Conceitos Científicos em Destaque Processos Endotérmicos e Exotérmicos: Uma Visão Atômico-Molecular Haroldo Lúcio de Castro Barros Neste artigo, são analisadas, sob a perspectiva atômico-molecular, absorção e liberação de energia, na forma de calor, em processos físico-químicos. Para isso, entre outros aspectos, foram discutidos: as definições de sistema e vizinhança; os conceitos macroscópico e microscópico de temperatura; a percepção de calor como um processo de transferência de energia, resultante de uma diferença de temperatura; o equilíbrio térmico entre sistema e vizinhança em experimentos realizados em condições diatérmicas; os conceitos de energia interna de um sistema e de suas constituintes; a variação de temperatura de um sistema e a de energia cinética média das partículas; e variações de energia potencial associadas à ruptura e à formação de ligações químicas e/ou de interações intermoleculares. Com a discussão desses tópicos, muitas dificuldades dos estudantes, no estudo da termoquímica, poderão ser mais facilmente superadas ou, mesmo, evitadas. absorção/liberação de energia; energia interna; formação/ruptura de ligações 241 Recebido em 03/10/08, aceito em 01/08/09 N o estudo de Termoquímica, é comum os estudantes apresentarem dificuldades recorrentes como aquelas relacionadas às variações de temperatura em processos endotérmicos e exotérmicos ou outras ligadas às energias cinética e potencial das partículas – esta particularmente misteriosa! –, pois, por exemplo, é frequente a seguinte pergunta: Por que, em processos endotérmicos, como na dissolução de determinado composto, notase uma diminuição na temperatura da solução? Afinal, se há absorção de energia, a temperatura deveria aumentar! não possível a troca de calor entre gelo fundente e a água líquida, têm eles – e, em caso afirmativo, dúvidas a mesma temperatura, as partículas quanto às consequências do restabeque os constituem têm a mesma lecimento do equilíbrio térmico. energia cinética média. Considerando o nível microscópiEste trabalho procura, por meio co, nota-se que os estudantes nem de considerações teóricas e da dissempre têm uma boa compreensão cussão de alguns processos simples, do significado da energia interna de contribuir para a elucidação das difium sistema nem de suas constituintes culdades mencionadas. – a energia cinética e a energia poTemperatura e energia interna tencial das partículas que o formam. Nossas discussões devem ser Ainda nesse nível, existem as dúiniciadas com uma abordagem suvidas quanto à associação de ruptura cinta dos conceitos macroscópico e e formação de ligações (ou de interamicroscópico de temperatura. Em seções intermoleculares) com absorção guida, analisaremos a energia interna e liberação de energia, como também e suas componentes quanto à identificapara, então, consideção desses fenômeAspectos macroscópicos e microscópicos A interpretação atômicorarmos alguns pronos com alterações molecular de processos cessos. A interpretação atômico-molecular na energia potencial endotérmicos e Quando dois corde processos endotérmicos e exodas partículas envolexotérmicos exige clareza pos são colocados térmicos exige clareza quanto aos vidas. Deve, ainda, quanto aos aspectos em contato, a temaspectos macroscópicos dos exser mencionada a macroscópicos dos peratura é um parâperimentos. Há muitas dificuldades relutância para adexperimentos. metro que determina com as definições de sistema e de mitir-se que, se dois se haverá ou não vizinhança e com o fato de ser ou sistemas, como o transferência de energia, na forma de calor, entre esses corpos e em que A seção “Conceitos científicos em destaque” tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos direção se dará essa transferência, científicos de interesse dos professores de Química. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 242 caso ela ocorra. Nessa definição, líquido a uma temperatura mais translação e/ou a velocidade de rosupõe-se contato diatérmico, ou elevada, fornece um interesasante tação e/ou a frequência de vibração seja, é possível a troca de calor entre elo entre os conceitos macroscópidas partículas. os corpos. Ademais, supõe-se que co e microscópico de temperatura. A percepção da energia potencial não possa haver troca de energia enOs choques entre as partículas do é mais difícil do que a da cinética. tre eles, na forma de trabalho, ou de líquido, em constante movimento No nível molecular, como exposto irradiação. Se não térmico, com o bulacima, a energia potencial de um houver transferência bo de vidro do tersistema está associada às interações Considerando o nível de energia, na forma mômetro, transferem entre núcleos e elétrons e relacionamicroscópico, nota-se que de calor, diz-se que energia para o vidro, se à posição das partículas. Ela só se os estudantes nem sempre existe equilíbrio téraquecendo-o2. Este, mostra evidente quando se transfortêm uma boa compreensão mico entre os corpos por sua vez, transma em trabalho ou em outras formas do significado da energia e que eles têm a fere energia para o de energia como mostraremos mais interna de um sistema nem mesma temperatumercúrio, provocanadiante. de suas constituintes – a ra. Caso contrário, do a sua dilatação. A energia interna de um sistema energia cinética e a energia a transferência de Quanto mais intenso pode ser aumentada pela execução potencial das partículas energia ocorrerá na o movimento das de trabalho sobre ele – como, por que o formam. direção da maior partículas do líquido, exemplo, a compressão do ar pela temperatura para a tanto mais energia é aplicação de uma pressão externa. menor. Deve ser notado que o tertransferida e tanto maior a dilatação No processo inverso, o ar comprimo calor é mais apropriadamente do mercúrio, ou seja, tanto maior mido pode realizar trabalho sobre a empregado como um processo de a temperatura. Assim, em última vizinhança, como (por meio de uma transferência de energia do que análise, pode-se dizer que o termômáquina própria) desparafusar a como uma forma de energia (Beatie metro mede a quantidade média do roda de um automóvel. apud Castellan, 1986). movimento das partículas que estão A energia interna de um sistema Sob o ponto de vista microscóem contato com ele. pode também ser aumentada pela pico, a temperatura de um sistema A energia interna3 de um sisteabsorção de calor. Transferência de é um parâmetro que se relaciona ma é a soma de todas as formas energia na forma de calor e execudiretamente com a energia cinética de energia que o sistema possui. ção de trabalho são modos equivamédia das partículas que o constiPara a maioria dos propósitos da lentes de se alterar a energia interna tuem1. Assim, pode-se afirmar que, química – que são diferentes, digade um sistema. Calor e trabalho só se em determinada situação, gelo e mos, daqueles da física nuclear –, aparecem durante a transferência água líquida estão na temperatura de os componentes significativos da de energia. Portanto, um sistema 0oC, então as suas partículas consenergia interna são aqueles que não possui calor ou trabalho – ele tituintes possuem a mesma energia podem alterar-se no possui uma energia cinética média. Vale lembrar que decurso de uma reainterna (Beatie apud Sob o ponto de partículas podem ser átomos, moção química – quais Castellan, 1986). vista microscópico, a léculas, íons ou agregados dessas sejam: (I) as enerConsideremos temperatura de um sistema espécies. Assim, na água líquida, em gias associadas à exemplos de variaé um parâmetro que se vez de moléculas, deve-se referir a translação, rotação ção de energia porelaciona diretamente agregados moleculares (unidos por e vibração das partencial em alguns com a energia cinética ligações de hidrogênio), que podem tículas (ou de outras processos como a média das partículas que o ter um número variável de moléculas. unidades estruturais sublimação de um constituem. Por outro lado, em se tratando de capazes desses mocristal de cloreto de sólidos cristalinos, devem também vimentos); e (II) a sódio. A energia de ser consideradas as vibrações da energia eletrônica, que é a energia interação entre os íons sódio e clorede. Esses fatos têm implicações na associada às várias interações, inreto, que possuem cargas opostas, energia cinética média dos sistemas tramoleculares e intermoleculares, é basicamente energia potencial elee explicam porque tanto as partículas que existem entre núcleos e elétrons trostática5 e tem um valor negativo. 