06/01/2014 Clima, alimentação, saúde e biodiversidade por

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06/01/2014
Clima, alimentação, saúde e biodiversidade
por Washington Novaes*
Fonte: http://envolverde.com.br/portal/wp-content/uploads/2014/01/alimentosproducao.jpg
Tem sido muito farto, nas últimas semanas, o noticiário sobre vários temas que se inter-relacionam – perdas
em várias áreas com mudanças climáticas, inclusive na biodiversidade; valor dessa biodiversidade na
alimentação humana, na saúde e em outros setores; perdas de safras brasileiras por causa de “pragas”
novas e antigas. Parece estar começando uma discussão que pode ser muito importante e proveitosa para
todas as áreas, especialmente neste momento em que várias instituições mostram também que o uso e o
consumo de produtos alimentícios e matérias-primas estão afetando toda a Terra, já que em oito meses de
um ano consumimos o que ela pode prover em todo o ano – além de reduzirmos a capacidade de retenção
de dióxido de carbono, que passa a acumular-se na atmosfera e a acentuar mudanças do clima.
Mais de uma vez, ao longo de 2013, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ressaltou em seus
pronunciamentos o valor das florestas, que abrigam mais de metade das espécies terrestres de animais,
principalmente insetos, e plantas. Pesquisa do Nature Climate Change mostrou (Instituto Carbono Brasil,
13/5/2013) que o clima pode levar à extinção de 57% das plantas; 34% dos animais conhecidos sofrerão
com perdas de seus hábitats – só 4% se beneficiariam com temperaturas mais altas. A Amazônia será uma
das áreas mais atingidas.
Os problemas no Brasil são muitos, segundo o Livro Vermelho da Flora Brasileira, editado pelo Centro
Nacional de Conservação da Flora, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; 2.118 de 4.617 espécies
estudadas estão ameaçadas pela perda e degradação de hábitats, pela expansão de monoculturas
extensivas e pelas queimadas, principalmente no Cerrado (já afetado em 50% de sua área por incêndios e
desmatamentos; e que já perdeu grande parte de seu estoque de água no subsolo, que alimenta todas as
grandes bacias nacionais).
Entre as espécies ameaçadas estão numerosas com alto valor medicinal, inclusive no Brasil – como o
barbatimão, com propriedade cicatrizantes; a arnica, eficaz no tratamento de traumatismos e contusões; a
pata-de-vaca, com propriedades diuréticas e eficaz em casos de diabetes e obesidade; a gabiroba (ou
gueroba), útil em diarreias e afecções no sistema urinário; o araticum (marolo), para cólicas menstruais; a
catuaba, afrodisíaca, ansiolítica, antibacteriana, expectorante.
Outra área de muita discussão tem sido a da possibilidade de uma dieta de insetos reduzir os problemas
que o mundo enfrenta com a fome e a miséria. Insetos constituem mais de 50% dos organismos vivos. E
1.900 espécies já são consumidas por humanos, informa a FAO, a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (Eco21, maio de 2013). Com dois quilos de alimentos insetos produzem um quilo
de carne, enquanto bovinos precisam de oito quilos de alimentos para gerar um quilo de carne para
humanos – além de insetos gerarem muito menos metano e outros gases (um boi gera 58 quilos de metano
por ano, segundo a Embrapa Meio Ambiente; com mais de 200 milhões de bovinos, só aí o Brasil gera 1,6
milhão de toneladas anuais de metano).
Quatro áreas no Brasil, no Alto Rio Negro e no Javari – duas delas, terras indígenas –, são consideradas
excepcionalmente valiosas para a conservação da biodiversidade, diz a revista Science (no geral, as terras
indígenas são apontadas pelos cientistas como o melhor caminho para essa preservação). E na Amazônia
foram identificadas 15 novas espécies em áreas como essas, no ano passado. Outros cientistas, da
Universidade de Aberdeen, afirmam (mercadoetico, 19/2/2013) que plantas afetadas por problemas são
capazes de alertar, por meio de fungos do solo, outras plantas para que estas ativem genes que as
protejam. Muitas são capazes de prever a chegada de ventanias e tempestades (Agência Fapesp,
novembro de 2013) – e podem ajudar a acionar programas preventivos (que são raros no Brasil).
Também têm estado muito presentes, nos últimos tempos, notícias como as de programas e políticas de
valorização da mandioca. Em meio a elas, jornais publicaram a informação de que nossa campeã mundial
de natação, Poliana Okimoto, chegou a esse destaque depois de, com o auxílio de uma nutricionista,
substituir por mandioca e derivados boa parte de sua dieta alimentar. Fez lembrar o cientista Paulo de Tarso
Alvim, para quem, “se a mandioca fosse norte-americana, o mundo todo estaria comendo mandioca flakes e
tapioca puffs”. Porque a mandioca é a espécie mais adaptada a solos brasileiros, não precisa nem de
fertilizantes nem de agrotóxicos.
E por aí se chega ao noticiário de que parte das consideráveis perdas que estão ocorrendo na agricultura
brasileira de exportação se deve à remoção dos defensivos naturais do solo, após a implantação de
monoculturas extensivas e uso intensivo de agrotóxicos – consumo em que o Brasil é o líder no mundo.
Desprotegido das suas defesas naturais, o solo torna-se muito vulnerável – essa seria uma das causas de
termos no momento tantas “epidemias de pragas”, como a que assola as culturas do algodão, e que podem
espalhar-se mais.
Com tantas notícias na área de insetos, é inevitável que volte à memória a sentença do respeitado biólogo
Edward Wilson de que as formigas dominarão a Terra: elas já são quatrilhões e se reproduzem em
velocidade muitas vezes maior que a do ser humano. Também fazem lembrar um catedrático de estruturas
de concreto que apontava para um cupinzeiro no Jardim Botânico de São Paulo e dizia: “Essa é uma
construção sustentável; ali vivem dezenas de milhares de cupins, em absoluta ordem, trafegando dentro e
fora na busca de alimentos e seu armazenamento em câmaras subterrâneas, dotadas de orifícios para
liberação de gases da decomposição” – que eles abrem e fecham conforme a temperatura.
Quem porá a biodiversidade no centro das nossas políticas?
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo(http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,climaalimentacao-saude-e-biodiversidade-,1114516,0.htm).
Fonte: O Estado de S. Paulo/Envolverde(http://envolverde.com.br/ambiente/clima-alimentacao-saude-ebiodiversidade/)
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