas.
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Endereço dos autores:
Antonio Carlos de Barros Corrêa - Departamento de Ciências Geográficas, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Laboratório de Geografia Física Aplicada, Grupo de Estudos do Quaternário do Nordeste do
Brasil, Universidade Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária, CEP:
50670-901, Recife - PE. E-mail: [email protected]
Bruno de Azevêdo Cavalcanti Tavares, Kleython de Araújo Monteiro, Lucas Costa de Souza Cavalcanti,
Daniel Rodrigues de Lira - Doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Departamento de
Ciências Geográficas, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Laboratório de Geografia Física Aplicada,
Grupo de Estudos do Quaternário do Nordeste do Brasil, Universidade Federal de Pernambuco, Av. Prof.
Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, CEP: 50670-901, Recife - PE. E-mails: brunoactavares@
yahoo.com.br, [email protected], [email protected], [email protected]
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