Processos Endotérmicos e Exotérmicos

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Conceitos Científicos em Destaque
Processos Endotérmicos e Exotérmicos:
Uma Visão Atômico-Molecular
Haroldo Lúcio de Castro Barros
Neste artigo, são analisadas, sob a perspectiva atômico-molecular, absorção e liberação de energia, na forma
de calor, em processos físico-químicos. Para isso, entre outros aspectos, foram discutidos: as definições de
sistema e vizinhança; os conceitos macroscópico e microscópico de temperatura; a percepção de calor como
um processo de transferência de energia, resultante de uma diferença de temperatura; o equilíbrio térmico entre
sistema e vizinhança em experimentos realizados em condições diatérmicas; os conceitos de energia interna de
um sistema e de suas constituintes; a variação de temperatura de um sistema e a de energia cinética média das
partículas; e variações de energia potencial associadas à ruptura e à formação de ligações químicas e/ou de
interações intermoleculares. Com a discussão desses tópicos, muitas dificuldades dos estudantes, no estudo
da termoquímica, poderão ser mais facilmente superadas ou, mesmo, evitadas.
absorção/liberação de energia; energia interna; formação/ruptura de ligações
241
Recebido em 03/10/08, aceito em 01/08/09
N
o estudo de Termoquímica, é
comum os estudantes apresentarem dificuldades recorrentes como aquelas relacionadas
às variações de temperatura em processos endotérmicos e exotérmicos
ou outras ligadas às energias cinética e potencial das partículas – esta
particularmente misteriosa! –, pois,
por exemplo, é frequente a seguinte
pergunta: Por que, em processos
endotérmicos, como na dissolução
de determinado composto, notase uma diminuição na temperatura
da solução? Afinal, se há absorção
de energia, a temperatura deveria
aumentar!
não possível a troca de calor entre
gelo fundente e a água líquida, têm
eles – e, em caso afirmativo, dúvidas
a mesma temperatura, as partículas
quanto às consequências do restabeque os constituem têm a mesma
lecimento do equilíbrio térmico.
energia cinética média.
Considerando o nível microscópiEste trabalho procura, por meio
co, nota-se que os estudantes nem
de considerações teóricas e da dissempre têm uma boa compreensão
cussão de alguns processos simples,
do significado da energia interna de
contribuir para a elucidação das difium sistema nem de suas constituintes
culdades mencionadas.
– a energia cinética e a energia poTemperatura e energia interna
tencial das partículas que o formam.
Nossas discussões devem ser
Ainda nesse nível, existem as dúiniciadas com uma abordagem suvidas quanto à associação de ruptura
cinta dos conceitos macroscópico e
e formação de ligações (ou de interamicroscópico de temperatura. Em seções intermoleculares) com absorção
guida, analisaremos a energia interna
e liberação de energia, como também
e suas componentes
quanto à identificapara, então, consideção desses fenômeAspectos macroscópicos e microscópicos
A interpretação atômicorarmos alguns pronos com alterações
molecular de processos
cessos.
A interpretação atômico-molecular
na energia potencial
endotérmicos e
Quando dois corde processos endotérmicos e exodas partículas envolexotérmicos exige clareza
pos são colocados
térmicos exige clareza quanto aos
vidas. Deve, ainda,
quanto aos aspectos
em contato, a temaspectos macroscópicos dos exser mencionada a
macroscópicos dos
peratura é um parâperimentos. Há muitas dificuldades
relutância para adexperimentos.
metro que determina
com as definições de sistema e de
mitir-se que, se dois
se haverá ou não
vizinhança e com o fato de ser ou
sistemas, como o
transferência de energia, na forma de
calor, entre esses corpos e em que
A seção “Conceitos científicos em destaque” tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos
direção se dará essa transferência,
científicos de interesse dos professores de Química.
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caso ela ocorra. Nessa definição,
líquido a uma temperatura mais
translação e/ou a velocidade de rosupõe-se contato diatérmico, ou
elevada, fornece um interesasante
tação e/ou a frequência de vibração
seja, é possível a troca de calor entre
elo entre os conceitos macroscópidas partículas.
os corpos. Ademais, supõe-se que
co e microscópico de temperatura.
