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ALLAN KARDEC
O EVANGELHO
Segundo
O ESPIRITISMO
Contendo
A EXPLICAÇÃO DAS MÁXIMAS
MORAIS DE CRISTO
E a concordância das máximas morais do Cristo com o
Espiritismo e as suas aplicações às diversas circunstâncias
da vida
Versão popular
e atual
LUZ NO LAR
Van Moorsel Andrade & Cia. Ltda.
Departamento Editorial Luz no Lar.
2004
São Paulo - SP
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ALLAN KARDEC
o evangelho segundo o espiritismo.p65
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Copyright © Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda.
Capa: Trilha Brasil Comunicação
Revisão: Luiz Roberto Malta
Traduzido para o português por Roque Jacintho
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Jacintho, Roque
Gabi e Kardec / Roque Jacintho. -- 2. ed.-São Paulo:
Luz no Lar,
2002.
Distribuição
Gratuita
1. Gabi (Espírito) 2. Espiritismo
3. Espiritismo - Filosofia 4. Kardec, Allan
1804-1869 I. Título.
02-1032
CDD-133.901
Índices para catálogo sistemático:
1. Doutrina espírita
133.901
2. Espiritismo: Filosofia
133.901
3. Filosofia espírita
133.901
2ª Edição
Todos os direitos desta edição reservados à
Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda.
Departamento Editorial Luz no Lar
Rua Souza Caldas, 343 - Pari
03025-040 - São Paulo - SP
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SUMÁRIO
Prefácio
21
I -
Finalidade desta obra
23
II -
Autoridade da Doutrina Espírita
27
Controle universal dos
ensinamentos dos espíritos
27
III -
Notícias históricas
37
IV-
Sócrates e Platão, precursores da
idéia cristã e do Espiritismo
44
Resumo da Doutrina de
Sócrates e Platão
UM
46
Não Vim Destruir a Lei
Moisés
56
Cristo
58
O Espiritismo
60
Aliança da Ciência e da Religião
61
Instruções dos Espíritos:
A Nova Era
DOIS
63
Meu Reino Não É Deste Mundo
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A vida futura
68
A realeza de Jesus
70
O ponto de vista
71
Instruções dos Espíritos:
Uma realeza terrestre
TRÊS
74
Há Muitas Moradas na Casa de Meu Pai
Diferentes estados da alma
na espiritualidade
76
Diferentes categorias de mundos
habitados
77
Destinação da Terra
Causas das misérias humanas
79
Instruções dos Espíritos: Mundos
QUATRO
Inferiores e Mundos Superiores
80
Mundos de expiação e de provas
84
Mundos regeneradores
86
Progressão dos mundos
88
Ninguém Poderá Ver o Reino de
Deus, se Não Nascer de Novo
Ressurreição e reencarnação
91
Os laços de família são fortalecidos
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pela reencarnação e enfraquecidos
pela unicidade da existência
98
Instruções dos Espíritos:
CINCO
Limites da encarnação
102
Necessidade da encarnação
103
Bem-Aventurados os Aflitos
Justiça das aflições
106
Causas atuais das aflições
107
Causas anteriores das aflições
110
Esquecimento do passado
114
Motivos de resignação
116
O suicídio e a loucura
118
Instruções dos Espíritos:
Bem e mal sofrer
121
O mal e o remédio
123
A felicidade não é deste mundo
125
Perda de pessoas amadas:
Desencarnações prematuras
127
Se fosse um homem de bem,
teria morrido
129
Os tormentos voluntários
131
A verdadeira infelicidade
132
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A melancolia
134
Provas voluntárias:
O verdadeiro cilício
135
Pôr fim nas provas
137
Abreviar a vida de um doente
139
Sacrifício da própria vida
140
Proveito dos sofrimentos para outros 142
SEIS
O Cristo Consolador
O jugo suave
143
O Consolador prometido
144
Instruções dos Espíritos:
Advento do Espírito de Verdade
SETE
145
Bem-Aventurados os Pobres de Espírito
O que se deve entender por
pobres de espírito
149
Aquele que se eleva será rebaixado
151
Mistérios ocultos aos sábios
e aos prudentes
153
Instruções dos Espíritos:
O orgulho e a humildade
155
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Missão do homem inteligente
na Terra
OITO
163
Bem-Aventurados os Puros de Coração
Deixai vir a mim os pequeninos
165
Pecado por pensamentos. Adultério
167
Verdadeira pureza. Mãos não lavadas 169
Cortar a mão
171
Instruções aos Espíritos: Deixai que
NOVE
venham a mim as criancinhas
174
Os que têm os olhos fechados
176
Bem-Aventurados os Mansos e os Pacificadores
Injúrias e violências
179
Instruções dos Espíritos:
DEZ
A afabilidade e a doçura
181
A paciência
182
Obediência e resignação
183
A cólera
184
Bem-Aventurados os Misericordiosos
Perdoai, para que Deus vos perdoe
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187
Reconciliar-se com os adversários
188
O sacrifício mais agradável a Deus
190
O argueiro e a trave no olho
191
Não julgueis
192
Instruções dos Espíritos:
ONZE
Perdão das ofensas
194
A indulgência
197
Repreender e divulgar o mal
200
Amar o Próximo Como a Si Mesmo
O grande mandamento
203
A César o que é de César
204
Instruções dos Espíritos:
DOZE
A lei do amor
206
O egoísmo
211
A fé e a caridade
213
Caridade com os criminosos
214
Expor a vida por um criminoso
216
Amai os Vossos Inimigos
Retribuir o mal com o bem
218
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O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
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TREZE
Inimigos desencarnados
221
Ferir na face direita
223
Instruções dos Espíritos: A vingança
225
O ódio
226
Não Saiba a Tua Mão Esquerda
o Que Faz a Tua Direita
Fazer o bem sem ostentação
228
Infortúnios ocultos
231
O óbolo da viúva
233
Convidar pobres e estropiados
235
Instruções dos Espíritos: A caridade
QUATORZE
material e a caridade moral
236
A beneficência
239
A piedade
249
Os órfãos
251
Benefícios pagos com ingratidão
251
Beneficência exclusiva
253
Honrarás Pai e Mãe
Piedade filial
255
Quem é minha mãe e quem são
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meus irmãos
258
O parentesco corporal e o
parentesco espiritual
260
Instruções dos Espíritos: A ingratidão
dos filhos e os laços de família
QUINZE
262
Fora da Caridade Não Há Salvação
O necessário para salvar-se
Parábola do bom samaritano
268
O grande mandamento
271
Necessidade da caridade, segundo
Paulo de Tarso
272
Fora da Igreja não há salvação;
Fora da caridade não há salvação
273
Instruções dos Espíritos: Fora da
caridade não há salvação
DEZESSEIS
275
Não se Pode Servir a Deus e a Mamom
Salvação dos ricos
277
Guardar-se da avareza
278
Jesus na casa de Zaqueu
279
Parábola do mau rico
281
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Parábola dos talentos
280
Utilidade providencial da riqueza
281
Desigualdade das riquezas
284
Instruções dos Espíritos:
DEZESSETE
DEZOITO
A verdadeira propriedade
286
Emprego da fortuna
289
Desprendimento dos bens terrenos
292
Transmissão da riqueza
298
Sede Perfeitos
Características da perfeição
299
O homem de bem
300
Os bons Espíritas
303
Parábola do Semeador
305
Instruções dos Espíritos: O dever
307
A virtude
309
Os superiores e os inferiores
310
O homem no mundo
313
Cuidar do corpo e do espírito
314
Muitos os Chamados, Poucos os Escolhidos
Parábola do festim das bodas
13
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317
A porta estreita
320
Os que dizem: Senhor! Senhor!
322
A quem muito foi dado
324
Instruções dos Espíritos: Dá-se ao
DEZENOVE
que já tem
327
O cristão e as obras
329
A Fé Transporta Montanhas
O poder da fé
332
Condição da fé inabalável
334
Parábola da figueira que secou
337
Instruções dos Espíritos: A fé,
VINTE
mãe da esperança e da caridade
339
A fé divina e a fé humana
340
Os Trabalhadores da Última Hora
Instruções dos Espíritos: Os últimos
VINTE E UM
serão os primeiros
343
Missão dos Espíritas
346
Os obreiros do Senhor
349
Falsos Cristos e Falsos Profetas
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Conhece-se a árvore pelo fruto
351
Missão dos profetas
352
Prodígios dos falsos profetas
352
Não creiam em todos os espíritos
354
Instruções dos Espíritos: Os falsos
profetas
356
Características do verdadeiro profeta 358
Os falsos profetas da espiritualidade
360
Jeremias e os falsos profetas
363
VINTE E DOIS Não Separeis o Que Deus Juntou
VINTE E TRÊS
Indissolubilidade do casamento
366
O divórcio
369
Estranha Moral
371
Quem não odeia seu pai e sua mãe
371
Abandonar pai, mãe e filhos
373
Deixai aos mortos o cuidado de
enterrar seus mortos
376
Não vim trazer a paz
377
VINTE E QUATRO Não Pôr a Luz Debaixo do Velador
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Luz sob o velador. Jesus falava
por parábolas
383
Não ir aos gentios
388
Os que precisam de médico
390
Coragem da fé
392
Carregar a cruz. Salvar a vida
394
VINTE E CINCO Buscai e Achareis
VINTE E SEIS
Ajuda-te e o céu te ajudará
396
Olhai as aves do céu
399
Fadiga pelo ouro
401
Dai de Graça o que de Graça Recebestes
Dom de curar
404
Preces pagas
404
Vendilhões expulsos do templo
406
Mediunidade gratuita
407
VINTE E SETE Pedi e Obtereis
Qualidades da prece
411
Eficácia da prece
412
Ação da prece. Transmissão do
pensamento
415
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Preces compreensíveis
420
A prece pelos desencarnados e
pelos espíritos em sofrimento
421
Instruções dos Espíritos: Modo de orar 425
Felicidade da prece
427
VINTE E OITO Coleção de Preces Espíritas
Preâmbulo
429
I – PRECES GERAIS
431
Oração do Senhor
431
Reuniões Espíritas
440
Para os médiuns
443
II – PRECES PELA PRÓPRIA PESSOA QUE ORA
446
Aos Espíritos Protetores e aos Mentores
Espirituais
446
Para afastar os espíritos malfazejos
449
Para corrigir um erro
450
Para resistir a uma tentação
452
Na vitória sobre uma tentação
453
Para pedir conselhos
453
Nas aflições da vida
454
Favor obtido
455
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Submissão e resignação
456
Diante de um perigo
458
Por escapar de um perigo
459
Ao deitar para dormir
459
Prevendo a morte
460
III – PRECES PELOS ENCARNADOS
464
Por quem está aflito
464
Agradecendo por benefícios
concedidos a outra pessoa
465
Pelos inimigos e os que nos
querem mal
465
Agradecendo pelo bem concedido
aos inimigos
467
Pelos inimigos do Espiritismo
467
Por uma criança que nasce
470
Por um agonizante
472
IV – PRECES PELOS DESENCARNADOS
474
Pelo que acaba de desencarnar
474
Por quem temos amizade
477
Pelos sofredores que pedem preces
478
Por um inimigo desencarnado
480
Por um criminoso
481
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O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
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Por um suicida
481
Pelos espíritos arrependidos
483
Pelos espíritos endurecidos
484
V – PRECES PELOS DOENTES E PELOS
OBSIDIADOS
488
Pelos doentes
488
Pelos obsidiados
490
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O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
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Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, qual imensa
legião a movimentar-se sob as ordens do Senhor, espalham-se por sobre
toda a Terra, semelhantes a luzes que descem dos céus, dentro da
noite, vindo clarear o destino e abrir os olhos aos cegos.
Digo-lhe que são chegados os tempos.
Todas as coisas, daqui para diante, terão o seu sentido real
restabelecido, visando a dissipar as sombras, confundir os orgulhosos e
glorificar os justos.
As grandes vozes do Céu ressoam como o som de uma orquestra
e o coro de anjos a elas se une.
Você está convidado ao divino concerto.
Tome o seu instrumento e junte-se às nossas vozes, para que o
hino sagrado se espraie e vibre em todo o Universo.
Você, irmão a quem amamos, sinta-nos junto de seu coração.
Rogamos para que você vivencie o mandamento do Senhor:
“Amai-vos uns aos outros”.
No Amor, faremos a vontade do Pai Celestial e você, então,
poderá dizer, do fundo de seu coração: “Senhor! Senhor!” e poderá
entrar no reino dos Céus.
O Espírito da Verdade
Nota: Esta mensagem, recebida mediunicamente, resume o verdadeiro sentido do
Espiritismo e a finalidade desta obra também e, por isso, aqui é colocada como
prefácio.
21
ALLAN KARDEC
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INTRODUÇÃO
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Tomando os Evangelhos, poderemos classificar as matérias
neles contidas em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo;
os chamados milagres; as predições; as parábolas que foram tomadas
para estabelecer os dogmas da Igreja e os ensinamentos morais.
As quatro primeiras partes têm sido objeto de discussões.
A quinta parte, porém, que se refere aos ensinamentos morais,
é inatacável e tais princípios estão acima de toda e qualquer
controvérsia.
A própria incredulidade se curva, respeitosa, diante do código
divino proposto pelo Senhor, visto que sob seus fundamentos todos
os cultos existentes podem reunir-se. São princípios sob os quais
todos podem colocar-se, sejam quais forem as suas crenças. Jamais
foram motivos para lutas religiosas, as quais sempre nasceram das
questões dogmáticas.
As crenças que, porventura, viessem a discutir e questionar
sobre os princípios morais dos Evangelhos, encontrariam nessa
atitude a sua própria condenação, uma vez que elas tendem a
prender-se mais à parte mística, já que a parte moral exige a mudança
de hábitos viciosos de cada um.
Para você, e para cada um de nós, os princípios morais dos
Evangelhos são uma regra de conduta aplicável a todas as
circunstâncias da vida comum e da vida pública. Elevam-se como
base fundamental de todas as relações sociais e fundamento da mais
rigorosa justiça.
23
INTRODUÇÃO
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23
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Os princípios morais dos Evangelhos são, finalmente, o
manual de vida que nos assegurará a felicidade futura; um levantar
da ponta do véu sobre o amanhã.
Esta parte é a finalidade desta obra.
Todos admiram a moral evangélica e anunciam a sua
sublimidade e a sua necessidade para a nossa vida de relações
humanas. Quase todos, porém, assim o fazem tão somente por
crença ou por terem ouvido falar ou, ainda, por aceitarem princípios
que se tornaram conhecidos popularmente. Entre esses todos,
todavia, muitos poucos são aqueles que conhecem essa moral com
mais profundidade e que lhes deduzam as conseqüências para a vida
diária.
Em grande parte, a ausência de conhecimentos maiores resulta
da dificuldade que muitos encontram para a leitura do próprio
Evangelho. Ficam embaraçados diante da forma alegórica, do
misticismo intencional da linguagem e, não raro, a maioria irá lê-lo
como um dever religioso, uma obrigação ritualística, assim como
quem lê preces sem compreendê-las, e, com isso, não aproveitam
os frutos dessa árvore generosa.
Os princípios morais, respingados ao longo da leitura, para
muitos passam desapercebidos na massa das narrativas. Torna-se
difícil, assim, ao leitor menos avisado, apanhá-los em seu conjunto
e, com isso, sentem dificuldade em destacá-los para sobre eles
meditar.
Algumas obras existem, sobre a moral evangélica, em que os
seus autores pretendem dar-lhe um arranjo moderno. O modo de
expô-la, porém, anula-lhe a primitiva simplicidade com que foi
colocada por Jesus e, com isso, chega a esvaziá-la de seu encanto e
autenticidade.
Outro tanto se faz com princípios que, reduzidos à sua mais
simples expressão, perdem uma grande parte de sua significação e
de seu valor, por serem apresentados sem os seus acessórios e sem as
circunstâncias em que foram anunciados.
24
INTRODUÇÃO
o evangelho segundo o espiritismo.p65
24
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Para não recair nesses inconvenientes, reunimos nesta obra os
temas que podem constituir um código de moral universal, sem
distinção de cultos e de crenças. Nas citações que faremos,
conservamos tudo o que seja útil ao desenvolvimento do
pensamento cristão, excluindo apenas o que seja estranho ao assunto
a ser exposto.
Respeitamos, nos Evangelhos, a tradução original de Sacy.
Sem mantermos uma ordem cronológica, impossível e sem
interesse real para o estudo, agrupamos e classificamos
metodicamente as máximas morais segundo a sua natureza, para
que umas decorram das outras, numa seqüência natural.
Por conservamos a indicação dos números de ordem dos
capítulos e dos versículos dos Evangelhos, se você quiser poderá
recompor sua classificação comum, se julgar oportuno.
Essa recomposição, porém, é de utilidade secundária.
O essencial é colocar o seu conhecimento ao alcance de todos,
com explicações sobre passagens de mais difícil compreensão. Fazer,
também, o desdobramento de todas as suas conseqüências, envolvendo
a sua aplicação às diferentes circunstâncias da vida.
Isso o fizemos com o amparo dos bons Espíritos que nos
assistem.
Muitos pontos do Evangelho, da Bíblia e de autores sacros
em geral, são de difícil compreensão. Alguns até parecem sem muito
sentido, tão somente pela falta de uma chave que lhes permita
compreender o verdadeiro sentido. Essa chave que falta, temo-la
no Espiritismo. Disso já se convenceram aqueles que se puseram a
estudá-lo seriamente, e como, mais tarde, todos o reconhecerão.
O Espiritismo, aliás, se nos depara em todas as épocas de
nossa Humanidade. Seus vestígios são transparentes em anotações,
em monumentos, em inscrições. Através dele se descortinam os
horizontes novos do futuro e, por ele, são projetadas luzes muito
fortes sobre os mistérios do passado.
25
INTRODUÇÃO
o evangelho segundo o espiritismo.p65
25
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Em complemento a cada preceito cristão estudado,
adicionamos algumas instruções escolhidas entre as diversas ditadas
pelos Espíritos em vários países e recolhidas por diferentes médiuns.
Se essas instruções se originassem de uma única fonte mediúnica,
elas poderiam ter sofrido a influência da personalidade do médium
ou do meio. As diversas origens, assim, provam que os Espíritos
distribuem indistintamente os seus ensinamentos e que nenhuma
pessoa goza de qualquer privilégio (1).
Esta obra é para uso de todos.
Através dela, você pode ajustar a sua conduta à moral do Cristo.
Aos Espíritas, porém, oferece aplicações de modo especial.
Graças às comunicações, estabelecidas de uma maneira
permanente entre você e o mundo invisível aos olhos comuns, a lei
evangélica, ensinada a todas as nações pelos Espíritos, é a mesma.
Não são letras mortas. Você a compreenderá e será incessantemente
solicitado a praticá-la, pelos próprios conselhos de seus guias
espirituais.
Os ensinamentos dos Espíritos são, verdadeiramente, as vozes
do céu, que vêm esclarecê-lo e convidá-lo para a vivência do
Evangelho.
1. Poderíamos, sem dúvida, apresentar um maior número de comunicações obtidas em
muitas cidades e agrupamentos espíritas, além das que citamos. Queremos, porém,
evitar a monotonia de repetições que não acrescentariam noções novas. Limitamo-nos
àquelas que, pelo fundo e pela forma, se ajustam melhor ao propósito desta obra,
reservando-nos para publicar as demais em outras oportunidades.
Não citamos os nomes dos médiuns, porque a maioria deles próprios solicitaram que
não os designássemos. Assim, generalizamos para não fazer exceções. Os nomes dos
médiuns, inclusive, não acrescentariam coisa alguma ao trabalho dos Espíritos. Nomeálos seria dar-lhes uma satisfação ao amor-próprio, coisa que os médiuns sérios não
cultivam. Eles compreendem que, por serem passivos no papel que lhes toca, o valor
das comunicações não pode ser atribuído ao mérito pessoal deles. Seria pueril
repletarem-se de vaidade por um trabalho de inteligência que não lhes pertence e ao
qual prestaram um apoio mecânico.
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INTRODUÇÃO
o evangelho segundo o espiritismo.p65
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CONTROLE UNIVERSAL DOS ENSINAMENTOS
DOS ESPÍRITOS
A Doutrina Espírita não é de criação humana.
Se ela o fosse, teríamos por garantia somente as luzes de
inteligência de quem a houvera concebido e, na realidade, ninguém
poderia ter a pretensão de possuir a verdade absoluta. Se, por outro
lado, os Espíritos que a revelaram viessem a manifestar-se a um só
homem, coisa alguma lhe garantiria a origem, porque teríamos de
acreditar, sob a sua palavra, em quem dissesse ter recebido os
ensinamentos.
Admitindo-se, em relação a esse homem, uma perfeita
sinceridade, quando muito ele conseguiria convencer aqueles que
privassem de suas relações, reunindo alguns poucos prosélitos, mas
jamais chegaria a congregar todo o mundo.
Deus quis que a nova revelação alcançasse rapidamente os
homens. Por uma via mais autêntica, incumbiu os Espíritos de levála de um pólo a outro, manifestando-se para todos, sem atribuir a
ninguém o privilégio exclusivo de ouvir-lhes a palavra. Um homem
pode cometer abusos, enganando-se a si mesmo. Isso, porém, não
ocorrerá quando dezenas de milhares de outras criaturas ouvirem e
recolherem as mesmas informações.
Nisso a garantia para um e para todos.
Poderemos fazer desaparecer um homem, e com ele alguns
princípios. Mas não poderemos, ao mesmo tempo, fazer desaparecer
uma massa de homens. Poderemos queimar livros, destruir
bibliotecas, mas não poderemos queimar os Espíritos.
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Queimem-se, pois, todos os livros. A fonte geradora da
doutrina não será afetada, porque ela não tem a sua sede na Terra.
Ela ressurgirá de todos os lugares e todos poderão dessedentar-se
nela.
Se os homens não puderem difundi-la, os Espíritos a
difundirão.
Os Espíritos são os seus propagadores, com a colaboração de
grande número de médiuns, que os próprios Espíritos vão multiplicando
por todos os lados.
Um único médium, mesmo servindo a diversos Espíritos, e
por maior fosse a sua fidelidade, tornaria o Espiritismo mal
conhecido. Ele se tornaria motivo de prevenção para muitos e as
diversas nações não o teriam aceito.
Os Espíritos, por isso, comunicam-se em todas as partes.
O intercâmbio dos Espíritos é estabelecido em todos os povos,
em todas as línguas, em todas as nações. Por isso o Espiritismo é
aceito por todas as crenças e todas as pessoas.
A Doutrina Espírita não tem nacionalidade.
Qualquer pessoa, independentemente de sua crença e de classe
social, poderá receber instruções de seus parentes e amigos que já
desencarnaram. Por isso, o Espiritismo pode conduzir todos à
fraternidade, por estar em terreno neutro.
Na universalidade das comunicações dos Espíritos reside a
força mesma do Espiritismo. Igualmente, a razão de sua rápida
propagação. A palavra de um só homem, mesmo com o apoio de
todos os meios de comunicação, atravessaria séculos para alcançar a
muitos e fazer-se presente em todos os recantos do planeta com a
força da verdade. Ouvem-se, no entanto, milhares de vozes
espirituais adentrando os lares, os círculos fechados, buscando a
doutos e ignorantes, falando dos mesmos princípios redentores,
sem que haja um só deserdado de sua luz e consolação.
Com essa vantagem nenhuma doutrina contou até hoje.
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O Espiritismo, portanto, nascendo dos Espíritos, não teme
aos homens, nem as revoluções morais e científicas, nem as subversões
físicas da Terra, uma vez que nada disso atinge os Espíritos.
Esse seu caráter, portanto, dá-lhe excepcional posição.
Faculta-lhe, ainda, uma garantia contra os cismas que
pudessem nascer da ambição de alguns que lhe desposem os
princípios. Também, evita-lhe as contradições de certos Espíritos
exclusivistas que pretendem fazer escolas próprias, uma vez que essas
inevitáveis contradições, embora sendo uma ocorrência
circunstancial, trazem consigo o próprio remédio para debelá-las.
Os Espíritos não estão na posse de toda a verdade.
Pela diferença de seu estágio evolutivo, cada um deles alcançou
uma capacidade. Em decorrência nem todos estão aptos a penetrar
e dominar a todos os conhecimentos.
Os Espíritos vulgares não sabem mais do que muitos homens.
Há, também, entre eles os presunçosos que julgam saber o
que ignoram e os sistemáticos que tomam por verdades as suas
próprias idéias, exatamente como ocorre entre os encarnados.
Somente os Espíritos de categoria mais elevada, os que se
desenfeixaram dos laços materiais, é que se encontram despojados
das idéias e preconceitos terrenos.
Sabe-se, porém, que os Espíritos enganadores não temem e
nem guardam escrúpulos para tomar os nomes que não lhes
pertencem. Com tal denominação, comparecem para transmitir
suas idéias falsas, utópicas.
Observe, portanto, que todas as comunicações mediúnicas
que estejam fora do campo moral, terão um caráter individual.
Devem ser consideradas opiniões pessoais deste ou daquele Espírito.
Será imprudente aceitá-las e propagá-las como se fossem verdades
definitivas.
Tais comunicações devem ser submetidas ao exame da razão.
Sem exceção, todas as comunicações devem ter esse controle.
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Toda teoria que contrarie, de modo manifesto, o bom senso,
quando examinada com uma lógica rigorosa e com os elementos
positivos já alcançados, mesmo que venha assinada por um nome
respeitável, deve ser rejeitada.
Poderá ocorrer, no entanto, que quem as submeta ao controle,
tenha luzes insuficientes para interpretá-las, por ser daquelas pessoas
que tomam as suas próprias opiniões pessoais para fazerem-se juízes
definitivos.
Que fazer diante desse fato?
Deve buscar-se o parecer da maioria e tomá-lo por guia.
Os Espíritos são os primeiros a indicar tal solução.
A concordância que existe entre o que ensinam os Espíritos,
é o melhor controle sobre as idéias expostas, mas isso dependerá
das condições em que se faz tal exame.
Se, por exemplo, é um mesmo médium quem interroga vários
Espíritos, querendo esclarecer-se sobre questões duvidosas que foram
expostas, você estará diante do mais frágil exame.
Esse médium poderá estar sob uma obsessão ou, então, estar
lidando com o espírito mistificador, que lhe dirá a mesma coisa
sob diferentes nomes. Nenhuma garantia, igualmente, oferece a
confirmação de instruções dentro de um mesmo agrupamento
Espírita, porque todos podem estar sob a mesma influência.
Uma única e séria garantia existe para validar os ensinamentos
dos Espíritos e essa é a concordância que existe entre as revelações
realizadas espontaneamente por intermédio de um grande número
de médiuns estranhos entre si e transmitidas em vários lugares
diferentes.
Não cogitamos das instruções de interesse secundário.
Tratamos daquelas que cogitam dos próprios princípios
doutrinários. Em verdade, a própria experiência tem provado que,
quando um princípio novo tem de ser enunciado, tais idéias surgem
espontaneamente em diferentes pontos, ao mesmo tempo, de uma
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maneira idêntica, senão quanto à forma, mas quanto ao fundo,
quanto a seu sentido.
Quando, portanto, surgir uma idéia excêntrica, baseada
unicamente nas idéias de um Espírito, com exclusão da verdade,
esse princípio ficará circunscrito. Terminará por desaparecer diante
dos verdadeiros ensinamentos que são dados, ao mesmo tempo,
em todas as partes.
Essa unanimidade já fez cair por terra muitos sistemas parciais
que surgiram quando da origem do próprio Espiritismo. Cada um
interpretava os fenômenos segundo o seu ponto de vista, antes
mesmo que conhecesse as leis que regem as relações entre o mundo
dos homens encarnados e o mundo invisível aos nossos olhos e
sentidos comuns.
A unanimidade é a base sobre a qual nos apoiamos.
Quando formulamos um princípio da doutrina, não é porque
esteja de acordo com a nossa idéia, já que não somos o árbitro supremo
da verdade e a ninguém jamais dissemos:
– Creia em tal coisa, porque somos nós que lhe dizemos.
A nossa opinião, na realidade, não passa de uma opinião
pessoal. Poderá ser justa ou falsa, porque não somos mais infalíveis
que os outros. Não é porque um princípio doutrinário nos foi
ensinado que ele passará a ser verdade. Nós o enunciamos tão
somente quando ele recebeu a sanção da concordância universal.
Recebemos comunicações de perto de mil centros espíritas
sérios, distribuídos pelos mais diversos pontos da Terra. De posse
de tão farto material, achamo-nos em condições de ajuizar sobre
quais princípios revelados se estabelece a unanimidade. Essa
observação é que nos tem guiado e nos guiará ao encontro dos
novos campos que o Espiritismo será chamado a explorar. É
estudando atentamente as comunicações que nos vêm de diversas
partes, tanto da França quanto de outros países, que reconhecemos
a natureza toda especial das revelações espirituais e a tendência do
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Espiritismo de adentrar por novo caminho e que lhe chegou o
momento certo de dar um passo adiante.
As revelações dos Espíritos, algumas vezes feitas por palavras
veladas, enquanto para alguns que as obtêm passam desapercebidas,
outros que as recebem julgam-se os únicos a tê-las.
Tomadas isoladamente elas pareceriam sem valor.
A coincidência delas, vindas de tão diversas fontes, dá-lhes
seriedade. Inclusive, ao trazê-las ao conhecimento do público em
geral, muitos se lembram de terem alcançado instruções semelhantes,
com o mesmo sentido.
É na observação desse movimento geral, e no seu estudo,
com a assistência de nossos orientadores espirituais, que julgamos a
oportunidade de fazer uma coisa ou de abster-nos de fazê-la.
O controle universal, assim adotado, é uma garantia para a
unidade futura do Espiritismo. É, também, uma garantia de anular
todas as teorias contraditórias que alguns lhe queiram adicionar para
satisfação de seu gosto pessoal.
Esse é o critério da verdade.
O que assegurou o sucesso da doutrina exposta em O Livro
dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, foi o fato de que, em toda
parte, todos receberam diretamente dos Espíritos a confirmação
dos princípios expostos em tais obras.
Se, no entanto, de todos os lados os Espíritos viessem a
contradizê-los, esses livros, depois de algum tempo, experimentariam
a sorte de todos os que fazem concepções fantásticas.
Nem o apoio dos meios de comunicação os salvaria.
Privados, contudo, desse apoio, eles não apenas ficaram salvos
do naufrágio das obras fantásticas, como também avançaram
rapidamente por terem o apoio dos Espíritos, cuja boa vontade
compensou a má vontade dos homens.
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Todas as idéias, pois, quer vindas dos Espíritos ou dos homens,
que não se apóiem no controle universal, naufragam por não
contarem com essa incontestável força.
Suponhamos que seja da vontade de um certo Espírito ditar,
sob um título qualquer, um livro que seja de sentido contrário aos
já citados. Suponhamos mesmo que, em razão de intenção hostil, e
visando desacreditar a doutrina, a maldade suscitasse comunicações
falsas. Que influência poderiam exercer tais comunicações, se por
todos os lados fossem desmentidas pelos Espíritos? É com a
colaboração dos Espíritos, portanto, que se deve garantir todo aquele
que queira lançar um sistema qualquer em seu nome. Do sistema
de um só, ao aceito por todos, vai a distância de uma opinião pessoal
isolada, à opinião universal.
Que força terão os argumentos dos detratores, para desmentilos, sobre a opinião das massas, quando milhares de vozes amigas,
vindas da Espiritualidade, se fazem ouvidas em todo o Universo e
no seio de cada família? As experiências não têm confirmado esses
princípios? Onde estão todas as publicações que pretendiam arrasar
o Espiritismo? Quais as que, ao menos, atrasaram a sua marcha?
Não se considerou, até agora, essa questão sob este ponto de vista,
aliás um dos mais graves sem contestação, porque cada um dos
contraditores contou consigo só, mas não contou com o apoio dos
Espíritos.
A concordância universal, por outro lado, é uma garantia
contra alterações que seitas poderiam tentar com o Espiritismo,
para ajustá-lo a seus interesses menores. Quem tentasse desviá-lo de
seu providencial objetivo, pela universalidade dos ensinamentos dos
próprios Espíritos veria cair por terra toda e qualquer modificação
que se separe da verdade.
Eis aí o ponto central!
Quem quer que se oponha à corrente das idéias consagradas
pela universalidade das manifestações espirituais, poderá causar uma
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pequena perturbação local e momentânea. Jamais, porém,
conseguirá atingir todo o conjunto e, muito menos, dominá-lo
por inteiro, quer na hora presente, quer no futuro.
Há, portanto, atitude de cautela.
As instruções dadas pelos Espíritos, sobre pontos da Doutrina
ainda não suficientemente elucidados, não se incorporarão ao conjunto
de leis enquanto não forem sancionadas pela universalidade. A sua
aceitação ficará sob reserva e a título de esclarecimento.
Antes de torná-las públicas, há necessidade de prudência.
Se se julgar conveniente publicá-las, deverão ser apresentadas
como opiniões individuais, mais ou menos prováveis, porém que
devem aguardar confirmação. Essa confirmação é que se deve
aguardar antes de apresentar um princípio como verdade absoluta,
a fim de não ser acusado de leviandade ou credulidade cega.
Os Espíritos Superiores procedem, em suas revelações, com
extrema sabedoria. Abordam as grandes questões da Doutrina
gradualmente, sem precipitação, à medida que a inteligência está
apta a compreender uma verdade de ordem mais elevada. Aguardam,
pois, as circunstâncias propícias para emitir uma idéia nova. Por
esta cautela é que, logo no início das revelações, não disseram tudo
e nem tudo disseram até agora, jamais cedendo à impaciência
daqueles que querem colher os frutos antes do seu amadurecimento.
É inútil querer avançar no tempo designado pela Providência, uma
vez que os Espíritos verdadeiramente sérios negam o seu concurso.
Todavia, os Espíritos levianos, que pouco se ocupam da verdade,
estes responderão a tudo, indiferentemente, vindo daí a causa de
respostas contraditórias sobre questões prematuramente abordadas.
Esses princípios, acima expostos, não são uma teoria pessoal.
São eles, pelo contrário, uma conseqüência forçada das
condições em que os Espíritos se manifestam. Torna-se evidente,
pois, que se um Espírito diz uma coisa e outros milhares de Espíritos
dizem o contrário em outros lugares, a presunção da verdade não
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poderá estar com esse que emite idéias isoladamente. Querer alguém
ter razão contra todos seria uma falta de lógica da parte de um
Espírito, tanto quanto o seriam da parte dos homens.
Os Espíritos sábios, quando não se sentem suficientemente
esclarecidos sobre uma questão, jamais a resolvem de maneira
absoluta. Preferem declarar que a tratam sob um ponto de vista
seu, pessoal, e aconselham mesmo que se aguarde a confirmação.
Mesmo que seja grande, bela e justa uma idéia, é impossível
que, desde o primeiro momento, ela polarize todas as opiniões. Os
conflitos que ela desencadeia são conseqüência inevitável do
movimento que se opera. Tais conflitos são mesmo necessários para
maior destaque da verdade e são extremamente úteis para que as
idéias falsas sejam, de pronto, postas de lado. Os Espíritas que
alimentassem qualquer temor por isso, podem ficar tranqüilos, uma
vez que todas as pretensões isoladas desaparecerão, pela força das
coisas, diante do grande e poderoso critério do controle universal.
Não será a opinião de um homem que se unirão os outros homens.
A união se dará em torno da voz unânime dos Espíritos. Não
será este ou aquele homem, como não será qualquer outro homem,
que criará o fundamento da ortodoxia espírita. Também não será
um Espírito que virá impô-la a quem quer que seja. Ela nascerá da
universalidade dos Espíritos que se comunicam em toda a Terra
por ordem de Deus.
Esse é o caráter essencial da Doutrina Espírita.
Essa é a sua força e aí está a sua autoridade.
Deus quis que a sua lei assentasse em base sólida e, por isso,
não quis que o seu fundamento repousasse sobre a cabeça frágil de
um só homem.
Sob tão poderosa assembléia de Espíritos Sábios, onde não
se cultivam facções, nem rivalidades ociosas, nem seitas, nem raças
ou cores, é que virão quebrarem-se todas as oposições, todas as
ambições, todas as pretensões de supremacia individual. É que
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quebraremos a nós mesmos, na realidade, se pretendermos substituir,
por nossas próprias idéias, os decretos soberanos do Pai. Somente a
Ele caberá decidir sobre as questões que causam litígio, impondo
silêncio às dissidências e dando razão a quem a tenha. À frente desse
portentoso acordo de todas as Vozes do Céu, o que pode a opinião
de um homem ou mesmo de um Espírito isolado? Poderá menos
que uma gota que se perde no oceano, menos que a voz de uma
criança, abafada pela tempestade.
A opinião universal é o juízo supremo.
Ela é a última instância.
A opinião universal forma-se pela soma de todas as opiniões
individuais. Se uma delas é verdadeira, tem o seu peso relativo na
balança da verdade. Se, porém, for falsa, ela não prevalecerá sobre
todas as outras. Nesse imenso concurso, as personalidades se apagam
e, nisto, se encontra um novo insucesso para o orgulho humano.
Já se esboça, pois, o harmonioso conjunto.
Este século não passará sem que o harmonioso conjunto
resplandeça em todas as suas luzes, de maneira a afastar todas as
sombras das incertezas. Poderosas vozes terão recebido a missão de
se fazerem entender, a fim de congregar os homens sob uma mesma
bandeira, tão logo o campo se ache suficientemente preparado para
a sementeira. Enquanto isso não se dá, o homem que estiver
flutuando entre dois sistemas opostos poderá observar em que
sentido se forma a opinião geral: a indicação certa será aquela em
que se pronuncia a maioria dos Espíritos sobre os diversos princípios
da Doutrina, nos diversos pontos em que se comuniquem. É o
sinal certo de qual dos dois sistemas prevalecerá.
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Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos, fazse necessário conhecer o valor de algumas palavras que são
freqüentemente empregadas. Elas caracterizam o estado dos
costumes e da própria sociedade judia da época. Essas palavras, já
não tendo o mesmo sentido na atualidade, são freqüentemente
mal interpretadas e, por isso, resultam em alguma incerteza.
A significação delas, na época, lhe permitirá conhecer o
verdadeiro sentido de certas máximas que, sem o seu domínio, lhe
parecerão um tanto confusas.
Samaritanos – Após o cisma das dez tribos, Samaria tornouse a capital do reino dissidente de Israel. Destruída e reconstruída
muitas vezes, ela se tornou, sob a administração dos romanos, a
cabeça da Samaria, sendo uma das quatro divisões da Palestina.
Herodes, aquele chamado o Grande, chegou a embelezá-la com
suntuosos monumentos e, para ser agradável a Augusta, deu-lhe o
nome de Augusta, em grego Sebaste. Os samaritanos estiveram,
quase sempre, em guerra com os reis de Judá. Uma aversão profunda,
nascida desde a separação, perpetuava-se constantemente entre os
dois povos que, por isso, evitavam relações entre si. Os samaritanos,
ainda para aprofundar a separação e não terem de ir a Jerusalém
para a celebração das festas religiosas, construíram um templo
particular e adotaram algumas reformas. Admitiram apenas o
Pentateuco, que continha a lei de Moisés, e rejeitaram todos os
demais livros que lhe foram anexados.
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Os seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos
da mais alta antigüidade.
Para os judeus ortodoxos, os samaritanos eram considerados
heréticos e, por isso mesmo, menosprezados, anatematizados e
perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha, por único
fundamento, a divergência das opiniões religiosas, se bem que as
suas crenças tivessem a mesma origem.
Eles eram os protestantes de seu tempo.
Os samaritanos são encontrados, ainda hoje, em algumas
regiões do Oriente, particularmente em Nablusa e em Jafa.
Observam com mais rigor a lei de Moisés do que os demais judeus.
Só contraem aliança entre si.
Nazarenos – Este era o nome dado, na antiga lei, aos judeus
que faziam voto, ou por toda a vida ou apenas temporariamente,
de conservar uma pureza perfeita. Comprometiam-se, portanto, a
manter a castidade, a não tomar bebidas alcoólicas e a conservar a
cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos. Os cristãos,
mais tarde, receberam esse nome dos judeus, por alusão a Jesus de
Nazaré.
Essa foi, também, a denominação duma seita herética dos
primeiros séculos do cristianismo que, do mesmo modo que os
ebionitas, dos quais adotava certos princípios, mesclavam as práticas
do moisaísmo com dogmas cristãos. Esta seita desapareceu no século
quarto.
Publicanos – Na antiga Roma, eram chamados de publicanos
aqueles que eram arrendatários de tributos públicos, encarregados
da cobrança de impostos, taxas e rendas de qualquer natureza, na
própria Roma e em outras partes do Império Romano.
Eram análogos aos arrendatários do antigo regime francês e
que ainda existem em certas regiões. Os riscos a que se sujeitavam,
no desempenho de suas funções, levavam a que se fechassem os
olhos para as riquezas que acumulavam e que, da parte de alguns,
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eram produtos de corrupção e benefícios escandalosos. Mais tarde,
o nome de publicano se estendeu a todos os que manipulam o
dinheiro público e a seus auxiliares subalternos.
Atualmente esse é um designativo pejorativo, atribuído a
financistas e agentes pouco escrupulosos no trato com negócios.
Algumas vezes se diz: – “Ávido como um publicano ou rico
como um publicano”, para indicar uma fortuna de má origem.
O tributo foi o que mais dificilmente os judeus aceitaram,
de toda a dominação romana. Tornou-se a causa de muita irritação.
Em razão dele nasceram muitas revoltas e, finalmente, transformaramno em questão religiosa, apresentado como sendo contrário à lei.
Formou-se, inclusive, um partido poderoso, à frente do qual se
colocou um certo Judá, chamado “O gaulonita”, partido esse que
tinha por base o não pagamento do tributo.
Os judeus tinham horror pelos tributos, e por conseqüência,
por todos os que eram encarregados de recebê-los. Daí nascia a
aversão deles pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais,
no entanto, podiam encontrar-se pessoas de bem. Mas em razão de
suas funções, eram desprezadas, assim como as demais pessoas que
com elas mantinham relações, as quais eram atingidas pela mesma
reprovação.
Os judeus mais distintos consideravam que se comprometeriam
se tivessem alguma intimidade com os publicanos.
Os portageiros — Estes eram arrecadadores de baixa
categoria, incumbidos, principalmente, da cobrança de direitos de
entrada nas cidades. Suas funções correspondiam aproximadamente
às dos empregados de alfândega e de recebedores de pedágio e de
direitos de barreira. Devotava-se-lhes a mesma repulsa que se dava
aos publicanos em geral. É por esta razão que, nos Evangelhos, se
depara freqüentemente com a palavra publicano, seguida da expressão
gente de má vida. Esta qualificação não implicava uma ponta de
deboche ou considerá-los vadios, mas era sinônimo de gente de má
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companhia, indigna de freqüentar a casa e a roda de pessoas muito
distintas.
Fariseus — (do hebreu parasch, significando divisão,
separação). A tradição formava uma parte importante na teologia
judaica. Consistia numa compilação de interpretações sucessivamente
dadas às Escrituras e que, por isso, se transformavam em dogmas.
Tais interpretações, entre os doutores, se sujeitavam a intermináveis
discussões, algumas vezes por simples questão de palavras ou de
formas de colocá-las. Resultavam numa disputa teológica do mesmo
gênero que o das sutilezas escolásticas da Idade Média. Dessas
discussões nasceram diferentes seitas que pretendiam trazer para si o
monopólio da verdade. Como decorre desses acontecimentos, as seitas
se detestavam cordialmente uma às outras.
A mais influente, dentre essas seitas, era a dos fariseus, que
teve por chefe Hilel, doutor judeu nascido em Babilônia e fundador
duma escola célebre, cujos ensinamentos propunham que só se devia
depositar crença nas Escrituras. A origem desta seita remonta a 180
ou 200 anos antes de Cristo.
Os fariseus foram perseguidos em diversas épocas,
notadamente sob Hircano, soberano pontífice e rei dos judeus,
Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria. Releva notar que este último,
Alexandre, conferiu honras e bens aos fariseus, que os conservaram
até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da era cristã, época em que se
apagou o nome deles com a dispersão dos judeus. Os fariseus
tomavam uma parte ativa nas discussões religiosas. Com atitudes
de servis observadores das práticas exteriores do culto e de
cerimoniais, demonstravam zelo ardente por fazer prosélitos.
Colocavam-se como inimigos dos invasores e afetavam uma grande
severidade de princípios. Contudo, por trás dessa aparência de grande
devoção, ocultavam costumes dissolutos, excessivo orgulho,
alimentando-se de grande desejo de dominação. A religião, para
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eles, era simples meio para chegarem a outros fins, sem que tivessem
pela religião uma fé sincera.
A virtude, para eles, era mera aparência. Através dela exerciam
grande influência sobre o povo, por passarem diante do vulgo como
personalidades santificadas.
Assim é que se tornaram muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam, ou pelo menos fingiam acreditar, na Providência,
na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreição
dos mortos (cap. IV, n.º 4).
Jesus, que valorizava, sobretudo, a simplicidade e as qualidades
dos sentimentos, que preferia da Lei antes o espírito que vivifica do
que a letra que mata, durante toda a sua missão se aplicou a
desmascarar essa hipocrisia. Por conseqüência, tinha neles grandes
inimigos, estando aqui, portanto, a razão principal pela qual os
fariseus se uniram aos principais sacerdotes judeus para amotinar o
povo contra Jesus, a fim de eliminá-lo.
Escribas — Este era o nome dado, em princípio, aos
secretários dos reis de Judá, e, também, a certos intendentes das
forças armadas judaicas. Mais tarde, porém, passou a ser a designação
especialmente aplicada aos doutores que ensinavam a Lei de Moisés
e a interpretavam para o povo. Eles faziam causa comum com os
fariseus, abraçando-lhes os princípios e a antipatia contra os
inovadores. Eis o motivo pelo qual Jesus os envolvia na mesma
reprovação.
Sinagoga — (do grego synagoguê, significando assembléia,
congregação). Não existia, em Jerusalém, nenhum outro templo,
além do de Salomão onde eram celebradas as grandes cerimônias
do culto. Os judeus, todos os anos, iam em peregrinação para as
principais festas judaicas, tais como as da Páscoa, as da Dedicação e
as dos Tabernáculos.
Por ocasião dessas festas, Jesus se dirigia também para
Jerusalém.
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As outras cidades na Judéia não possuíam templo, mas apenas
sinagogas. As sinagogas eram pequenas construções onde os judeus
se congregavam aos sábados, a fim de fazerem preces públicas sob a
direção dos Anciãos, dos escribas ou dos doutores da Lei. Eles faziam
leituras dos livros sagrados e sobre elas ofereciam explicações e
comentários. Por isso é que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava nas
sinagogas nos dias de sábado.
Depois da ruína de Jerusalém e da dispersão dos judeus, as
sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem de templo para a
sua celebração de culto.
Saduceus — Seita judia, formada cerca do ano 248 antes de
Cristo. Esse nome lhe veio de Sadoc, seu fundador. Os saduceus
não acreditavam nem na imortalidade da alma, nem na ressurreição,
nem em bons ou maus anjos. Acreditavam, no entanto, em Deus.
Nada, contudo, esperando após a morte, eles serviam a Deus
esperando recompensas imediatas. Nisso, segundo eles, se reduzia a
Providência divina.
Por decorrência desse modo de pensar, tinham na satisfação
dos sentidos físicos todo o seu objetivo central de vida. Quanto às
Escrituras, prendiam-se ao texto da lei antiga, não admitindo
elementos da tradição e, menos ainda, quaisquer interpretações.
Consagravam as boas obras e a execução pura e simples da Lei acima
das práticas exteriores do culto. Eram, como se deduz, os materialistas.
os deístas e os sensualistas da época.
Esta seita não era muito numerosa, mas contava com personalidades
importantes. Tornou-se um partido político constantemente em oposição
aos fariseus.
Essênios ou esseus — Seita judaica formada ali por 150
anos antes de Cristo, ao tempo dos macabeus. Seus membros, que
habitavam uma espécie de mosteiro, formavam entre si uma
associação moral e religiosa. Eles se distinguiam pelos seus costumes
brandos e por virtudes austeras, ensinando o amor a Deus e ao
próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na ressurreição. Viviam
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em celibato, condenando a escravidão e a guerra, trazendo seus bens
em comunidade, e trabalhavam na agricultura. Opondo-se aos saduceus,
que negavam a imortalidade da alma, e aos fariseus rígidos apenas nas
práticas exteriores e de qualidades apenas aparentes, jamais os essênios
tomaram parte nas querelas que dividiam essas duas seitas.
O gênero de vida que levavam os fez assemelharem-se muito
com os primeiros cristãos e, pelos princípios morais que professavam,
levaram muitas pessoas a pensar que Jesus fizera parte dessa seita
antes do início de sua missão pública.
Certamente Jesus teria conhecido essa seita, mas nada prova
que a ela se filiara, sendo que tudo o que se escreveu a tal respeito é
hipotético (1).
Terapeutas — (do grego thérapeutai, formado de thérapeuein,
significando servir, curar, ou seja, servidores de Deus ou curadores).
Sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos
principalmente em Alexandria, no Egito. Eles cultivavam grandes
relações com os essênios, adotando-lhes os princípios. Adotavam,
também, a prática de todas as virtudes. Alimentavam-se frugalmente,
sendo também celibatários, voltados à contemplação e à vida solitária.
Formavam uma verdadeira ordem religiosa.
Fílon, filósofo judeu platônico, de Alexandria, foi o primeiro
a falar dos terapeutas, considerando-os uma seita do judaísmo.
Eusébio, Jerônimo e outros Padres da Igreja* pensavam que eles
eram cristãos.
Fossem judeus ou cristãos, o que se evidência é que, do mesmo
modo que os essênios, eles formam um traço de união entre o
judaísmo e o cristianismo.
1. A morte de Jesus, supostamente escrita por um irmão essênio, é um livro completamente
apócrifo, escrito tão-somente para servir de apoio a uma opinião, trazendo em si mesmo a
prova de sua origem moderna.
(*) “Padres da Igreja” era a denominação dada aos autores de textos sagrados da
Igreja primitiva, mais ou menos do século primeiro ao século sétimo. Tais escritos
foram importantes no desenvolvimento do pensamento do início do cristianismo.
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Jesus conheceu a seita dos essênios.
Seria equivocado, porém, concluir-se que a sua doutrina foi
inspirada nessa seita e que, se houvera estado em outro meio, abraçaria
outros princípios.
As grandes idéias jamais surgem subitamente.
Todas aquelas que têm por base a própria verdade contam
com precursores que lhes preparam parcialmente as sendas. Depois,
quando chegar o tempo justo, Deus envia um homem com missão
de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, formando
um corpo doutrinário.
Não surgindo bruscamente a idéia, ao aparecer encontrará
almas dispostas a aceitá-la. Assim, se deu, portanto, com a idéia
cristã, que foi recolhida como que no ar séculos antes de Jesus e dos
essênios, tendo em Sócrates e Platão os seus principais precursores.
Sócrates, assim como Jesus Cristo, nada escreveu ou, pelo
menos, nenhum escrito pessoal deixou. Como Jesus, experimentou
a morte imposta a criminosos, vítima de fanatismo, por ter
combatido as crenças que encontrara e posto a virtude acima da
hipocrisia e dos simulacros das formas, evidenciando os preconceitos
religiosos.
Assim como Jesus foi acusado pelos fariseus de corromper o
povo com os seus ensinamentos, Sócrates foi acusado pelos fariseus
de seu tempo, já que há fariseus em todas as épocas, de corromper
a juventude ao proclamar a unidade de Deus, a imortalidade da
alma e a existência da vida futura além do corpo físico.
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Igualmente como conhecemos a doutrina de Jesus pelos
Evangelhos escritos pelos seus discípulos, nós somente conhecemos
os pensamentos de Sócrates pelos escritos de seu discípulo Platão.
Cremos, por isso, ser útil que reunamos os pontos de maior
destaque dos ensinamentos de Sócrates, para demonstrar a
concordância desses princípios com os do cristianismo.
Alguns poderão considerar tal propósito uma profanação.
Dirão que não se pode estabelecer um paralelo entre a doutrina
de um pagão e a do Cristo. Responderemos que a doutrina de
Sócrates não era paganismo, mas visava a combater o paganismo. A
doutrina do Cristo, por sinal mais completa e pura que a de Sócrates,
não perderá coisa alguma na comparação. A grandeza da missão
divina do Cristo não poderá ser reduzida, uma vez que se trata de
um fato da História que não é possível apagar.
O homem atingiu um ponto tal, hoje, em que a luz explode
por si mesma, indo ao encontro de todas as consciências. Acha-se
você, portanto, em condição de encará-la face a face, graças à sua
maturidade. Pior será para aqueles que não querem abrir os olhos e
vê-la. É tempo de ver as coisas mais largamente e de um modo
elevado. Não mais, portanto, de um ponto de vista mesquinho e
condicionado aos interesses de seitas e castas.
As citações que faremos, por isso, provarão que se Sócrates e
Platão pressentiram a idéia do cristianismo, pressentiram também
os princípios fundamentais da Doutrina Espírita.
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I. O homem é uma alma encarnada. Antes de sua encarnação,
ela estava unida aos tipos primordiais, unida às idéias da verdade,
do bem e do belo. Separando-se desse estado, ao encarnar, ela se
sente mais ou menos atormentada ao recordar o seu passado, por
desejar voltar ao que era.
Seria quase impossível enunciar com mais clareza a
distinção e independência entre o princípio inteligente e o
princípio material. Destaca-se, também, por outro lado, a
doutrina da preexistência da alma; da vaga intuição que ela
conserva de um mundo pelo qual aspira; da sua sobrevivência
ao corpo; de sua vinda do mundo espiritual para encarnar e de
seu retorno a esse mesmo mundo de origem, após a morte.
Esse é o germe da doutrina dos Anjos decaídos ou depostos.
II. A alma se extravia e se perturba, quando se utiliza do corpo
para contatar qualquer objeto. Sente vertigem, qual se estivesse
embriagada, porque se une às coisas que são, pela própria natureza,
sujeitas a mudanças. Quando, porém, ela contempla a sua própria
essência, ela contata com o que é puro, eterno, imortal e, portanto,
igual à sua própria natureza, permanecendo aí unida pelo mais longo
tempo que possa. Cessam, aqui, os seus extravios e a sua perturbação,
uma vez que ela está unida ao que é imutável e a esse estado é que se
chama sabedoria.
Se você aprecia alguma coisa de modo terra a terra, do
ponto de vista material, criará em você mesmo uma ilusão. Para
apreciá-la, porém, com justeza, deverá examiná-la de modo mais
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alto, menos terra a terra, partindo para considerá-la do ponto
de vista espiritual.
Você será verdadeiramente prudente se, em todas as
circunstâncias, isolar a alma do corpo para ver com os olhos do
espírito.
Este é, também, um ensinamento do Espiritismo (cap. II,
n.º 5).
III. Ao estarmos em nosso corpo e a alma permanecer
mergulhada na corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos
desejos: a verdade. O corpo nos cria mil obstáculos, pela necessidade
mesmo de cuidarmos dele com esmero. Ele nos enche de desejos,
de apetites, de temores, de mil quimeras e de mil tolices, de tal
modo que se torna impossível sermos de bom senso por algum
instante. Mas, se nos torna impossível conhecer puramente alguma
coisa, enquanto a alma está unida ao corpo, entre essas duas coisas
haverá uma: ou não conheceremos jamais a verdade ou iremos
conhecê-la após a morte. Libertos dos grilhões do corpo,
conversaremos então, é lícito esperá-lo, com outros homens
igualmente livres, libertos, e conheceremos por nós mesmos a essência
das coisas. Em decorrência disso é que os verdadeiros filósofos se
exercitam em morrer e a morte não lhes parece, de nenhum modo,
terrível.
Este é o princípio de obscurecimento das faculdades da
alma, por ter de manifestar-se por intermédio dos órgãos
corporais e o da expansão de suas faculdades após a morte. Essa
expansão, contudo, se dará com almas elevadas, despojadas das
impurezas, não ocorrendo o mesmo com as almas impuras (O
Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. II; 2ª parte, cap. I).
IV. A alma impura, nesse estado, sente-se oprimida e é
arrastada para o mundo visível, pelo horror que sente pelo que é
invisível e imaterial. Ela vagueia, diz-se, em torno de monumentos
e de túmulos, junto aos quais já se tem visto tenebrosos fantasmas,
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como devem ser as imagens das almas que deixaram os corpos físicos
sem terem alcançado a pureza. Conservando qualquer coisa da forma
material, isso faz com que as vistas humanas possam percebê-las.
Esses fantasmas não são as almas dos bons, mas dos impuros. Elas
se vêem forçadas a vagar por tais lugares, carregando a pena de sua
primeira vida. Continuarão a vagar, até que os apetites inerentes à
forma material de que se revestiram as reconduzam a um novo
corpo. Elas retornarão, sem dúvida, aos mesmos costumes que, no
curso de sua primeira vida, foram o objeto de sua predileção.
Não temos aí, somente o princípio da reencarnação, inteiramente e claramente expresso. Temos, também, o estado das
almas que se mantêm presas à matéria, descrito da mesma forma
que o Espiritismo mostra nas evocações. Diz-se, também, que a
reencarnação da alma num corpo material é uma conseqüência
da própria impureza da alma, enquanto que as almas purificadas
estão livres, franqueadas de reencarnar.
O Espiritismo não diz outra coisa. Acrescenta-se, tãosomente, que a alma que boas resoluções tomou quando na
erraticidade, e que possui conhecimentos adquiridos, traz
consigo, ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e muitas
idéias intuitivas de sua precedente existência. Assim é que cada
existência significa para a alma um progresso intelectual e moral
(O Céu e o Inferno, 2ª parte: Exemplos).
V. Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio) que nos
acompanhou durante a nossa vida, leva-nos a um lugar onde se
reúnem todos aqueles que devem ser conduzidos ao Hades para
serem julgados. As almas, após permanecerem no Hades o tempo
necessário, são trazidas a esta vida em numerosos e longos períodos.
A palavra daimon, da qual se originou o termo demônio,
não se referia ao mal em si, na época em que era utilizada.
Somente na era moderna tem ela esse sentido. Não designava,
portanto, entidades malfazejas, mas os Espíritos de um modo
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geral. Distinguiam-se, entre eles, os Espíritos Superiores,
chamados de deuses, e os Espíritos menos elevados, estes os
demônios propriamente ditos, que se comunicavam diretamente
com os homens.
O Espiritismo diz, também, que os Espíritos povoam o
espaço; que Deus não se comunica diretamente com os homens
e que são os puros Espíritos que se comunicam para transmitiremlhes a vontade do Criador.
Substitua a palavra demônio pela Espíritos e você terá a
Doutrina Espírita. Substitua a palavra demônio por anjo e você
terá a doutrina cristã.
VI. Os demônios ocupam o espaço que separa o céu da Terra.
Eles são o liame que une o Grande Todo a si mesmo. A divindade
não entra jamais em comunicação direta com o homem, a não ser
por intermédio dos demônios. Através destes é que os deuses fazem
o intercâmbio e se entretêm com os homens, quer durante a vigília,
quer durante o sono.
Esta é a doutrina dos Anjos guardiães ou Espíritos
protetores e, também, das reencarnações sucessivas após
intervalos mais ou menos longos na erraticidade.
VII. A preocupação constante do filósofo (tal como a
compreendiam Sócrates e Platão) é de tomar grande cuidado com
a alma, menos pelo que ocorre nesta vida, que representa apenas
um instante, porém mais pela própria eternidade. Se a alma é imortal,
não será sabedoria viver em função da própria eternidade?
O cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.
VIII. Se a alma é imaterial, ela tem de passar, após esta vida,
para um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo modo
que o corpo, por ser material, deverá entrar em decomposição e
seus elementos retornarem à matéria. Importa, então, somente
distinguir a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta,
como Deus, de ciência e de pensamentos, da alma mais ou menos
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marcada por impurezas materiais, que a impedem de elevar-se ao
divino e que a retêm nos mesmos lugares de sua estada na Terra.
Sócrates e Platão, como você pode ver, compreendiam
perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização da alma. Eles
insistem sobre a diferente situação que resulta para ela de sua maior
ou menor pureza.
O que eles disseram por intuição, o Espiritismo prova por
numerosos exemplos que nos são postos diante dos olhos. (O
Céu e o Inferno, 2ª parte.)
IX. Se a morte representasse a dissolução total do homem,
isso seria um grande ganho para os maus, uma vez que após a morte
eles se veriam, ao mesmo tempo, livres do corpo, da alma e dos
vícios. Aquele, porém, que enriquecer a sua alma, não com valores
que lhe sejam estranhos, mas com valores que lhe são próprios,
somente esse é que poderá aguardar tranqüilamente a hora de sua
partida para o outro mundo.
Em outros termos, isto quer dizer que o materialismo, ao
proclamar que nada existe após a morte, está anulando toda e
qualquer responsabilidade moral posterior à morte e, por
conseqüência, estimulando o homem para o mal, significando
que o mau tem tudo a ganhar da existência do nada após a morte.
No entanto, será apenas o homem que se enriqueceu de virtudes
que poderá aguardar tranqüilamente o despertar na outra vida.
O Espiritismo lhe mostra, através de exemplos que todos
os dias são postos debaixo de seus olhos, quanto é penoso para
o mau a sua passagem desta vida para a outra. (O Céu e o Inferno,
2ª parte, cap. I.)
X. Os corpos conservam os sinais bem marcados dos cuidados
recebidos ou dos acidentes que sofreram. Dá-se a mesma coisa com
a alma. Quando se despe do corpo, ela carrega os traços evidentes
de seu caráter, de suas afeições e as marcas de todos os atos de sua
vida. Assim a grande infelicidade que pode acometer o homem é ir
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para o outro mundo com a alma marcada de crimes. Veja, Cálicles,
que nem você, nem Pólux, nem Górgias poderão provar que
devemos levar uma outra vida que nos seja útil quando estejamos
do outro lado. Entre tantas opiniões diversas, a única que permanece
inalterável é a de que vale mais receber do que cometer uma injustiça.
Cuidemos, portanto, em aplicar-nos não a simplesmente parecer
um homem de bem, mas a ser um homem de bem. (Diálogo de
Sócrates com seus discípulos, na prisão.)
Eis, aqui, um outro ponto capital, hoje confirmado pela
experiência: a alma não depurada conserva as idéias, as
tendências, o caráter e as paixões de que se alimentou durante
a sua vida na Terra. Já na máxima: vale mais receber do que
cometer uma injustiça, não está por inteiro o cristianismo? Esse
é o mesmo pensamento que Jesus expressou, utilizando a
seguinte imagem: “Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe
a outra”. (Cap. XII, n.º 7 e 8.)
XI. De duas coisas, uma: ou a morte é uma destruição absoluta
ou é a passagem da alma para outro lugar. Se a morte extingue
tudo, poderemos torná-la como uma dessas raras noites que
passamos sem sonhos e sem consciência de nós mesmos. Porém, se
a morte é apenas uma mudança de morada, a passagem para o lugar
onde os mortos se reúnem será a felicidade de reencontrar-nos com
aqueles a quem conhecemos! Meu maior prazer seria examinar de
perto os habitantes dessa outra morada e de distinguir, qual me
ocorre aqui, os que são sábios daqueles que se dizem tais e não o
são. É tempo, contudo, de separar-nos, eu para morrer e vocês para
viverem (Sócrates, falando a seus juízes).
Segundo Sócrates, os homens que viveram sobre a Terra
se reencontram após a morte e se reconhecem. O Espiritismo
nos mostra continuamente que as relações que entre as criaturas
se estabeleceram, prosseguem após a morte sem uma só
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interrupção, nem a cessação da vida, mas por uma transformação
sem solução de continuidade.
Se Sócrates e Platão houvessem conhecido os
ensinamentos que o Cristo difundiu quinhentos anos mais tarde,
e o que os Espíritos difundem, não teriam falado de outro modo.
Não há, aqui, no entanto, nada que surpreenda, se
considerarmos que as grandes verdades são eternas e que os
grandes Espíritos hão de tê-las conhecido antes de vir à Terra
para onde as trouxeram. Sócrates, Platão e os grandes filósofos
daquele tempo bem podem estar, mais tarde, entre aqueles que
secundaram o Cristo em sua divina missão, escolhidos
precisamente por se acharem, entre outros, em condições de
compreenderem seus sublimes ensinamentos. Fazem eles, hoje,
parte da plêiade de Espíritos encarregados de ensinar aos
homens as mesmas verdades.
XII. Jamais se deve retribuir uma injustiça com outra injustiça,
nem fazer mal a qualquer pessoa, seja qual for o dano que nos haja
feito. Poucas serão as pessoas que admitirão este princípio e esses
tais, por certo, desprezarão uns aos outros.
Não está aí o que ensinamos, com base no princípio da
caridade, que não devemos retribuir o mal com o mal e que
devemos perdoar aos nossos inimigos?
XIII. Pelos frutos se conhece a árvore. Toda ação é qualificada
pelo que produz: diremos ser má, quando dela provenha o mal;
diremos ser boa, quando dela se origine o bem.
Esta máxima: “Pelos frutos se conhece a árvore” se
encontra, textualmente, repetida muitas vezes no Evangelho.
XIV. A riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a
riqueza não ama a si mesmo e nem o que é seu. Ama, por certo,
uma coisa que lhe é ainda mais estranha do que aquilo que lhe
pertence (Cap. XVI).
