Imunidade Adaptativa Celular

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Universidade de São Paulo
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada
Autores: Cássia Alves Sérgio e Luana Silva Soares
Imunidade Adaptativa Celular
A principal célula envolvida na imunidade adaptativa celular é o linfócito T. Ele se origina
de precursores linfóides na medula óssea e migra para o timo, onde ocorrem maturação e seleção
(link Mecanismos de Escape da Tolerância Imunológica e Compartimentos da Resposta Imune)
destas células. O processo de maturação dos linfócitos T envolve a expressão de um receptor de
célula T (TCR- T cell receptor) funcional e das moléculas CD4 e CD8. A geração dos receptores
TCR, constituídos por duas cadeias protéicas diferentes, geralmente cadeia alfa e cadeia beta,
consiste no rearranjo de vários segmentos gênicos de regiões denominadas variável (V), diversidade
(D) e junção (J). Os segmentos gênicos V, D e J que compõem a cadeia beta localizam-se no
cromossomo 7 humano, enquanto os segmentos V e J que compõem a cadeia alfa localizam-se no
cromossomo 14. A recombinação entre esses diferentes segmentos é mediada pelas enzimas RAG1
e RAG2, que são expressas durante a fase de maturação dos linfócitos, gerando um repertório de
linfócitos T em torno de 1016 (Figura 1). Este repertório possibilita o reconhecimento de diferentes
moléculas denominadas antígenos, por serem capazes de induzir respostas imunológicas
específicas. Finalizado o processo de maturação no timo, originam-se duas populações de linfócitos
T, T CD4+, descritos como auxiliares, e T CD8+, denominados citotóxicos. Essas células atingem a
corrente sanguínea e recirculam nos órgãos linfóides secundários, como linfonodos e baço, até
encontrarem seu antígeno específico e serem ativadas.
Os linfócitos T somente reconhecem antígenos protéicos, processados e apresentados por
moléculas de MHC (Major Histocompatibility Complex) na superfície de uma célula apresentadora
de antígeno (APC, do inglês Antigen Presenting Cell). Existem dois tipos principais de MHC, as
moléculas de classe I que estão expressas em todas as células nucleadas, e as moléculas de classe II
que são encontradas nas APC, principalmente macrófagos, células dendríticas e linfócitos B. O
linfócito T CD4+ auxiliar somente reconhece o complexo peptídeo-MHC de classe II, enquanto o
linfócito T CD8+ citotóxico reconhece o complexo peptídeo-MHC de classe I.
Para que ocorra a apresentação do complexo peptídeo-MHC na superfície celular é
necessária a degradação dos antígenos oriundos dos microrganismos, evento denominado
processamento antigênico. A localização do antígeno irá determinar por qual molécula de MHC ele
será apresentado. Se os antígenos forem fagocitados, eles serão degradados em peptídeos, no
interior de vesículas, e apresentados na superfície celular associado ao MHC de classe II. Por outro
lado, se os antígenos estiverem no citosol das células, os mesmos serão clivados por complexos
multienzimáticos e associados ao MHC de classe I.
O processo de reconhecimento dos antígenos pelos linfócitos T é altamente específico, com
capacidade de distinguir diferenças sutis entre os antígenos. Este evento ocorre nos órgãos linfóides
secundários, onde os linfócitos serão ativados e proliferarão após encontrarem as células
dendríticas, APC que migram do sítio infeccioso. A resposta mediada por células T ocorre alguns
dias após o contato inicial com o antígeno, tempo requerido para que os clones específicos
proliferem-se e tornem-se células efetoras. Diferentemente da imunidade inata, composta por
células que reconhecem o patógeno, em seu local de entrada no organismo, através de receptores de
reconhecimento padrão (PRR, do inglês Pattern Recognition Receptors). Esses receptores ligam-se
a estruturas compartilhas por diversos patógenos (PAMP, do inglês Pathogen Associated Molecular
Patterns) ativando rapidamente as células naquele local.
Os linfócitos T que reconhecem o complexo peptídeo-MHC específico irão passar por
diversas etapas de ativação até adquirir a capacidade efetora. A ativação dos linfócitos T
compreende três etapas: 1° sinal - o reconhecimento inicial pelo TCR do complexo peptídeo-MHC,
expresso na superfície da APC; 2° sinal - interação das moléculas co-estimuladoras, como B7-1
(CD80) e B7-2 (CD86), expressas nas APC com CD28, expresso nos linfócitos T; 3°sinal - secreção
de citocinas pelas APC que atuam nos linfócitos. Após o 1° e 2° sinais, ocorrerá a produção da
citocina IL-2 e a expressão do seu receptor de alta afinidade (CD25) que favorecerem a expansão
dos linfócitos específicos (Figura 2). Com base nesse conhecimento, podem ser feitas algumas
intervenções terapêuticas: utilização de anticorpos que bloqueiam CD25 e/ou moléculas coestimuladoras, inibindo a proliferação e ativação dos linfócitos e, consequentemente, uma eventual
resposta imune direcionada a enxertos em casos de transplante.