A percepção da energia potencial
não possa haver troca de energia enOs choques entre as partículas do
é mais difícil do que a da cinética.
tre eles, na forma de trabalho, ou de
líquido, em constante movimento
No nível molecular, como exposto
irradiação. Se não
térmico, com o bulacima, a energia potencial de um
houver transferência
bo de vidro do tersistema está associada às interações
Considerando o nível
de energia, na forma
mômetro, transferem
entre núcleos e elétrons e relacionamicroscópico, nota-se que
de calor, diz-se que
energia para o vidro,
se à posição das partículas. Ela só se
os estudantes nem sempre
existe equilíbrio téraquecendo-o2. Este,
mostra evidente quando se transfortêm uma boa compreensão
mico entre os corpos
por sua vez, transma em trabalho ou em outras formas
do significado da energia
e que eles têm a
fere energia para o
de energia como mostraremos mais
interna de um sistema nem
mesma temperatumercúrio, provocanadiante.
de suas constituintes – a
ra. Caso contrário,
do a sua dilatação.
A energia interna de um sistema
energia cinética e a energia
a transferência de
Quanto mais intenso
pode ser aumentada pela execução
potencial das partículas
energia ocorrerá na
o movimento das
de trabalho sobre ele – como, por
que o formam.
direção da maior
partículas do líquido,
exemplo, a compressão do ar pela
temperatura para a
tanto mais energia é
aplicação de uma pressão externa.
menor. Deve ser notado que o tertransferida e tanto maior a dilatação
No processo inverso, o ar comprimo calor é mais apropriadamente
do mercúrio, ou seja, tanto maior
mido pode realizar trabalho sobre a
empregado como um processo de
a temperatura. Assim, em última
vizinhança, como (por meio de uma
transferência de energia do que
análise, pode-se dizer que o termômáquina própria) desparafusar a
como uma forma de energia (Beatie
metro mede a quantidade média do
roda de um automóvel.
apud Castellan, 1986).
movimento das partículas que estão
A energia interna de um sistema
Sob o ponto de vista microscóem contato com ele.
pode também ser aumentada pela
pico, a temperatura de um sistema
A energia interna3 de um sisteabsorção de calor. Transferência de
é um parâmetro que se relaciona
ma é a soma de todas as formas
energia na forma de calor e execudiretamente com a energia cinética
de energia que o sistema possui.
ção de trabalho são modos equivamédia das partículas que o constiPara a maioria dos propósitos da
lentes de se alterar a energia interna
tuem1. Assim, pode-se afirmar que,
química – que são diferentes, digade um sistema. Calor e trabalho só
se em determinada situação, gelo e
mos, daqueles da física nuclear –,
aparecem durante a transferência
água líquida estão na temperatura de
os componentes significativos da
de energia. Portanto, um sistema
0oC, então as suas partículas consenergia interna são aqueles que
não possui calor ou trabalho – ele
tituintes possuem a mesma energia
podem alterar-se no
possui uma energia
cinética média. Vale lembrar que
decurso de uma reainterna (Beatie apud
Sob o ponto de
partículas podem ser átomos, moção química – quais
Castellan, 1986).
vista microscópico, a
léculas, íons ou agregados dessas
sejam: (I) as enerConsideremos
temperatura de um sistema
espécies. Assim, na água líquida, em
gias associadas à
exemplos de variaé um parâmetro que se
vez de moléculas, deve-se referir a
translação, rotação
ção de energia porelaciona diretamente
agregados moleculares (unidos por
e vibração das partencial em alguns
com a energia cinética
ligações de hidrogênio), que podem
tículas (ou de outras
processos como a
média das partículas que o
ter um número variável de moléculas.
unidades estruturais
sublimação de um
constituem.
Por outro lado, em se tratando de
capazes desses mocristal de cloreto de
sólidos cristalinos, devem também
vimentos); e (II) a
sódio. A energia de
ser consideradas as vibrações da
energia eletrônica, que é a energia
interação entre os íons sódio e clorede. Esses fatos têm implicações na
associada às várias interações, inreto, que possuem cargas opostas,
energia cinética média dos sistemas
tramoleculares e intermoleculares,
é basicamente energia potencial elee explicam porque tanto as partículas
que existem entre núcleos e elétrons
trostática5 e tem um valor negativo.
4
constituintes do gelo fundente quan(Dasent, 1982) . A soma dos compoTransferindo-se energia ao sistema
to as da água líquida, a 0oC, têm a
nentes agrupados em (I) corresponcomo calor, os íons podem ser semesma energia cinética média – por
de à energia cinética das partículas
parados até o infinito, situação em
mais estranho que, à primeira vista,
constituintes do sistema, e a soma
que a sua energia potencial torna-se
isso possa parecer.
dos componentes agrupados em (II),
igual a zero. Portanto, para romper as
A transferência de energia, que
à sua energia potencial.
ligações iônicas no cloreto de sódio,
ocorre quando, por exemplo, um
Energia cinética é a energia assohá aumento na energia potencial do
termômetro de mercúrio, à tempeciada ao movimento. Quanto maior
sistema, a qual passa de um valor
ratura ambiente, é inserido em um
ela for, tanto maior a velocidade de
negativo a zero. Na verdade, na
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ruptura de qualquer ligação química
ou de interação intermolecular, o sistema absorve energia e há aumento
de sua energia potencial6.
Processo análogo ao que acabamos de descrever, envolvendo
basicamente energia potencial eletrostática, ocorre quando um elétron
é removido de um átomo gasoso,
levando à formação de um íon positivo. Nesse processo de ionização,
há aumento da energia potencial do
sistema.
Por outro lado, a energia potencial de um sistema, constituído por
moléculas de água gasosa, diminui quando, ao condensarem-se,
formando água líquida, aumenta o
número de ligações de hidrogênio
entre essas moléculas7. Na formação
de qualquer ligação química ou de
interação intermolecular, o sistema
libera energia e há diminuição de sua
energia potencial.
Em outros sistemas, como o
da água represada em uma região
elevada, a energia potencial gravitacional da água transforma-se em
energia cinética quando ela cai. Em
uma usina hidroelétrica, essa energia
cinética é aproveitada para a geração de eletricidade.
Feitas essas considerações, discutiremos, inicialmente, as variações
de energia interna em dois pares de
experimentos em que não ocorrem
reações químicas. Em cada par, um
processo é exotérmico e o outro,
endotérmico. Finalizaremos com um
exemplo de reação química.
nética e potencial de suas partículas
havia sido absorvida na vaporização
constituintes.
e utilizada para romper as ligações
A água líquida absorve energia,
de hidrogênio e que estava na forma
na forma de calor, do bico de gás
de energia potencial, é devolvida à
para transformar-se em água gasosa
vizinhança como calor ou na execução
e, assim, a vaporização é um procesde trabalho ao restabelecerem-se as
so endotérmico. Exatamente porque,
ligações de hidrogênio.
na vaporização, há absorção de
Um exemplo prático é o de uma
energia, a água gasosa tem energia
máquina térmica, em que a energia
interna maior do que a água líquida8.
do vapor de água, gerado pela
Nesse experimento, a água líqueima de um combustível, aciona
quida e a gasosa mantêm-se à
os pistões, realizando um trabalho
mesma temperatura. Uma pergunta
e condensando-se nesse processo.
usual é: por que não
Outros exemplos
há aumento na temsão as queimaduA energia potencial, em
peratura, já que há
ras da mão de uma
qualquer sistema, não é
absorção de calor?
pessoa por vapor de
facilmente perceptível,
O motivo é que a
água ou por água
exceto quando ela se
energia, fornecida
fervente. Considetransforma em outra forma
pelo bico de gás,
remos que tanto o
de energia ou quando há
transforma-se intevapor quanto a água
execução de trabalho.
gralmente em enerlíquida estejam a
gia potencial das
100oC. Em qualquer
moléculas da água, não havendo
dos dois casos, há liberação de eneralteração em sua energia cinética
gia, na forma de calor, para a mão,
média. Mantendo-se constante a
cuja temperatura é muito menor. Enenergia cinética média, não há vatretanto, deve ser lembrado que, no
riação da temperatura. O aumento
caso do vapor, a energia liberada é
da energia potencial das moléculas
maior (e a queimadura, mais grave!),
da água gasosa faz com que estas
uma vez que o vapor se condensa
tenham energia interna maior do que
sobre a mão, e a transformação
a das moléculas na fase líquida. A
H2O(g) → H2O(l) libera energia adienergia absorvida é utilizada para
cional àquela devido à diferença de
romper a maior parte das ligações de
temperatura.
hidrogênio, principais responsáveis
Dissolução endotérmica e dissolução
por manter a água na fase líquida9.
exotérmica
Como a energia potencial se
manifesta na água gasosa? A enerConsideremos, agora, outro exgia potencial, em qualquer sistema,
perimento – dissolução de sulfato
não é facilmente perceptível, exceto
de potássio em um béquer contendo
quando ela se transforma em outra
água –, realizado em condições diaVaporização e condensação da água
forma de energia ou quando há exetérmicas, ou seja, em que é possível
Consideremos um experimencução de trabalho.
a troca de calor entre sistema e vizito em que a água,
Assim, para exanhança. O sistema, no início, é conscontida em um balão
minarmos a energia
tituído pela água pura, H2O(l), e pelo
colocado sobre a
potencial
da
água
gasulfato de potássio, K2SO4(s), ambos
No nível molecular, a
chama de um bico
sosa,
consideremos
à temperatura ambiente. Depois da
energia potencial de um
de gás, entre em
um
segundo
experirápida dissolução do sal, o sistema
sistema está associada às
ebulição. Suponhamento,
em
que
ocorpassa a ser a solução resultante de
interações entre núcleos
mos que tanto a
re
a
condensação
do
sulfato de potássio.
e elétrons e relaciona-se à
água líquida quanvapor
de
água,
geNota-se, nos instantes iniciais
posição das partículas.
to o vapor formado
rado no experimento
do experimento (em que não houve
(que em conjunto
anterior. A temperatutempo hábil para a troca de calor
constituem o sistema) estejam na
ra é mantida constante e igual a 100oC.
com a vizinhança), uma diminuição
temperatura de 100 oC. Deseja-se
Sendo o primeiro experimento o conda temperatura do sistema, que deve
discutir, nessa mudança de fase,
trário do segundo, neste as ligações
ser atribuída a uma diminuição da
as variações da energia interna do
de hidrogênio são restabelecidas e há
energia cinética média de suas parsistema em termos das energias ciliberação de energia. A energia, que
tículas constituintes. Como a energia
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total deve ser conservada, pode-se
íon-dipolo. Entretanto, na dissolução
afirmar que há aumento da energia
do hidróxido de sódio, a soma das
potencial do sistema10.
variações de energia potencial deve
A variação da energia potencial
indicar que a energia potencial total
pode ser entendida analisando-se
diminui, já que o aumento inicial da
as mudanças nas ligações químicas
temperatura evidencia aumento da
e interações intermoleculares no
energia cinética. Assim, pode-se
sistema. A dissolução envolve dois
concluir que, nessa dissolução, parte
processos endotérmicos e um exoda energia potencial transforma-se
térmico. Os dois endotérmicos são as
em energia cinética.
rupturas, pelo menos parciais, das liCom o tempo, o sistema perde
gações iônicas no sulfato de potássio
energia, como calor, para a vizisólido e das ligações de hidrogênio
nhança. A temperatura do sistema
na água líquida. O processo exotérmidiminui e, eventualmente, o equilíbrio
co é a formação das interações íontérmico é restabelecido. O balanço
dipolo no sulfato de potássio aquoso,
energético no final do experimento
uma vez que tanto os
mostra uma liberaíons potássio – K+ –
ção de energia, na
Não obstante a maioria
quanto os íons sulfato
forma de calor, pelo
das leis e dos princípios
– SO42– – interagem
sistema. A dissoluda Termodinâmica ter
com as moléculas poção do hidróxido de
sido formulada antes ou
lares da água, sendo
sódio é, portanto,
de forma independente
solvatados por elas.
exotérmica.
da teoria atômica, uma
Originam-se espéSe esses experiexplicação molecular dos
cies hidratadas, que
mentos de dissolufenômenos enriquece a
podem ser represenção fossem conducompreensão destes e
tadas, respectivazidos em condições
muito contribui para ela.
mente, por K+(aq) e
adiabáticas, como
por SO42–(aq)11. Como
em uma garrafa térindicado no parágrafo anterior, resulta
mica, ou seja, sem que houvesse
que a soma das variações de energia
troca de calor entre o sistema e a
potencial desses três processos deve
vizinhança, as variações de tempemostrar que a energia potencial total
ratura seriam permanentes. Pode-se,
do sistema aumenta, uma vez que a
portanto, afirmar que, em condições
diminuição da temperatura só pode
adiabáticas, aqueles processos,
ser atribuída a uma diminuição da
que realizados diatermicamente são
energia cinética média das partículas.
endotérmicos, resultam em dimiCom o decorrer do tempo, a vinuição da temperatura do sistema,
zinhança cede energia, na forma de
enquanto os exotérmicos resultam
calor, para o sistema, aumentando a
em aumento12 (Lima e cols., 2008).
temperatura deste, até que o equilíUma reação química exotérmica
brio térmico com o meio ambiente
seja restabelecido. Assim, pode-se
A interpretação atômico-moleconcluir que o balanço energético
cular da variação da energia interna
no final do experimento mostra uma
em transformações químicas não é
absorção de energia, na forma de
diferente daquela apresentada nos
calor, pelo sistema e a dissolução
exemplos anteriores, exceto pelo
do sal é dita endotérmica.
fato de que, nas reações químicas,
Abordaremos, de modo mais
ao formarem-se novas substâncias,
resumido, um quarto experimento,
há sempre ruptura e/ou formação de
também realizado em condições
ligações químicas e não apenas de
diatérmicas – a dissolução, em água,
interações intermoleculares.
do hidróxido de sódio, NaOH(s),
Consideremos, como exemplo, a
em que a temperatura do sistema
combustão do metano:
aumenta inicialmente. Como no
exemplo anterior, há rupturas de
CH4(g) + 2 O2(g) →
ligações iônicas e de ligações de
CO2(g) + 2 H2O(g) (Eq. 1)
hidrogênio e formação de interações
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Nessa reação, representada pela
Equação 1, são rompidas as 4 ligações simples C–H no metano, bem
como as ligações duplas O=O nas
2 moléculas de oxigênio e, para que
isso ocorra, há absorção de energia.
Paralelamente, formam-se 2 ligações
duplas C=O no dióxido de carbono
e 4 ligações simples O–H nas 2
moléculas de água, processos em
que há liberação de energia. Nesse
caso, pode-se afirmar, com segurança, que, em módulo, a energia
liberada é maior do que a absorvida,
pois todas as combustões são exotérmicas. A energia liberada nessas
reações pode ser aproveitada para
aquecimento ou para a realização
de trabalho como, por exemplo,
movimentar um veículo13.
Nas reações químicas endotérmicas, em módulo, a energia absorvida
para a ruptura de ligações é maior do
que a liberada na formação de outras
ligações. Em quaisquer casos, como
explicado anteriormente, variações
permanentes na temperatura do
sistema dependem das condições
em que as reações são efetuadas
– se em recipientes com paredes
diatérmicas ou adiabáticas.
Conclusão
Não obstante a maioria das leis
e dos princípios da Termodinâmica
ter sido formulada antes ou de forma
independente da teoria atômica, uma
explicação molecular dos fenômenos
enriquece a compreensão destes e
muito contribui para ela. Em especial, a discussão dos aspectos microscópicos permite abordar a dinâmica dos processos de transferência
de energia e possibilita a introdução
do fator tempo nesses processos.
De fato, nossa experiência em sala
de aula tem mostrado que, com a
discussão dos tópicos abordados
neste trabalho, muitas dificuldades
tradicionais dos estudantes, no estudo da termoquímica, têm sido mais
facilmente solucionadas.
Notas
1. Deve ser lembrado que o
número de partículas envolvidas,
mesmo em um sistema minúsculo,
é extremamente elevado – em apeVol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
nas 2 colheres (de sopa) de água,
há cerca de 6,02 x 1023 moléculas!
Assim, para a descrição das propriedades dos sistemas, não é possível analisar-se o comportamento
individual das partículas, mas se
deve recorrer a valores médios de
suas propriedades. Por essa razão,
a temperatura é associada ao valor
médio da energia cinética das partículas – as partículas individuais
têm energias cinéticas diferentes
e que não se mantêm constantes
com o tempo.
2. Movimento térmico é o movimento molecular, aleatório e caótico,
que é tanto mais energético quanto
maior for a temperatura.
3. O conceito de energia interna é
fundamental em nossas discussões.
Expressões como conteúdo de calor
e calor de um sistema são equivocadas e obsoletas e não devem ser
usadas (Silva, 2005).
4. Na medida em que os elétrons
se movimentam em torno dos núcleos, a componente eletrônica da energia interna inclui a energia cinética
dos elétrons, além das energias de
atração elétron-núcleo e de repulsão
elétron-elétron. As repulsões não são
apenas coulombianas, mas também
são devidas ao princípio de exclusão
de Pauli.
5. Além da componente coulombiana, responsável por cerca de
90% da energia de interação entre
os íons, há também repulsões não
coulombianas entre eles, ligadas
ao princípio de Pauli, e ainda outras
contribuições menos importantes.
Esses refinamentos, entretanto, não
afetam a validade da discussão
apresentada.
6. Também nas rupturas no mundo macroscópico, como na quebra
de um cabo de vassoura, ligações
químicas e/ou interações intermoleculares são rompidas e, para que isso
ocorra, o sistema – no caso, o cabo
de vassoura – deve absorver energia.
7. Se se supõe comportamento
de gás ideal para a água gasosa,
obviamente, não há qualquer tipo
11. Refere-se a rupturas parciais
de interação entre as suas molédas ligações iônicas porque, em
culas. Entretanto, na água gasosa
solução, existem pares iônicos e
real, há agregados
outros agregados.
moleculares formaSimultaneamente,
A discussão dos aspectos
dos por ligações de
deve haver ruptura
microscópicos permite
hidrogênio. Na água
de parte das ligaabordar a dinâmica dos
líquida, o número
ções de hidrogênio
processos de transferência
dessas ligações é
entre as moléculas
de energia e possibilita a
muito maior.
de água para que
introdução do fator tempo
8. Deve ser notaocorra a solvatação
nesses processos.
do que, nesse prodos íons.
cesso de vaporiza12. Em um exção, a pressão é mantida constante
perimento feito em condições adiae, portanto, o calor absorvido é igual
báticas – que não são comuns em
à entalpia de vaporização. É comum,
nosso dia a dia –, a interpretação
na bibliografia de Ensinos Fundada variação da temperatura do sismental e Médio, referir-se ao calor
tema é mais simples, não só porque
de vaporização como calor latente
essa variação é permanente após
de vaporização. Essa denominação é
ter sido atingido o equilíbrio interno
incorreta e não deve ser usada, pois,
do sistema, mas também porque o
como observado anteriormente, um
experimento não envolve troca de
sistema não possui calor.
calor com o meio ambiente.
9. Parte da energia absorvida é
13. No Brasil, o gás natural veicuutilizada para romper as interações
lar, GNV, tem sido bastante utilizado
dipolo-dipolo entre as moléculas da
como combustível para veículos.
água líquida, aumentando a distânEle é constituído, basicamente, por
cia entre elas – na fase gasosa, as
metano.
distâncias entre as moléculas são
muito maiores.
10. A energia total deve ser
Haroldo Lúcio de Castro Barros (haroldo@coltec.
conservada porque, nos instantes
ufmg.br), bacharel em Engenharia Química pela
iniciais, não há tempo para a troca de
Escola de Engenharia da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), mestre em Química pela
calor entre o sistema e a vizinhança.
Purdue University (EUA), doutor em Química pela
Além disso, está implícito que não
Tulane University (EUA), pós-doutor pela Universihá troca de matéria e é desprezado
dade de Londres (Inglaterra), é professor associado
eventual trabalho de expansão ou de
do Colégio Técnico da Escola de Educação Básica
e Profissional da UFMG (Coltec/UFMG).
compressão.
Referências
na Escola, n. 22, p. 22-25, 2005.
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24-29. 2008.
SILVA, J.L.P.B. Por que não estudar
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Para saber mais
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OLIVEIRA, M.J. e SANTOS, J.M. A
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Abstract: Endothermic and exothermic processes: a molecular viewpoint. Absorption and liberation of energy, as heat, are analyzed, under a molecular viewpoint in this report. For this purpose,
among other aspects, we discussed: definitions of system and surroundings; macroscopic and microscopic concepts of temperature; the perception of heat as a process of energy transfer, resulting from a temperature difference; thermal equilibrium between system and surroundings, in experiments carried out under diathermic conditions; the concepts of internal energy of a system and of
its components; change in the temperature of a system and change in the average kinetic energy of its particles; changes in potential energy associated to the breakage and formation of chemical
bonds and/or of intermolecular interactions.The discussion of such topics will help students to overcome or even to avoid many difficulties that they usually encounter in the study of thermochemistry.
Keywords: absorption/liberation of energy; internal energy; breakage/formation of bonds.
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