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XV. A mais bela das preces e os mais formosos sacrifícios
causam menos glorificação à Divindade que uma alma virtuosa que
se esforça para assemelhar-se às virtudes sublimes. Seria uma coisa
muito grave que os deuses dispensassem mais atenção às nossas
oferendas que à nossa própria alma. Se tal acontecesse, os mais
culpados poderiam se tornar os mais favorecidos. Mas tal não se
dá, sendo que somente os verdadeiramente justos e sábios são os
que, por suas palavras e atos, cumprem os seus deveres para com os
deuses e para com os homens. (Cap. X, n.º 7 e 8.)
XVI. Chamo de homem vicioso a esse amante vulgar, que
ama o seu próprio corpo, mais que a sua alma. O amor está por
toda a natureza que nos convoca a exercer a nossa inteligência. Até
no movimento dos astros o encontramos. Esse amor é o que adorna
a natureza de seus ricos tapetes. Ele se enfeita e fixa morada onde
haja flores e perfumes. É ainda o amor que traz paz aos homens,
que acalma o mar, que silencia os ventos e abranda a dor.
O amor, que há de unir os homens por um liame fraternal,
é uma conseqüência desta teoria de Platão sobre o amor
universal como lei da natureza. Sócrates disse: “Amor não é
nem um deus, nem um mortal, mas é um grande demônio”.
Com isso, quis dizer que um grande espírito preside o
amor universal, sendo que essa colocação lhe foi interpretada
como crime.
XVII. A virtude não pode ser ensinada. Ela vem por um dom
de Deus aos que a possuem.
Isso é o que quase prega a doutrina cristã sobre a graça.
Se, porém, a virtude é um dom de Deus, isso é um favor que
nos levará a perguntar: “Por que Ele não a concede a todos?”.
Por outro lado, se a virtude é um dom, não há mérito em quem
a possui.
O Espiritismo é mais claro a esse respeito, esclarecendo
que aquele que possui a virtude a adquiriu por esforço próprio,
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no curso de suas existências sucessivas, despojando-se, pouco a
pouco, de suas imperfeições. A graça, esta sim, é a força com
que Deus favorece a todos os homens de boa vontade para
despojar-se do mal e para praticar o bem.
XVIII. É uma disposição natural em todos nós, a de não nos
apercebermos bem de nossos próprios defeitos, vendo mais os
defeitos dos outros.
O Evangelho ensina: “Você vê a palha que está no olho de
seu próximo e não vê a trave que está no seu”. (Cap. X, n.º 9 e 10.)
XIX. Se os médicos são mal-sucedidos ao tratar da maior
parte das moléstias é porque tratam do corpo sem tratar da alma. É
que, se o todo não está em bom estado, será impossível que parte
dele passe bem.
O Espiritismo dá a chave das relações que existem entre a
alma e o corpo. Prova que há uma reação incessante de um
sobre o outro. Abre assim um campo novo para a Ciência.
Revelando a verdadeira causa de certas doenças, dá-lhe os meios
de as combater.
Quando a ciência, portanto, levar em conta a ação do
elemento espiritual na sua técnica de curar, seus insucessos serão
menos freqüentes.
XX. Todos os homens, desde a infância, fazem mais o mal
do que o bem.
Esta expressão de Sócrates aborda a grave questão da
predominância do mal sobre a Terra. Essa questão é insolúvel
sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e da destinação
da própria Terra, habitada que é por uma parte mínima da
Humanidade.
O Espiritismo dá-lhe a solução, que se encontra
desenvolvida nesta mesma obra, nos capítulos II, III e V.
XXI. Ajuizado você será, se não supuser saber o que você
ignora.
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Esta vai para os críticos apressados.
Dirige-se, como princípio de sabedoria, aos que criticam
ao que desconhecem.
Platão completa esse pensamento de Sócrates, dizendo:
“Tentemos primeiramente torná-los, se possível, mais honestos
nas palavras. Se isso não conseguirmos, não nos ocupemos mais
com eles. Empenhemo-nos tão-somente em buscar a verdade.
Cuidemos de instruir-nos, sem nos sentirmos injuriados”.
Os Espíritas devem proceder dessa forma diante dos seus
contraditores de boa ou de má-fé.
Se Platão revivesse hoje encontraria as coisas quase no
mesmo pé das do seu tempo. Poderia, por isso, usar a mesma
linguagem que usou. Sócrates, por sua vez, voltaria a topar com
criaturas que zombariam de sua crença nos Espíritos e que o
tratariam como se ele fosse louco, dando esse mesmo
tratamento a seu discípulo Platão.
Por professar esses princípios é que Sócrates foi
ridicularizado, acusado impiedosamente e condenado a beber
cicuta. As verdades novas levantam, contra si, os interesses e os
preconceitos que elas contrariam e, por isso, não se podem
firmar sem fazer mártires.
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1
1. Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não os vim
destruir, mas cumpri-los. Porque, em verdade vos digo que, até que o
céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que
tudo seja cumprido. (Mateus, capítulo 5, versículos 17 e 18. )
MOISÉS
2. Há duas partes distintas na lei mosaica.
Uma delas é a lei de Deus, promulgada no monte Sinai e, a
outra, é a lei civil ou disciplinar estabelecida pelo próprio Moisés.
A primeira delas é invariável.
A segunda, porém, era tão-somente apropriada para reger os
costumes e as características do povo hebreu, sendo, portanto,
modificada com o tempo.
A lei de Deus está contida nos dez mandamentos seguintes:
I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos retirei do Egito, da casa
da servidão. Não tereis outros deuses diante de mim. Não fareis
imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima do céu,
nem embaixo da terra, nem do que se encontra sob a terra. Não os
adorareis e nem lhes prestareis culto soberano.
II. Não tomareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.
III. Lembrai-vos de santificar o dia do sábado.
IV. Honrai o vosso pai e a vossa mãe, a fim de viverdes longo
tempo na terra que o Senhor vos dará.
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NÃO VIM DESTRUIR A LEI
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V. Não mateis.
VI. Não cometais adultério.
VII. Não roubeis.
VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.
IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.
X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu asno, nem
alguma outra coisa que lhe pertença.
Esta Lei é de todos os tempos e de todos os países.
Por ser a mesma para todos, tem um caráter divino.
Todas as demais são leis estabelecidas por Moisés, que se via
obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento
e indisciplinado. Esse povo, que ele retirara do Egito, adquirira,
durante o período de servidão, maus costumes que se enraizaram
na sua alma. E ele tinha de combater esses abusos e preconceitos.
Para dar autoridade às suas leis, Moisés lhes atribuía uma
origem divina, assim como faziam os demais legisladores de povos
primitivos.
Lá, a autoridade de um homem deveria apoiar-se na de Deus.
Contudo, somente a idéia de um Deus terrível podia
impressionar homens ignorantes, nos quais o senso moral e
sentimento de uma reta justiça se encontravam pouco desenvolvidos.
Está suficientemente evidente que aquele que transmitira,
entre seus mandamentos: “Não mateis; não causareis dano a vosso
próximo”, não poderia contradizer-se fazendo da exterminação um
dever.
As leis mosaicas, propriamente ditas, tinham características
essencialmente transitórias.
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CAPÍTULO I
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CRISTO
3. Jesus não veio destruir a lei.
Ele veio cumprir a lei de Deus, desenvolvendo-a, dando-lhe
o seu verdadeiro sentido e a apropriando ao degrau evolutivo
alcançado, então, pelos homens.
Por isso é que, na base de sua doutrina, Ele estabelece o
princípio dos deveres para com Deus e para com o próximo.
Quanto às leis civis de Moisés, propriamente ditas, Ele as
modifica profundamente, quer quanto ao fundo, quer quanto à
forma. Combate, também constantemente, todos os abusos das
práticas exteriores e das falsas interpretações.
Jesus não poderia submetê-las a uma reforma mais radical,
do que as reduzindo as estas palavras: “Amar a Deus acima de todas
as coisas e o próximo como a si mesmo” e lhes acrescentando: nisto
estão toda a lei e os profetas.
Quando Jesus disse: “Até que o céu e a terra passem, nem um
jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo esteja cumprido”,
Ele estava a dizer que era necessário que a lei de Deus tivesse
cumprimento integral. Deveria ser praticada na Terra em toda a sua
pureza, com toda a extensão que se lhe possa dar e com todas as suas
conseqüências.
De que serviria estabelecer aquela lei, se ela viesse a constituirse o privilégio de alguns poucos homens ou mesmo de um simples
povo?
Todos os homens são filhos de Deus e são, por isso, sem
nenhuma distinção entre eles, objeto da mesma atenção, da mesma
solicitude da parte do Pai Celestial.
4. O papel de Jesus não foi simplesmente o de um legislador
moralista, cuja autoridade repousasse exclusivamente em sua própria
palavra. Cabia-lhe cumprir, também, as profecias que lhe anunciavam
a vinda.
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NÃO VIM DESTRUIR A LEI
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A sua autoridade lhe vinha da natureza excepcional de seu
Espírito e de sua missão divina. Ele veio fazer com que os homens
aprendessem que a verdadeira vida não está sobre a Terra, mas ela se
encontra no reino dos céus. Veio ensinar-lhes o verdadeiro caminho
que conduz a esse reino; os meios de reconciliar-se com Deus e
ensiná-los a pressentir no desenvolvimento das coisas futuras o
cumprimento dos destinos humanos.
Jesus, porém, não pôde dizer tudo em seu tempo.
Sobre muitos pontos de sua doutrina. Ele pôde lançar apenas
alguns germes de verdade que, segundo Ele próprio declarou, só
poderiam ser compreendidos no futuro.
Falou de tudo, mas em termos mais ou menos claros.
Para alcançar-lhe o sentido de algumas palavras, fazia-se
necessário que novas idéias e novos conhecimentos viessem trazerlhes a chave indispensável. Estas idéias, porém, não poderiam surgir
antes que o espírito humano houvesse alcançado um certo grau de
maturidade.
A ciência deveria contribuir poderosamente para a eclosão e
o desenvolvimento de tais idéias e, em razão disso, deveria dar-se à
Ciência o tempo de progredir.
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O ESPIRITISMO
5. O Espiritismo é a nova ciência que vem revelar aos homens,
através de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo
espiritual e as relações desse mundo espiritual com o mundo
corporal.
O Espiritismo nos mostra o mundo espiritual, não como
uma coisa sobrenatural, mas, ao contrário, como uma das forças
vivas e incessantemente atuantes da natureza. Fenômenos
incompreendidos e, por decorrência, rejeitados e relegados ao
domínio do fantástico e do maravilhoso, passam a ter nele uma
fonte de esclarecimentos.
São essas relações entre os dois mundos, a que o Cristo faz
alusão em muitas circunstâncias, que fazem com que muitas das
coisas que Ele disse permaneçam pouco compreensíveis ou sejam
falsamente interpretadas.
O Espiritismo é a chave para explicar tudo de modo fácil.
6. A Lei do Velho Testamento está personificada em Moisés.
A do Novo Testamento está personificada em Jesus Cristo. O
Espiritismo, porém, como a terceira revelação da lei de Deus, não
está personificado em nenhum indivíduo.
O Espiritismo é fruto dos ensinamentos dados, não por um
homem, mas pelos Espíritos. Estes é que são As Vozes do Céu,
manifestadas em todos os pontos da Terra, com a colaboração de
uma multidão inumerável de médiuns.
O Espiritismo é, de certo modo, um ser coletivo, formado
de seres do mundo espiritual. Estes vieram trazer aos homens a
contribuição de suas luzes, para fazê-los conhecer este mundo e o
destino que lhes está reservado.
7. O mesmo que Cristo disse: “Não cuideis que vim destruir
a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumpri-los”, dirá
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igualmente o Espiritismo: “Não cuideis que vim destruir a lei cristã,
mas cumpri-la”.
Coisa alguma o Espiritismo ensina contrário ao que ensinou
o Cristo. Contudo, o Espiritismo desenvolve, completa e explica,
em termos que sejam claros para todo mundo, o que foi dito sob
forma alegórica. Vem, portanto, cumprir, no tempo previsto, o
que Cristo anunciou, e preparar o cumprimento das coisas futuras.
O Espiritismo é, por conseqüência, obra do Cristo.
É, pois, o próprio Cristo a presidir, consoante o que Ele
próprio anunciou, à regeneração que se opera, preparando a instalação
do reino de Deus sobre a Terra.
ALIANÇA DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO
8. Ciência e Religião são as duas alavancas da inteligência
humana. Enquanto a primeira revela as leis do mundo material, a
segunda revela as leis do mundo moral.
Essas leis, porém, vindo de um mesmo princípio, que é Deus,
não podem contradizer-se entre si. Se elas forem a negação uma da
outra, uma estará necessariamente em erro e a outra com a razão,
visto que Deus não pode pretender destruir a sua própria obra.
A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas
ordens de idéia resulta de um defeito de observação e do excesso de
exclusivismo de cada uma das partes. Nasce, portanto, dessa falha
humana o conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.
São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo
devem receber a sua complementação. O véu, lançado intencionalmente
sobre parte dos ensinamentos, deve ser levantado. A própria Ciência,
deixando de ser exclusivamente materialista, deve completar-se com
o elemento espiritual. A Religião, por outro lado, deixando de
rejeitar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, aceitando as duas
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forças da natureza, onde uma apóia a outra, estabelecerá o concerto
com a Ciência, e ambas se apoiarão mutuamente.
A Religião, não mais negada pela Ciência, adquirirá uma força
indestrutível, por colocar-se de acordo com a razão, não mais se
opondo à lógica irresistível dos fatos.
Ciência e Religião não puderam, até hoje, entender-se.
Cada uma examinando as coisas de seu ponto de vista
exclusivo, mutuamente se repeliam. Faltava qualquer coisa para
preencher o vazio que as separava. Faltava-lhes um traço de união
que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das
leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo
corporal, leis estas tão imutáveis quanto aquelas que regulam o
movimento dos astros e a existência dos seres.
Essas relações entre os dois mundos, uma vez constatadas
pela experiência, são uma luz nova que se fez: a fé dirigiu-se à razão
e a razão coisa alguma encontrou de ilógico na fé.
O materialismo está vencido.
Há pessoas, porém, que param no tempo.
Como em todas as coisas, alguns tentam resistir a este
posicionamento. Surgem como estranhos diante do movimento
geral, tentando opor-lhe resistência, mas se não o acompanharem
serão esmagados pelos fatos.
Esta é uma revolução moral que se realiza, trabalhada pelos
Espíritos. Foi elaborada durante dezoito séculos e a sua realização
marca uma nova era para a Humanidade.
As conseqüências desta revolução moral são fáceis de prever.
Elas determinarão, nas relações sociais, inevitáveis modificações,
diante das quais ninguém conseguirá opor-se, porque estão nos
desígnios de Deus e nascem da lei do progresso, que é uma lei de
Deus.
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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A NOVA ERA
9. Deus é um só, único.
Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para tornar
conhecido o princípio da unicidade divina, não somente dos hebreus,
mas também de todos os povos pagãos.
O povo hebreu, aqui, comparece como o instrumento de
que Deus se serviu para fazer tal revelação por Moisés e pelos profetas.
As próprias dificuldades pelas quais passou o povo hebreu
foram para chamar a atenção de todos e, também, para fazer cair o
véu que ocultava aos homens o domínio desse princípio divino.
Os mandamentos de Deus, transmitidos através de Moisés,
contêm o germe da moral que o cristianismo desdobrou. Os
comentários da Bíblia, porém, restringiam-lhe o sentido, porque
se tivesse iniciado aquele povo em toda a sua pureza, não a teria
compreendido. Nem por isso, contudo, os dez mandamentos de
Deus deixavam de ser como uma introdução brilhante, como um
farol a clarear a Humanidade sobre o caminho que deveria percorrer.
A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estágio
evolutivo daqueles povos.
Semi-selvagens, ainda, no tocante ao aperfeiçoamento da alma,
não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus sem ser por
meio de holocausto, nem que se devesse perdoar a um inimigo.
A inteligência desse povo, embora notável do ponto de vista
das coisas materiais e, mesmo, das artes e das ciências, estava muito
pouco desenvolvida sobre as questões de moralidade. Não lhes seria
fácil converterem-se sob o domínio de uma religião inteiramente
espiritual.
Eles eram carentes de uma representação semimaterial.
Isso é o que lhes ofertava a religião hebraica.
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Os sacrifícios falavam-lhes aos sentidos grosseiros, enquanto
que a idéia do Deus único lhes falava ao Espírito.
O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, da mais sublime.
A moral evangélica cristã renovará o mundo, aproximando
os homens por torná-los irmãos uns aos outros, fazendo germinar
em todos os corações a caridade, o amor ao próximo, criando entre
todos os homens uma solidariedade comum.
Essa moral transformará a Terra.
Fará do nosso mundo uma morada de Espíritos superiores
aos que hoje a habitam, porque essa é a lei do progresso, a que a
natureza está submetida, e que aqui se cumprirá.
O Espiritismo é a alavanca de que Deus se serve para fazer
avançar a humanidade.
Os tempos são chegados, para que as idéias morais fermentem
no coração humano, a fim de realizarem os progressos que estão
nos desígnios de Deus. Essas idéias seguirão a mesma senda que as
da liberdade, suas percursoras.
Não se pense, porém que será um progresso sem lutas.
Elas não dispensam, para atingir a sua maturidade, os abalos
e as discussões, a fim de atrair a atenção das massas. Uma vez,
contudo, centralizada a atenção das massas, a beleza e a santidade da
moral tocarão os espíritos. Estes, aí, abraçarão uma ciência que lhes
doe a solução da vida futura e lhes abra as portas da felicidade eterna.
Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra e o
Espiritismo a completará. (Um Espírito israelita. Mulhouse, 1861.)
10. Um dia, Deus, em sua inesgotável caridade, permitiu ao
homem ver a verdade atravessar as trevas. Esse dia foi o advento do
Cristo.
Após a Luz viva, voltaram as trevas.
O mundo, ferido pelas alternativas de verdade e sombras em
que vivia, perdeu-se novamente. Foi quando que, semelhantes aos
profetas do Antigo Testamento, os Espíritos se puseram a falar e a
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lhe advertir. O seu mundo, a partir daí, está abalado em suas bases
e você ouvirá o ribombar dos trovões, mas seja firme!
O Espiritismo é de ordem divina.
Ele repousa nas leis da própria natureza e, guarde certeza, que
tudo o que é de ordem divina tem um objetivo grande e útil. Na
verdade, você sabe que o seu mundo se perdia. A ciência,
desenvolvida com o sacrifício do que seja de ordem moral,
conduzindo-o ao encontro do bem-estar material, tornava-se em
proveito do espírito das sombras. Você sabe, como cristão, que o
coração e o amor devem marchar unidos à Ciência.
O reino do Cristo, apesar de passados dezoito séculos, e mesmo com o sangue de tantos mártires, ainda não veio.
Cristãos, voltem-se para o Mestre que os quer salvar.
Tudo é fácil para aquele que crê e ama.
O amor o encherá de inefável ventura!
Filhos, o mundo está abalado. Os bons Espíritos lhes dizem
de sobra. Dobrem-se diante da tempestade, a fim de não caírem
por terra. Preparem-se para que não lhes seja dado imitarem as
virgens loucas, que estavam desatentas quando lhes chegou o esposo.
A transformação que surge é moral e não material.
Os grandes Espíritos, mensageiros divinos, estimulam a fé,
para que todos vocês obreiros esclarecidos e ardorosos, façam com
que a sua voz humilde seja ouvida. Vocês são minúsculos grãos de
areia, mas sem os grãos de areia não se erguem as grandes montanhas.
Que a expressão “somos pequenos”, coisa alguma seja para
vocês.
A cada um a sua missão e a cada um o seu trabalho.
Não constrói a formiga a sua comunidade e pequenos
animaizinhos não elevam continentes?
A nova cruzada está começando.
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Apóstolos da paz universal, e não de uma guerra, modernos
Bernardos, levantem os olhos e sigam para frente: a lei dos mundos
é a lei do progresso (Fénelon, Poitiers, 1861).
11. Agostinho é um dos grandes divulgadores do Espiritismo.
Manifesta-se por quase toda parte.
Vamos encontrar a razão dessa sua atividade espiritual de agora,
na própria vida desse grande filósofo cristão. Pertence ele a essa
vigorosa falange dos Pais da Igreja, a quem o cristianismo deve seus
mais sólidos alicerces.
Assim como vários outros, ele foi arrancado do paganismo
ou, dizendo melhor, foi arrancado da impiedade mais profunda
para o clarão da verdade. Quando entregue aos desvarios, sentiu em
sua alma uma certa vibração que o fez voltar-se para si mesmo.
Compreendeu, então, que a felicidade estava além dos prazeres
enervantes e fugidios.
No seu caminho de Damasco, ele ouviu a voz santa a lhe
gritar: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” e Agostinho clamou:
“Meu Deus! Meu Deus! perdoai-me, eu creio, sou cristão!”.
Ele se tornou um dos firmes sustentáculos do Evangelho.
Você poderá ler, nas marcantes confissões que nos deixou esse
eminente Espírito, as palavras características e proféticas ao mesmo
tempo, que pronunciou após a perda de Mônica: “Estou convencido
de que a minha mãe, Mônica, voltará a visitar-me e a dar-me
conselhos, em me revelando o que nos aguarda na vida futura”.
Que ensinamentos nessas palavras e que previsão brilhante
da futura doutrina!
Por isso é que hoje, vendo chegada a hora para a divulgação
da verdade que, no passado, pressentira, ele se faz o seu ardente
propagador e se multiplica, por assim dizer, para responder a todos
que o chamam. (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, Paris, 1863.)
Nota – Agostinho, acaso, estaria demolindo aquilo que
edificou? Seguramente que não! Como tantos outros, porém,
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passou a ver com os olhos do espírito aquilo que não via como
homem. Sua alma, liberta, entreviu novas luzes. Compreende, agora,
o que antes não compreendia. As novas idéias lhe revelam a verdade
contida em certas expressões. Enquanto encarnado, julgava as coisas
segundo os conhecimentos que possuía. Mas, tão logo uma nova
luz o iluminou, pôde ajuizá-las mais claramente. Abandonou, por
isso, a crença referente a espíritos íncubos e súcubos e o anátema
que lançara contra a teoria dos antípodas. Agora que o cristianismo
lhe surge com toda a sua pureza, pode ele, sobre certos pontos,
repensar diferentemente de quando na vida, sem deixar de ser o
apóstolo cristão. Ele pôde, sem renegar a sua fé, fazer-se o propagador
do Espiritismo, porque vê cumprir as coisas que foram preditas.
Com as suas colocações, faz-nos chegar a uma interpretação mais
sábia e mais lógica dos textos. Assim é, também, com outros
Espíritos, que se encontram em posição semelhante.
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2
1. Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus
e disse-lhe: Tu és o Rei dos judeus? Respondeu Jesus: O meu reino não
é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus
servos para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas agora o meu
reino não é daqui.
Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes
que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de
dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz. (João, capítulo 18, versículos 33, 36 e 37.)
A VIDA FUTURA
2. Jesus indica claramente a vida futura, que Ele apresenta
em todas as circunstâncias como sendo a meta da Humanidade. O
homem deverá fazê-la o objeto principal de suas preocupações na
Terra.
Todas as máximas de Jesus reportam-se a esse princípio.
Sem a vida futura, com efeito, a maior parte de seus preceitos
morais nenhuma razão teriam. Aos que não crêem na vida futura,
por parecer-lhes que Ele fala da vida presente, seus preceitos morais
não são bem compreendidos ou se tornam pueris.
A vida futura é o ponto fundamental de sua doutrina,
podendo ser considerada o pivô dos ensinamentos do Cristo. Por
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tal motivo é que a colocamos entre os primeiros lugares desta obra.
É que a vida futura tem de estar na mira de todos os homens.
Somente ela justifica as anomalias da vida terrena e as
harmoniza com a Justiça Divina.
3. Os judeus tinham idéia muito vaga sobre a vida futura.
Eles acreditavam nos anjos, quais se fossem seres privilegiados
da Criação. Não sabiam, porém, que os homens podem tornar-se
futuramente anjos e partilhar da felicidade deles.
Segundo os judeus, o cumprimento rigoroso das leis de Deus
lhes traria como recompensa os bens materiais deste mundo, a
supremacia de sua nação, a vitória sobre seus inimigos. Concluíam,
portanto, que as calamidades públicas e as derrotas eram
conseqüência direta do não cumprimento das leis divinas.
Moisés não pudera dizer outra coisa a um povo pastor e
ignorante, que deveria ser sensibilizado, antes de tudo, pelas coisas
deste mundo.
Jesus é quem veio, mais tarde, revelar-lhes que existe um outro
mundo, onde a justiça de Deus segue seu curso. E esse é o mundo
que promete aos que vivenciam os mandamentos divinos, onde os
bons recolherão seus frutos.
A vida futura é o reino de Jesus.
Nesse mundo é que se encontra toda a glória e para onde Ele
voltaria após cumprir a sua missão na Terra.
Entretanto, a ajustar os seus ensinamentos ao degrau evolutivo
dos homens na época em que lhes falava, não pôde dar-lhes
completamente a luz, que poderia ofuscá-los, visto que eles não o
compreendiam.
Jesus limitou-se, portanto, a apresentar a vida futura em
traços ligeiros, como uma lei da natureza da qual ninguém pode
escapar. Hoje, porém, todo cristão forçosamente crê na vida futura,
embora muitos façam dela uma idéia vaga e incompleta e, por isso
mesmo, falsa em muitos pontos.
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Para muita gente, porém, a vida futura não é mais que uma
crença, sem certeza absoluta e, por isso, alimentam-se de dúvidas e
mesmo de incredulidade.
O Espiritismo veio completar esse princípio, assim como
muitos outros dos ensinamentos do Cristo, no momento em que
os homens alcançaram maturidade para compreender a verdade.
Com o Espiritismo, a vida futura não é, simplesmente, um
artigo de fé, um dogma ou mera hipótese. É uma realidade
demonstrada pelos fatos. São as próprias testemunhas oculares que
a descrevem em todas as suas fases e em todas as suas particularidades.
Excluem, pois, todas as dúvidas.
Permite-se, assim, que até a mais vulgar inteligência possa
imaginá-la em seus verdadeiros aspectos, da mesma forma que se
poderá imaginar um determinado país do qual se leu uma descrição
detalhada.
A descrição da vida futura, no Espiritismo, é minuciosa. As
condições da existência feliz ou infeliz, relatadas pelos que nela se
encontram, são tão racionais que qualquer um termina por
concordar que não poderia ser de outra forma e que essa vida futura
bem representa a Justiça Divina.
A REALEZA DE JESUS
4. O reino de Jesus não é deste mundo.
Se todos compreendem que o seu reino não é deste mundo,
não terá Jesus, sobre a Terra, também uma realeza?
O título de rei não implica, necessariamente, o exercício de
um poder temporal. Esse título é atribuído, também, por um
consenso unânime, a todo aquele que, pelo seu gênio, alcança o
primeiro lugar numa ordem de idéias, quaisquer sejam elas. É título
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dado aos que dominam seu século e influem sobre o progresso da
Humanidade.
É nesse sentido que se diz: o rei ou príncipe dos filósofos,
dos artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, nascida do
mérito pessoal, consagrando a personalidade para a posteridade, não
revela uma realeza bem maior do que aquela de quem porta uma
coroa real?
A realeza do mérito é permanente.
A realeza, contudo, que decorre de uma coroa real, essa está
sujeita a um jogo de circunstâncias, tanto que as gerações futuras
poderão bendizer a primeira e maldizer a segunda.
A realeza terrena finda com a vida.
A realeza moral, porém, sobrevive à morte.
Sob o título de realeza moral, não é Jesus mais rei do que
muitos dos poderosos da Terra? Com razão, portanto, disse Ele a
Pilatos: “Sou rei, mas o meu reino não é deste mundo”.
O PONTO DE VISTA
5. A idéia clara e precisa que se faça sobre a vida futura faz
nascer uma inabalável fé no porvir. Essa é a fé de conseqüências
imensas para a moralização dos homens, porque muda
completamente o ponto de vista sob o qual examinam a vida terrena.
Para quem examina, através de seu pensamento, a vida
espiritual que é infinita, a vida corporal se torna uma simples
passagem, uma curta estada num país hostil.
A partir daí, as dificuldades e tribulações da vida terrena não
passam de incidentes que se aprende a suportar com paciência, por
saber que terão curta duração e deles virão a sua felicidade.
A morte não lhes é mais aterradora.
Deixará a morte de ser a porta para o nada.
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Será uma abertura para a libertação, através da qual o exilado
entra na morada da bem-aventurança e da paz.
Sabendo que a sua estada, no lugar onde se encontrar, é
temporária e não definitiva, prende-se pouco às preocupações desta
vida, alcançando uma calma de espírito que o retira do campo do
amargor constante.
Pelo simples fato de o homem duvidar da vida futura, os
seus pensamentos. ficam limitados à vida terrestre. A incerteza sobre
o seu futuro o faz prisioneiro do dia-a-dia. Não se apercebendo de
nenhum outro bem mais precioso que os da Terra, torna-se
semelhante a uma criança que nada mais vê além de seus brinquedos,
e tudo faz para obtê-los.
Quando esse homem perde um só de seus bens, sente um
amargo pesar. Para ele um engano, uma decepção, uma ambição
não satisfeita, uma injustiça que experimente, o próprio orgulho
ou vaidade feridos lhe são tormentos, transformando-lhe a existência
numa angústia perpétua, infligindo-se a si próprio uma verdadeira
tortura a todos os instantes.
Por colocar a vida terrestre como o centro do seu ponto de
vista, tudo o que o rodeia alcança vastas proporções. O mal que o
atinja, assim como o bem que chegue aos outros, adquirem a seus
olhos uma grande importância. Assemelha-se àquele que se encontra
no interior de uma cidade, onde tudo lhe parece grande: os homens
que ocupam altas posições, os monumentos etc. Se ele, porém, se
transportasse para uma montanha, os homens e as coisas lhe
pareceriam bem pequenos.
Aqueles, porém, que examinam a vida terrestre sob o ponto
de vista da vida futura, vêem que a Humanidade, tanto quanto as
estrelas do firmamento, confundem-se com a imensidade. Percebe
que grandes e pequenos estão, de certa forma, confundidos como
formigas sobre um monte de terra. Pobres e ricos são da mesma
estatura. Lamentam que as criaturas efêmeras se dêem a tantas
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canseiras para conquistar um lugar que pouco as elevará acima de si
próprias.
A importância dos bens terrenos está na razão inversa da fé
sobre a vida futura.
6. Alguns dirão que, se todos pensassem desta maneira, não
se ocupando das coisas terrenas, tudo periclitaria. Essa afirmativa,
porém, não é verdadeira. O homem, instintivamente, procura o
seu bem-estar. Mesmo sabendo que por pouco tempo permanecerá
num lugar, cuida de estar aí mais bem ou o menos mal possível.
Não há quem, tendo um espinho em sua mão, não o retire.
O desejo instintivo do bem-estar, por isso, obriga o homem
a melhorar todas as coisas, forçado que é pelo impulso do progresso
e da conservação, já que esta é uma lei da natureza.
O homem trabalha por necessidade, por gosto ou por dever,
com isso cumprindo os desígnios da Providência Divina que o
colocou na Terra com essa finalidade.
Aquele que tem os olhos voltados para a vida futura,
simplesmente dá uma importância relativa ao tempo presente,
consolando-se mais facilmente de seus insucessos, por pensar no
destino que o aguarda.
Deus não condena os gozos terrenos.
Condena, porém, os abusos que prejudicam as coisas da alma.
Libertam-se de tais abusos, portanto, os que aplicam a si
próprios estas palavras de Jesus: “Meu reino não é deste mundo”.
Todo aquele que se identifica com a vida futura alcança
domínio sobre si próprio. Assemelha-se a um homem rico que
perde uma pequena soma, mas que mantém o controle de suas
emoções. Aquele outro, porém, que centraliza nesta vida presente
todos os seus pensamentos, é semelhante a um homem pobre que,
perdendo tudo o que possui, entra em desespero.
7. O Espiritismo alarga o pensamento.
Abre-lhe novos horizontes.
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No lugar da visão acanhada e mesquinha daquele que se
concentra tão-somente na vida presente, fazendo deste instante que
passa na Terra o único e frágil alicerce do futuro, o Espiritismo
mostra outra colocação, revelando que esta vida mais não é do que
um elo no harmonioso e grandioso conjunto do Criador.
Desvenda a solidariedade que religa todas as existências de
um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e dos seres de
todos os mundos.
Cria a base e razão da fraternidade universal.
Se a doutrina da criação da alma, no momento do nascimento
de cada corpo, faz com que todos os seres sejam estranhos uns aos
outros, com a solidariedade das partes de um mesmo todo o
Espiritismo explica o inexplicável.
No tempo do Cristo, como os homens não conseguiriam
compreender o conjunto das vidas sucessivas, Jesus reservou esses
conhecimentos para torná-los conhecidos noutros tempos.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
UMA REALEZA TERRESTRE
8. Quem, melhor do que eu, poderá compreender a verdade
destas palavras de Nosso Senhor: “O meu reino não é deste mundo”?
O orgulho me perdeu na Terra.
Quem compreenderia o nenhum valor dos reinados terrenos,
se eu própria não o compreendia? Que trouxe eu, para este mundo,
de minha realeza terrestre?
Eu coisa alguma trouxe, nada, absolutamente nada!
E, como para tornar mais terrível a lição, a realeza nem sequer
me acompanhou ao túmulo!
Rainha entre os homens, julguei que rainha seria ao entrar no
reino dos céus!
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Que desilusão! Que humilhação quando, ao contrário de aqui
ser recebida qual soberana, eu vi acima de mim, num plano muito
mais alto, os homens que eu julgava serem insignificantes e que eu
havia desprezado, por não terem linhagem nobre!
Compreendi, então, a nenhuma valia das honras e grandezas
que são disputadas sobre a Terra com tanta sede de poder e glória!
Um lugar neste reino é conquistado com abnegação e
humildade e com a caridade vivenciada celestialmente e com
benevolência para com todos.
Aqui não se pergunta o que fomos, nem qual posição
ocupamos, mas tão-somente qual o bem que fizemos, quantas
lágrimas de dor ajudamos a secar.
Oh! Jesus, disseste que teu reino não era deste mundo!
Sei, hoje, que o sofrimento eleva ao céu.
Os degraus de um trono não nos aproximam de teu reino,
Senhor.
Somente pelas sendas mais penosas o atingiremos.
Busque-lhe, portanto, a rota através de pedras e espinhos e
não pensando em caminhar por entre flores.
Os homens esfalfam-se para possuir os bens terrestres, quais
se os pudessem guardar para sempre. Aqui, porém, todas as ilusões
desaparecem. A luta por possuir é uma batalha para colher sombras,
em prejuízo de deterem os únicos bens que são sólidos e
permanentes. São estes os únicos que se aproveitam na morada
celeste, os únicos que nos abrem acesso a essa morada.
Apiede-se dos que não alcançaram o reino dos céus.
Ajude-os com as suas preces, uma vez que a prece aproxima o
homem do Altíssimo, por ser o traço de união entre o céu e a Terra.
Não esqueça o que lhe digo. (Uma rainha da França, Havre,
1863.)
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1. Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, credes também
em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se não fosse assim,
eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos o lugar.
E quando eu for, e vos preparar o lugar, virei outra vez, e vos
levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.
(João, capítulo 14, versículos 1 a 3.)
DIFERENTES ESTADOS DA ALMA NA
ESPIRITUALIDADE
2. A casa do Pai é o Universo.
As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço
infinito. Cada um deles oferece, aos Espíritos que nele encarnam,
um estágio apropriado para a continuidade de seu desenvolvimento.
Independentemente, porém, da diversidade dos mundos, estas
palavras do Cristo podem ser interpretadas, também, como sendo
o estado feliz ou infeliz dos Espíritos desencarnados. De acordo
com o grau de sua evolução, estando eles mais ou menos purificados
e mais ou menos desprendidos dos laços materiais, será o meio em
que se encontrarão.
No mundo espiritual, o aspecto das coisas, as sensações que o
Espírito experimenta, as suas próprias percepções, variam ao infinito.
Enquanto uns não podem afastar-se dos locais onde viveram, outros
tomam distância e percorrem o espaço e os mundos.
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Espíritos culpados vagueiam pelas sombras.
Os bem-aventurados, porém, vivem em claridade
resplendente e se movem no sublime cenário do infinito.
Enquanto o culpado sofre moralmente, aprisionado pelos
remorsos e pesares, muitas vezes só, sem consolação, separado
daqueles que eram alvo de sua afeição, o justo experimenta a doçura
de uma felicidade indefinida, convivendo com aqueles a quem ama.
Essas são moradas da alma, sem localização geográfica.
DIFERENTES CATEGORIAS DE MUNDOS
HABITADOS
3. Do ensinamento transmitido pelos Espíritos, conclui-se
que são muito diferentes as condições de cada um dos mundos, no
que se refere ao grau de evolução de seus habitantes.
Alguns deles são inferiores à Terra, física e moralmente.
Outros estão no mesmo grau de evolução.
Muitos, porém, são superiores à Terra em todos os sentidos.
Nos mundos inferiores a existência é toda material, com as
paixões reinando soberanamente, com a vida moral quase nula. Ali,
à medida que a vida moral se desenvolve, a influência da matéria
diminui.
Nos mundos superiores a vida é, por assim dizer, toda
espiritual.
4. Nos mundos que são intermediários entre os inferiores e
os superiores, o bem e o mal estão mesclados. Predomina um ou
outro, segundo o degrau evolutivo de seus habitantes.
Não se pode fazer uma classificação absoluta dos mundos.
Poderemos, no entanto, considerando o estado em que se
encontram os seus habitantes e a sua destinação, tomar por base as
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suas mais destacadas características e dividi-los, de um modo geral
em:
- mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da
alma humana;
- mundos de expiação e provas, onde o mal predomina;
- mundos de regeneração, onde as almas, que ainda têm o
que expiar, recobram novas forças e repousam dos cansaços da luta;
- mundos felizes, onde o bem supera o mal;
- mundos celestes ou divinos, habitados por Espíritos
purificados e em que o bem reina sem as sombras do mal.
A Terra pertence à categoria dos mundos de expiações e provas
e, por tal razão, o homem nela vive envolto por tantas misérias
morais.
5. Os Espíritos, encarnados num dos mundos, não
permanecem a ele ligados indefinidamente. Não atravessarão,
portanto, todas as fases de seu progresso, atados a esse mundo até
que alcancem a sua perfeição.
Quando atingem, nesse mundo em que estão encarnados,
toda a evolução que ali se comporta, podem transferir-se para outro
mais desenvolvido, assim fazendo sucessivamente até que
conquistem o estado de Espíritos puros.
Cada mundo é um estágio, fornecendo elementos de
progresso necessários para a evolução do Espírito que ali encarna. É
uma recompensa ao Espírito, portanto, transferir-se a um mundo
de ordem mais elevada. E soa como um castigo o terem de prolongar
a sua permanência num mundo infeliz ou, ainda, serem relegados a
um mundo ainda mais infeliz, onde se vêem obrigados a ficar
enquanto estão obstinados no mal.
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DESTINAÇÃO DA TERRA.
CAUSAS DAS MISÉRIAS HUMANAS
6. Admira-se haver na Terra tanta maldade e tantas paixões
grosseiras, tantas misérias e enfermidades de todas as naturezas. Daí
alguns concluem que a espécie humana é uma triste coisa.
Esse julgamento, porém, tem a sua origem no ponto de vista
em que se colocam os que assim pensam. O modo de observar as
coisas é que lhes dá uma falsa idéia do conjunto.
Falta-lhes considerar que sobre a Terra não está toda a
Humanidade, mas apenas uma pequenina fração da Humanidade.
A espécie humana, a rigor, é a soma de todos os seres
inteligentes que povoam os incontáveis mundos do Universo. Que
é, pois, a população da Terra, confrontada com a população total
de todos os mundos? Nossa população é menor que a de uma aldeia,
comparada com a de um grande império.
Não causa espanto, por conseguinte, a situação moral e
material da humanidade terrestre, se se levar em consideração o
destino ou finalidade da Terra, como um estágio da evolução, e,
por decorrência, a natureza dos que aqui habitam.
7. Muito falsa idéia faria alguém, se julgasse os habitantes da
uma grande metrópole, baseado na população de bairros pequeníssimos
e sórdidos.
Num hospital, vêem-se apenas doentes e estropiados. Numa
penitenciária serão vistas as torpezas e todos os vícios reunidos. Nas
regiões insalubres, a maior parte de seus habitantes são de pessoas
pálidas, franzinas e doentes.
Imagine-se a Terra como sendo um pobre bairro de subúrbio,
um hospital de acidentados, uma penitenciária, uma região malsã – e,
na verdade, a Terra é tudo isso ao mesmo tempo – e se compreenderá
por que as aflições se sobrepõem às alegrias.
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Nos hospitais não se internam os sãos, assim como numa
casa de correção não se colocam os que não fizeram o mal. Nem os
hospitais e nem as casas de correção podem ser lugares de delícias e
felicidade.
Da mesma forma que toda a população de uma cidade não
está nos hospitais e nem nas prisões, também toda a Humanidade
não está na Terra. E, da mesma forma que saem dos hospitais os
que alcançam a cura e saem das prisões os que cumpriram as suas
penas, o homem sairá da Terra, buscando mundos felizes, quando
estiver curado de suas enfermidades morais.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
MUNDOS INFERIORES E MUNDOS SUPERIORES
8. A qualificação dos mundos em inferiores e superiores é,
antes, mais relativa do que absoluta. Assim é que deveremos
considerar que tal mundo é inferior ou superior, como uma referência
feita aos que estejam abaixo ou acima de um grau de uma escala
evolutiva.
A Terra pode ser tomada como ponto de comparação.
A partir do conhecimento que temos de nossas populações,
poderemos fazer uma idéia do grau de evolução de mundo inferior.
Supondo que sejam habitados por raças selvagens ou das nações
bárbaras que ainda temos na Terra, saberemos o que seja esse mundo
inferior.
Rudimentares serão os seres que os habitam.
Revestem-se da forma humana, mas sem nenhuma beleza.
Seus instintos não terão, a abrandá-los, um sentimento de
delicadeza ou de benevolência. Mínimas serão as suas noções de
justiça e de injustiça. A força bruta será a sua lei. Sem indústrias e
sem invenções, aplicarão seus dias na busca de alimentos.
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Deus, porém, não abandonará essas criaturas.
Nas sombras da inteligência dessa gente estará latente a vaga
intuição de um Ser Supremo, já mais ou menos desenvolvida. Essa
mesma intuição será suficiente para torná-los superiores uns aos
outros, e assim prepará-los para a eclosão de uma vida mais completa.
Não serão seres degradados, mas crianças em crescimento.
9. Entre mundos nesses graus primários e os mais elevados,
inúmeros outros existem. Se difícil é reconhecer nos Espíritos puros,
desmaterializados e resplendentes de glória, os que já animaram
entes assim tão primitivos, da mesma forma é difícil reconhecer no
homem adulto o embrião de ontem.
Os mundos que chegaram a um grau evolutivo superior têm,
por outro lado, condições de vida moral e material muito
diferenciadas das que são observadas sobre a Terra.
A forma dos corpos, aí, é humana como em toda parte.
Surge, porém, mais embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo,
purificada. Não tendo os corpos, contudo, a materialidade terrestre,
não estão sujeitos às mesmas necessidades, nem aos mesmos males,
nem às mesmas deteriorações resultantes da predominância da
matéria.
Os sentidos, mais apurados, permitem-lhes percepções que
aqui não são possíveis pela grosseria do organismo. A própria leveza
específica de seus corpos permite locomoção rápida e fácil.
Contrariamente a arrastar-se penosamente sobre o solo, esses seres
como que deslizam sobre a sua face ou planam na atmosfera, por
ação mesmo da sua vontade.
Movimentam-se da forma que representavam os anjos ou da
mesma forma que os Anciães como que simbolizavam os manes
(almas dos mortos) nos Campos Elísios.
Tais seres conservam, segundo o seu gosto pessoal, a aparência
que tinham em sua anterior migração. Comparecem, diante de seus
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amigos, tais quais estes os conheciam. Estão, porém, iluminados
por uma luz divina, transfigurados pelo seu interior mais elevado.
Não trazem o semblante apagado, abatido pelos sofrimentos
e paixões. A inteligência e a vida resplendem neles com clarões ou
auréola dos santos com que os pintores os retratam no nimbo.
A pouca resistência que oferece a matéria para Espíritos já
muito evoluídos, torna muito rápido o desenvolvimento dos
corpos. A infância, entre eles, é curta ou quase nula. A vida é
proporcionalmente mais longa que na Terra, isenta de cuidados e
de angústias.
O tempo de vida é proporcional ao grau de evolução dos
mundos.
A morte não cria o horror da decomposição e, por isso, é
acolhida por uma transformação feliz, não existindo, lá, nenhuma
dúvida sobre a imortalidade da alma.
A alma não está constringida pela matéria compacta.
Gozam eles, portanto, da ampla lucidez que lhes dá o estado
permanente de emancipação do corpo físico, permitindo-lhes uma
livre transmissão de pensamentos.
10. As relações entre os povos, nesses mundos felizes, são
muito amigáveis. Não são perturbadas pela ambição de escravizar
seus vizinhos, nem pela guerra que dessa ambição decorre.
Entre eles não há senhores e nem escravos, nem privilégios
originários de berço. A superioridade moral e intelectual é que
estabelece a diferença de condições, dando a supremacia. A
autoridade, por isso, recebe o respeito de todos, porque é uma
conquista do mérito individual, e por ser exercida sempre com
justiça.
O homem não luta por elevar-se acima dos outros homens,
mas busca elevar-se acima de si mesmo, lutando por aperfeiçoar-se.
Seu propósito é o de atingir o estado dos Espíritos puros, sem que
esse desejo se lhe transforme num tormento. Esse propósito é uma
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nobre ambição que o faz estudar com ardor para igualar-se com os
Espíritos Superiores.
Todos os sentimentos delicados e elevados da natureza
humana, entre eles, acham-se engrandecidos e purificados.
Desconhecem os ódios, os ciúmes mesquinhos, as baixas cobiças
da inveja. Um liame de amor e de fraternidade une a todos os
homens, levando os mais fortes a ajudarem os mais fracos.
Estão na posse de bens, em maior ou menor quantidade,
adquiridos, porém, por meio do exercício de sua inteligência.
Ninguém, contudo, sofre a falta do necessário, porque nenhum
deles está em expiação.
Numa palavra, o mal não existe nesses mundos superiores.
11. Na Terra, vocês precisam do mal para sentir o bem, da
noite para admirar a claridade, da maldade para apreciar a santidade.
Nos mundos superiores esses contrastes são dispensados.
A eterna luz, a eterna felicidade, a eterna calma da alma
produzem uma eterna alegria que está livre de ser abalada pelas
angústias da vida material, nem pelo contato com os infelizes que
não encontram acesso a esses mundos.
Isso é o que o espírito terreno tem dificuldade de compreender.
Ainda que seja bastante engenhoso para retratar os tormentos do
inferno, revela-se incapaz de imaginar as alegrias do céu.
E por que essa dificuldade?
É que, sendo inferior, endureceu-se nas dores e misérias, sem
ter entrevisto as claridades celestiais. Não pode, assim, falar do que
desconhece. À medida, contudo, que se elevar moralmente e que se
depurar, o seu horizonte alcançará claridades . Compreenderá, então,
o bem que está diante de si, como compreendeu o mal que terá
deixado em seu passado.
12. Os mundos felizes não são mundos privilegiados.
Deus não é parcial com nenhum de seus filhos. Dá a todos os
mesmos direitos e as mesmas facilidades para evoluir. Faz, pois,
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que todos os seus filhos partam de um mesmo ponto, sem dotar a
quem quer que seja melhor do que aos outros. Os primeiros postos
são acessíveis a todos eles, cabendo a cada um conquistá-los pelo
seu trabalho.
Alcançar esses postos mais cedo, ou abandonar-se à inatividade,
por séculos, confundindo-se com a escória da humanidade, é decisão
de cada um. (Resumo dos ensinamentos de todos os Espíritos
Superiores.)
MUNDOS DE EXPIAÇÃO E DE PROVAS
13. Que lhes direi dos mundos de expiações?
Vocês já os conhecem!
Bastará que vocês examinem a própria Terra em que habitam.
A grande inteligência, demonstrada por grande número de
seus habitantes, já estará a lhes indicar que a Terra não é um mundo
primitivo, destinado à encarnação de Espíritos que acabaram de
sair das mãos do Criador.
As qualidades inatas que os renascido viveram na Terra e
trazem consigo, por si só constituem a prova de que já viveram e
que alcançaram alguma evolução. Os numerosos vícios para os quais
estão inclinados, no entanto, são os indicadores de uma grande
imperfeição moral.
Colocou-os Deus, por isso, sobre um terreno ingrato, para
expiarem aí suas faltas através de uma atividade penosa e pelas misérias
da vida, até conquistarem o mérito de ascender para um mundo
mais feliz.
14. Nem todos os Espíritos reencarnados na Terra, porém,
estão aí em expiação. As raças, que vocês chamam de selvagens, são
constituídas de Espíritos em fase de primeira infância. Estão sobre
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a Terra em princípio de educação, a fim de evoluírem pelo contato
com Espíritos mais avançados no conhecimento.
As raças semi-civilizadas são formadas desses mesmos
Espíritos. São elas, de certo modo, as raças oriundas da própria
Terra, que cresceram, pouco a pouco, na seqüência de períodos
seculares. Alguns, dentre eles, puderam atingir o aperfeiçoamento
intelectual dos povos mais esclarecidos.
Os Espíritos em expiação, se podemos exprimir-nos assim,
são estranhos à Terra. Já viveram em outros mundos. Dali foram
excluídos em conseqüência de sua obstinação no mal e por se terem
tornado a causa de perturbação para os bons.
Foram degredados por uns tempos.
Vindo ter com Espíritos atrasados, trouxeram a missão de
fazer com que essas almas primárias evoluíssem. Essa missão lhes é
possível, uma vez que trazem a sua inteligência desenvolvida e os
germes dos conhecimentos adquiridos.
Os Espíritos que, por sua obstinação no mal, foram banidos
para a Terra, também se encontram entre as raças mais inteligentes.
É que estas raças experimentam mais amarguras com os infortúnios
da vida. Havendo nelas mais sensibilidade, serão mais provadas pelo
atrito provocado pela presença de tais Espíritos, do que as próprias
raças primitivas, cujo senso moral é ainda confuso.
15. A Terra é um dos tipos dos mundos de expiações.
Eles são de uma variedade infinita. Têm, porém, o caráter
comum de servirem de campo de exílio aos Espíritos rebeldes à lei
de Deus.
Esses Espíritos têm, nesses mundos de expiações, de batalhar
contra a perversidade dos homens e contra a aspereza da natureza.
Esse duplo e árduo trabalho desenvolve-lhes, ao mesmo tempo, as
qualidades do coração e as da inteligência.
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Assim é que Deus, em sua bondade, faz que a própria pena
de banimento que lhes foi imposta resulte em evolução do Espírito.
(Agostinho, Paris, 1862.)
MUNDOS REGENERADORES
16. Por entre as estrelas que cintilam na abóbada celeste,
quantos mundos não haverá como a Terra, destinados pelo Senhor
para expiações e provações!
Há, também, entre eles, mundos mais infelizes e outros
melhores, como há os de transição, que poderemos chamar de
mundos regeneradores. Assim é que cada turbilhão planetário, a
deslocar-se no espaço em torno de um centro comum, arrasta consigo
seus mundos primários, os de exílio, os de prova, os de regeneração
e os de felicidade.
Já lhes foi falado de mundos onde a alma nascente, ainda
ignorante do bem e do mal, é ajustada para o seu desenvolvimento.
Essa alma, embora simples e ignorante, pode caminhar para Deus,
dona de si mesma, na posse de seu livre-arbítrio.
Já lhes foi dito, também, das amplas faculdades da alma para
fazer o bem. Entre elas há, porém, as que fracassam. Mas mesmo
diante da queda, Deus que não quer anulá-las, permite-lhes irem
para esses mundos. De encarnação em encarnação elas se depuram,
regeneram-se e retornam dignas da glória a que foram destinadas.
17. Os mundos de regeneração são moradas intermediárias
da alma. Servem de transição entre os mundos de expiação e os
mundos felizes. Todo aquele que se arrepende, após a queda, e quer
depurar-se das paixões infelizes, encontra nesses mundos de
regeneração a calma e as condições necessárias para superar-se.
O homem, nesses mundos, ainda esta sujeito às leis que regem
a matéria. A parcela da Humanidade que neles encarna experimenta
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as sensações e os desejos que você registra em si mesmo. Está ela,
porém, liberta das paixões desordenadas que escravizam a vocês.
Está isenta do orgulho que faz calar o coração, da tortura da inveja,
do ódio sufocante.
O amor está escrito em todas as frontes.
Um perfeito respeito ao direito de cada um é o que rege as
relações sociais, uma vez que todos reconhecem Deus e esforçam-se
em caminhar para ele, cumprindo-Lhe as leis.
Nos mundos de regeneração não existe a felicidade perfeita,
mas uma certa aurora da felicidade. O homem ainda é de carne e,
por isso mesmo, está sujeito às vicissitudes, das quais somente estão
isentos os seres completamente desmaterializados. Ele ainda está
sujeito às provações libertadoras, mas estas não se lhe apresentam
com as dolorosas agonias das expiações.
Comparados com a Terra, os mundos de regeneração são
felizes. Muitos, entre vocês, se sentiriam satisfeitos em habitá-los,
uma vez que eles são a calma após a tempestade expiatória, a estação
de recuperação após cruel moléstia.
Neles, os homens são menos solicitados pelas coisas materiais.
Eles divisam, melhor do que vocês, o futuro.
Compreendem que outras são as alegrias que o Senhor
promete aos que se tornam dignos, quando a morte lhes ceifar
novamente os corpos para dar-lhes a verdadeira vida.
A alma, liberta, alcançará novos horizontes.
Sem as limitações dos sentidos materiais e grosseiros e já de
posse dos sentidos de um perispírito puro e celestial, aspirará as
emanações do próprio Deus, em seus perfumes de amor e de caridade
que se expandem do seio celestial.
18. Nos mundos de regeneração, o homem ainda está
sujeito a fraquejar. A sua inclinação para o mal ainda não perdeu
completamente o seu domínio.
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Se ele não evoluir, isso corresponderá a um recuo em relação
às suas decisões de purificar-se. Se não perseverar, portanto,
firmando-se na senda do bem, ele poderá novamente retornar aos
mundos de expiação, candidatando-se a novas e mais dolorosas
provas.
Contemplem, pois, a abóbada celeste à noite, na hora de seu
repouso e de suas preces e, das inúmeras esferas que brilham sobre
as suas cabeças, indaguem-se quais as que conduzem a Deus e roguem para que um mundo regenerador lhes abra o seu seio, para
acolhê-los após a expiação na Terra. (Agostinho, Paris, 1862.)
PROGRESSÃO DOS MUNDOS
19. O progresso é uma das leis da natureza.
Todos os seres da Criação, animados ou inanimados, estão
sujeitos à lei do progresso, pela bondade do Pai Celestial, que deseja
que tudo se engrandeça e prospere.
A própria destruição, que parece ao homem ser o termo final
das coisas, nada mais é que um meio de levá-las, pela transformação,
a um estágio mais aperfeiçoado, uma vez que todas as coisas morrem
para renascer e nada sofre o aniquilamento.
Ao mesmo tempo que os seres vivos evoluem moralmente,
os mundos que eles habitam progridem materialmente.
Se você pudesse acompanhar um mundo em suas diversas
fases, desde o instante em que os primeiros átomos se agregaram
para constituí-lo, você o veria percorrer uma escala incessantemente
progressiva. Esses graus percorridos, no entanto, são imperceptíveis
para cada geração de seres vivos, embora ofereçam aos seus habitantes
uma morada mais agradável, à medida que eles mesmos avançam
na senda do progresso.
Coisa alguma na natureza permanece estacionada.
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Paralelamente ao progresso do homem, progridem os animais
domésticos, os vegetais e a forma de suas habitações.
Quão grande é esta idéia e quanto é digna da majestade do
Criador! E quanto, ao contrário, é pequena e indigna de seu poder
a idéia que concentra a sua solicitude e a sua providência sobre o
imperceptível grão de areia que é a Terra e que restringe a
Humanidade apenas aos poucos homens que habitam o nosso
mundo!
A Terra, segundo a lei do progresso, já desfrutou um estágio
material e moral inferior ao em que hoje se acha. Atingirá,
igualmente, tanto no aspecto material quanto moral, um grau mais
avançado.
A Terra chegou a um desses períodos de transformação.
De mundo de expiação, ela passará a um mundo de
regeneração, onde os homens serão mais felizes, porque a lei de
Deus nela imperará soberanamente. (Agostinho, Paris, 1862.)
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4
1. Chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou a
seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem?
E eles disseram: Uns, João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou
um dos profetas. – Jesus lhes disse: E vós, quem dizeis que eu sou? – E
Simão Pedro, respondendo, disse-lhe: Tu és o Cristo, o Filho de Deus
vivo. – E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão,
filho de João, porque isso não te foi revelado pela carne e pelo sangue,
mas por meu Pai que está nos céus. (Mateus, capítulo 14, versículos
13 a 17; Marcos, capítulo 8, versículos 27 a 30.)
2. O tetrarca Herodes ouvia tudo o que se passava, e estava em
dúvida, porque diziam alguns que João ressuscitara dentre os mortos;
e outros que Elias tinha aparecido; e outros que um profeta dos antigos
havia ressuscitado. – E disse Herodes: A João mandei eu degolar; quem
é pois este de que ouço dizer tais coisas? (Lucas, capítulo 9, versículos 7
a 9. Marcos, capítulo 6, versículos 14 e I5.)
3. (Após a transfiguração) Seus discípulos o interrogaram,
dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha
primeiro? – E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá
primeiro, e restaurará todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio, e
não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão
eles também padecer o Filho do homem. – Então entenderam os
discípulos que Jesus lhes falara de João Batista. (Mateus, capítulo 17,
versículos 10 a 13. Marcos, capítulo 9, versículos 10 a 12. )
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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS,
SE NÃO NASCER DE NOVO
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RESSURREIÇÃO E REENCARNAÇÃO
4. A reencarnação fazia parte dos princípios de fé dos judeus,
sob o nome de ressurreição. Somente os saduceus, que pensavam
que tudo acaba com a morte, não acreditavam nela.
As idéias dos judeus sobre essa questão, assim como sobre
muitas outras de seu ideário religioso, não eram claramente definidas.
As suas noções sobre a alma e suas ligações com o corpo físico eram
vagas e incompletas. Acreditavam que o homem poderia reviver,
sem saberem precisamente de que maneira se daria esse fato.
Eles designavam como ressurreição o fenômeno que o
Espiritismo de modo mais ajustado denomina de reencarnação.
A ressurreição supõe o retorno da vida ao corpo que está
morto. A ciência, por sua vez, demonstra que tal ocorrência é
materialmente impossível, notadamente quando os elementos desse
corpo já se acham, depois de algum tempo, dispersos e absorvidos
pela natureza.
A reencarnação é o retorno da alma ou Espírito para a vida
corporal, através de um novo corpo formado para ela. Esse novo
corpo, portanto, nada tem de comum com o anterior.
Pode-se falar em ressurreição de Lázaro, mas não de Elias.
Se, portanto, João Batista era Elias, segundo as crenças judaicas,
o corpo de João não poderia ser o de Elias, uma vez que João fora
visto quando criança, e seu pai sua mãe eram conhecidos deles.
João, portanto, podia ser Elias reencarnado, mas não
ressuscitado.
5. Havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos,
príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe:
Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus, porque ninguém
pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele.
Jesus respondeu-lhe, dizendo: Na verdade te digo que aquele
que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.
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CAPÍTULO IV
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Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo
velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e
nascer?
Jesus respondeu: Na verdade te digo que aquele que não nascer
da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é
nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espirito.
Não te maravilhes de eu ter dito: “Necessário vos é nascer de novo”.
O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de
onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido
do Espírito.
Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso?
Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não
sabes isto? Na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e
testificamos o que vimos e não aceitas o nosso testemunho. Se te
falei de coisas terrestres, e não creste, como crerás, se te falar das
celestiais? (João, capítulo 3, versículos de 1 a 12.)
6. A idéia de que João Batista era Elias e a de que os profetas
poderiam reviver sobre a Terra, você a encontrará em muitas
passagens dos Evangelhos; notadamente nas reproduzidas acima (n.º
1, 2 e 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não teria deixado de
combatê-la, da mesma forma que combateu muitas outras. Ele,
porém, com toda a sua autoridade a sanciona e a coloca por princípio
e como uma condição necessária, ao dizer: “Aquele que não nascer
de novo, não poderá ver o reino de Deus”. E, não bastasse isso, ainda
acrescenta: “Não te maravilhes de te ter dito que necessário te é nascer
de novo”.
7. Estas palavras: “aquele que não renascer da água e do
Espírito” foram interpretadas como sendo a regeneração pela água
do batismo. O texto primitivo, no entanto, dizia simplesmente:
“não renascer da água e do Espírito”. Em algumas traduções as palavras
do Espírito foram substituídas por: do Santo Espírito, desvirtuandolhes a idéia inicial. Esse ponto capital destaca-se dos primeiros
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comentários feitos sobre o Evangelho, como será comprovado um
dia, sem o menor equívoco possível. (1)
8. Para compreender o verdadeiro sentido das palavras de
Jesus, faz-se necessário que nos voltemos para o termo água, cuja
significação no texto não é aquela mesma que você conhece.
O conhecimento dos antigos sobre as ciências físicas era muito
imperfeito. Acreditavam que a Terra saíra das águas. A água seria,
para eles, como o elemento gerador de todas as coisas.
No livro Gênese, do Antigo Testamento, diz-se: “O Espírito
de Deus era levado sobre as águas; flutuava sobre as águas” –
“Juntem-se as águas que estão debaixo do céu e apareça o solo firme”
– “Que as águas produzam viventes, que nadem na água, e pássaros
que voem sobre a Terra e sob o firmamento”.
A água, segundo essa crença, tornara-se o símbolo da natureza
material, assim como Espírito era o símbolo da natureza inteligente.
Por isso é que a afirmação de Jesus: “Se o homem não renascer
da água e do Espírito, ou em água e em Espírito” tem o seu
verdadeiro sentido em: “Se o homem não renascer com seu corpo e
sua alma”.
Nesse último sentido é que os antigos entendiam a afirmação.
A interrogação aqui levantada também se justifica pela seguinte
afirmação de Jesus na mesma passagem evangélica: “O que é nascido
da carne é carne e o que é nascido do Espírito é espírito”. Vê-se, aí,
que Jesus faz uma distinção clara entre o espírito e o corpo.
O que é nascido da carne é carne indica, com absoluta clareza,
que o corpo procede do corpo e que o espírito é independente do
corpo.
9. O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai, no ensinamento de Jesus,
1. N.T. — Nas traduções atuais, com exceção de algumas católicas, não se inclui
mais a palavra SANTO, constando Espírito.
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permite-nos entender tratar-se do Espírito de Deus, que dá vida a
quem quer ou, então, poderemos interpretá-lo como se referindo à
alma do homem.
Neste último sentido, a afirmação“não sabes de onde vem,
nem para onde vai”, significará que ninguém tem conhecimento de
sua origem e nem o que será o Espírito.
Se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo que o
corpo, você saberia de onde ele veio, uma vez que estaria informado
de seu começo.
De qualquer forma, porém, esta passagem evangélica é uma
conseqüência do princípio da preexistência da alma e, conseqüentemente,
do princípio da pluralidade das existências.
10. E, desde os dias de João Batista até agora, se faz violência
ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele. Porque todos os
profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito, é
este o mesmo Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir,
ouça. (Jesus em Mateus, capítulo 11, versículos 12 a 15.)
11. Se o princípio da reencarnação, expresso através da narrativa
extraída do Evangelho de João, pudesse, a rigor, ser interpretado
num sentido puramente místico, o mesmo não se poderá dizer da
passagem transcrita do Evangelho de Mateus, que não admite
nenhum equívoco, por Jesus dizer expressamente: “É este o mesmo
Elias que havia de vir”.
Essa é uma afirmação positiva, sem alegoria.
Examine-se, ainda, a afirmação: “E, desde os dias de João
Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se
apoderam dele”. Que significam estas palavras de Jesus, se João
Batista ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus mesmo
as explica, dizendo: “Se quereis dar crédito, é este o mesmo Elias
que havia de vir”.
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Sendo João Batista não um outro espírito, mas o próprio
Elias, Jesus faz uma referência ao tempo em que João Batista vivia
com o nome de Elias.
“Faz-se a violência ao reino dos céus e pela força se apoderam
dele”, é uma outra alusão feita por Jesus à violência da lei mosaica,
que ordenava o extermínio dos infiéis, para que os fiéis ganhassem
a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus, enquanto que, segundo a
nova lei, ganha-se o céu pela caridade e pela brandura.
E ajuntou: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Estas palavras, tantas vezes repetidas por Jesus, dizem claramente que nem
todos estão em grau evolutivo para compreender certas verdades.
12. Aqueles de vosso povo que morreram, viverão de novo;
aqueles que estavam em meio aos mortos, ressuscitarão. Despertai
de vosso sono e erguei louvores a Deus, vós que habitais dentro do
pó, porque o orvalho que se derrama sobre vós é um orvalho de luz
e vós arruinareis a Terra e o reino dos gigantes. (Isaías, capítulo 26,
versículo 19.)
13. Esta passagem de Isaías é inteiramente clara: “Aqueles de
vosso povo que morreram, viverão de novo”. Se o profeta tivesse
querido falar da vida espiritual, se fosse de sua vontade dizer que os
que foram executados não estavam mortos em espírito, por certo
que diria: ainda vivem, contrariamente ao dizer: viverão de novo.
“Viverão de novo”, se tomado em seu sentido espiritual, seria
um contra-senso, uma vez que implicaria uma interrupção da vida
da alma. No sentido de regeneração moral, seria a negação das penas
eternas, porque estabeleceria, em princípio, que todos os que estão
mortos reviverão.
14. Mas, quando o homem está morto de vez e seu corpo,
separado de seu espírito, foi consumido, que é feito dele? – Tendo
o homem morrido de vez, poderia reviver de novo? Nesta guerra,
em que me acho em todos os dias de minha vida, estou esperando
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que chegue a minha mutação. (Jó, capítulo 14, versículo 10,
tradução de Sacy.)
Quando o homem morre, perde toda a sua força, expira.
Onde estará ele depois? – Se o homem morre, reviverá de novo?
Esperarei todos os dias de meu combate, até que me venha alguma
mutação? (Idem, tradução protestante de Osterwald.)
Quando o homem está morto, ele vive sempre. Quando
findarem os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a ela
voltarei de novo. (Idem, versão da Igreja grega.)
15. O princípio da pluralidade das existências está claramente
expresso nas três versões acima. Ninguém poderá supor que Jó tenha
querido falar de regeneração pela água do batismo, que ele certamente
nem sequer conhecia.
“Tendo o homem morrido de vez, poderia reviver de novo?”
Essa idéia de morrer e reviver traz em si a idéia de morrer e
reviver muitas vezes. A versão da Igreja grega é ainda mais explícita
nessa idéia, se tal transparência maior fosse possível: “Quando
findarem os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a ela
voltarei de novo, ou, voltarei a uma nova existência terrestre”.
Isso é tão claro, como dizer: “Sairei de minha casa, mas a ela
retornarei”.
Nesta guerra, em que me acho em todos os dias de minha vida,
estou esperando que chegue a minha mutação”. Jó, evidentemente aqui
fala das lutas que sustentava contra os sofrimentos da vida. Sente-se,
porém, resignado, dizendo esperar a sua mutação. Na versão grega
o esperarei, parece aplicar-se a uma nova existência: “Quando
findarem os dias de minha existência física, esperarei, já que a ela
voltarei de novo”. Jó parece colocar-se, após a sua morte, no espaço
que separa uma existência da outra, e diz que espera voltar de novo
à existência física.
16. Não paira nenhuma dúvida de que, com o nome de
ressurreição, o princípio da reencarnação era uma das crenças
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fundamentais dos judeus. A reencarnação, por outro lado, está
confirmada por Jesus e pelos profetas de um modo formal.
Quem, pois, negar a reencarnação, estará negando as palavras
do Cristo. Quando, porém, as suas palavras forem meditadas, sem
idéias preconcebidas, será aceita a sua autoridade sobre esse princípio,
assim como também sobre os outros.
17. Sobre essa autoridade, fundada sob o ponto de vista
religioso, vem reunir-se, sob o ponto de vista filosófico, a das provas
resultantes de observações dos fatos. Quando dos efeitos deveremos
remontar às causas, a reencarnação comparece como uma necessidade
absoluta. É uma condição inerente à humanidade, ou seja, a
reencarnação é uma lei da Natureza.
A reencarnação revela-se pelos seus resultados, da mesma
maneira, por assim dizer material, que um motor se evidencia pelo
movimento.
Somente a reencarnação pode dizer ao homem de onde ele
vem, para onde vai por que está na Terra. Justificam-se, com esse
conhecimento, todas as anomalias e todas aparentes injustiças que a
vida apresenta. (1)
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das
existências, grande parte das máximas do Evangelho são incompreensíveis. Pela ausência do conhecimento desses princípios é que lhe são
dadas interpretações contraditórias. Adicionem-se esses princípios e
serão recuperados seus verdadeiros sentidos.
1. Veja, para ter mais informações sobre o princípio da reencarnação: O Livro dos
Espíritos, cap. 4 e 5; O que é o Espiritismo, cap. 2, ambos de Allan Kardec.
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OS LAÇOS DE FAMÍLIA SÃO FORTALECIDOS
PELA REENCARNAÇÃO E ENFRAQUECIDOS
PELA UNICIDADE DA EXISTÊNCIA
18. Os laços de família não são destruídos pela reencarnação,
como pensam algumas pessoas. Contrariamente a isso, eles são
fortificados e mais apertados ainda.
Uma existência única é que os destruiria.
Os Espíritos, na espiritualidade, formam grupos ou famílias
unidas pela afeição, pela simpatia e pela semelhança de suas
inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se
mutuamente.
A encarnação os separara temporariamente, mas ao regressarem
à espiritualidade, reencontram-se como amigos que retornam de
uma viagem. Muitas vezes, esses Espíritos seguem uns aos outros,
encarnando numa mesma família ou, então, unem-se num mesmo
círculo, trabalhando juntos para a própria evolução.
Se ocorre que, numa dada época, uns deles encarnam e outros
não, eles continuam unidos pelos pensamentos. Aí, os que estão
livres dos liames da carne velam pelos que se acham no cativeiro.
Os mais evoluídos esforçam-se, então, para que os retardatários
progridam.
Após cada existência, todos terão avançado na senda da
perfeição. Cada vez menos aprisionados à matéria, as suas afeições
tornam-se mais vivas e, por isso, estarão eles mais puros, não tendo
a perturbá-los o egoísmo e nem as sombras das paixões.
Eles podem, assim, experimentar um número ilimitado de
existências corporais, sem que nenhum incidente lhes perturbe a
afeição mútua a que se devotam.
Convém destacar que, aqui, estamos tratando de afeição real,
verdadeiramente espiritual, de alma para alma. Essa afeição é a única
que sobrevive após a morte do corpo físico. Os seres que se unem,
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na Terra, apenas pelos sentidos corporais, não têm motivo algum
para procurarem-se no mundo dos Espíritos.
Duráveis somente são as afeições espirituais.
As afeições carnais se extinguem com a causa que as gerou.
A causa que dá origem às afeições carnais não existe no mundo
espiritual, enquanto a alma existe sempre.
Quanto a pessoas que se unem, movidas tão-somente pelos
seus interesses, essas realmente já nada são uma para as outras: a
morte as separa na Terra e no céu.
19. A união e a afeição que existem entre parentes, numa
mesma família, são sinais evidentes da simpatia anterior que os
aproximou. Quando há alguém que pelo seu caráter, pelos seus
gostos e inclinação nenhuma semelhança tenha com seus parentes
próximos, costuma-se dizer que ele não pertence àquela família.
Ao falar isso, anuncia-se uma verdade maior do que se supõe.
Deus permite que, nas famílias, encarnem espíritos antipáticos
ou mesmo estranhos. Há, nisso, uma dupla finalidade: uns servem
de provas para os outros e, por isso, tornam-se instrumentos de
progresso entre si. Os infelizes se melhoram, pouco a pouco, pelo
contato com os bons e pelos cuidados que deles recebem. O caráter
dos infelizes se abranda, seus costumes depuram-se, as antipatias
esmaecem.
Estabelece-se, dessa forma, a fusão entre diferentes categorias
de Espíritos, assim como se dá sobre a Terra a fusão entre raças e
povos.
20. O receio de que a parentela aumente de um modo
indefinido, em conseqüência da reencarnação, é um receio egoístico.
Esse receio prova, naquele que o sente, que lhe falta um amor mais
amplo para abranger um grande número de pessoas.
Um pai, que tenha muitos filhos, amaria a cada um deles
menos do que amaria um filho único?
Tranqüilizem-se, pois, os egoístas.
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Não há motivo para tais temores.
Se um homem houver tido dez encarnações, isso não significa
que, ao retornar à espiritualidade, irá encontrar-se com dez pais,
dez mães, dez esposas e uma quantidade indefinida de filhos e de
novos parentes.
Esse homem, ao retornar à espiritualidade, voltará aos mesmos
que foram alvos de sua afeição. Estes poderão ter-se ligado na Terra
a qualquer título de parentela, pais, mães, filhos, esposas, ou, talvez,
por outros laços.
21. Quais as conseqüências da doutrina anti-reencarnacionista ?
Vejamo-las, a seguir.
Essa doutrina anula, necessariamente, a preexistência da alma.
Se a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo, não existe
entre os que serão familiares nenhum laço anterior. Serão eles
completamente estranhos entre si. O pai é estranho a seus filhos. A
filiação das famílias ficará reduzida à filiação corporal, sem nenhum
laço espiritual anterior.
Nenhum motivo haverá para alguém glorificar-se de existirem
em seus antepassados, estas ou aquelas personalidades ilustres.
Com a reencarnação ascendentes e descendentes podem já se
ter conhecido, ter vivido juntos, ter se amado e podem reunir-se
mais tarde, estreitando ainda mais os seus laços de simpatia.
22. Se tal ocorre em relação ao passado, no tocante ao futuro
a situação não é mais esperançosa. Segundo um dos princípios
fundamentais que decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas
estará definitivamente selada após uma única existência.
A fixação definitiva da sorte da alma terá por conseqüência a
cessação de todo progresso, visto que se houver um progresso
qualquer, já não haverá sorte definitiva.
Segundo tenham bem ou mal vivido, elas vão imediatamente
para a morada da bem-aventurança ou eternamente para o inferno.
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Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem
esperança de voltarem a reunir-se. Desta forma, pais, mães e filhos,
maridos e esposas, irmãos, irmãs e amigos, jamais poderão estar
certos de voltarem a ver-se novamente: esta é ruptura mais que
absoluta dos laços de família.
Com a reencarnação, e o progresso que lhe é conseqüente,
todos os que se amaram voltarão a encontrar-se sobre a Terra e,
também, na espiritualidade. Juntos, crescerão para Deus. Se alguns
deles fraquejarem na senda, retardam o seu avanço e a sua felicidade,
mas não perderão a esperança. Serão ajudados, encorajados e
sustentados pelos que os amam, até saírem do lodaçal em que se
enterraram.
Com a reencarnação, enfim, existe uma solidariedade
permanente entre os encarnados e os desencarnados, o que resultará
no dadivoso fruto do estreitamento dos laços de afeição mútua.
23. Resumindo, quatro são as alternativas que são apresentadas
ao homem para seu futuro após a morte:
1) o nada, segundo a doutrina materialista;
2) a absorção do homem no todo universal, segundo a
doutrina panteísta;
3) a individualidade do homem após a morte com a fixação
definitiva de sua sorte, segundo a doutrina da Igreja;
4) a individualidade do homem após a morte, com progressão
infinita, segundo a Doutrina Espírita.
As duas primeiras alternativas apresentam o rompimento dos
laços de família após a morte e nenhuma esperança de reencontro
entre os que se amaram. A terceira alternativa apresenta a
possibilidade de reverem-se os que se devotaram alguma afeição,
desde que sigam para a mesma região, e essa região tanto pode ser o
inferno como o paraíso. A quarta alternativa, com a pluralidade das
existências, que é inseparável da evolução gradativa, traz a certeza da
continuidade das relações entre aqueles que se amaram, e isso é o
que constitui a verdadeira família.
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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
LIMITES DA ENCARNAÇÃO
24. Quais são os limites da encarnação?
A encarnação não tem limites nitidamente traçados.
Não poderemos fixá-los sobre o envoltório que constitui o
corpo do Espírito, fundamentado em que a materialidade desse
envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica. E isso
porque se sabe que, em certos mundos mais evoluídos que a Terra,
esse envoltório já é menos compacto, menos pesado, menos
grosseiro e, por conseqüência, menos sujeito a vicissitudes. Em
mundos mais elevados ainda, esse envoltório é diáfano e quase
fluídico. Crescendo a categoria dos mundos, o corpo de que se
reveste o Espírito vai perdendo a materialidade, findando por
confundir-se com o perispírito.
De acordo com o mundo no qual o Espírito é levado a viver,
ele se reveste do corpo apropriado à natureza desse mundo.
O próprio perispírito passa por transformações sucessivas.
Purifica-se, pouco a pouco, até a depuração completa.
A condição perispiritual dos Espíritos puros é essa.
Se mundos especiais estão destinados, como estágios, aos
Espíritos muito evoluídos, estes não ficam sujeitos a tais mundos,
como ocorre nos mundos inferiores. O estado de libertação que já
atingiram permitir-lhes-á transportarem-se por toda parte onde as
missões que lhes foram confiadas os chamarem.
Se considerarmos, porém, a encarnação do ponto de vista
material, tal qual ela se dá sobre a Terra, poderemos dizer que esse é
o seu limite para os mundos inferiores.
O limite da encarnação, portanto, depende do próprio Espírito, que poderá libertar-se dela mais ou menos rapidamente,
trabalhando pela sua purificação.
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Consideremos, ainda, que quando liberto do corpo e na espiritualidade, o Espírito estará no intervalo das existências corporais.
A situação do Espírito está em relação com a natureza do mundo a
que se liga, segundo o seu grau de evolução. Na espiritualidade, por
conseqüência, ele será mais, ou menos feliz, livre e esclarecido,
segundo esteja mais, ou menos desmaterializado. (Luís, Paris, 1859.)
NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO
25. A encarnação é uma punição e somente os Espíritos
culpados é que lhe estão sujeitos?
A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária.
Através da encarnação, os Espíritos podem cumprir, por meio
de uma ação material, os propósitos que Deus lhes confiou para
serem executados.
Ela é necessária para bem deles mesmos, porque a atividade
que se obrigam a exercer lhes desenvolve a inteligência.
Deus, sendo soberanamente justo, doa partes iguais a todos
os seus filhos. Estabeleceu para todos um mesmo ponto de partida,
a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade
de agir.
Qualquer privilégio seria uma preferência e toda preferência
é uma injustiça.
A encarnação, porém, é para todos os Espíritos um estágio
transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe, no seu início de
vida, como primeira experiência do uso que farão de seu livre-arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa, alcançam
rapidamente e menos penosamente os primeiros degraus da iniciação
e gozam mais cedo o fruto de seus labores.
Aqueles, porém, que usam mal a liberdade que Deus lhes
concede, retardam a sua própria evolução. Se se obstinarem nesse
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mau uso, eles terão prolongada indefinidamente a necessidade de se
reencarnarem e é quando a encarnação lhes parece um castigo (Luís,
1859).
26. Observação. – Uma comparação vulgar permitirá que
melhor se compreenda a diferença acima. Nenhum escolar chega
aos estudos da Ciência, se não se submeter à série de classes que lhe
abrirão esses estudos. Essas classes, qualquer seja a atividade que lhe
exijam, são simplesmente um meio para o estudante alcançar seu
fim, não sendo, por isso, nenhuma espécie de punição. O estudante
aplicado abrevia o caminho a percorrer e nele encontra, por isso,
menos espinhos. O estudante negligente, porém, obriga-se a repetirse pelas mesmas classes. Para estes, não é o trabalho da classe que
parece uma punição, mas a obrigação de recomeçar o mesmo trabalho
que não executou bem.
O mesmo acontece com o homem sobre a Terra.
O espírito do selvagem, que está apenas no início da vida
espiritual, tem na encarnação o meio de desenvolver a sua
inteligência.
O homem esclarecido, porém, em que o senso moral está
mais largamente desenvolvido, quando é obrigado a percorrer as
etapas de uma vida corporal plena de angústias, quando já poderia
ter chegado ao fim, sente isso como um castigo, pela necessidade
que vê em prolongar a sua permanência em mundos inferiores e
infelizes.
Aquele, contudo, que trabalha ativamente para o seu
progresso moral pode abreviar a duração da encarnação material.
Pode também transpor de uma só vez os graus intermediários que
o separam dos mundos superiores.
Os Espíritos não poderiam encarnar uma única vez, sobre
um mesmo mundo e desenvolver as suas diversas existências em
esferas diferentes?
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Esta pergunta seria admissível se os homens estivessem, na
Terra, exatamente com o mesmo nível intelectual e moral. As
diferenças que há, entre eles, desde o selvagem até o homem civilizado, mostram os graus que eles devem alcançar.
A encarnação, aliás, precisa ter um fim útil.
Qual seria a finalidade da encarnação de crianças que morrem
em tenra idade? Teriam sofrido sem proveito para si e para outrem?
Deus, cujas leis são soberanamente justas, coisa alguma faz
sem utilidade. Pela reencarnação sobre o mesmo globo, quis Ele
que os mesmos Espíritos voltassem a relacionar-se, com ocasião de
reparar as suas faltas recíprocas. Por efeitos de suas relações anteriores,
quis, além disso, estabelecer os laços de família sobre uma base
espiritual e apoiar, sobre uma lei da Natureza, os princípios de
solidariedade, de fraternidade e de igualdade.
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CAPÍTULO IV
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1. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
– Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles
serão saciados. – Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa
da justiça, porque deles é o reino dos céus. (Mateus, capítulo 5, versículos
4, 6 e 10.)
2. Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de
Deus. – Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis
saciados. – Bem-aventurados vós, que agora chorais. porque haveis de
rir. (Lucas, capítulo 6, versículos 20 e 21.)
Mas ai de vós, ricos! porque já tendes a vossa consolação. – Ai de
vós, os que estais fartos, porque tereis fome. – Ai de vós, os que agora
rides, porque vos lamentareis e chorareis. (Lucas, capítulo 6, versículos
24 e 25.)
JUSTIÇA DAS AFLIÇÕES
3. As compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra só
podem realizar-se na vida futura. Sem a certeza da vida futura, estas
máximas seriam um contra-senso, ou mais ainda, seriam um
engodo.
Mesmo quando se guarda certeza da vida futura, dificilmente
se compreende a utilidade do sofrimento para ser feliz. Dizem alguns
que é para haver mérito.
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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
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Pergunta-se, então: por que uns sofrem mais do que os outros?
Por que uns nascem na miséria e outros na abundância, sem que
coisa alguma tenham feito para justificar essa posição? Por que para
uns tudo parece sorrir, enquanto que outros nada conseguem?
O que ainda menos se compreende é que os bens e os males
sejam desigualmente repartidos entre o vício e a virtude, com homens
virtuosos sofrendo ao lado dos maus que prosperam.
A fé na vida futura pode consolar e tornar paciente o homem,
mas não explica essas anomalias que parecem desmentir a justiça de
Deus.
Admitindo-se a existência de Deus, não se pode concebê-lo
sem o infinito das perfeições. Ele deve ser o Todo-poderoso, toda a
justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus.
Se Deus é soberanamente bom e justo, ele não pode agir por
capricho e nem com parcialidade. As vicissitudes da vida, portanto,
devem ter uma causa e, porque Deus é justo, essa causa deve ser justa
também. Disso cada um deve compenetrar-se.
Deus encaminhou os homens na direção dessa causa pelos
ensinamentos de Jesus. Hoje, por julgá-los bastante amadurecidos,
para compreender a causa das vicissitudes da vida, vem revelá-la por
inteiro através do Espiritismo, ou seja, pela voz dos Espíritos.
CAUSAS ATUAIS DAS AFLIÇÕES
4. Os acidentes desfavoráveis da vida são de duas espécies,
ou, se você preferir, originam-se de duas fontes bem diferentes, e
que é importante distinguir: alguns têm a sua causa na vida presente
e outros têm a sua causa fora desta vida.
Se formos buscar a origem dos males terrestres, reconheceremos
que muitos são a conseqüência natural do caráter e da conduta daqueles
que os sofrem.
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CAPÍTULO V
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Quantos não são os homens que caem por sua própria culpa!
São vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!
Quantos não são os que se arruínam por falta de ordem, de
perseverança, por má conduta ou por não terem posto um freio aos
seus desejos!
Quantas não são as uniões infelizes, porque resultaram de
um cálculo de interesses ou de vaidade e nas quais o coração não
tomou nenhuma parte!
Quantas dissensões e disputas funestas poderiam ser evitadas
com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!
Quantos males e enfermidades não são frutos apenas da
intemperança e dos excessos de todos os gêneros!
Quantos não são os pais infelizes com seus filhos, por não
terem combatido as suas más tendências desde seu princípio! Por
fraqueza ou indiferença, permitiram que neles se desenvolvessem
os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam
o coração. Mais tarde, quando colhem o que semearam, admiramse e afligem-se com a falta de respeito e a ingratidão dos filhos.
Que todos esses que são feridos no coração pelos acontecimentos
desfavoráveis e pelas decepções da vida, interroguem friamente a
própria consciência. Reexaminem, passo a passo, a origem dos males
que os afligem. Verifiquem se não poderão dizer: Se eu tivesse feito
ou não feito tal coisa, eu não estaria nesta situação.
A quem, portanto, atribuir todas as suas aflições, senão a ele
próprio? O homem, assim, em grande número de casos, é o artesão
de seus próprios infortúnios. Ao contrário, porém, de identificar
em si mesmo a fonte de seus males, acha mais simples, menos
humilhante para a sua vaidade, acusar a sorte, acusar a Providência
Divina, a má fortuna, sua má estrela, quando na verdade a sua má
estrela é apenas a sua incúria.
Os males, das espécies a que nos referimos, fornecem,
inegavelmente, um notável número de acidentes desfavoráveis para
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a sua vida. O homem, todavia, poderá evitá-los quando trabalhar
por melhorar-se moralmente, tanto quanto trabalha para melhorarse intelectualmente.
5. A lei humana define certas faltas e estabelece punições. O
condenado, por isso, pode dizer que sofre as conseqüências do que
fez. Essa lei, contudo, não define e nem alcança todas as faltas.
Determina apenas as que, especialmente, trazem prejuízo à
sociedade. Não cuida, porém, daquelas que só prejudicam as pessoas
que as cometem.
Mas Deus quer a evolução de todas as suas criaturas e, por
isso, não deixa impune qualquer desvio do caminho reto.
Não há falta alguma, por mais leve que seja, que, em se
constituindo uma infração de sua lei, que não resulte em
conseqüências forçosas e inevitáveis, mais, ou menos desagradáveis.
Segue-se daí que, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, o
homem sempre sente o efeito de seus erros.
Os sofrimentos, que decorrem do erro, são para o homem
uma advertência de que ele andou mal. Isso lhe dará experiência,
fazendo-lhe sentir a diferença entre o bem e o mal. Interiorizará a
necessidade de melhorar-se, para evitar o que lhe causou tantas
amarguras. Não fosse assim, motivo não existiria para que se
emendasse. Se confiasse na impunidade, retardaria a sua evolução e,
por conseqüência, a sua felicidade futura.
A experiência, porém, algumas vezes surge um pouco tarde.
Quase sempre, quando ela chega, a vida já foi desperdiçada e,
perturbada. As forças estão gastas e sem remédio. É então que o
homem diz: “Se desde a minha juventude eu soubesse o que sei
hoje, quantas faltas teria evitado! Se pudesse recomeçar, eu faria tudo
de outra maneira. Agora, porém, já não há mais tempo!”.
Ele repete o que diz o obreiro preguiçoso: “Perdi o meu dia”,
dizendo simplesmente: “Perdi a minha vida”. O Sol, porém, se
levantará no dia seguinte para o obreiro, e uma nova jornada
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começará, permitindo-lhe reparar o tempo perdido. E também para
homem que desperdiçou a vida, após a noite do túmulo brilhará o
sol de uma nova vida, na qual lhe será possível aproveitar a experiência
do passado e de suas boas resoluções para o futuro.
CAUSAS ANTERIORES DAS AFLIÇÕES
6. Se há males, nesta vida, cuja causa é o próprio homem, há
outros também que parecem atingi-lo como por uma fatalidade e
que, pelo menos na aparência, lhe são completamente estranhos.
Entre esses, por exemplo, a perda de entes queridos que são o
amparo da família. E, ainda, os acidentes que nenhuma previsão
poderia impedir; os reveses da fortuna, que contrariam todas as
medidas da prudência; os flagelos naturais; as enfermidade de
nascença, principalmente aquelas que impedem a tantos infelizes
de ganhar a vida através do trabalho; as deformidades, a idiotia, o
cretinismo etc.
Aqueles que nascem nessas condições seguramente nada
fizeram na existência atual para merecer tão triste sorte, sem
nenhuma compensação. Não poderiam evitá-las e são impotentes
para modificá-las, ficando entregues à piedade pública.
Por que seres tão infelizes? Por que nascem nessas condições,
se na mesma família, sob o mesmo teto, convivem com outros que
são favorecidos em todos os sentidos?
Que dizer dessas crianças que morrem em tenra idade e que
da vida só conheceram os sofrimentos?
Esses são problemas que nenhuma filosofia ainda pôde
resolver.
As religiões, por outro lado, não explicam essas anomalias.
Tais ocorrências, sem dúvida, se não justificadas, seriam a
negação da bondade, da justiça e da Providência Divina, diante da
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hipótese de a alma ser criada ao mesmo tempo que o corpo e com
a sua sorte irrevogavelmente fixada após permanecer tão breves
instantes sobre a Terra.
Que fizeram eles, que acabam de sair das mãos do Criador,
para sofrerem tantas misérias, e merecerem, no futuro, uma
recompensa ou uma punição qualquer, se não tiveram tempo de
fazer nem o bem e nem o mal?
Há um axioma que diz: Todo efeito tem uma causa.
Se tomarmos tais misérias como um efeito que há de ter
uma causa e, admitindo-se que Deus é justo, a causa que dá origem
a tantos sofrimentos também há de ser justa.
Sabendo-se que todo efeito tem, antes de si, a sua causa
geradora, e se a causa de tais misérias não se encontra na vida atual,
ela estará numa existência anterior a esta vida, ou seja, há de estar
numa existência precedente.
Deus não podendo recompensar pelo bem que não se fez e
nem aplicar a lei pelo mal que não se praticou, se alguém sofre a
justiça, é porque fez o mal. Se não fez esse mal nesta vida atual,
deverá tê-lo feito numa existência anterior a esta.
Essa é uma alternativa a que ninguém pode escapar e em que
a lógica nos dirá de que lado está a Justiça Divina.
O homem nem sempre será alcançado pela Justiça Divina,
ou por ela buscado, na sua existência presente. Não escapará, porém,
das conseqüências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas
momentânea e se ele não expiar os seus erros agora, virá a expiá-los
futuramente.
Aquele que hoje sofre está expiando o seu passado.
O infortúnio que, à primeira vista, parece não merecido, tem
a sua razão de ser. Aquele que hoje sofre pode sempre dizer: “Perdoame, Senhor, porque errei”.
7. Os sofrimentos por causa de existências anteriores, como
os originários de faltas cometidas na existência atual, são muitas
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vezes a conseqüência natural da falta cometida. O homem sofrerá o
que fez sofrer aos outros, pela ação de uma justiça rigorosa que tem
por fundamento o próprio erro cometido: se foi duro e desumano,
poderá ser, por sua vez, tratado duramente e com desumanidade se
foi orgulhoso, poderá nascer em condição humilhante; se foi avaro,
egoísta ou se fez mau uso de sua fortuna, poderá ver-se privado do
necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com a conduta de seus
próprios filhos etc.
As anomalias da distribuição da felicidade e da infelicidade
entre os bons e os maus neste mundo são explicadas pela pluralidade
das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório.
Estas anomalias existem somente na aparência e quando, ao examinálas, estejamos presos sob o ponto de vista apenas da vida presente.
Eleve-se, porém, pelo pensamento, ao ponto de apreender
uma série de existências, e você verá que a cada um é dado o que
merece, sem prejuízo do que lhe caberá na espiritualidade, e verá
que a Justiça Divina jamais falha.
O homem jamais deve esquecer-se de que está sobre um
mundo inferior e que está aprisionado à Terra pelas suas imperfeições.
Diante de cada acidente doloroso em sua vida, cabe-lhe lembrar-se
de que, se pertencesse a um mundo mais evoluído, o sofrimento
não se daria e, lembrar-se também, que dependerá somente dele
não voltar a este mundo, bastando para isso trabalhar pela sua própria
melhoria.
8. As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos
endurecidos no mal ou extremamente ignorantes, com a finalidade
de levá-los a fazer uma escolha entre o bem e o mal, com
conhecimento de causa.
Essas tribulações, porém, são livremente escolhidas e aceitas
pelos Espíritos que se arrependeram de seus erros passados e que
desejam reparar o mal que hajam feito e queiram fazer o exercício
do bem. É o caso, portanto, de um Espírito que, havendo feito
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mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la para não perder o benefício
de seu próprio trabalho.
As tribulações, esses acontecimentos adversos da vida, são a
um só tempo expiações de erros do passado, que através delas pede
reparação, e provas que preparam o homem para o seu futuro.
Rendamos, pois, graças a Deus que, em sua bondade, concede
ao homem a oportunidade de reparar seus erros, sem condená-lo
irrevogavelmente por uma primeira falta.
9. Nem todo sofrimento, porém, indica necessariamente uma
determinada falta. Alguns deles são simples provas, buscadas pelo
Espírito para concluir a sua depuração e ativar a sua evolução. A
expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma
expiação de erros do passado.
Provas ou expiações, contudo, são sempre sinais de uma
inferioridade relativa, uma vez que o que é perfeito não precisa de
ser provado.
Um Espírito pode ter chegado a um certo grau de elevação e,
querendo avançar mais, pode solicitar uma missão, uma tarefa a
executar, pela qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso,
quanto mais penosa tenha sido a luta.
Nessa posição de missão ou tarefa, estão especialmente essas
pessoas de inclinações naturalmente boas, de alma elevada, de nobres
sentimentos inatos. Elas parecem, pelas suas qualidades, nada trazer
de mau de suas existências anteriores. Sofrem com resignação toda
cristã as grandes dores, pedindo a Deus que as possam suportar sem
murmurações.
Poderemos considerar, portanto, que estão em expiação
aqueles Espíritos que, diante das aflições, reagem com queixas e
revoltas contra Deus.
O sofrimento que não estimula queixas pode ser uma
expiação, mas por ser aceito com resignação é um indício de que
foi buscado voluntariamente pelo Espírito, e não que lhe foi
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imposto. E, por originar-se de uma decidida resolução do próprio
Espírito, é um sinal de progresso.
10. Os Espíritos não podem aspirar por uma perfeita felicidade
enquanto não sejam puros. Qualquer mácula lhes interdita a entrada
em mundos felizes.
Enquanto não ficarem puros assemelham-se aos passageiros
de uma embarcação onde há os que contraíram moléstias
contagiosas, e que ficam proibidos de aportar numa cidade até que
estejam livres de suas enfermidades.
Os Espíritos despojam-se, pouco a pouco, de suas imperfeições,
através de suas diversas existências corpóreas. As provações da vida,
quando bem suportadas, fazem-nos avançar. Como expiações, elas
apagam as faltas e purificam, por serem o remédio que limpa as chagas
e cura o doente.
Para grandes males, grandes remédios.
Aquele, pois, que muito sofre, deve dizer que tinha muito a
resgatar de seu passado, devendo alegrar-se com a sua própria cura.
Dependerá de si mesmo, pela resignação, de tornar proveitoso para
si o seu sofrimento, a fim de não perder o fruto pelas suas queixas,
uma vez que se perder a oportunidade, terá de começar de novo.
ESQUECIMENTO DO PASSADO
11. É em vão que se alega ser o esquecimento do passado
uma dificuldade para que se possa aproveitar da experiência
acumulada das existências anteriores. Se Deus lançou um véu sobre
o passado, é que isso deve ser útil. Essa lembrança, por certo, traria
gravíssimos inconvenientes. Em certos casos, essa lembrança poderia
humilhar-nos. Noutros poderiam exaltar-nos o orgulho. Por isso
entravaria o nosso livre-arbítrio.
Traria, sempre, perturbação às nossas relações sociais.
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O Espírito renasce, muitas vezes, no mesmo meio em que já
viveu. Volta a estabelecer relações com as mesmas pessoas, a fim de
reparar qualquer mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nessas
pessoas as mesmas a quem houvesse odiado, talvez o ódio se
despertasse novamente em seu íntimo. Em qualquer caso, esse que
ali voltara a nascer se sentiria humilhado perante aquelas pessoas a
quem já ofendera um dia.
Deus nos deu, para melhorar-nos, justamente o de que
necessitamos e nos será suficiente, nessa nova existência: a voz da
consciência e nossas tendências instintivas, despojando-nos de tudo
o mais que nos poderia ser prejudicial.
O homem traz consigo, ao nascer, o que adquiriu.
Ele nasce qual se fez.
Cada existência é, para ele, um novo ponto de partida.
Pouco lhe importa saber o que foi antes. Se hoje sofre é porque
fez o mal. As suas inclinações infelizes estão a indicar-lhe o que lhe
resta corrigir em si mesmo. Na correção de si próprio é que deve
centralizar toda a sua atenção, uma vez que naquilo em que está
completamente corrigido, nenhum traço mais lhe restará.
As boas resoluções que já tomou são a voz da consciência que
o adverte de onde está o bem ou o mal, dando-lhe forças para resistir
às más tentações.
O esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea.
O Espírito, ao reentrar na vida espiritual, readquire a lembrança
de seu passado. O esquecimento, durante a nova encarnação, não é
mais que uma interrupção momentânea, como aquela que se dá,
durante a vida terrestre, durante o sono. O sono, como uma breve
interrupção de nossas lembranças, não nos impede de lembrar, no
dia seguinte, do que fizemos na véspera e nos dias precedentes.
Não é somente após a morte que o Espírito recobra a
lembrança de seu passado. Pode dizer-se que ele jamais perde o
passado. A experiência demonstra que, mesmo encarnado, durante
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as horas de sono, quando goza uma certa liberdade, o Espírito tem
consciência de seus atos anteriores. Ele, aí, sabe por que sofre e que
sofre por justiça. A lembrança somente se apaga na sua vida de
relações. A falta de uma lembrança exata, que lhe seria penosa e
prejudicial para as suas relações sociais, vai permitir-lhe haurir forças
novas nos instantes de emancipação da alma, durante o sono, se o
sabe aproveitar.
MOTIVOS DE RESIGNAÇÃO
12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, porque eles
serão consolados, Jesus indica a compensação que hão de ter os que
sofrem e, ao mesmo tempo, a resignação que nos faz bendizer o
sofrimento como os primeiros passos da cura.
Estas mesmas palavras podem ser traduzidas assim: “Você deve
considerar-se feliz por sofrer. As dores deste mundo são o débito
das faltas cometidas em suas vidas passada. Essas dores, suportadas
pacientemente sobre a Terra, vão poupá-lo de séculos de sofrimentos
na vida futura. Você deve, portanto, sentir-se feliz porque Deus
está reduzindo a sua dívida, permitindo-lhe pagá-la neste momento,
o que lhe assegurará tranqüilidade no futuro”.
O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande
soma, a quem o credor dissesse: “Se você me pagar, hoje mesmo, a
centésima parte do que me deve, eu lhe quitarei todo o restante da
dívida e você será livre. Se, porém, você não me pagar agora, vou
atormentá-lo até que me pague até o último centavo.”
O devedor, aí, não se sentiria feliz, mesmo que tivesse de
suportar toda espécie de privação para libertar-se da dívida, pagando
apenas uma centésima parte do que deve?
Contrariamente a queixar-se, não ficará agradecido?
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É esse o sentido destas palavras: “Bem-aventurados os aflitos,
porque eles serão consolados”. Eles serão felizes, porque resgatam o
que devem e porque, após estarem quitados, estarão livres. O
homem, porém, que ao quitar-se de um lado, contrai novas dívidas
de outro lado, jamais alcançará a sua liberação de compromissos.
Ocorre que cada nova falta corresponde a um aumento da dívida.
E qualquer que seja a falta, ela trará consigo as conseqüências infelizes
e inevitáveis. Essas reações dolorosas, se não comparecerem hoje,
surgirão amanhã, ou seja, se não se manifestarem na vida atual,
surgirão na próxima existência.
Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro plano o erro
de não nos submetermos à vontade de Deus. Se nos queixarmos
dos sofrimentos; se não os aceitarmos com resignação, por considerálos como uma coisa que não merecemos; se acusarmos Deus de
injusto, estaremos contraindo uma nova dívida, que nos fará perder
o benefício que poderíamos recolher do sofrimento.
Essa nossa conduta obriga-nos a recomeçar.
Ela nos coloca na posição daquele devedor que, diante do
credor que o atormenta, paga uma parcela de sua dívida, mas de
imediato contrai um novo empréstimo, aumentando seus
compromissos.
Ao entrar no mundo espiritual, o homem ainda está como o
obreiro que se apresenta no dia de receber o seu salário. A uns o
patrão lhe dirá: “Aqui está o pagamento de seus dias de trabalho”. A
outros, que são os felizes com as coisas terrenas, aos que tenham
vivido na ociosidade, aos que edificaram a sua felicidade na satisfação
de seu amor-próprio e nos prazeres mundanos, o patrão lhes dirá:
“Vocês nada têm a receber, porque vocês já receberam o seu salário
sobre a Terra. Voltem, portanto, e recomecem a tarefa”.
13. O homem pode abrandar ou aumentar o amargor de
suas provas, pela maneira que encare a vida terrena. Ele sofre tanto
mais, quanto mais considerar que seu sofrimento seja longo.
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Se você encarar a vida do ponto de vista espiritual, entreverá
inteiramente a significação da vida corporal. Você verá a vida
corporal como minúsculo ponto no infinito e compreenderá a sua
extrema brevidade. Saberá que todo momento penoso passa bem
depressa. A certeza de um próximo futuro mais feliz lhe sustentará
o ânimo e lhe dará coragem. Ao contrário de queixar-se diante dos
sofrimentos, você agradecerá ao Céu as dores que o fazem evoluir.
Se você, porém, encarar a vida tão-somente do ponto de vista
corporal, esta lhe parecerá interminável. A dor, então, recairá sobre
você com todo o seu peso.
O resultado de você encarar a vida do ponto de vista espiritual
será a diminuição da importância que você dará às coisas deste nosso
mundo; a moderação de seus desejos; a satisfação que você terá de
sua própria posição na vida, sem invejar a posição dos outros e a
capacidade que você terá de abrandar o ânimo diante dos reveses e
das decepções que experimentar.
Você alcançará, então, uma calma e uma resignação que
beneficiarão a saúde do corpo físico e o equilíbrio de sua própria
alma. Alimentando-se, porém, de inveja, de ciúme e de ambição,
você voluntariamente se candidatará à tortura mental, aumentando
as misérias e as angústias de sua curta existência.
O SUICÍDIO E A LOUCURA
14. A calma e a resignação, hauridas pela maneira espiritual
de encarar a vida terrena, e a sua fé no futuro, lhe darão a seu espírito
uma serenidade ampla. Essa serenidade é a melhor vacina contra a
loucura e o suicídio.
É certo que a maioria dos casos de loucura são resultantes da
perturbação produzida pelos sofrimentos da vida, que o homem
não tem forças de suportar. Se, no entanto, esse homem passar a
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ver as coisas deste mundo pela maneira como o Espiritismo o fará
vê-las, ele passará a receber com indiferença, até com certa alegria,
as contrariedades e desilusões que o levariam ao desespero em outras
circunstâncias.
É evidente que essa força, que o coloca acima dos
acontecimentos, preservará a sua razão dos abalos que a poderiam
perturbar.
15. O mesmo se dará com o suicídio.
Excluindo os suicídios que se dão em estado de embriaguez
ou de loucura, e que poderemos chamar de atos inconscientes, é
certo que, sejam quais forem os motivos particulares, eles terão
sempre por causa um descontentamento.
Se você estiver certo de que será infeliz por um dia apenas e
que melhores serão os dias futuros, você facilmente adquire paciência.
Você somente se desesperará se não divisar um final para os seus
sofrimentos.
Que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem
menos que o espaço de tempo de um dia?
Mas, se você não crê na eternidade, julgando que tudo se
acabará com a própria vida, findando com ela o sofrimento e os
infortúnios, você verá somente na morte o fim de seus pesares.
Nada esperando do amanhã, você achará muito natural, muito
lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre a vida eterna, as
idéias materialistas numa palavra, são os grandes estimuladores ao
suicídio. Tais idéias produzem a covardia moral.
Quando os homens da ciência, apoiados na autoridade de
seu saber, esforçam-se para provar aos que os ouvem ou aos seus
leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não estarão
levando a deduzir que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é
matar-se? Que poderiam dizer-lhes, para desviá-los dessa conclusão?
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Que compensação podem oferecer-lhes? Que esperança podem darlhes? Nenhuma outra coisa, que não seja o nada.
Se o único remédio heróico, preparado pela idéia materialista,
se a única perspectiva é o nada, mais vale atirar-se de imediato a ele,
do que deixar para mais tarde e, assim, sofrer menos tempo.
A propagação das idéias materialistas é, portanto, o veneno
que incute o pensamento de suicídio em grande número dos que se
suicidam. Aqueles, porém, que se fazem apóstolos dessa idéia
assumem uma terrível responsabilidade.
Com o conhecimento do Espiritismo, não sendo mais admitida
a dúvida sobre a vida futura, modifica-se a perspectiva da própria
existência. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente,
para além do túmulo, mas em outras condições. Esta certeza resulta
na paciência e na resignação, que muito naturalmente o afastam do
suicídio, por dar-lhe a coragem moral.
17. O Espiritismo ainda produz, sob esse aspecto, um outro
resultado igualmente positivo e talvez mais determinante. Mostranos os próprios suicidas a informar-nos das situações infelizes a que
se arrojaram com seu ato, provando que ninguém viola,
impunemente, a lei de Deus, que proíbe o homem de encurtar a
sua vida.
Entre os suicidas, alguns há cujos sofrimentos, embora
temporários e não eternos, não são menos terríveis do que aqueles
que experimentavam em sua última existência. E a natureza de tais
sofrimentos é tamanha que dá o que pensar aos que queiram partir,
antes do tempo ordenado por Deus.
O Espírita tem, portanto, para contrapor à idéia do suicídio,
vários motivos, tais como: a certeza de uma vida futura na qual ele
sabe que será mais feliz, quanto mais infeliz e mais resignado tenha
sido sobre a Terra; a certeza de que, abreviando a sua atual existência,
alcançará um resultado exatamente oposto ao que poderia esperar;
que se libertará de um mal menor, para cair noutro mal pior ainda,
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mais longo e mais terrível; que se engana, pensando que ao matarse irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo a que
ele se reúna no outro mundo com as pessoas a quem dedicou a sua
afeição e as quais esperava encontrar; pelas conseqüências do suicídio,
que lhe dá apenas decepções, contrariando a seus próprios interesses.
Considerável já é o número daqueles que têm sido, pelo
Espiritismo, contidos de suicidar-se. Conclui-se daí que quando
todos os homens forem espíritas, não haverá mais suicidas
conscientes.
Comparando-se os resultados a que induzem a doutrina
materialista e a Doutrina Espírita, somente do ponto de vista do
suicídio, você verá que a lógica do materialismo conduz ao suicídio,
enquanto que a lógica Espírita afasta o homem do suicídio, fato
este que é confirmado pela experiência.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
BEM E MAL SOFRER
18. Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos,
porque o reino dos céus lhes pertence”, Ele não se referia, de modo
geral, aos que sofrem. Todos os que estão na Terra sofrem, quer
estejam sobre o trono ou sobre o chão pisado de um barraco.
Mas, poucos sofrem bem!
Poucos são os que compreendem que somente as provas bem
suportadas poderão conduzi-los ao reino de Deus.
O desânimo é uma falta.
Você não experimentará as consolações divinas, se lhe faltar
coragem para bem suportar as provas.
A prece é um apoio para a sua alma, mas ela só não basta para
sustentá-lo no calor dos sofrimentos. Faz-se indispensável que você
tenha por base uma fé viva na bondade de Deus.
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Jesus já lhe disse, convém recordar, que não coloca fardos
pesados sobre ombros fracos. O fardo será proporcional às suas
forças, assim como a recompensa será proporcional à resignação e à
coragem de cada um. A recompensa será tanto mais esplêndida,
quanto maior e penosa tenha sido a aflição.
Você tem de fazer por merecer a recompensa e, por isso, a
vida está repleta de tribulações.
O bom trabalhador que não é enviado ao campo de suas
atividades profissionais, cai em descontentamento, porque o não
trabalho o priva de alcançar promoções justas. Seja você, portanto,
como esse trabalhador diligente e não aspire a um repouso que
enfraqueceria a sua capacidade de realizações e entorpeceria a sua
alma.
Alegre-se quando Deus o enviar às tarefas regeneradoras.
Essas tarefas não serão aquelas em que você assegura o pão de
cada dia. Serão as amarguras da vida, onde muitas vezes necessitamos
de mais coragem e resignação que nas atividades profissionais de
todos os dias. Alguns suportarão as lutas em suas oficinas de trabalho,
sem queda, mas poderão cair sob o impacto do sofrimento moral.
Pela coragem de vencer, em suas tarefas redentoras, sem cair
diante do sofrimento moral, o homem não receberá a recompensa
do mundo. Receberá, porém, de Deus, a coroa da Vida e um lugar
glorioso.
Quando você for visitado pela dor ou pela contrariedade,
coloque-se acima delas. E quando você dominar os impulsos da
impaciência, da cólera ou do desespero, diga, com justa satisfação:
“Eu fui o mais forte!”.
Bem-aventurados os aflitos, poderá, então, ser traduzido da
seguinte forma: Bem-aventurados são os que têm a oportunidade
de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à
vontade de Deus porque esses terão centuplicada a alegria que lhes
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falta sobre a Terra e após o árduo trabalho, lhes virá o repouso.
(Lacordaire, Havre, 1863.)
O MAL E O REMÉDIO
19. O mundo em que você vive será um lugar de alegria, um
paraíso de delícias? A voz do profeta já não mais ressoa em seus
ouvidos? Não anunciou Jesus que haveria choro e ranger de dentes
para os que nascessem neste vale de dores?
Vocês todos que vieram aí viver, aguardem lágrimas ardentes
e expiações amargosas e, quando mais agudas e profundas forem as
suas dores, voltem os olhos para o céu e bendigam o Senhor, por
ter querido prová-los!
Vocês, por acaso, somente reconheceriam o poder de nosso
Mestre, quando Ele curasse as chagas de seus corpos e enchesse os
seus dias de beatitude e de alegria? Vocês não reconheceriam o seu
amor, senão quando Ele adornasse os seus corpos de todas as glórias
e lhes desse o seu brilho e a sua luz?
Imitem aquele que lhes foi dado para exemplo. Descendo
até o último degrau da baixeza e da miséria, estendido sobre um
monte de lixo, ele disse a Deus: “Senhor! Conheci todas as alegrias
da opulência e vós me reduzistes à miséria mais profunda! Eu vos
agradeço, meu Deus, por muito fazer sofrer o vosso servo!”.
Até quando os seus olhos alcançarão apenas os horizontes
limitados pela morte? Quando a sua alma se decidirá, finalmente, a
examinar além dos limites de um túmulo? Mesmo que vocês
chorassem e sofressem uma vida inteira, que seria isso diante da
eterna glória reservada àquele que tenha sofrido a sua provação com
fé, amor e resignação?
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Procurem, portanto, as consolações para os seus males no
futuro que Deus lhes prepara e, também, procurem a causa de seus
males no seu próprio passado.
Vocês, que mais sofrem, considerem-se os bem-aventurados
da Terra.
Quando vocês estavam na espiritualidade, como desencarnados,
vocês mesmos escolheram o seu sofrimento, porque vocês se sentiam
suficientemente fortes para suportá-lo.
Por que queixar-se agora?
Vocês que pediram a fortuna e a glória, queriam sustentar a
luta contra a tentação das seduções da fortuna e do poder, e queriam
vencê-la.
Vocês que pediram para lutar, de alma e corpo, contra o mal
moral e físico, sabiam que quanto mais forte fosse o sofrimento,
tanto mais gloriosa seria a vitória. Se vocês saíssem vitoriosos, mesmo
que a sua carne fosse lançada sobre um monte de lixo, no momento
de sua morte dele se desprenderia uma alma resplendente de alvura.
e purificada pelo batismo da expiação e do sofrimento.
Que remédio prescrever, então, para aqueles que foram
atingidos por obsessões cruéis e por males dolorosos? Um só remédio
é infalível e esse é a fé, e esse é voltar os olhos ao céu. Se, nos
momentos de seus mais cruéis sofrimentos, você bendisser o Senhor,
um Espírito benevolente, refrigerando as suas lágrimas, lhe mostrará
os sinais da salvação e o lugar que você deverá ocupar um dia.
A fé, este é remédio seguro para o sofrimento.
Através dela você divisará todos os horizontes do infinito,
diante dos quais se dissolvem os poucos dias sombrios do presente.
Não mais nos pergunte, portanto, qual é o remédio
apropriado para curar tal úlcera ou tal chaga, para curar esta tentação
ou aquela provação. Lembre-se de que aquele que crê cresce em
forças com o alívio haurido da própria fé. Aquele que duvida, porém,
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por um segundo que seja, da eficácia da fé, aumentará o seu próprio
sofrimento, sentindo as angústias pungentes da aflição.
O Senhor apôs o seu selo em todos os que nele crêem.
O Cristo lhes disse que a fé transporta montanhas. E eu lhes
digo que todo aquele que sofre e que tiver a fé por apoio ficará sob
a proteção do Senhor e não sofrerá demais. Os momentos das mais
fortes dores serão, para quem se apóia na fé, as primeiras notas de
alegria da eternidade. A sua alma se desprenderá de tal maneira de
seu corpo que, enquanto este se torcer em convulsões, ela planará
nas regiões celestes, bendizendo, com os Espíritos benfeitores, a
glória do Senhor.
Felizes os que sofrem e choram! Que as suas almas se alegrem, porque elas serão amparadas por Deus. (Agostinho, Paris,
1863.)
A FELICIDADE NÃO É DESTE MUNDO
20. “Eu não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim!”
exclama geralmente o homem de todas as posições sociais.
Essa reclamação, meu caros filhos, prova, melhor que todos
os arrazoados possíveis, a verdade da máxima do livro do Velho
Testamento, o Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo”.
Nem a riqueza, nem o poder, nem mesmo os anos primeiros
da juventude são condições essenciais da felicidade. Digo ainda mais:
nem mesmo a reunião dessas três condições tão desejadas produzirá
a felicidade. Temos ouvido, sem cessar, no meio das pessoas mais
privilegiadas, muitas delas, em todas idades, queixarem-se amargamente
da situação em que se encontram.
Diante de tal resultado da própria fortuna e poder, é quase
inconcebível que as classes trabalhadoras invejem, com tanta cobiça,
a posição daqueles que são favorecidos pela riqueza. Neste mundo,
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por mais que se faça, cada um tem a sua parte de trabalho e de
miséria, tem a sua parte de sofrimento e de desilusões. Por isso se
chega facilmente à conclusão de que a Terra é um lugar de provas e
expiações e não de inteira felicidade.
Os que apregoam que a Terra é a única morada do homem e
que somente nela e numa única existência se permitirá alcançar o
mais alto grau de felicidade que a sua natureza comporta, por certo
que se iludem e enganam aqueles que os escutam. Está demonstrado, por uma experiência milenar, que só excepcionalmente este
mundo oferece as condições necessárias para a completa felicidade
do indivíduo.
Num sentido geral, pode-se afirmar que a felicidade é uma
utopia, uma espécie de sonho, a cuja posse se lançam as sucessivas
gerações, sem jamais, porém conseguir alcançá-la. Se o homem sábio
é uma raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz não é
encontrado em parte alguma nesse plano de vida.
Aquilo em que consiste a felicidade sobre a Terra é uma coisa
tão efêmera, para quem não se orientar pela sabedoria, que por um
ano, por um mês, por uma semana de completa satisfação, todo o
restante da existência será marcado por uma série de amarguras e
decepções.
E notem, meus caros filhos, que falo dos felizes da Terra,
desses que são invejados pelas multidões.
A morada terrestre é um lugar de provas e expiações.
Forçoso é, portanto, admitir que existem, além, outros
mundos mais favorecidos, onde o Espírito do homem, embora
ainda aprisionado a um corpo de carne, desfruta na sua plenitude as
alegrias inerentes à vida humana. Por isso é que Deus semeou, no
seu turbilhão, esses belos planetas superiores. E os seus esforços e as
suas tendências farão vocês um dia gravitar ao encontro deles, quando
estiverem suficientemente purificados e aperfeiçoados.
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Não deduzam, contudo, das minhas palavras que a Terra esteja
sempre destinada a ser um cárcere! Certamente que não farão essa
dedução! Da evolução já alcançada vocês poderão facilmente deduzir
o progresso futuro. Dos avanços sociais conseguidos, serão ali
fecundados outros avanços mais. Essa é a tarefa imensa que deverá
ser executada pela nova doutrina que os Espíritos lhes revelaram.
Meus queridos filhos, para essa tarefa, que um santo estímulo
os anime e que cada um de vocês se despoje do homem velho.
Entreguem-se, por inteiro, à divulgação do Espiritismo, que já deu
começo com a sua própria regeneração. Este é um dever que vocês
têm, de fazer com que os seus irmãos de humanidade desfrutem
também dos raios da sagrada luz.
Mãos à obra, meus muito queridos filhos!
Que nesta reunião solene todos os seus corações aspirem a
este objetivo grandioso de preparar para as futuras gerações um
mundo em que a felicidade não seja uma palavra vã. (François
Nicolas Madeleine, cardeal Morlot, Paris, 1863.)
PERDA DE PESSOAS AMADAS
DESENCARNAÇÕES PREMATURAS
21. Quando a morte vem ceifar em suas famílias, sem
restrições, levando os jovens em lugar dos velhos, vocês costumam
dizer: “Deus não é justo! Ele sacrificou o jovem, que está forte e
tem um grande futuro, e conservou os que já viveram longos anos,
marcados por desilusões. Leva os que são úteis e deixa os que para
nada mais servem. Parte o coração de uma mãe por privá-la da
inocente criatura que fazia toda a sua alegria”.
Ó homens, é nesse juízo que vocês fazem que lhes cabe elevarse do terra a terra da vida. É necessário compreender que o bem
está, muitas vezes, onde vocês julgam ver o mal. É preciso
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compreender que, onde vocês estão vendo uma cega fatalidade do
destino, está justamente a manifestação da sábia Providência Divina.
Por que medir a justiça divina pela sua justiça?
Pensam vocês que o Senhor dos mundos venha, por um
simples capricho, lhes aplicar penas cruéis? Nada se faz sem um
motivo inteligente. Seja o que for que aconteça, todas as coisas têm
a sua razão de ser. Se vocês estudassem melhor todas as dores que se
instalam em sua senda, nelas descobririam a razão divina, a razão
regeneradora. Seus miseráveis interesses, então, receberiam uma
consideração tão secundária, que vocês os rejeitariam para o último
plano.
Podem crer que é preferível a morte, numa encarnação de
vinte anos, do que esses desregramentos dolorosos que entristecem
famílias respeitáveis, amargurando o coração de uma mãe e fazendo,
antes do tempo, embranquecer os cabelos dos pais. A morte
prematura é, quase sempre, um grande benefício que Deus concede
à alma que se vai. Ela ficará, assim, preservada das misérias da vida
ou das seduções que poderiam levá-la a quedas morais.
Aquele que morre na flor da idade não é uma vítima da
fatalidade. Foi Deus que julgou que lhe seria útil partir mais cedo
do que permanecer um longo tempo na Terra.
Vocês poderiam dizer: “É uma terrível desgraça que uma vida
tão repleta de esperanças seja cortada tão cedo!”. Mas, de que
esperanças vocês estarão a falar? Será das esperanças da Terra, onde
aquele que se foi poderia brilhar, criar seus próprios caminhos e
conquistar riquezas?
Essa é uma visão acanhada, aprisionada às coisas materiais!
Saberiam vocês, porventura, qual seria a sorte dessa vida que,
segundo vocês, era tão cheia de esperanças? Quem lhes diz que ela
não seria até muito repleta de amarguras? Desprezam vocês, então,
as esperanças da vida futura, preferindo trocá-las pela vida efêmera
que vocês arrastam na Terra? Vocês pensam que mais vale uma posição
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de destaque entre os homens, do que entre os espíritos bemaventurados?
Elevem a visão da vida acima das coisas materiais!
Alegrem-se muito, ao invés de se queixarem, quando praz a
Deus retirar um de seus filhos deste vale de misérias. Não seria um
egoísmo de sua parte querer que ele permanecesse para sofrer com
vocês? Ah! este gênero de dor somente se encontra naqueles a quem
falta a fé e que na morte vêem uma separação eterna.
Vocês, Espíritas, vocês sabem que a alma liberta vive melhor.
Mães, vocês sabem que seus filhos bem-amados estão perto
de vocês. Sim! eles estão muito mais próximos de seu coração! Seus
corpos fluídicos envolvem a vocês, os pensamentos deles lhes dão
proteção. A doce lembrança que deles vocês guardam os enche de
alegria. Por outro lado, porém, as suas dores, por não terem motivo
justo, os levam ao sofrimento, porque tais dores revelam uma falta
de fé e são um grito de revolta contra a vontade do Pai Celestial.
Vocês que compreendem a vida espiritual, escutem as pulsações
de seus próprios corações, chamando esses entes bem-amados. E se
vocês pedirem a Deus que os abençoe, vocês sentirão em vocês
mesmos o poder das consolações que enxugam as lágrimas; sentirão
em vocês mesmos a grandeza das aspirações que lhes revelarão o
futuro prometido pelo soberano Mestre Jesus. (Sanson, ex-membro
da Sociedade Espírita de Paris, 1863.)
SE FOSSE UM HOMEM DE BEM, TERIA MORRIDO
22. Falando de um homem maldoso, que escapa de um
perigo, vocês dizem: “Se fosse um homem de bem, certamente
teria morrido”. E, assim falando, vocês dizem uma verdade. Deus
concede, muitas vezes, a um Espírito ainda jovem nas linhas da
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evolução, uma prova mais alongada do que a um bom Espírito.
Por mérito, o bom Espírito receberá a recompensa de demorar-se o
menos possível nos quadros de provações.
Observem, pelo exposto, que quando vocês empregam aquele
axioma, lamentando a não-morte do homem maldoso, vocês estão
cometendo uma blasfêmia.
Se morreu um homem de bem, que tinha por vizinho um
homem maldoso, vocês logo dirão: “Seria bem melhor que tivesse
morrido o maldoso”. Com isso, vocês cometem um grande erro,
porque aquele que parte desta vida terá terminado a sua tarefa
enquanto que o vizinho maldoso talvez nem sequer haja começado
a dele.
Por que vocês desejariam que ao maldoso faltasse o tempo
necessário para alcançar a sua redenção e que o bom permanecesse
atado a este mundo? Que diriam vocês se libertasse um prisioneiro
que não cumpriu a pena que lhe foi imposta e se conservasse preso
aquele que já a cumpriu inteiramente? Saibam que a verdadeira
liberdade está em libertar-se dos laços que prendem a alma ao corpo
e que enquanto vocês estiverem sobre a Terra, vocês estão em
cativeiro.
Criem o hábito de não colocar-se contra o que vocês não
compreendem. Creiam que Deus é justo em todas as coisas. Algumas
vezes, o que lhes parece ser um grande mal é um bem.
Vocês possuem faculdades tão limitadas, que o conjunto do
grande todo escapa aos seus sentidos obtusos. Esforcem-se por sair,
pelo pensamento, do estreito círculo de suas observações. À medida
que vocês se elevarem espiritualmente, a vida material diminuirá de
importância, ganhando a sua verdadeira dimensão. A vida material,
então, só se apresentará a vocês como um incidente, diante da
duração infinita de sua existência espiritual, a única verdadeira vida.
(Fénelon, Sens, 1861.)
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OS TORMENTOS VOLUNTÁRIOS
23. O homem está, a toda hora, à procura da felicidade, que
lhe escapa a todo instante, porque a felicidade sem a sombra do
sofrimento não existe sobre a Terra. O homem, no entanto, apesar
das contrariedades que formam o cortejo inevitável desta vida terrena,
poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa. Essa felicidade
lhe seria possível, se ele não a procurasse entre as coisas perecíveis e
sujeitas às mesmas contrariedades, ou seja, ele a procura nos gozos
materiais. Deveria procurá-la, isto sim, nos gozos da alma, que são
uma antecipação das imperecíveis alegrias celestiais. Contrariamente
a procurar a paz do coração, única felicidade verdadeira neste mundo,
ele se mostra ávido de tudo o que possa agitá-lo e perturbá-lo. E,
coisa singular, ele parece criar para si os tormentos da vida, que
somente a ele caberia evitar.
Haverá tormentos maiores que aqueles causados pela inveja e
pelo ciúme? Para o invejoso e o ciumento não existe tranqüilidade.
Ambos sofrem uma febre interminável. As coisas que os invejosos
e ciumentos não possuem, mas que os outros têm, são para eles a
causa de suas insônias, de noites mal dormidas. O sucesso alcançado
pelos seus rivais causa-lhes vertigens. O único interesse deles é superar
os que lhes estão próximos. Toda a alegria que experimentam é de
estimular, nos que se parecem com eles na falta de juízo, a mesma
inveja e o mesmo ciúme que os devoram.
Esses são pobres insensatos que não imaginam, sequer, que
no dia seguinte terão de abandonar todas as suas frivolidades, cuja
cobiça lhes envenena a vida! Não é para eles que se aplicam estas
palavras de Jesus: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão
consolados”, visto que os seus cuidados não são aqueles que no céu
tem compensações.
De que tormentos, ao contrário destes dos invejosos e
ciumentos, não se poupa aquele que sabe contentar-se com o que
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tem, que vê sem inveja o que não possui, que não procura parecer
mais do que é!
Esse é sempre rico, uma vez que, olhando para os que estão
abaixo de si e não para os que lhe estão acima, vê sempre os que
possuem menos que ele.
Esse sempre está calmo, porque não cria para si próprio
necessidades artificiais e sem valia. E não será a calma, em meio às
tormentas da vida, uma felicidade? (Fénelon, Lyon, 1860.)
A VERDADEIRA INFELICIDADE
24. Todos falam da infelicidade, todos já a sentiram e julgam
conhecer-lhe o caráter múltiplo. Venho eu dizer-lhes que quase todos
se enganam e que a verdadeira infelicidade não é, absolutamente, o
que os homens, ou seja, os infelizes a supõem ser.
Vocês vêem a infelicidade na miséria, no fogão sem lume, no
credor que exige seus direitos, no berço vazio em que seu filho
dormia, nas lágrimas de dor, no acompanhamento de um enterro
em que vocês seguem de coração despedaçado, na angústia da traição,
na privação do orgulhoso que desejaria vestir-se de ouro e mal se
veste com os farrapos da vaidade.
A essas situações, e muitas outras semelhantes, é que vocês
chamam, na linguagem humana, de infelicidade ou desgraça. Sim,
realmente são a desgraça ou infelicidade para os que têm olhos apenas
para a vida presente. Mas, a verdadeira infelicidade está mais nas
conseqüências dessas situações, do que em cada uma das situações
em si.
Digam-me se um acontecimento, muito feliz num momento,
mas que resultará em funestas conseqüências, não é, realmente, uma
infelicidade maior do que um outro acontecimento que, em
princípio, causa uma viva contrariedade e, no final, resulta num
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bem. Digam-me se a tempestade que arranca as suas árvores, mas
que saneia o ar e dissipa os miasmas insalubres que poderiam ser a
causa de suas mortes, não é antes uma felicidade que uma desgraça.
Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as conseqüências.
Assim é que para apreciar o que é realmente feliz ou infeliz para o
homem, é necessário transportar-se para além desta vida, porque é
lá que as conseqüências se fazem sentir. Tudo o que se chama miséria,
segundo a curta visão humana, cessa com a vida terrena e tem sua
compensação na vida futura.
Vou revelar-lhes a infelicidade sob uma nova forma. Sob a
forma bela e florida que vocês acolhem e desejam com todas as
forças de suas almas iludidas. A infelicidade sob nova forma é esta
alegria, este prazer, este tumulto, esta vã agitação, esta louca satisfação
da vaidade, que fazem calar a consciência que oprimem a ação do
pensamento, que confundem o homem sobre o seu futuro. A
infelicidade é esse ópio do esquecimento que vocês ardentemente
buscam.
Esperem, vocês que choram! Tremam, vocês que riem, porque
seus corpos estão satisfeitos!
A Deus não se engana e ninguém foge a seu destino.
Provações dolorosas formam-se no horizonte daqueles que
se entregam ao repouso ilusório, para caírem como tempestades de
infelicidade sobre as almas entorpecidas pela indiferença do egoísmo.
Convém que vocês se esclareçam com o Espiritismo, que
lhes restabelecerá o real sentido da verdade e do erro, tão
estranhamente desfigurados pela sua cegueira! Suficientemente
esclarecidos, vocês agirão como o trabalhador especializado que,
chamado a uma nova obra, longe de fugir dos desafios, prefere
encará-los com todos os seus riscos, do que se confiar à acomodação
que não oferece nem glória e nem progresso.
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Que importa a esse trabalhador, ao aceitar os novos riscos,
despender horas de sono e ser visitado pela fadiga, se, no final,
terminar vitorioso a sua tarefa?
Que importa, pois, para quem tem fé no porvir, deixar sobre
o campo de trabalho da vida a sua fortuna e a sua veste carnal, desde
que a sua alma entre radiosa no reino celeste? (Delphine de Girardin,
Paris, 1861.)
A MELANCOLIA
25. Você sabe por que uma vaga tristeza invade o seu coração
e o faz sentir a vida amarga? É o seu Espírito que aspira à felicidade
e à liberdade! Ligado ao corpo que lhe serve de prisão, ele se esgota
no vão esforço que faz para libertar-se.
Reconhece serem inúteis esses esforços!
Cai, então, no desalento e, como o corpo físico lhe sofre a
influência, o abatimento, o desânimo e uma espécie de apatia se
apoderam de sua vontade e você, por isso, se julga infeliz.
Resista, porém, com energia a essas sensações que enfraquecem
a sua vontade. As aspirações por uma vida melhor são inerentes aos
espíritos de todas as criaturas humanas. Mas não busque essa vida
feliz aqui na Terra.
Agora que Deus envia seus Espíritos para instruir você sobre
a felicidade que Ele lhe reserva, aguarde pacientemente o espírito da
libertação que irá ajudá-lo a romper os laços que trazem a sua alma
cativa.
Lembre-se de que você tem a cumprir uma missão, durante
as suas provações sobre a Terra, e essa missão, da qual você não
pode duvidar, será pela sua dedicação à família, será pelo desempenho
dos diversos deveres que Deus lhe confiou.
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Se, no curso dessas provas e ao cumprir a sua tarefa, sobre
você desabarem os cuidados, as inquietações, os pesares, seja forte e
corajoso para suportá-los.
Enfrente as adversidades bravamente.
Elas são de curta duração e irão conduzi-lo ao encontro dos
amigos, pela companhia dos quais você chora. Esses amigos se
sentirão felizes por vê-lo de novo entre eles e lhe estenderão seus
braços para conduzirem você a uma região onde não têm acesso as
aflições da Terra. (Francisco de Genebra, Bordéus.)
PROVAS VOLUNTÁRIAS:
O VERDADEIRO CILÍCIO
26. Vocês perguntam se é permitido ao homem abrandar
suas próprias provas.
Essa questão leva a estas outras: É permitido para aquele que
se afoga, cuidar de se salvar? É admitido para aquele, em quem
entrou um espinho, retirá-lo? É lícito ao que está doente recorrer à
medicina?
As provações têm por finalidade útil o desenvolvimento da
inteligência e, também, o despertar da paciência e da resignação.
Um homem, portanto, poderá nascer numa situação penosa e
complicada, precisamente para obrigar-se a encontrar os meios de
vencer essas dificuldades. O seu mérito consistirá em suportar, sem
queixar-se, as conseqüências dos males que não pode evitar. Cabelhe perseverar na luta, sem se desesperar se não for bem-sucedido.
Jamais, todavia, deve entregar-se à indiferença diante de suas
provações. Esse abandono voluntário às circunstâncias amargas é
mais preguiça do que virtude.
Esta questão nos conduz naturalmente para uma outra. Uma
vez que Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos”, haverá algum mérito
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em você criar aflições para si próprio, agravando as suas provas por
intermédio de sofrimentos voluntariamente buscados?
A essa indagação responderei afirmativamente: Sim! há um
grande mérito quando os sofrimentos e as privações tenham a
finalidade de fazer o bem a seu próximo, uma vez que você vivenciará
a caridade pelo sacrifício. Direi que nenhum mérito haverá quando
sofrimentos e privações visam somente o bem pessoal daquele que
a si mesmo os inflige. Neste caso, contrariamente a um ato de
caridade, temos aí somente o egoísmo inspirado por fanatismo.
Façamos, aqui, uma grande distinção.
No que lhe toca pessoalmente, contente-se com as provas
que Deus lhe envia. Não queira aumentar o peso da sua própria
cruz, já de si tão pesada. Aceite-as sem queixumes e com fé, eis
tudo o que de você se espera.
Não enfraqueça seu próprio corpo com privações inúteis e
sacrifícios sem propósito. Você necessita de todas as suas energias
para cumprir a sua missão de trabalhar na Terra.
Torturar-se voluntariamente e martirizar o seu corpo é
contrariar a lei de Deus. Deus o provê de meios de sustentar e tornar
saudável o seu corpo e, desgastá-lo sem necessidade, é um verdadeiro suicídio.
Use, mas não abuse, é a lei.
O abuso das melhores coisas já traz, em si, a sua punição,
pelas conseqüências inevitáveis de cada abuso.
Já outra é a questão dos sofrimentos que você se imponha,
visando a aliviar o sofrimento de seu próximo. Se você suportar o
frio e a fome para aquecer e alimentar aquele que necessita de agasalho e de alimento, e se o seu corpo disso se ressentir, você fará o
sacrifício que é abençoado por Deus.
Você que deixa a sua moradia confortável para ir ao barraco
infeliz, a fim de levar consolação; você que suja as suas delicadas
mãos, socorrendo as chagas alheias; você que se priva do sono para
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velar na cabeceira de um enfermo que é apenas um seu irmão em
Deus; você, enfim, que usa a sua própria saúde para a prática de
boas obras – todos vocês já têm, nesses gestos de amor, os sacrifícios voluntários abençoados pelo Pai de Misericórdia, porque a
alegria do mundo não lhes secou os corações.
Vocês não se entorpecem no seio das volúpias atordoantes da
riqueza. Contrariamente a isso, vocês se fizeram Espíritos consoladores
de pobres infelizes.
Você, porém, que se retirou do mundo para evitar as tentações
e vive isoladamente, que utilidade você tem na Terra? Onde está a
sua coragem diante das provações, se você foge da luta e abandona
o bom combate? Se você quer um sacrifício enobrecedor, antes
mortifique a sua própria alma e não a carne. Fustigue o seu orgulho.
Receba as humilhações sem se queixar. Mortifique o seu amorpróprio. Faça-se forte diante da dor da injúria e da calúnia, que são
dores mais profundas do que as que alcançam o corpo físico.
Somente aí você tem os verdadeiros sacrifícios voluntários,
cujas feridas serão contadas em seu benefício, porque essas feridas
atestam a sua coragem e a sua submissão à vontade de Deus. (Um
Espírito Protetor, Paris, 1863.)
PÔR FIM NAS PROVAS
27. Pode-se pôr um fim nas provações do próximo, quando isso
seja possível, ou devemos, para respeitar os desígnios de Deus, deixar
que as provações sigam o seu curso?
Já lhes dissemos, e repetimos muitas vezes, que vocês estão
neste mundo de expiações para concluírem as suas provas. Também
já dissemos que tudo o que lhes acontece é uma conseqüência de
suas vidas anteriores. Vocês pagam os juros da dívida de amor que
têm a resgatar.
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Colocar um termo nas provações do próximo, contudo, é
um pensamento a ser ponderado. Ele provoca, em certas pessoas,
resoluções que devemos combater, porque resultam em funestas
conseqüências.
Alguns pensam que, já que estamos na Terra para expiações,
as provas devem seguir o seu curso. Outros há, tão extremados,
que vão além disso, pretendendo não somente fazê-las seguir o seu
curso, nada fazendo para atenuá-las, mas ainda querem torná-las
mais vivas, a fim de fazê-las mais proveitosas!
Eis dois grandes erros!
É certo que as provações devem seguir o curso que Deus lhes
traçou. Mas, porventura, vocês conhecem qual é o seu curso? Sabem vocês, por acaso, até que ponto elas devem ir e se o Pai
Misericordioso não terá dito ao sofrimento deste ou daquele de
seus irmãos: “Este sofrimento não irá mais longe”? Sabem vocês se
a Providência Divina não os escolheu, não como um instrumento
de suplício para agravar o sofrimento do culpado, mas como o
bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a Justiça
abrira?
Não digam, portanto, quando vocês virem um de seus irmãos
em duras provas: “Esta é a justiça de Deus e necessário se faz seguir
o seu curso”. Digam, porém, ao invés disso: “Vejamos que meios
meu Pai Misericordioso me concedeu para abrandar o sofrimento
deste meu irmão. Vejamos se minha consolação moral, meu apoio
material, meus conselhos poderão ajudá-lo a transpor esta prova
com mais energia, paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus
não me pôs em mim, nas minhas mãos, o meio de fazer cessar este
sofrimento. Se Ele não me deu a mim, também como prova, talvez
como expiação, deter o mal e substituí-lo pela paz”.
Auxiliem-se, pois, em suas respectivas provas. Não se
considerem instrumentos de tortura. Contra essa idéia de aumentar
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o sofrimento do próximo, deve revoltar-se todo homem de bons
sentimentos e, principalmente, todo Espírita.
O Espírita, mais do que qualquer outra pessoa, deve
compreender a extensão infinita da bondade de Deus. O Espírita
deve pensar que a sua vida inteira tem de ser um ato de amor e de
consagração do bem.
O Espírita deve saber que, por mais que faça para contrariar
os desígnios do Senhor, a Justiça Divina seguirá seus próprios
caminhos. Por isso, ele pode, sem receio, empenhar todos os seus
esforços para atenuar o amargor da expiação de seu próximo, certo
de que somente Deus poderá detê-la ou prolongá-la, segundo o
que Ele julgue ser melhor para quem sofre.
Não seria um grande orgulho do homem crer-se no direito
de, por assim dizer, revolver a arma dentro da ferida? Não lhe seria
a manifestação de um grande orgulho aumentar a dose de veneno
nas vísceras daquele que já sofre, sob o pretexto de que essa é uma
expiação?
Considerem-se todos, sempre, como um instrumento para
fazer cessar a dor. Que os seguintes princípios iluminem seus atos:
todos vocês estão na Terra para expiar, mas todos, sem exceção,
devem empregar todas as suas energias para abrandar a expiação de
seus irmãos, segundo a lei do amor e da caridade. (Bernardino,
Espírito Protetor, Bordéus, 1863.)
ABREVIAR A VIDA DE UM DOENTE
28. Um homem agoniza, aprisionado de cruéis sofrimentos. Sabese que o seu estado é sem esperanças de recuperação. Será permitido
poupá-lo de alguns instantes de angústias, abreviando-lhe o fim?
Quem lhes daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus?
Não pode Deus conduzir o homem até a beira de um
precipício, para daí o retirar, a fim de fazê-lo despertar para si mesmo
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CAPÍTULO V
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e trazê-lo para outro modo de pensar sobre os valores da verdadeira
vida?
A qualquer extremo que chegue uma agonia, ninguém pode
dizer com absoluta certeza que a derradeira hora lhe é chegada.
A ciência, por acaso, nunca se enganou em suas previsões?
Eu bem sei de casos que, com razão, podem ser considerados
desesperadores. Mas, se não há nenhuma esperança de retorno
definitivo para a vida e para a saúde, há também inumeráveis
exemplos de, no momento de render-se ao último suspiro, o doente
reanimar-se e recobrar as suas faculdades por alguns instantes! Esta
hora de graça que lhe é concedida, pode ser para ele de grande
importância. Vocês ignoram as reflexões que pode fazer um Espírito
nas convulsões da agonia e de quantos tormentos ele poderá pouparse com um repentino clarão de arrependimento.
O materialista, que nada vê além do corpo físico e que não
leva em consideração a existência da alma – esse materialista não
pode compreender estas coisas. Mas o Espírita, que sabe o que se
passa além do túmulo, conhece o valor dos últimos pensamentos
de um agonizante.
Abrandem os últimos sofrimentos do enfermo, o quanto
vocês puderem. Guardem-se, porém, da idéia de abreviar-lhe a vida,
mesmo que seja por um minuto, porque esse minuto pode evitar
muitas lágrimas no futuro espiritual daquele que parte. (Luís, Paris,
1860.)
SACRIFÍCIO DA PRÓPRIA VIDA
29. Aquele que está aborrecido da vida, mas que não quer
extingui-la por suas próprias mãos, será culpado de procurar a morte
em trabalhos acima de suas forças, com o pensamento de tornar útil a
sua morte?
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Que o homem se entregue à morte por si mesmo ou busque
a morte por outros meios, a sua finalidade será sempre abreviar a
sua vida e, por conseqüência, se não há um suicídio de fato, há um
suicídio intencional.
A idéia de que a sua morte servirá a qualquer coisa útil é uma
ilusão. Isso não é mais que um pretexto para dar um colorido
diferente ao seu propósito de extinguir-se, para desculpá-lo diante
de seus próprios olhos.
Se ele desejasse seriamente servir a seu próximo, cuidaria de
alongar a sua vida. Não procuraria meios de morrer, porque uma
vez morto dessa forma, já não serve para nada.
O verdadeiro devotamento consiste em não temer a morte,
quando se trate de ser útil. A verdadeira abnegação consiste em
defrontar-se com os desafios, aceitando o sacrifício de sua vida, se
necessário. Mas a intenção premeditada de buscar a morte, através
do desgaste propositado de suas energias, ainda que para prestar
serviços, anula todo o mérito de suas atividades. (Luís, Paris, 1860.)
30. Um homem que se exponha a um perigo iminente para
salvar a vida de um de seus semelhantes, sabendo antecipadamente
que sucumbirá, poderá ser considerado como um suicida?
Desde que não haja a intenção de buscar a morte, no seu ato
não há suicídio. Há, isto sim, devotamento e abnegação, mesmo
com a certeza de perecer.
Quem, porém, poderá ter essa certeza?
Quem diz que a Providência Divina não reservará um
inesperado meio de salvação no momento mais crítico?
Pode a Providência Divina, muitas vezes, levar a prova da
resignação até o extremo limite do risco da própria vida de quem
queira salvar a um de seus semelhantes, e, então, no último minuto,
uma circunstância inesperada desvia o golpe fatal. (Luís, Paris, 1860.)
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PROVEITO DOS SOFRIMENTOS PARA OUTROS
31. Os que aceitam seus sofrimentos com resignação, pela
submissão à vontade de Deus e por terem em vista a felicidade futura,
não trabalham apenas para si mesmos? Não poderiam tornar seus
sofrimentos proveitosos para os outros?
Estes sofrimentos podem tornar-se proveitosos para os outros,
material e moralmente.
Materialmente serão proveitosos para outros se, pelo trabalho,
pelas privações e pelos sacrifícios que se impõem a si mesmos aqueles
que sofrem, eles contribuírem para o bem-estar material de seu
próximo. Serão proveitosos moralmente, pelo exemplo que dão
de sua submissão à vontade de Deus.
O exemplo da força da fé espírita pode induzir os infelizes à
resignação, salvando-os do desespero e de suas funestas conseqüências
para o futuro. (Luís, Paris, 1860.)
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O JUGO SUAVE
1. Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu
vos aliviarei. – Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que
sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas
almas, porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. (Mateus,
capítulo 11, versículos 28 a 30.)
2. Todos os sofrimentos, misérias, desilusões, dores físicas,
perdas dos entes queridos, encontram consolação na fé no futuro, na
confiança na Justiça Divina, que o Cristo veio ensinar aos homens.
Sobre aquela criatura, porém, que nada espera além desta vida, ou
que simplesmente duvida do futuro espiritual, as aflições pesam com
toda a força do nada. Nenhuma esperança lhe vem abrandar o amargor.
Foi isso o que levou Jesus a dizer: “Vinde a mim, vós todos
que estais fatigados, e eu vos aliviarei”.
Jesus, no entanto, impõe uma condição para dar sua assistência
e para a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na
Lei que Ele ensina. Seu jugo suave é a observação dessa Lei.
Mas esse jugo é suave e essa Lei é branda, uma vez que essa
Lei impõe, como dever, o amor e a caridade.
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CAPÍTULOVI
V
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O CONSOLADOR PROMETIDO
3. Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu
rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador, para que fique
convosco para sempre – o Espírito de Verdade, que o mundo não
pode receber, porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conheceis,
porque habita convosco, e estará em vós. – Mas aquele Consolador,
o Santo Espírito, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará
todas as coisas e vos fará relembrar de tudo quanto vos tenho dito.
(João, capítulo 14, versículos 15 a 17 e 26.)
4. Jesus promete um outro Consolador: é o Espírito de
Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar
amadurecido para compreendê-lo.
Esse Consolador é o que o Pai enviará para ensinar todas as
coisas, e para fazer serem relembrados os princípios que o Cristo
revelara. Se, portanto, o Espírito de Verdade deveria vir, mais tarde,
ensinar todas as coisas, é porque o Cristo não pudera ensiná-las em
seu tempo. Se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é porque o
que Jesus ensinou foi esquecido ou mal compreendido.
O Espiritismo vem, no tempo assinalado, cumprir a promessa
do Cristo e o Espírito de Verdade dirige a sua realização. Os homens são chamados à observância da Lei; todas as coisas ensinadas
levam à compreensão do que o Cristo colocou em suas parábolas.
O Cristo dissera: “Ouçam os que têm ouvidos para ouvir”.
O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, uma vez que fala
sem imagens e sem alegorias. Levanta o véu que foi intencionalmente
lançado sobre certos mistérios. Vem, enfim, trazer uma suprema
consolação aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, revelando
uma causa justa e um fim útil a todas as dores.
Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão
consolados”. Como, porém, poderá alguém sentir-se feliz por sofrer,
se não sabe por que sofre?
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O Espiritismo revela as causas do sofrimento nas existências
anteriores e na destinação da Terra como um mundo em que o
homem expia o seu passado. Revela, também, o fim útil dos
sofrimentos, como sendo as crises salutares que induzem à cura e
como meio de depuração da alma, que lhe assegurará a felicidade
nas existências futuras.
O homem compreende, então, que mereceu sofrer e aceita o
sofrimento por justo. Ele sabe que esse sofrimento é uma alavanca
para a sua evolução e o aceita sem queixar-se, como o obreiro aceita
o trabalho que lhe assegurará o salário.
O Espiritismo dá ao homem uma fé inabalável sobre o futuro.
A dúvida dolorosa não mais lhe assalta a alma. Por permitir-lhe ver
as coisas do alto, a importância das contrariedades terrestres se perde diante do vasto e esplendoroso horizonte que o homem passa a
descortinar. A perspectiva da felicidade que o espera dá-lhe a
paciência, a resignação e a coragem de enfrentar e vencer todos os
obstáculos que o desafiem.
O Espiritismo, assim, realiza o que Jesus disse do Consolador
prometido: o conhecimento das coisas, fazendo com que o homem
saiba de onde vem, para onde vai e por que está sobre a Terra. Recorda
o homem dos verdadeiros princípios da Lei de Deus, da consolação
pela fé e pela esperança.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
ADVENTO DO ESPÍRITO DE VERDADE
5. Eu venho, como outrora entre os filhos desgarrados de
Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas.
Escutem-me!
O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve relembrar
aos incrédulos que, acima deles, reina a imutável verdade: o Deus
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bom, o Deus grande, que faz germinar a planta e se levantarem as
ondas dos mares.
Eu revelei a Doutrina Divina. Como ceifeiro, reuni em feixes
o bem esparso na Humanidade e disse: “Vinde a mim, vós todos
que sofreis!”.
Os homens ingratos, porém, se extraviaram do caminho reto e
largo que conduz ao reino do meu Pai, perdendo-se pelas ásperas sendas
da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana. Ele quer que
vocês, em se ajudando uns aos outros, mortos e vivos, ou seja, mortos
segundo a carne uma vez que a morte não existe, sejam amparados.
Não ouvirão novamente as vozes dos profetas e dos apóstolos, mas a
voz daqueles que se foram, a clamar: “Orem e creiam! A morte é a
ressurreição, e a vida é a prova escolhida, durante a qual as virtudes que
vocês cultivarem devem crescer e se desenvolver como o cedro”.
Homens fracos, que reconhecem existir sombras em suas
inteligências, não afastem a luz que a clemência divina lhes acende
nas mãos, para clarear a sua rota e os reconduzir, quais filhos perdidos,
ao regaço de seu Pai.
Sinto-me tocado de compaixão pelas suas misérias, pela sua
imensa fraqueza, para deixar de estender-lhes a mão em socorro aos
infelizes extraviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro.
Creiam, amem, meditem sobre as coisas que lhes são reveladas.
Não misturem o joio com a boa semente, as fantasias com as
verdades.
Espíritas! Amem-se, eis o primeiro ensinamento; instruamse, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no cristianismo;
os erros que no cristianismo se enraizaram são de origem humana.
Eis que do além-túmulo, que vocês acreditavam vazio, vozes
clamam: “Irmãos! Nada perece! Jesus Cristo é o vencedor do mal, sejam
vocês os vencedores da impiedade!”. (O Espírito de Verdade, Paris, 1860.)
6. Venho ensinar e consolar os pobres deserdados. Venho dizerlhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas. Que chorem,
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porque a dor foi consagrada no Jardim das Oliveiras. Mas que
esperem, porque os Espíritos consoladores virão enxugar suas lágrimas.
Obreiros, tracem o seu sulco. Recomecem no dia seguinte a
rude jornada da véspera. O labor de suas mãos fornece o pão terreno
para os seus corpos, mas suas almas não estão esquecidas. E eu, o
divino jardineiro, cultivo suas almas no silêncio de seus
pensamentos. Quando soar o hora de seu repouso, quando a trama
da vida escapar-se de suas mãos e seus olhos se fecharem para a luz,
vocês sentirão surgir e germinar em seu interior a minha preciosa
semente. Nada se perde no Reino de nosso Pai e os seus suores, suas
misérias formam o tesouro que os tornará ricos nas esferas espirituais
superiores, onde a luz substitui as trevas e onde o mais desnudo
entre vocês será talvez o mais resplandecente.
Em verdade lhes digo: aqueles que carregam os fardos de suas
provações e que assistem seus irmãos, são os meus bem-amados.
Instruam-se na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas
contra o Pai e que lhes ensina o objetivo sublime das provações
humanas. Assim como o vento varre a poeira, também o sopro dos
Espíritos varrerá seus ciúmes contra os ricos do mundo, que são,
muitas vezes, muito miseráveis, porque as provações da riqueza são
mais perigosas do que aquelas que vocês sofrem.
Eu estou com vocês, e meu apóstolo os ensina. Bebam na
fonte viva do amor e preparem-se, cativos da vida, a lançarem-se
um dia, já livres e alegres, no seio daquele que os criou fracos para
os tornar perfeitos e que deseja que vocês mesmos se modelem, na
maleável argila, a fim de que vocês sejam os artesãos de sua própria
imortalidade. (O Espírito de Verdade, Paris, 1861.)
7. Eu sou o grande médico das almas e venho trazer-lhes o
remédio que lhes há de curar. Os fracos, os sofredores e os enfermos
são meus filhos prediletos e venho salvá-los.
Venham, pois, a mim os que sofrem e que estão sobrecarregados
de aflições e vocês serão aliviados e consolados. Não procurem
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noutra parte a força e a consolação, porque o mundo é impotente
para dá-las.
Deus, através do Espiritismo, dirige um supremo apelo aos
seus corações. Escutem-no! Que a impiedade, a mentira, o erro, a
incredulidade sejam extirpados de suas almas sofridas. Esses são
monstros que sugam o mais puro de seu sangue e que lhes abrem
chagas quase sempre mortais. Que no futuro, humildes e submissos
ao Cristo, vocês pratiquem a sua Lei Divina.
Amem e orem!
Sejam dóceis aos Espíritos do Senhor!
Invoquem o Pai de Misericórdia do fundo de seu coração. Ele,
então, lhes enviará seu Filho bem-amado, Jesus, para os instruir e
lhes dizer estas boas palavras: “Eis-me aqui! Eu venho até vocês, porque
vocês me chamaram”. (O Espírito de Verdade, Bordéus, 1861.)
8. Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lhe
pedem. Seu poder sobre a Terra e, por toda parte, ao lado de cada
lágrima, colocou um bálsamo que consola.
O devotamento e a abnegação são uma prece permanente e
trazem em si um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside
nessas duas qualidades da alma. Possam os Espíritos sofredores
compreender esta verdade, ao invés de se queixarem de suas dores, de
clamarem contra os sofrimentos morais que, neste mundo, nada mais
são que a parte que vocês recebem de herança de seus próprios erros.
Tomem, pois, por símbolo de seus sentimentos estas duas
virtudes: devotamento e abnegação, e vocês terão energia e vitalidade,
porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade
lhes impõem.
O sentimento do dever cumprido lhes dará a paz do espírito
e a resignação. O coração palpita melhor, a alma se asserena e o
corpo já sente desfalecimentos, porque o corpo sofre tanto mais,
quanto mais profundamente abalado estiver o espírito. (O Espírito
de Verdade, Havre, 1863.)
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O QUE SE DEVE ENTENDER POR POBRES DE
ESPÍRITO
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino
dos céus. (Mateus, capítulo 5, versículo 3.)
2. A incredulidade zomba desta máxima: Bem-aventurados
os pobres de espírito, do mesmo modo que tem zombado de outras
coisas que não consegue compreender.
Por pobres de espírito, Jesus não se refere aos tolos, aos homens
de pequena inteligência. Refere-se aos humildes, tanto que diz que
o reino dos céus é para eles e não para os orgulhosos.
Os homens cultos e inteligentes, segundo o conceito do
mundo, em geral formam de si próprios uma tão alta opinião, a si
mesmos atribuem tão alto valor e superioridade, que consideram
as coisas divinas indignas de sua atenção. Preocupam-se tanto com
a sua própria personalidade que não podem elevar seus pensamentos
a Deus.
Essa tendência de crerem-se superiores a tudo, leva-os a negar
o que lhes esteja acima, pelo medo de rebaixarem-se. E os leva a
negar, também, até mesmo a Divindade.
Se consentem em admitir a Divindade, eles lhe contestam
um de seus mais belos atributos: a sua ação providencial sobre as
coisas deste mundo. É que eles estão convencidos de que são
suficientes para bem governar todas as coisas. Tomando a sua própria
inteligência para medida da inteligência universal, eles se julgam
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capazes de tudo compreender e, por isso, não podem crer como
sendo possível existir o que eles não conhecem.
Quando esses homens se pronunciam, sobre qualquer coisa,
querem seus julgamentos por definitivos, sem nenhuma apelação.
Se se recusam a admitir o mundo espiritual e um poder acima
do poder humano, não é que isso lhes esteja fora do alcance. É que
o seu orgulho se revolta com a idéia de uma coisa acima da qual
não se possam colocar e que os faria descer alguns degraus de seu
pedestal.
Eis porque eles somente têm sorrisos de desdém para tudo o
que não seja do mundo visível e tangível. Eles se atribuem tanta
cultura e inteligência, que crer nas coisas boas, segundo eles, é para
gente simples. Tomam, pois aqueles que as levam a sério por pobres
de espírito.
Entretanto, digam o que disserem, eles terão forçosamente
de entrar, como todos os outros, no mundo invisível que tanto
ironizam. Será lá que os seus olhos se abrirão e eles reconhecerão o
erro de suas ironias.
Mas Deus, que é justo, não pode receber da mesma maneira
aquele que desconheceu o seu poder e aquele que humildemente se
submeteu às suas leis, nem dar-lhes partes iguais.
Em anunciando que o reino dos céus é dos simples, Jesus faz
entender que ninguém nele será admitido sem a simplicidade do
coração e a humildade do espírito. Ensina, também, que o ignorante
que possui essas qualidades terá preferência sobre o sábio que crê
mais em si do que em Deus.
Em todas as circunstâncias, Jesus coloca a humildade na
categoria das virtudes que aproximam a criatura do seu Criador. E
coloca o orgulho entre os vícios que afastam o homem de Deus. E
isso decorre de uma razão muito natural, visto que a humildade é
um ato de ajuste às Leis de Deus, enquanto o orgulho é uma revolta
contra essas mesmas Leis.
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Mais vale, portanto, para a felicidade futura do homem, que
este seja pobre de espírito, até como o entende o mundo, mas rico
em qualidades morais.
AQUELE QUE SE ELEVA SERÁ REBAIXADO
3. Naquela mesma hora chegaram os discípulos até Jesus,
dizendo: Quem é o maior no reino dos céus? – E Jesus, chamando um
menino, o pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se não
vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum
entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se torna humilde
como este menino, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer um que
receber em meu nome uma criança, tal como esta, a mim me recebe.
(Mateus, capítulo 18, versículos 1 a 5.)
4. Então se aproximou dele a mãe dos filhos de Zebedeu, com
seus filhos, adorando-o, e fazendo-lhe um pedido. – E ele diz-lhe:
Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois filhos se assentem,
um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino. – Jesus, porém,
respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice
que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que sou batizado?
– Dizem-lhes eles: Podemos. – E diz-lhes ele: Não bebereis o meu
cálice, mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me
pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado.
– E, quando os dez ouviram isso, indignaram-se contra os dois irmãos.
– Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que
pelos princípios dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem
autoridade sobre eles. Não será assim entre vós. Mas todo aquele que
quiser entre vós, fazer-se grande seja vosso serviçal. E, qualquer que
entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo, bem como o Filho do
homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua
vida em resgate de muitos. (Mateus, capítulo 20, versículos 20 a 28.)
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5. Aconteceu num sábado que, entrando ele em casa de um dos
principais fariseus para comer pão, eles o estavam observando. – E
disse aos convidados uma parábola, reparando como escolhiam os
primeiros assentos, dizendo-lhes: Quando por alguém fores convidado
às bodas, não te assentes no primeiro lugar, para que não aconteça que
esteja convidado outro mais digno do que tu e, vindo o que te convidou
a ti e a ele, te diga: “Dá lugar a este” e, então, com vergonha, tenhas
de tomar o derradeiro lugar. Mas, quando fores convidado, vai, e
assenta-te no último lugar, para que, quando vier o que te convidou,
te diga: Amigo, sobe mais acima. Então terás honra diante dos que
estiverem contigo à mesa. Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar
será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.
(Lucas, capítulo 14, versículos 1 e 7 a 11.)
6. Estas máximas são a conseqüência do princípio de
humildade que Jesus não cessa de pôr como condição essencial da
felicidade prometida aos eleitos do Senhor. Ele a colocou da seguinte
forma: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o
reino dos céus”.
Jesus toma uma criança por modelo da simplicidade de
coração e diz: “Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar
e se fizer pequeno como uma criança”. Isso evidencia que o maior
será aquele que não alimente nenhuma pretensão à superioridade
ou à infalibilidade.
A mesma idéia fundamental está nesta outra máxima: “Aquele
que quiser ser o maior, seja o servo de todos”, e, também, nesta outra
máxima: “Aquele que se humilha será elevado e aquele que se exalta
será humilhado”.
O Espiritismo vem consagrar esse princípio pelo exemplo
recolhido na própria espiritualidade, mostrando-nos aqueles que
foram pequenos na Terra ocupando posições destacadas no mundo
espiritual e, também, muitos que foram grandes e poderosos na
Terra entre os bem pequenos nesse mundo. E que os primeiros, ao
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morrerem, levaram consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza, e
que não se perde jamais: as virtudes. Os segundos, porém, tiveram
de deixar a grandeza sobre a própria Terra e o que não se leva daqui:
a fortuna, os títulos, a glória, a tradição de família.
Estes últimos, não tendo mais que isso, chegam ao mundo
espiritual desprovidos de tudo, quais se fossem náufragos que tudo
perderam, inclusive as suas próprias roupas. Conservam apenas o
orgulho, o que torna a sua nova posição ainda mais humilhante. É
que vêem, acima deles, resplandecentes de glória, aqueles que eles
espezinharam sobre a Terra.
O Espiritismo nos mostra uma outra aplicação deste mesmo
princípio nas encarnações sucessivas. Aqueles que mais se elevaram
numa existência, mas que se deixaram dominar pelo orgulho e pela
ambição, são conduzidos até o último lugar, numa existência seguinte.
Não procure, pois, os primeiros lugares na Terra, nem se
coloque acima de seus semelhantes, se você não quiser ser obrigado
a descer. Procure, contrariamente a isso, o lugar mais humilde e
mais modesto, porque Deus saberá dar-lhe um lugar mais elevado
no céu, se você o merecer.
MISTÉRIOS OCULTOS AOS SÁBIOS E AOS
PRUDENTES
Naquele tempo, respondendo Jesus disse: Graças te dou, ó Pai,
Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e
entendidos, e as revelaste aos pequeninos. (Mateus, capítulo 11,
versículo 25. )
8. Poderá parecer singular que Jesus renda graças a Deus, por
ter revelado esses princípios aos simples e aos pequeninos, que são os
pobres de espírito, e não os haver revelado aos sábios e aos prudentes,
mais capazes, na aparência, de compreendê-los.
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É que devemos entender que os primeiros são os humildes,
são os que se rendem às Leis de Deus, e não se consideram superiores
a todo mundo. Os segundos são os orgulhosos, envaidecidos com
o seu conhecimento mundano, que se acreditam prudentes porque
negam a Deus e o tratam de igual para igual, isso quando não se
recusam a admitir a sua existência.
Deus deixa, aos segundos, a pesquisa dos segredos da Terra,
revelando os segredos do céu aos simples e aos humildes, que se
inclinam diante de suas leis.
9. O mesmo ocorre hoje com as grandes verdades reveladas
pelo Espiritismo. Certos incrédulos se admiram que os Espíritos
quase nenhum esforço fazem para convencê-los. É que os Espíritos
se ocupam, de preferência, com aqueles que buscam esclarecer-se
de boa fé e com humildade. Preferem a estes do que aqueles que se
supõem na posse de toda a luz e parecem pensar que Deus deveria
sentir-se feliz de arrebanhá-los, provando-lhes a sua existência.
O poder de Deus brilha nas pequenas coisas e, também, nas
coisas muito grandes. O Pai não coloca a luz sob um apoio, porque
a derrama em ondas por todas as partes. Somente os que se fazem
cegos não a vêem. Deus não quer, a estes, abrir-lhes os olhos à força,
porque eles gostam de tê-los fechados.
A hora, dos que têm os olhos fechados, chegará. Mas é necessário
que antes eles sintam as angústias das sombras e reconheçam nas leis
de Deus, e não no acaso, o que lhes fere o orgulho.
Deus emprega, para vencer a incredulidade, os meios que sejam
mais convenientes, segundo o estágio evolutivo de cada indivíduo.
Não será o incrédulo que prescreverá a Deus o que Ele deva fazer. E é
esse incrédulo que ainda diz ao Pai: “Se me quiser convencer de sua
existência, faça tal ou tal coisa, em tal momento e não em tal outro,
porque esse é o momento de minha maior conveniência”.
Que os incrédulos não se espantem que nem Deus, e nem os
Espíritos que são os agentes de sua vontade, não se submetam às
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suas exigências. Que se indaguem o que diriam se o último de seus
servidores lhes quisesse fazer imposições.
Deus já criou as suas condições, nas suas Leis, e não se submete
a nenhuma outra. Ele escuta com bondade os que a Ele se dirigem
com humildade, e não os que se julgam mais do que Ele.
10. Deus, dir-se-á, não poderia tocar pessoalmente aos
incrédulos, através de manifestações espetaculosas, perante as quais
o incrédulo mais endurecido teria de se inclinar? Sem dúvida que
Ele poderia, mas que méritos teriam eles e para que isso lhes serviria?
Não os vemos, todos os dias, recusarem a evidência e até mesmo
dizerem: “Mesmo vendo eu não acredito, porque eu sei que é
impossível”? Se se recusam a reconhecer a verdade, é porque o seu
espírito não está amadurecido para compreendê-la, nem o seu
coração em condições de senti-la. O orgulho ainda lhes tapa a visão
e de que vale apresentar a luz a um cego?
Faz-se necessário, antes, curar a causa do mal. Eis porque Deus,
como hábil médico, primeiramente lhes confunde o orgulho. O
Pai não deixa abandonados seus filhos que se perdem pelo orgulho.
Sabe que, mais cedo ou mais tarde, seus olhos se abrirão para a
verdade. Quer, porém, que isso ocorra por um ato da própria
vontade desses seus filhos, quando, vencidos pelos tormentos da
incredulidade, eles venham, por si mesmos, lançarem-se nos braços
Divinos e, como o filho pródigo, busquem a conciliação paterna.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
O ORGULHO E A HUMILDADE
11. Que a paz do Senhor seja com vocês, meus queridos
amigos! Venho até vocês para encorajá-los a seguir o bom caminho.
Aos pobres Espíritos que, outrora, habitaram a Terra, Deus
concedeu a missão de vir esclarecê-los. Bendito seja o Pai da graça
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que nos dá podermos ajudá-los na evolução. Que o Santo Espírito me
ilumine e me ajude a tornar minhas palavras compreensíveis e que me
dê a graça de pô-las ao alcance de todos! Por todos vocês encarnados,
que estão em expiação e que buscam a luz, rogo que a bondade de
Deus venha em meu auxílio, a fim de que eu possa fazer brilhar essa luz
aos seus olhos.
A humildade é uma virtude bem esquecida entre vocês. Os
grandes exemplos de humildade que lhes são dados são bem pouco
seguidos. E, no entanto, sem humildade poderão vocês ser caridosos
com o seu próximo? De modo algum poderão ser caridosos sem
humildade, porque a humildade é o sentimento que revela os
homens espiritualizados. É a humildade que, em nos fazendo ver a
todos como iguais, nos leva a sentir-nos como irmãos que se devem
ajudar mutuamente e juntos encaminhar-nos para o Bem.
Sem humildade, vocês se enfeitam de virtudes que ainda não
possuem, assemelhando-se às criaturas que vestem algumas roupas
tão-somente para ocultar as deformidades do corpo. Lembrem-se
d’Aquele que nos salva, lembrando-se da humildade que o fez tão
grande e o colocou acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade.
Se o Cristo prometeu o reino dos céus aos pobres é porque
os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são
recompensas devidas a seu merecimento pessoal e que as suas
qualidades são superiores às do pobre. Acreditam que as coisas de
que dispõem lhes são devidas e, por isso, quando Deus as retira,
acusam-no de injustiça.
Que zombaria e que cegueira!
Deus faria, entre vocês, distinção pelos corpos? O envoltório
físico do pobre não é o mesmo que o do rico? Teria feito o Criador
duas espécies de homens?
Tudo o que Deus faz é grande e sábio. Não atribuam ao
Criador, jamais, as idéias urdidas pelos seus cérebros orgulhosos.
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Rico, enquanto você dorme em moradas confortáveis, ao abrigo
das intempéries, você não sabe que milhares de seus irmãos, que valem
tanto quanto você, estão em barracos paupérrimos? O infeliz que
passa fome não é um seu irmão em Deus? Sei que, ao ouvir esta
comparação, o seu orgulho se revolta! Você concordará em dar uma
esmola ao pobre, mas a apertar-lhe a mão fraternalmente, jamais!
– O quê?! – exclamará você. – Eu, nascido de boa família,
um dos grandes da Terra, ser igual a um desses miseráveis cobertos
de trapos e sujeiras?! Essa é uma vã fantasia de falsos filósofos! Se
fôssemos iguais, por que Deus os teria colocado tão abaixo e a mim
em tão alta posição?
É verdade que as roupas com que você se veste não se
assemelham àquelas que vestem os pobres. Mas se você e o pobre se
despirem, qual a diferença que haverá entre vocês dois? A origem
da família, dirá você em resposta. Mas a química não descobre
nenhuma diferença entre o sangue de quem vem da raiz de uma
família abastada e o do último do miseráveis; entre o sangue do
empregador e o sangue do empregado.
Quem lhe diz que, também, você não foi tão pobre e infeliz
quanto ele? Que também não haja você pedido esmolas? Que não
pedirá, um dia, favores a esse mesmo que hoje você despreza?
As riquezas, porventura, são eternas? Se não antes, não
terminam todas as riquezas com o próprio corpo físico, revestimento
perecível de seu Espírito?
Revista-se de humildade!
Somente sob a luz da humildade os seus olhos se abrirão para
a realidade das coisas deste mundo, permitindo-lhe compreender
quais as que fazem a grandeza da alma e quais as que levam à
humilhação.
Reflita que a morte não poupará você, como não poupa a
nenhum outro homem. O seu renome não o preservará dela. A
morte poderá buscá-lo amanhã, hoje mesmo, a qualquer hora, e se,
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quando ela chegar, você estiver amortalhado em seu orgulho, quanto
lamentarei, pois que você será digno de compaixão!
Orgulhosos! Que eram vocês antes do renome de família e
de serem poderosos? Talvez vocês estivessem abaixo de seus
empregados! Curvem, portanto, as suas cabeças altivas, porque Deus
pode fazê-las rebaixarem-se justo no momento em que vocês as
elevarem mais.
Todos os homens são iguais na Balança Divina. Somente as
virtudes os diferenciam aos olhos de Deus. Todos os espíritos são
da mesma essência. Todos os corpos são feitos da mesma massa.
Suas posições sociais e seus nomes, em nada modificam seu Espírito
e seu corpo. O que é da terra permanecerá no túmulo e não será o
que fica no túmulo que lhes dará a felicidade prometida aos eleitos.
A caridade e a humildade são os únicos títulos de nobreza
espiritual.
Pobre criatura! Você é mãe, seus filhos sofrem! Eles sentem
frio; eles sentem fome! Você vai, curvada sob o peso de sua cruz,
humilhar-se para conseguir um pedaço de pão para eles. Oh! Curvome diante de você! Quanto você é nobremente santa e grande aos
meus olhos! Espere e ore! A felicidade ainda não é deste mundo!
Aos pobres oprimidos pelas aflições, mas confiantes em Deus, será
dado o Reino dos céus.
E você, jovem menina, pobre criança muito cedo lançada em
rudes trabalhos e a duras privações, por que estes tristes pensamentos?
Por que você chora? Que seus olhos se elevem, piedosos e serenos,
para o Pai Celestial, porque até aos pequeninos pássaros Ele dá o
alimento. Tenha confiança na Providência Divina, que não a
abandonará jamais. O ruído das festas, dos prazeres do mundo, faz
bater o seu coração, bem o sei. Você desejaria vestir-se bem e viver
entre os felizes da terra. Você diz que, como as demais mulheres
que você vê passar despreocupadas e risonhas, você poderia ser rica
também! Oh! Cale-se, criança! Se você soubesse quantas lágrimas e
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dores se ocultam debaixo dessas roupas, quantos suspiros dolorosos
são abafados debaixo dessa alegria ruidosa, você preferiria a sua
humilde casinha e a sua pobreza. Conserve-se pura aos olhos de
Deus, se você não quiser que o Espírito Benevolente que a protege
saia de seu lado e retorne ao seio do Senhor, deixando-a só, entregue
a seus remorsos, sem orientação, sem amparo neste mundo, onde
você ficará desorientada, e aguardando sofrer ainda mais na vida
espiritual.
Todos vocês que sofrem as injustiças dos homens, sejam
indulgentes para com as faltas de seus irmãos. Lembrem-se de que
vocês mesmos não estão isentos de erro. A indulgência é caridade,
mas também é humildade.
Se vocês sofrem pelas calúnias, curvem suas cabeças diante
dessa prova. Que lhes importa a calúnia do mundo? Se a sua conduta
é pura e reta, Deus não poderá lhes recompensar? Suportar com
coragem as humilhações impostas pelos homens é ser humilde e,
com isso, reconhecerão que somente Deus é grande e todo-poderoso.
Oh, meu Deus! Será preciso que o Cristo venha uma segunda
vez sobre a terra, para que os homens aprendam as leis que eles
esqueceram? Deverá Jesus novamente expulsar os vendilhões do
templo, que maculam a casa que é unicamente de orações? E quem
sabe, ó homens, se Deus lhes conceder esta graça, se vocês não
renegarão de novo a Jesus, como fizeram outrora? Se vocês não o
acusariam de blasfemador porque Ele abateria o orgulho dos fariseus
modernos? É bem possível que, inclusive, vocês o obrigassem a
refazer o caminho do Gólgota!
Quando Moisés foi ao Monte Sinai receber os mandamentos
de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o
verdadeiro Deus. Homens e mulheres entregaram ouro e jóias, para
ser feito um ídolo que eles adoraram.
Homens de hoje, vocês fazem o mesmo que esses israelitas!
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O Cristo lhes legou uma doutrina, deu-lhes o exemplo de
todas as virtudes e vocês abandonaram exemplos e preceitos. Cada
um de vocês, juntando as suas paixões criou um deus de acordo
com a sua vontade: segundo uns, um deus terrível e sanguinário;
segundo outros, um deus desinteressado das coisas do mundo. O
deus que vocês criaram é, ainda, o bezerro de ouro, que cada um
apropria a seu gosto e às suas idéias.
Despertem, meus irmãos, meus amigos!
Que a voz dos Espíritos lhes toque os corações.
Sejam generosos e caridosos sem ostentação, ou seja, façam o
bem com humildade. Que cada um vá demolindo, pouco a pouco,
os altares que vocês mesmos edificaram para o orgulho. Em resumo,
conclamo-os para que sejam verdadeiramente cristãos e vocês
alcançarão o reino da verdade.
Não duvidem da bondade de Deus, no momento em que
Ele dá tantas provas de sua misericórdia. Viemos preparar os
caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor
lhes der uma manifestação mais esplendente de sua clemência, possa
o enviado celeste os encontrar formando uma grande família; que
os seus corações dóceis e humildes sejam dignos de entender a palavra
divina que ele lhes vem trazer; que o eleito não encontre sobre o seu
caminho senão as flores que aí vocês depositaram, para o seu retorno
ao bem, à caridade, à fraternidade e, então, a Terra se tornará um
paraíso.
Mas, se vocês permanecerem insensíveis à voz dos Espíritos
enviados para purificar e renovar a sociedade civilizada de vocês,
rica em conhecimentos e tão pobre de bons sentimentos, ah! então
nada mais nos restará do que chorar e gemer pelo destino de vocês.
Mas não, assim não será!
Voltem-se para Deus, seu Pai, e, então, nós todos, que houvermos sido instrumentos do cumprimento da Vontade Divina,
entoaremos o cântico de gratidão ao Senhor, para agradecer pela
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sua inesgotável bondade e para glorificá-lo por todos os séculos dos
séculos. Assim seja. (Lacordaire, Constantina, 1863.)
12. Homens, por que se queixar das calamidades que vocês
mesmos amontoaram sobre as suas cabeças? Vocês desprezaram a
santa e divina moral do Cristo. Não se espantem, pois, de que a
taça da iniqüidade tenha transbordado por todos os lados.
O mal-estar generaliza-se! A quem transferir a culpa, se esse
mal se deve a vocês mesmos, que se aniquilam uns aos outros?
Vocês não podem ser felizes, se não quiserem fazer o bem mutuamente. Mas como a benevolência pode existir juntamente com o
orgulho? O orgulho, eis aí a origem de todos os seus males.
Apliquem-se, pois, em combatê-lo, se não quiserem perpetuar as
suas funestas conseqüências.
Um único meio se oferece a vocês para destruir o orgulho,
mas, embora único, é infalível. É tomarem por regra invariável de
conduta a lei do Cristo, lei essa cuja interpretação vocês têm rejeitado
ou falseado.
Por que vocês gostam tanto do que brilha e encanta os olhos,
em lugar daquilo que toca o coração? Por que buscam tanto os
vícios que nascem da opulência, enquanto vocês somente têm um
olhar de desdém para o que é verdadeiramente meritório, mas que
se oculta na humildade?
Quando um rico debochado, perdido de corpo e alma, se
apresenta em qualquer parte, todas as portas se lhe abrem, todas as
atenções se centralizam nele, enquanto vocês mal se dignam conceder
um gesto de proteção ao homem de bem, que vive de seu trabalho.
Quando a consideração que se concede às pessoas é medida
pelo dinheiro que elas possuem ou pelo nome que trazem, que
interesse elas podem ter em se corrigir de seus defeitos morais?
Diferente seria, no entanto, se o vício dourado fosse rejeitado
pela opinião geral dos homens, tanto quanto se tem rejeitado o
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vício em farrapos. Mas o orgulho é indulgente para com tudo o
que lhe agrada.
Século de cupidez e de dinheiro, dizem vocês. Sem dúvida,
mas por que vocês deixaram que as necessidades materiais se
tornassem mais importantes que o bom senso e a razão? Por que
cada um há de querer colocar-se acima de seu irmão?
A sociedade sofre, de repente, as conseqüências dessas
equivocadas noções de valores.
Não esqueçam, portanto, que esse estado de valores trocados
é um sinal de decadência moral. Quando o orgulho atinge seus
limites extremos, esse é o indicador de uma queda próxima. A Lei
de Deus nunca deixa os soberbos livres de conseqüências dolorosas.
Se lhes é permitido subir ao máximo do orgulho, é para que
tenham tempo de refletir e de emendar-se sob os golpes que, de
tempo em tempo, a soberba sofre como advertência. Mas, ao invés
de descerem de seu pedestal, eles se revoltam nas horas dos reveses.
Então, quando a reflexão não lhes é suficiente para buscarem a
humildade, as reações dolorosas de sua conduta doentia os abatem
inteiramente. E a queda deles é de resultados tanto mais funestos,
quanto mais alta tenha sido a posição que os orgulhosos alcançaram.
Pobre raça humana! O egoísmo lhe corrompeu todos os
caminhos! Tome novamente coragem, apesar de tudo! Na sua
misericórdia infinita, Deus lhe envia um remédio eficaz para os
seus males, um socorro inesperado para a sua aflição.
Abra os olhos para a luz!
Eis aqui as almas dos que se foram e que voltam do mundo
espiritual para tornar a chamar os homens para os seus verdadeiros
deveres. Essas almas lhe dirão, com a autoridade da experiência,
quanto as vaidades e as grandezas de sua existência transitória são
coisas sem significação diante da eternidade. Essas almas lhes dirão
que, na espiritualidade, o maior é aquele que foi mais humilde
entre os pequeninos da Terra; que aquele que mais amou seus irmãos
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é o que será o mais amado no céu; que os poderosos da Terra, que
abusaram de sua autoridade, terão as lições ásperas, a fim de
aprenderem a servir; que a caridade e a humildade, essas duas irmãs
que caminham de mãos dadas, são as qualidades mais eficazes para
obter-se a graça diante do Pai Eterno. (Adolfo, bispo de Argel,
Marmande, 1862.)
MISSÃO DO HOMEM INTELIGENTE NA TERRA
13. Não se orgulhem do que vocês conhecem, porque esse
conhecimento tem limites bem estreitos no mundo em que vocês
habitam. Mesmo supondo que sejam extremamente inteligentes
neste planeta, vocês não têm o direito de se envaidecerem.
Se Deus, nos seus desígnios, fez vocês nascerem num meio
que lhes favoreceu o desenvolvimento da sua inteligência, foi por
querer que vocês a usassem para o bem de todos. Essa é a missão
que Ele lhes dá, colocando-lhes nas mãos o instrumento certo, com
o qual vocês podem fazer evoluir, ao seu derredor, as inteligências
que ainda estão germinando, e conduzi-las a Deus.
A natureza de um instrumento já não está a indicar o uso que
se deve fazer dele? A enxada que o agricultor entrega às mãos de seu
ajudante, não lhe mostra que ele deve cavar? E que dirão vocês, se
esse ajudante, ao invés de empregá-la no seu trabalho, levantasse a
enxada para ferir o agricultor? Vocês diriam, por certo, que isso é
uma conduta horrível e que o ajudante deveria ser destituído de seu
cargo.
A conclusão é certa!
Não se dá o mesmo, portanto, com aqueles que se servem de
sua inteligência para destruir a idéia de Deus e da Providência Divina
entre os seus irmãos? Não levantam esses, contra o seu Senhor, o
instrumento que lhes foi dado para revolver o terreno de outras
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CAPÍTULO VII
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inteligências? Terá esse, que tão equivocadamente procede, direito
ao salário prometido? Ou não merece, ao contrário, ser expulso de
sua missão? Por mau uso, ele será desligado de sua tarefa, não há
dúvida alguma, e arrastará existências dolorosas, repletas de
humilhações, até se que integre nas Leis d’Aquele a quem tudo deve.
A inteligência é rica de méritos para o futuro, mas sob a
condição de bem empregá-la na edificação dos mais carentes. Se
todos os homens que dela são bem dotados a utilizassem segundo
os desígnios de Deus, a tarefa dos Espíritos seria mais fácil, para
fazer evoluir a humanidade.
Infelizmente, porém, muitos transformaram a inteligência
em instrumento do orgulho e de perdição para si próprios. O
homem abusa da sua inteligência, como tem abusado de todas as
suas outras faculdades, mas não lhe faltam ensinamentos que o
advirtam de que uma poderosa mão lhe pode retirar aquilo que lhe
concedeu. (Fernando, Espírito Protetor, Bordéus, 1862.)
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DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS
1. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
Deus. (Mateus, capítulo 5, versículo 8.)
2. E traziam meninos para que os tocasse, mas os discípulos
repreendiam aos que os traziam. Jesus, porém, vendo isto, indignouse, e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais,
porque deles é o reino de Deus. Em verdade vos digo que qualquer
um que não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira
nenhuma entrará nele. E, tomando-os nos seus braços, e impondolhes as mãos, os abençoou. (Marcos, capítulo 10, versículos 13 a 16.)
3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da
humildade. Ela exclui toda idéia de egoísmo e de orgulho. Por isso
é que Jesus toma a infância por modelo dessa pureza, da mesma
forma que já a tomara por símbolo da humildade.
Esta comparação poderia parecer não muito ajustada, se se
considerar que o Espírito da criança pode ser muito antigo e que ele
traz, ao renascer na vida corpórea, as imperfeições de que não se
tenha despojado nas suas existências anteriores. Somente um Espírito
que alcançou a perfeição nos poderia oferecer o modelo da verdadeira
pureza. A comparação, no entanto, é exata do ponto de vista da
vida presente. A criança, enquanto criança, ainda não tendo
manifestado nenhuma má tendência, oferece-nos a imagem da
inocência e da candura. Daí Jesus não ter dito de uma maneira
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absoluta que o reino de Deus é para elas, mas para aqueles que a elas
se assemelharem.
4. Se o espírito que anima o corpo de uma criança já viveu
antes por que não se mostra, desde o nascimento, tal como ele é?
É que tudo é sábio nas obras de Deus.
A criança necessita de cuidados delicados que só a ternura
maternal lhe pode dispensar. E essa ternura cresce quanto mais a
criança seja frágil e ingênua. Para uma mãe, seu filho é sempre um
anjo. Essa idéia de angelitude é necessária para atrair os cuidados
maternos.
A mãe não poderia tratá-la com a mesma singeleza se, em vez
de graça ingênua, divisasse, sob os traços infantis, um homem entre
a adolescência e a velhice, com as idéias comuns dessa idade e, menos
ainda, se lhe conhecesse o passado.
É necessário, também, que a atividade do princípio inteligente
seja moderada na criança, aumentando tão-somente na medida em
que o corpo se desenvolve. O corpo de uma criança não poderia
resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifica
nas pessoas precoces. É por isso que, ao aproximar-se da encarnação,
o Espírito cai num estado de perda de consciência de si mesmo.
Estará ele, durante um certo tempo, numa espécie de sono, durante
o qual todas as suas faculdades mantêm-se em estado latente.
Esse estado transitório é necessário para dar ao Espírito que
renasce um novo ponto de início de vida. Assim é que esquecerá,
durante a sua nova existência terrena, as coisas que poderiam
embaraçá-lo nesse novo estágio evolutivo. Seu passado, no entanto,
embora adormecido, reage sobre ele. Renasce, pois, para uma vida
superior, mais forte moral e intelectualmente, alimentado e
secundado pela vaga intuição que conserva das experiências adquiridas
nas vidas anteriores.
A partir do nascimento, suas idéias anteriores gradualmente
tomam de novo seu impulso, à medida que os órgãos se
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desenvolvem. Por isso, pode-se dizer que, no tempo de seus
primeiros anos de nova existência, o Espírito é verdadeiramente
criança, porque as idéias que formam o fundo de seu caráter estão
adormecidas.
Durante o tempo em que os seus instintos estão adormecidos,
o Espírito é mais dócil e, por isso mesmo, mais acessível às
influências do meio que podem modificar a sua natureza e fazê-lo
evoluir, o que torna mais fácil a tarefa atribuída aos seus pais.
O Espírito se reveste, por algum tempo, da roupagem da
inocência e, por tal razão, Jesus está com a verdade quando, apesar
da anterioridade da alma, Ele toma a criança por símbolo da pureza
e da simplicidade.
PECADO POR PENSAMENTOS.
ADULTÉRIO
5. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. –
Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a
cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. (Mateus, capítulo
5, versículos 27 e 28.)
6. A palavra adultério, aqui, não deve ser entendida no sentido
exclusivo de sua acepção própria. Deveremos torná-la num sentido
mais geral. Jesus, muitas vezes, a empregou de um modo mais
amplo, para designar o mal, o erro moral e todos os maus
pensamentos. Um exemplo desse emprego amplo está nesta
passagem: “Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e
pecadora, se envergonhar de mim e de minhas palavras, também o
Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de
seu Pai, acompanhado dos santos anjos”. (Marcos, capítulo 8,
versículo 38.)
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CAPÍTULO VIII
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A verdadeira pureza não está somente nos atos. Está, também,
no pensamento, porque aquele que tem puro o coração, nem sequer
pensa no mal. Foi isso que Jesus quis dizer. Ele condena a queda
moral, mesmo quando ocorra no campo do pensamento, porque é
um sinal de impureza espiritual.
7. Este princípio leva-nos naturalmente para a seguinte
questão: Sofrem-se as conseqüências de um mau pensamento que nem
sequer se tornou um ato?
Façamos, aqui, uma importante distinção. À medida que a
alma engajada no mau caminho avança na vida espiritual, ela se vai
esclarecendo e se despojando, pouco a pouco, de suas imperfeições,
segundo a maior ou menor boa vontade que demonstre, em virtude
de seu livre-arbítrio. Todo mau pensamento é, portanto, o resultado
da imperfeição moral da alma. Mas, de acordo com o desejo que
ela tenha de depurar-se, até este mau pensamento se torna para ela
um motivo de evolução, porque o repele com energia. Esta sua
reação é o indicador de que ela localiza em si uma mancha e se
esforça por apagá-la. Ela não cederá à queda moral, se se apresentar
a ocasião de satisfazer a um mau desejo. Depois de ter resistido a
um mau pensamento, ela se sentirá mais forte e contente com a sua
vitória sobre si mesma.
Aquela que, ao contrário, não tomou boas decisões morais,
procura a oportunidade de praticar o mau ato e, se não o fizer, não
terá sido por força de sua vontade, mas por falta de ocasião que lhe
favorecesse os maus propósitos. Ela é, assim, tão culpada quanto se
o tivesse praticado.
Em resumo, na pessoa que não cria sequer a idéia do mal, o
progresso está realizado. Naquela em que surge o pensamento do
mal, mas que o repele, o progresso está em vias de realizar-se.
Naquela outra, porém, que pensa no mal e se alimenta dessa idéia,
o mal ainda existe em toda a sua plenitude.
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Nas primeiras dessas pessoas a evolução está realizada e, nas
demais, a evolução moral está por fazer-se. Deus, que é justo, leva
em conta todas essas diferenças delicadas de conduta mental na
responsabilidade dos atos e das idéias do homem.
VERDADEIRA PUREZA.
MÃOS NÃO LAVADAS
8. Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de
Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus discípulos a tradição
dos anciãos? Pois que não lavam as mãos quando comem pão. – Ele,
porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o
mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou,
dizendo: “Honra a teu pai e a tua mãe e quem maldisser ao pai ou à
mãe, morra de morte”. Mas vós dizeis: “Qualquer um que disser ao
pai ou a mãe: ‘É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim’
esse não precisa honrar nem a seu pai e nem à sua mãe”.
E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de
Deus.
Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: ‘Este
povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus
lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos dos homens’.
E Jesus, chamando a si a multidão, disse-lhes: ‘Ouvi e entendei:
O que contamina o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai
da boca, isso é o que contamina o homem’.
Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram: Sabes que
os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? – Ele, porém,
respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou,
será arrancada. Deixai-os ir, porque são condutores cegos. Ora, se um
cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.
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E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola.
Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?
Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o
ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca procede do coração e
isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus
pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos
e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer
sem lavar as mãos, isso não contamina o homem. (Mateus, capítulo
15, versículos 1 a 20.)
9. E, estando ele ainda falando, rogou-lhe um fariseu que fosse
jantar com ele. E, entrando, assentou-se à mesa. Mas o fariseu admirouse, vendo que não se lavara antes de jantar. E o Senhor lhe disse:
Agora vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso
interior está cheio de rapina e maldade. Loucos! Quem fez o exterior
não faz também o interior? (Lucas, capítulo 11, versículos 37 a 40.)
10. Os judeus haviam negligenciado os verdadeiros mandamentos
de Deus, por estarem aprisionados à prática de regras estabelecidas
pelos homens. Da rígida observação dessas regras humanas, eles
faziam casos de consciência. O sentido verdadeiro dos mandamentos
de Deus, muito simples, acabara por desaparecer debaixo da
complicação das regras criadas pelo farisaísmo.
Por ser mais fácil praticar atos exteriores do que reformar-se
moralmente, por ser mais fácil lavar as mãos do que limpar seus
corações, os homens se iludiam a si mesmos, crendo-se quites com a
Justiça Divina, porque praticavam o ato exterior de lavar as próprias
mãos, mantendo o restante de si o que em si já era, porque lhes
ensinavam que Deus não lhes exigia mais do que isso.
Em razão dessas falsas purezas é que o profeta disse: “É em
vão que este povo me honra com os lábios, ensinando máximas e
ordenações humanas”.
Fez-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que acabou
sendo relegada a um segundo plano, o que faz que muitos cristãos,
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a exemplo dos antigos judeus, creiam que sua salvação está mais
assegurada pelas práticas de atos exteriores do que pela prática dos
princípios morais ensinados por Jesus. É a esses acréscimos feitos
pelos homens à Lei de Deus, que Jesus se refere, quando diz: “Toda
planta que meu Pai Celestial não plantou, será arrancada”.
A finalidade da religião é fazer o homem voltar-se para Deus.
O homem, porém, não se volta para Deus enquanto não se
fizer perfeito. Em decorrência, toda religião que sirva de anteparo
para o homem fazer o mal é falsa ou está sendo falseada nos seus
fundamentos.
Esse é, inclusive, o resultado de todas as religiões que dão às
práticas exteriores mais importância do que à sua base moral.
A crença na eficiência dos rituais exteriores é nula, se não
impedem os assassínios, os adultérios, a apropriação de coisas por
fraude ou violência, as calúnias levantadas, o mal feito ao próximo
seja qual for. Religiões, assim, fazem supersticiosos, hipócritas e
fanáticos, mas não fazem homens de bem.
Não basta ter aparência de pureza. Acima de tudo é necessário
ter a pureza do coração.
CORTAR A MÃO
11. Mas, qualquer um que escandalizar um destes pequeninos,
que crêem em mim, melhor seria que se pendurasse ao seu pescoço
uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do
mundo, por causa dos escândalos, porque é mister que venham escândalos,
mas ai daquele homem por quem o escândalo vem! – Portanto, se a
tua mão ou o teu pé te escandalizar, corta-o, e atira-o para longe de ti.
Melhor te é entrar na vida coxo, ou aleijado, do que, tendo as suas
mãos ou os dois pés, seres lançado no fogo eterno. – E se teu olho te
escandalizar, arranca-o, e atira-o longe de ti. Melhor te é entrar na
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vida com um só olho, do que tendo dois olhos, seres lançado no fogo do
inferno. (Mateus, capítulo 18, versículos 6 a 11 e capítulo 5, versículos
29 e 30.)
12. No sentido comum, escândalo é toda ação do homem
que choca à moral e aos bons costumes de um modo ostensivo. O
escândalo não está no próprio ato, mas nas repercussões que esse
ato possa ter.
A palavra escândalo implica sempre idéia de um certo tumulto.
Muitas pessoas se contentam de evitar o escândalo, porque o seu
orgulho sofreria com o alarido e o seu conceito pessoal seria
diminuído entre os homens. Desde que, porém, as suas torpezas
sejam ignoradas, isso lhes será suficiente para tranqüilizar-lhes a
consciência. Esses são, segundo as palavras de Jesus, “os túmulos
brancos por fora, mas cheios de podridões por dentro; os vasos
limpos por fora, mas sujos por dentro”.
No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo, tão
freqüentemente empregada, é muito mais generalizada. Por este
seu emprego é que, por vezes, não é compreendido o seu significado
em certas passagens dos Evangelhos.
Escândalo não é somente o que fere a consciência dos outros,
mas também tudo o que resulta dos vícios e das imperfeições
humanas. É toda reação má de um indivíduo para com outro, com
ou sem repercussões. O escândalo, neste caso, é o resultado efetivo
do mal moral.
13. É necessário que haja escândalo no mundo, disse Jesus,
porque na Terra os homens são imperfeitos, são inclinados a fazer o
mal e as árvores más somente dão maus frutos. Devemos, portanto,
entender por estas palavras que o mal é uma conseqüência da
imperfeição dos homens e não que os homens tenham a obrigação
de praticar o mal.
14. É necessário que o escândalo venha, porque os homens,
estando em expiação na Terra, punem-se a si mesmos pelo contato
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de seus próprios vícios. Resulta daí serem eles as suas primeiras
vítimas e cujas inconveniências terminam por admitir. Aqueles que
estiverem cansados de sofrer, devido ao mal, procurarão o remédio
na vivência do bem.
A reação dos vícios sobre os homens serve, portanto, ao mesmo
tempo de expiação para uns e de provações para outros. É assim que
se faz sair o bem do próprio mal e que os homens aproveitam as
coisas más e desagradáveis para precipitar a sua evolução.
15. