E AGORA JOSÉ?! Há um conhecido poema de autoria de Carlos Drummond de Andrade falando a respeito de um tal José. Ao ler o poema percebemos que o José em questão está, no mínimo, em “maus lençóis”. Está numa situação difícil e infeliz. Nesse contexto, a pergunta vem rápida e certeira: E agora José? Todos nós já passamos por situações semelhantes, aquelas bem adversas, dramáticas, inesperadas, trágicas. Há situações que ganham até nomes. É nome de fruta: “estou com um tremendo abacaxi”. É nome de verdura: “batata quente nas mãos” ou “a tua batata está assando”. É nome de conotação bélica: “ eu peguei uma bomba!”. Fora outras situações que chegamos ao extremo. É o salário que acaba dia quinze, é vale-transporte que precisa ser vendido, é o ticket que não pode ser comprometido em data específica, é a prestação vencida nas Casas Bahia... é um romance que acaba, é alguém querido que se vai...Então só nos resta lamentarmos nossas derrotas, nossas fraquezas, nossas culpas e pedir aos céus misericórdia e sentir dó de nós mesmos tal qual José. E agora? José Saramargo, um dos maiores escritores da língua Portuguesa inspirado neste poema de Drummond escreveu uma crônica na qual salienta que muitas vezes já tinha feito essa pergunta “ E agora José ?” pra si mesmo “ naquelas horas em que o mundo escurece, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. E agora José?” A propósito destes dois textos, outro José surge em cena e parece ser de fato o protagonista do poema, pois sua vida foi marcada por muitas tragédias, golpes e humilhações. Parece mesmo que Drummond inspirou-se na história de vida desse desafortunado rapaz para construir seu poema. Refirome a José do Egito, um dos personagens do Velho Testamento mais importantes das narrativas bíblicas. Ora, em primeiro lugar , José ainda criança já tinha uma razão pra ter crescido com algum trauma psicológico pois sua mãe morrera de parto ao dar a luz a seu único irmão. Para servir de consolo seu pai o tem como filho privilegiado mas em contrapartida isso vem gerar inveja irrestrita de seus irmãos. Oito irmãos por parte de pai contra uma criança órfão de mãe! Para piorar, José tem um sonho no qual dá a entender que seria o maioral entre eles. Isso apenas gerou mais inveja e intrigas por parte dos irmãos e até incredulidade por parte do pai. Por causa daquela inveja, e por conseguinte, das constantes intrigas seus irmãos decidem mata-lo. Mas foi salvo por um triz! Sim, salvou-se da morte mas foi jogado dentro de um poço. Quem nunca, alguma vez, se sentiu assim, no fundo do poço? Como se não bastasse ele ainda foi vendido como escravo. Que sina maldita... Foi assim que ele chegou no Egito. Uma terra totalmente estranha. Longe de sua pátria, de seu querido pai, de sua cultura, de seus ensinamentos e costumes. Uma criança marcada pelas contrariedades da vida agora iria enfrentar uma outra realidade. Ser escravo. E agora José? Seu coração poderia está muito sofrido, contrito, cheio de mágoas. Talvez estivesse cheio de lamúrias em relação ao seu Deus. Talvez sentisse ódio de seus desalmados irmãos e dó de si mesmo todos os dias de sua moribunda existência. Será se sua beleza serviria de consolo? Ora, antes não fosse formoso. Pois foi isso que atraiu a atenção da mulher de seu patrão que começou a cobiça-lo. Como José não lhe deu crédito ela sentiu-se desprezada e acusou-lhe de assédio. Fez um escândalo. Ele não teve como escapar. Foi preso, jogado em um calabouço. Forasteiro, solitário, desprezado. Condenado. José deveria se sentir a pessoa mais amarga desse mundo. Ele até tinha conseguido alguma honra na casa do seu patrão, mas agora tudo estava manchado, tudo jogado na lama e inteiramente irremediável. Ele não tinha mais crédito. Indigno. Não tinha mais confiança. Só lhe restava se reservar a sua total e inexorável insignificância. Drummond tem um bom motivo para lhe dedicar o poema “ E agora José?”: A festa acabou A luz apagou O povo sumiu A noite esfriou E agora, José? E agora, você Você que é sem nome (...) Está sem mulher Está sem discurso Está sem carinho (...) O dia não veio O riso não veio Não veio a utopia E tudo acabou E tudo fugiu E tudo mofou E agora, José? (...) Sozinho no escuro Qual bicho-do-mato (...) Pelo menos fala-se que ele teve um amigo...um amigo prisioneiro. Ainda bem que ele teve a quem pedir um favor...a um prisioneiro. Quando esse prisioneiro conseguiu liberdade José pediu que intercedesse a seu favor quando estivesse perante Faraó. Coitado de José, não sabia que seu amigo sofresse de amnésia. Passou-se vinte anos para lembrar-se dele. Vinte anos. Porém, um dia Faraó tem um estranho sonho. Fica perturbado. Procura explicação. Ninguém entende. Nem Freud, se fosse daquela época, com seu eloqüente livro “ Interpretação dos Sonhos” explicaria. Então o amigo de José finalmente lembra-se dele, depois de vinte anos e avisa a Faraó do dons de José em interpretar sonhos. Faraó é Faraó. De imediato faz trazer José a sua presença. Todos os egípcios ficam aguardando ansiosamente. José ouve o sonho atentamente e interpreta inteligentemente o sonho do todo poderoso. O povo celebra alegremente o grande sucesso de José. Ele então é elevado a um grande posto do Egito tornando-se um importante homem. Faz grandioso processo administrativo e político. Agora sim, José poderia se vingar de quem lhe fizera mal. Mas não. Ele não usou de seu poder para isso. Mesmo diante de seus irmãos ele foi benevolente. Ao invés de amaldiçoa-los abençoou sobremaneira. Diante de todos malefícios dos quais fora vitima na vida ele não se deixou abater, não deixou se levar pelas circunstancias. Pelo contrário, ele persistiu firme em seus princípios e na sua fé. Desse modo, por tudo que passava, bem ou mal, tudo se transformava em benção. A propósito disso, quando seu pai já próximo de morrer declama uma magnífica benção em forma de poesia para José: “José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte; seus ramos pendem sobre o muro. Os flecheiros lhe deram amargura e o flecharam e o odiaram. O seu arco porém, susteve-se forte. Podemos notar através destas palavras que José na verdade foi um grande homem desde o começo. Em “ seus ramos pendem sobre o muro...” dá um sentido de abundância. Quem nunca viu um pé de mangueira, abacate, chuchu ou maracujá do vizinho pender seus galhos ou ramos cheios de frutos sobre o nosso muro espalhando toda aquela fartura? Era assim a vida de José. Apesar de todo infortúnio e perseguição sua vida transbordava de bênçãos. Ele estava junto à fonte. Não. Definitivamente este não é o mesmo José do poema de Carlos Drummond de Andrade. O José do Egito nos dá uma boa lição de vida enquanto o José de Drummond só é digno de pena. E agora, José? Qual deles você prefere?