Projecto de Lei n.º 68/XII

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ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Projecto de Lei nº 68/XII
Lei de Bases da Economia Social
A Economia Social tem raízes profundas e seculares na sociedade
portuguesa. Entidades como as misericórdias, as cooperativas, as
associações mutualistas, as colectividades de cultura e recreio e as
fundações foram, ao longo da nossa História, precursoras do moderno
conceito de Economia Social ao representarem respostas organizadas da
sociedade civil a necessidades sociais, através da concessão de bens e da
prestação de serviços e uma utilização social dos excedentes obtidos.
Com natureza diversa – reveladora das suas riquezas e virtualidades - as
entidades da Economia Social apresentam um conjunto de princípios
unificadores que constituem como que o seu traço distintivo.
Tal é o caso do primado do indivíduo e dos objectivos sociais sobre o
capital, o voluntariado e o livre acesso e participação, a conciliação entre o
interesse dos membros e utilizadores com o interesse geral, a gestão
autónoma e independente do Estado, bem como a afectação dos
excedentes obtidos a objectivos de desenvolvimento sustentável e a
serviços de interesse para os respectivos membros ou para a comunidade
em geral.
O reconhecimento da importância da Economia Social quer na União
Europeia, quer nos Estados Unidos e América Latina tem vindo a reforçarse por razões diversas entre as quais se destaca o seu peso crescente no
Produto Interno Bruto dos países e o relevante contributo para a criação
de emprego estável e duradouro. Do mesmo modo, o seu forte contributo
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para o desenvolvimento sustentável, a inovação social, ambiental,
tecnológica e o reforço da coesão social, económica e regional.
Vai neste sentido a Resolução do Parlamento Europeu de 25 de Março de
2009, que exorta a Comissão Europeia a promover a Economia Social nas
suas novas políticas, defendendo o conceito de “abordagem empresarial
diferente” próprio desta economia “cujo motor principal não é a
rentabilidade financeira mas sim a rentabilidade social”, a fim de que as
suas especificidades sejam efectivamente tomadas em conta na
elaboração dos enquadramentos jurídicos de cada país.
Em Portugal, a Economia Social, para além da relevância do seu legado
histórico, das suas profundas raízes na sociedade portuguesa e de ter o
seu substrato jurídico em sede constitucional, tem vindo a reforçar-se
enquanto subsidiária do Estado em áreas tão importantes como a acção
social e a solidariedade social, a saúde, a educação, a agricultura, a
habitação, a cultura, o ambiente, o desenvolvimento local e o desporto. A
diversidade das suas actividades estende-se, ainda, à banca, aos seguros e
à previdência complementar.
É igualmente de particular relevo o trabalho social desenvolvido pelas
entidades enquadradas na economia social, que embora, não se
encontrem sediadas em território nacional, nem, por outro lado, se
encontrem sujeitos ao direito português, desenvolvem actividade junto
das comunidades portuguesas residentes fora do território nacional.
Segundo estudos recentes (dados de 2007), a Economia Social representa
em Portugal 5,64% do PIB e 4% do Emprego, assentando numa rede social
de cobertura nacional. Não obstante o seu crescente exercício de
actividades económicas e empresariais de âmbito privado, através da
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associação de pessoas que, em conformidade com princípios
participativos e sociais, dirigem a sua acção ao interesse colectivo dos seus
membros bem como ao interesse geral, o certo é que a Economia Social
não logrou obter ainda o estatuto que lhe é devido.
Ora, tal deve-se à inexistência de um quadro jurídico próprio que, sem
pretender substituir as normas específicas de cada uma das entidades que
configuram o sector, lhe outorgue um justificado reconhecimento e uma
maior visibilidade, dotando-o da necessária segurança jurídica. Neste
sentido, é urgente considerar como tarefa de interesse geral a promoção,
o estímulo e o desenvolvimento da Economia Social, clarificar os princípios
pelos quais se norteia, os diversos tipos de entidades que a integram, a
representatividade que lhe corresponde e o modo de relacionamento que
desenvolve com o Estado.
É assim fundamental promover o estabelecimento de um quadro
legislativo aplicável às entidades da Economia Social que seja
transparente, coerente e adequado à realidade e exigências da sociedade
portuguesa.
Assim:
Considerando:
 Que as características e dinamismo particulares da Economia Social
a distinguem de outros tipos de economia, ao mesmo tempo que a
tornam perfeitamente complementar e sinérgica em relação a
outras formas de actividade económica contribuindo,
nomeadamente, para promover a criação de um paradigma social
de relevante interesse público e alavancado nos valores da
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solidariedade, da ética e da transparência subjacentes ao Modelo
Social Europeu;
 Que a estratégia de empreendedorismo social, em que se deve
desenvolver a Economia Social, nasce do conceito de
desenvolvimento sustentável, e é fundada em mecanismos de
cooperação que envolvem organismos públicos, empresas
socialmente responsáveis e instituições com objectivos inclusivos
comuns sustentáveis;
 Que é indispensável assumir uma resposta a este conjunto de
desafios que promova um novo modelo transversal para a
rentabilização dos recursos oriundos dos fundos comunitários, do
Orçamento de Estado e dos municípios, evitando a sobreposição de
verbas, bem como das medidas e acções definidas ao nível
comunitário, como os planos nacionais e os planos de actividades
municipais;
 Que a sociedade civil é um forte dinamizador da economia local,
cuja actividade deverá integrar as virtualidades do pluralismo e da
diversidade das empresas e das organizações de Economia Social,
assegurando mercados competitivos com dimensão de
responsabilidade social de forma a alcançar mais equidade e
igualdade de oportunidades, constituindo um elevado potencial de
criação e manutenção de postos de trabalho e um forte contributo
para a coesão social;
 Que a globalização e as profundas transformações socioeconómicas
que afectam as Sociedades modernas, adensaram a necessidade de
redesenhar o mapa da protecção social dos Estados Europeus,
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procurando-se incorporar novos modelos e dinâmicas que
permitam a sua sustentação a prazo;
 Que apesar da referência que a Constituição da República
Portuguesa faz à Economia Social nos seus artigos 82º e 85º ou do
papel que a Lei de Bases da Segurança Social (Lei nº 4/2007)
aparentemente lhe confere, através de princípios de
subsidiariedade e complementaridade, o certo é que a inexistência
de uma definição jurídica do conceito de Economia Social tem
enfraquecido o seu potencial de desenvolvimento e afirmação no
actual contexto socioeconómico do nosso país, enquanto factor
efectivo de criação de riqueza;
 Que o Decreto-Lei n.º 282/2009, de 7 de Outubro, veio autorizar a
instituição de uma cooperativa de interesse público – Cooperativa
António Sérgio para Economia Social, CIPRL – com um conjunto de
responsabilidades no domínio do fortalecimento do sector da
Economia Social, designadamente a de aprofundar a cooperação
entre Estado e as Organizações que o integram, conforme resolução
do Conselho de Ministros n.º 16/2010, de 4 de Fevereiro, que
aprovou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia
Social (PADES) e a criação do Conselho Nacional para a Economia
Social;
 Também apostado no fortalecimento da Economia Social está o XIX
Governo. Esta vontade expressa no seu programa, de através das
instituições sociais, responder às muitas exigências hodiernas, por
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serem elas melhores conhecedoras da realidade e mais capazes de
se adequarem a respostas mais eficazes, é concretizada no
Programa de Emergência Social.
 Um programa que visa fortalecer as instituições sociais, assegurar e
melhorar a sua sustentabilidade financeira, capacitar os seus
dirigentes e possibilitar que sempre dentro de parâmetros de
qualidade e segurança, possam ver desburocratizados e facilitados
os seus procedimentos, para que assim auxiliem o Estado na
resposta a uma situação específica e extraordinária.
 Que, a fim de fortalecer a Economia Social e remover obstáculos ao
desenvolvimento das suas reais potencialidades, é necessário
promover o estabelecimento de um quadro legislativo aplicável às
entidades da Economia Social que seja transparente, coerente e
adequado à realidade e exigências da sociedade portuguesa;
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados
do Partido Social Democrata abaixo assinados apresentam o seguinte
Projecto de Lei:
Artigo 1º
(Objecto)
A presente Lei estabelece o regime jurídico da Economia Social, sem
prejuízo das normas específicas aplicáveis a cada uma das entidades que a
integram, e determina medidas de incentivo à sua actividade em função
dos princípios e fins que lhe são próprios.
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Artigo 2º
(Definição)
Entende-se por Economia Social o conjunto das actividades económicas e
empresariais, livremente levadas a cabo por entidades que actuam de
acordo com os princípios referidos no artigo 5.º, cuja missão vise o
interesse geral económico ou social da Comunidade ou o interesse dos
seus membros, utilizadores e beneficiários, com respeito pelo interesse
geral da Comunidade.
Artigo 3º
(Âmbito de aplicação)
A presente lei aplica-se a todas as entidades integradas na Economia
Social, nos termos do disposto no artigo seguinte, sem prejuízo das
normas substantivas específicas aplicáveis aos diversos tipos de entidades
definidas em razão da sua natureza própria.
Artigo 4º
(Entidades da Economia Social)
Integram a Economia Social, nomeadamente, as seguintes entidades,
desde que constituídas em território nacional:
a) Instituições Particulares de Solidariedade Social de natureza
associativa, fundacional ou equiparadas;
b) Organizações não Governamentais;
c) Fundações;
d) Associações com fins altruísticos que desenvolvam a sua actividade
no âmbito científico, cultural e da defesa do meio ambiente;
e) Cooperativas;
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f) Outras formas associativas ou empresariais constituidas de acordo
com os princípios orientadores referidos no artigo seguinte.
Artigo 5º
(Princípios orientadores)
As entidades da Economia Social são autónomas, emanam da Sociedade
Civil e distinguem-se do sector público e do sector privado, actuando com
base nos seguintes princípios orientadores:
a) O primado do indivíduo e dos objectivos sociais;
b) O livre acesso e a participação voluntária;
c) O controlo democrático pelos seus membros;
d) A conciliação entre o interesse dos membros, utilizadores ou
beneficiários e o interesse geral;
e) A defesa e o compromisso com os princípios da solidariedade,
igualdade e não discriminação, coesão social, equidade,
responsabilidade partilhada e subsidiariedade;
f) A gestão autónoma e independente das autoridades públicas;
g) O reinvestimento final dos excedentes obtidos na prossecução das
suas actividades, sem prejuízo da garantia da auto-sustentabilidade
necessária à prestação de serviços de qualidade, cada vez mais
eficazes e eficientes, numa lógica de desenvolvimento e
crescimento sustentável.
Artigo 6º
(Base de dados)
Compete à Presidência do Conselho de Ministros elaborar, divulgar e
manter actualizada a base de dados permanente das entidades que
integram o sector da Economia Social, a qual deve ser tida em conta para
efeitos de reconhecimento da utilidade pública e administrativa.
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Artigo 7º
(Organização e representação)
1. As entidades da Economia Social poderão organizar-se e constituir-se
em associações, uniões, federações ou confederações que as
representem e defendam os seus interesses.
2. As entidades da Economia Social estão representadas no Conselho
Económico e Social e nos demais órgãos com competências no domínio
da definição de estratégias e de políticas públicas de desenvolvimento
da economia social.
Artigo 8º
(Relação das Entidades da Economia Social com os seus Membros,
Utilizadores e Beneficiários)
No desenvolvimento das suas actividades, as entidades da Economia
Social deverão assegurar os necessários níveis de qualidade, segurança e
transparência.
Artigo 9º
(Relação das Entidades da Economia Social com o Estado)
No seu relacionamento com as entidades da Economia Social, o Estado
deverá:
a) Assegurar o princípio da subsidiariedade da Economia Social face ao
Estado, considerando, no planeamento e desenvolvimento dos
sistemas sociais públicos, a capacidade instalada, material, humana
e económica das entidades da Economia Social, bem como a seus
níveis de competência técnica e de inserção no tecido social e
económico do país;
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b) Desenvolver, em articulação com as organizações representativas
das entidades da Economia Social, os mecanismos de supervisão
que permitam assegurar uma relação transparente entre essas
entidades e os seus membros, procurando optimizar os recursos
nomeadamente através da utilização das estruturas de supervisão
já existentes.
c) Garantir a necessária estabilidade das relações de cooperação
estabelecidas com as entidades da Economia Social.
1.
2.
a)
b)
c)
Artigo 10º
(Fomento da Economia Social)
Considera-se de interesse geral o estímulo, a valorização e o
desenvolvimento da Economia Social bem como das organizações
que a representam.
Nos termos do disposto no número anterior, os poderes públicos,
no âmbito das suas competências em matéria de políticas de
incentivo à Economia Social, devem:
Promover os princípios e os valores da Economia Social;
Fomentar a criação de mecanismos que permitam reforçar a autosustentabilidade económico-financeira das entidades da Economia
Social;
Facilitar a criação de novas entidades da Economia Social e apoiar a
diversidade de iniciativas próprias deste sector, potenciando-se
como instrumento de respostas inovadoras aos desafios que se
colocam às comunidades locais, regionais, nacionais ou de qualquer
outro âmbito, removendo os obstáculos que impeçam a
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constituição e o desenvolvimento das actividades económicas das
entidades da Economia Social;
d) Incentivar a formação profissional no âmbito das entidades da
Economia Social, bem como apoiar o seu acesso aos processos de
inovação tecnológica e de gestão organizacional;
e) Aprofundar o diálogo entre os organismos públicos e os
representantes da Economia Social a nível nacional e comunitário
promovendo, assim, o conhecimento mútuo e a disseminação de
boas práticas.
Artigo 11º
(Estatuto Fiscal)
As entidades da Economia Social beneficiarão de um estatuto fiscal
específico definido por lei em função dos respectivos substrato e natureza.
Artigo 12º
(Concorrência)
As entidades que constarem da base de dados prevista no artigo 6º estão
sujeitas às normas nacionais e comunitárias de concorrência no que
respeita ao desenvolvimento das actividades enquadráveis nos requisitos
nelas estabelecidos.
Artigo 13º
(Desenvolvimento Legislativo)
1. No prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor da presente lei
serão aprovados os diplomas legislativos que concretizam a reforma
do sector da economia social, à luz do disposto na presente lei e,
em especial, dos princípios estabelecidos no artigo 5º.
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2. A reforma legislativa a que se refere o número anterior envolverá
nomeadamente:
a) A revisão dos regimes jurídicos aplicáveis às entidades referidas
no artigo 4º;
b) A revisão do Estatuto do Mecenato e do Estatuto de Utilidade
Pública;
c) A criação do regime jurídico das empresas sociais, enquanto
entidades que desenvolvem uma actividade comercial com fins
primordialmente sociais, e cujos excedentes são, no essencial,
mobilizados para o desenvolvimento daqueles fins ou
reinvestidos na Comunidade.
Artigo 14º
(Entrada em Vigor)
A presente lei entrará em vigor 30 dias após a sua publicação.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2011
Os Deputados do PSD
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