Após a ativação e expansão clonal dos linfócitos T nos órgãos linfóides secundários ocorre a
diferenciação destes linfócitos em células T efetoras e aquisição de moléculas de adesão que
permitem o seu endereçamento para o sítio infeccioso. Além disso, essa migração é dependente de
quimiocinas secretadas no sítio infeccioso. Neste local, os linfócitos reconhecem novamente o
complexo peptídeo-MHC para desempenharem sua função efetora de acordo com o seu padrão de
diferenciação, ampliando os mecanismos efetores da imunidade inata (Figura 3).
Até o presente, são bem caracterizadas quatro populações de linfócitos T CD4+: Th1 (Th, do
inglês T helper), Th2, T reguladoras e Th17. Os linfócitos T CD4+ do padrão Th1 secretam IFN,
principal citocina envolvida na ativação de macrófagos, importante no controle de infecções por
patógenos intracelulares.
As células T CD4+ de padrão Th2 secretam IL-4 e IL-5, e estão
associadas com as doenças alérgicas e infecções por helmintos. Os linfócitos T CD4+ de padrão
Th17 secretam IL-17, que possui importante papel na inflamação, por induzirem o recrutamento de
neutrófilos (Figura 3). Evidências clínicas e experimentais sugerem que algumas doenças
autoimunes, como esclerose múltipla e artrite reumatóide, estejam relacionadas à produção
exacerbada de IL-17. E por fim, as células T CD4+ reguladoras (Treg) têm a função de evitar o
desenvolvimento de doenças autoimunes, além de minimizar respostas imunes exacerbadas que
provoquem lesão tecidual. Essas células atuam por diferentes mecanismos, sendo um deles a
secreção de citocinas com função antiinflamatória, como a IL-10 e o TGF-β.
Além dos linfócitos T CD4+ atuarem sobre as células da imunidade inata, eles também
influenciam na proliferação e diferenciação dos linfócitos B e T CD8+. Os linfócitos T CD8+ atuam
de forma mais direta na célula-alvo através da secreção do conteúdo de seus grânulos: perforinas e
granzimas (Figura 3). Essas enzimas induzem a morte da célula alvo basicamente por dois
mecanismos: necrose e apoptose. As células T CD8+ estão envolvidas principalmente nas respostas
antivirais e também possuem atividade antitumoral. Após migrarem para o local da infecção, serem
ativados e desempenharem sua função efetora, os linfócitos T morrem por apoptose, permanecendo
no organismo as células T de memória. Células de memória serão importantes numa próxima
exposição àquele mesmo antígeno porque são ativadas mais rapidamente, e portanto, serão capazes
de gerar resposta imune mais intensa e eficiente.
Imunidade Adaptativa Celular e Implicações Clínicas
A integridade das células que compõem tanto a imunidade inata como a adaptativa é
necessária para estabelecer uma resposta imune eficiente contra os agentes patogênicos. A falha em
algum componente desse sistema pode levar a imunodeficiências e a quadros de imunossupressão.
A imunodeficiência é uma desordem do sistema imunológico caracterizada pela incapacidade de se
estabelecer uma imunidade efetiva contra patógenos. Os indivíduos acometidos por tal quadro
apresentam uma crescente susceptibilidade a infecções e a certos tipos de câncer.
As imunodeficiências podem ser subdivididas em: primárias e secundárias. A primária
geralmente é oriunda de defeitos genéticos, podendo acometer a imunidade inata através do
comprometimento da fagocitose ou do complemento, ou a adaptativa, levando a falhas no
desenvolvimento, ativação ou funcionamento dos linfócitos. A síndrome de DiGeorge (SDG) é
um exemplo de imunodeficiência primária causada pela deleção de uma região do cromossomo 22,
o que resulta em alterações na formação do embrião. A malformação do embrião tem como
consequência tais anomalias: malformação cardíaca, dimorfismos facias e hipoplasia do timo. A
hipoplasia do timo induz a uma maturação defeituosa de todos os linfócitos T, levando a números
reduzidos ou ausentes na corrente sanguínea. Os indivíduos não eliminam de forma eficaz os
patógenos intracelulares, como por exemplo, micobactérias e vírus, mas são capazes de enfrentar as
infecções causadas por bactérias extracelulares.
A imunodeficiência secundária ou adquirida
pode ser consequência da desnutrição,
envelhecimento, uso de quimioterápicos e aquisição de doenças específicas, como a infecção pelo
vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês Human Immunodeficiency Virus) ou mesmo
alguns tipos de câncer, particularmente aqueles que afetam as células geradas na medula óssea. O
HIV infecta principalmente os linfócitos T CD4+ auxiliares causando sua redução no indivíduo.
Dessa forma, a resposta imune desses indivíduos fica comprometida devido à ausência da função
auxiliar que essas células exercem sobre várias células do sistema imunológico.
Diferente das imunodeficiências relacionadas à redução do número de linfócitos T seja por
alteração no órgão onde ocorre maturação dessas células ou por infecção, também existem as
doenças associadas com excesso de proliferação dos precursores dos linfócitos T, que originam as
doenças neoplásicas. Dentre elas, a leucemia linfocítica aguda (LLA), na qual a proliferação
constante dos precursores leva ao acometimento de toda a medula óssea, reduzindo a hematopoese.
Consequentemente, indivíduos acometidos por essa doença apresentam números reduzidos de
linfócitos, hemácias e plaquetas, sendo susceptíveis a quadros variáveis de infecção, anemia e
sangramento.
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