4 constituintes do gelo fundente quan(Dasent, 1982) . A soma dos compoTransferindo-se energia ao sistema to as da água líquida, a 0oC, têm a nentes agrupados em (I) corresponcomo calor, os íons podem ser semesma energia cinética média – por de à energia cinética das partículas parados até o infinito, situação em mais estranho que, à primeira vista, constituintes do sistema, e a soma que a sua energia potencial torna-se isso possa parecer. dos componentes agrupados em (II), igual a zero. Portanto, para romper as A transferência de energia, que à sua energia potencial. ligações iônicas no cloreto de sódio, ocorre quando, por exemplo, um Energia cinética é a energia assohá aumento na energia potencial do termômetro de mercúrio, à tempeciada ao movimento. Quanto maior sistema, a qual passa de um valor ratura ambiente, é inserido em um ela for, tanto maior a velocidade de negativo a zero. Na verdade, na QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 ruptura de qualquer ligação química ou de interação intermolecular, o sistema absorve energia e há aumento de sua energia potencial6. Processo análogo ao que acabamos de descrever, envolvendo basicamente energia potencial eletrostática, ocorre quando um elétron é removido de um átomo gasoso, levando à formação de um íon positivo. Nesse processo de ionização, há aumento da energia potencial do sistema. Por outro lado, a energia potencial de um sistema, constituído por moléculas de água gasosa, diminui quando, ao condensarem-se, formando água líquida, aumenta o número de ligações de hidrogênio entre essas moléculas7. Na formação de qualquer ligação química ou de interação intermolecular, o sistema libera energia e há diminuição de sua energia potencial. Em outros sistemas, como o da água represada em uma região elevada, a energia potencial gravitacional da água transforma-se em energia cinética quando ela cai. Em uma usina hidroelétrica, essa energia cinética é aproveitada para a geração de eletricidade. Feitas essas considerações, discutiremos, inicialmente, as variações de energia interna em dois pares de experimentos em que não ocorrem reações químicas. Em cada par, um processo é exotérmico e o outro, endotérmico. Finalizaremos com um exemplo de reação química. nética e potencial de suas partículas havia sido absorvida na vaporização constituintes. e utilizada para romper as ligações A água líquida absorve energia, de hidrogênio e que estava na forma na forma de calor, do bico de gás de energia potencial, é devolvida à para transformar-se em água gasosa vizinhança como calor ou na execução e, assim, a vaporização é um procesde trabalho ao restabelecerem-se as so endotérmico. Exatamente porque, ligações de hidrogênio. na vaporização, há absorção de Um exemplo prático é o de uma energia, a água gasosa tem energia máquina térmica, em que a energia interna maior do que a água líquida8. do vapor de água, gerado pela Nesse experimento, a água líqueima de um combustível, aciona quida e a gasosa mantêm-se à os pistões, realizando um trabalho mesma temperatura. Uma pergunta e condensando-se nesse processo. usual é: por que não Outros exemplos há aumento na temsão as queimaduA energia potencial, em peratura, já que há ras da mão de uma qualquer sistema, não é absorção de calor? pessoa por vapor de facilmente perceptível, O motivo é que a água ou por água exceto quando ela se energia, fornecida fervente. Considetransforma em outra forma pelo bico de gás, remos que tanto o de energia ou quando há transforma-se intevapor quanto a água execução de trabalho. gralmente em enerlíquida estejam a gia potencial das 100oC. Em qualquer moléculas da água, não havendo dos dois casos, há liberação de eneralteração em sua energia cinética gia, na forma de calor, para a mão, média. Mantendo-se constante a cuja temperatura é muito menor. Enenergia cinética média, não há vatretanto, deve ser lembrado que, no riação da temperatura. O aumento caso do vapor, a energia liberada é da energia potencial das moléculas maior (e a queimadura, mais grave!), da água gasosa faz com que estas uma vez que o vapor se condensa tenham energia interna maior do que sobre a mão, e a transformação a das moléculas na fase líquida. A H2O(g) → H2O(l) libera energia adienergia absorvida é utilizada para cional àquela devido à diferença de romper a maior parte das ligações de temperatura. hidrogênio, principais responsáveis Dissolução endotérmica e dissolução por manter a água na fase líquida9. exotérmica Como a energia potencial se manifesta na água gasosa? A enerConsideremos, agora, outro exgia potencial, em qualquer sistema, perimento – dissolução de sulfato não é facilmente perceptível, exceto de potássio em um béquer contendo quando ela se transforma em outra água –, realizado em condições diaVaporização e condensação da água forma de energia ou quando há exetérmicas, ou seja, em que é possível Consideremos um experimencução de trabalho. a troca de calor entre sistema e vizito em que a água, Assim, para exanhança. O sistema, no início, é conscontida em um balão minarmos a energia tituído pela água pura, H2O(l), e pelo colocado sobre a potencial da água gasulfato de potássio, K2SO4(s), ambos No nível molecular, a chama de um bico sosa, consideremos à temperatura ambiente. Depois da energia potencial de um de gás, entre em um segundo experirápida dissolução do sal, o sistema sistema está associada às ebulição. Suponhamento, em que ocorpassa a ser a solução resultante de interações entre núcleos mos que tanto a re a condensação do sulfato de potássio. e elétrons e relaciona-se à água líquida quanvapor de água, geNota-se, nos instantes iniciais posição das partículas. to o vapor formado rado no experimento do experimento (em que não houve (que em conjunto anterior. A temperatutempo hábil para a troca de calor constituem o sistema) estejam na ra é mantida constante e igual a 100oC. com a vizinhança), uma diminuição temperatura de 100 oC. Deseja-se Sendo o primeiro experimento o conda temperatura do sistema, que deve discutir, nessa mudança de fase, trário do segundo, neste as ligações ser atribuída a uma diminuição da as variações da energia interna do de hidrogênio são restabelecidas e há energia cinética média de suas parsistema em termos das energias ciliberação de energia. A energia, que tículas constituintes. Como a energia QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 243 244 total deve ser conservada, pode-se íon-dipolo. Entretanto, na dissolução afirmar que há aumento da energia do hidróxido de sódio, a soma das potencial do sistema10. variações de energia potencial deve A variação da energia potencial indicar que a energia potencial total pode ser entendida analisando-se diminui, já que o aumento inicial da as mudanças nas ligações químicas temperatura evidencia aumento da e interações intermoleculares no energia cinética. Assim, pode-se sistema. A dissolução envolve dois concluir que, nessa dissolução, parte processos endotérmicos e um exoda energia potencial transforma-se térmico. Os dois endotérmicos são as em energia cinética. rupturas, pelo menos parciais, das liCom o tempo, o sistema perde gações iônicas no sulfato de potássio energia, como calor, para a vizisólido e das ligações de hidrogênio nhança. A temperatura do sistema na água líquida. O processo exotérmidiminui e, eventualmente, o equilíbrio co é a formação das interações íontérmico é restabelecido. O balanço dipolo no sulfato de potássio aquoso, energético no final do experimento uma vez que tanto os mostra uma liberaíons potássio – K+ – ção de energia, na Não obstante a maioria quanto os íons sulfato forma de calor, pelo das leis e dos princípios – SO42– – interagem sistema. A dissoluda Termodinâmica ter com as moléculas poção do hidróxido de sido formulada antes ou lares da água, sendo sódio é, portanto, de forma independente solvatados por elas. exotérmica. da teoria atômica, uma Originam-se espéSe esses experiexplicação molecular dos cies hidratadas, que mentos de dissolufenômenos enriquece a podem ser represenção fossem conducompreensão destes e tadas, respectivazidos em condições muito contribui para ela. mente, por K+(aq) e adiabáticas, como por SO42–(aq)11. Como em uma garrafa térindicado no parágrafo anterior, resulta mica, ou seja, sem que houvesse que a soma das variações de energia troca de calor entre o sistema e a potencial desses três processos deve vizinhança, as variações de tempemostrar que a energia potencial total ratura seriam permanentes. Pode-se, do sistema aumenta, uma vez que a portanto, afirmar que, em condições diminuição da temperatura só pode adiabáticas, aqueles processos, ser atribuída a uma diminuição da que realizados diatermicamente são energia cinética média das partículas. endotérmicos, resultam em dimiCom o decorrer do tempo, a vinuição da temperatura do sistema, zinhança cede energia, na forma de enquanto os exotérmicos resultam calor, para o sistema, aumentando a em aumento12 (Lima e cols., 2008). temperatura deste, até que o equilíUma reação química exotérmica brio térmico com o meio ambiente seja restabelecido. Assim, pode-se A interpretação atômico-moleconcluir que o balanço energético cular da variação da energia interna no final do experimento mostra uma em transformações químicas não é absorção de energia, na forma de diferente daquela apresentada nos calor, pelo sistema e a dissolução exemplos anteriores, exceto pelo do sal é dita endotérmica. fato de que, nas reações químicas, Abordaremos, de modo mais ao formarem-se novas substâncias, resumido, um quarto experimento, há sempre ruptura e/ou formação de também realizado em condições ligações químicas e não apenas de diatérmicas – a dissolução, em água, interações intermoleculares. do hidróxido de sódio, NaOH(s), Consideremos, como exemplo, a em que a temperatura do sistema combustão do metano: aumenta inicialmente. Como no exemplo anterior, há rupturas de CH4(g) + 2 O2(g) → ligações iônicas e de ligações de CO2(g) + 2 H2O(g) (Eq. 1) hidrogênio e formação de interações QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Nessa reação, representada pela Equação 1, são rompidas as 4 ligações simples C–H no metano, bem como as ligações duplas O=O nas 2 moléculas de oxigênio e, para que isso ocorra, há absorção de energia. Paralelamente, formam-se 2 ligações duplas C=O no dióxido de carbono e 4 ligações simples O–H nas 2 moléculas de água, processos em que há liberação de energia. Nesse caso, pode-se afirmar, com segurança, que, em módulo, a energia liberada é maior do que a absorvida, pois todas as combustões são exotérmicas. A energia liberada nessas reações pode ser aproveitada para aquecimento ou para a realização de trabalho como, por exemplo, movimentar um veículo13. Nas reações químicas endotérmicas, em módulo, a energia absorvida para a ruptura de ligações é maior do que a liberada na formação de outras ligações. Em quaisquer casos, como explicado anteriormente, variações permanentes na temperatura do sistema dependem das condições em que as reações são efetuadas – se em recipientes com paredes diatérmicas ou adiabáticas. Conclusão Não obstante a maioria das leis e dos princípios da Termodinâmica ter sido formulada antes ou de forma independente da teoria atômica, uma explicação molecular dos fenômenos enriquece a compreensão destes e muito contribui para ela. Em especial, a discussão dos aspectos microscópicos permite abordar a dinâmica dos processos de transferência de energia e possibilita a introdução do fator tempo nesses processos. De fato, nossa experiência em sala de aula tem mostrado que, com a discussão dos tópicos abordados neste trabalho, muitas dificuldades tradicionais dos estudantes, no estudo da termoquímica, têm sido mais facilmente solucionadas. Notas 1. Deve ser lembrado que o número de partículas envolvidas, mesmo em um sistema minúsculo, é extremamente elevado – em apeVol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 nas 2 colheres (de sopa) de água, há cerca de 6,02 x 1023 moléculas! Assim, para a descrição das propriedades dos sistemas, não é possível analisar-se o comportamento individual das partículas, mas se deve recorrer a valores médios de suas propriedades. Por essa razão, a temperatura é associada ao valor médio da energia cinética das partículas – as partículas individuais têm energias cinéticas diferentes e que não se mantêm constantes com o tempo. 2. Movimento térmico é o movimento molecular, aleatório e caótico, que é tanto mais energético quanto maior for a temperatura. 3. O conceito de energia interna é fundamental em nossas discussões. Expressões como conteúdo de calor e calor de um sistema são equivocadas e obsoletas e não devem ser usadas (Silva, 2005). 4. Na medida em que os elétrons se movimentam em torno dos núcleos, a componente eletrônica da energia interna inclui a energia cinética dos elétrons, além das energias de atração elétron-núcleo e de repulsão elétron-elétron. As repulsões não são apenas coulombianas, mas também são devidas ao princípio de exclusão de Pauli. 5. Além da componente coulombiana, responsável por cerca de 90% da energia de interação entre os íons, há também repulsões não coulombianas entre eles, ligadas ao princípio de Pauli, e ainda outras contribuições menos importantes. Esses refinamentos, entretanto, não afetam a validade da discussão apresentada. 6. Também nas rupturas no mundo macroscópico, como na quebra de um cabo de vassoura, ligações químicas e/ou interações intermoleculares são rompidas e, para que isso ocorra, o sistema – no caso, o cabo de vassoura – deve absorver energia. 7. Se se supõe comportamento de gás ideal para a água gasosa, obviamente, não há qualquer tipo 11. Refere-se a rupturas parciais de interação entre as suas molédas ligações iônicas porque, em culas. Entretanto, na água gasosa solução, existem pares iônicos e real, há agregados outros agregados. moleculares formaSimultaneamente, A discussão dos aspectos dos por ligações de deve haver ruptura microscópicos permite hidrogênio. Na água de parte das ligaabordar a dinâmica dos líquida, o número ções de hidrogênio processos de transferência dessas ligações é entre as moléculas de energia e possibilita a muito maior. de água para que introdução do fator tempo 8. Deve ser notaocorra a solvatação nesses processos. do que, nesse prodos íons. cesso de vaporiza12. Em um exção, a pressão é mantida constante perimento feito em condições adiae, portanto, o calor absorvido é igual báticas – que não são comuns em à entalpia de vaporização. É comum, nosso dia a dia –, a interpretação na bibliografia de Ensinos Fundada variação da temperatura do sismental e Médio, referir-se ao calor tema é mais simples, não só porque de vaporização como calor latente essa variação é permanente após de vaporização. Essa denominação é ter sido atingido o equilíbrio interno incorreta e não deve ser usada, pois, do sistema, mas também porque o como observado anteriormente, um experimento não envolve troca de sistema não possui calor. calor com o meio ambiente. 9. Parte da energia absorvida é 13. No Brasil, o gás natural veicuutilizada para romper as interações lar, GNV, tem sido bastante utilizado dipolo-dipolo entre as moléculas da como combustível para veículos. água líquida, aumentando a distânEle é constituído, basicamente, por cia entre elas – na fase gasosa, as metano. distâncias entre as moléculas são muito maiores. 10. A energia total deve ser Haroldo Lúcio de Castro Barros (haroldo@coltec. conservada porque, nos instantes ufmg.br), bacharel em Engenharia Química pela iniciais, não há tempo para a troca de Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Química pela calor entre o sistema e a vizinhança. Purdue University (EUA), doutor em Química pela Além disso, está implícito que não Tulane University (EUA), pós-doutor pela Universihá troca de matéria e é desprezado dade de Londres (Inglaterra), é professor associado eventual trabalho de expansão ou de do Colégio Técnico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG (Coltec/UFMG). compressão. Referências na Escola, n. 22, p. 22-25, 2005. CASTELLAN, G. Fundamentos de físico-química. Trad. C.M.P. Santos e R.B. Faria. Rio de Janeiro: LTC, 1986. DASENT, W.E. Inorganic energetics. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. LIMA, M.E.C.C.; DAVID, M.A. e MAGALHÃES, W.F. Ensinar ciências por investigação: um desafio para os formadores. Química Nova na Escola, n. 29, p. 24-29. 2008. SILVA, J.L.P.B. Por que não estudar entalpia no Ensino Médio. Química Nova Para saber mais ATKINS, P.W. Concepts in physical chemistry. Oxford: Oxford, 1995. BARROS, H.L.C. Química inorgânica – uma introdução. Belo Horizonte, 2002. 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For this purpose, among other aspects, we discussed: definitions of system and surroundings; macroscopic and microscopic concepts of temperature; the perception of heat as a process of energy transfer, resulting from a temperature difference; thermal equilibrium between system and surroundings, in experiments carried out under diathermic conditions; the concepts of internal energy of a system and of its components; change in the temperature of a system and change in the average kinetic energy of its particles; changes in potential energy associated to the breakage and formation of chemical bonds and/or of intermolecular interactions.The discussion of such topics will help students to overcome or even to avoid many difficulties that they usually encounter in the study of thermochemistry. Keywords: absorption/liberation of energy; internal energy; breakage/formation of bonds. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 245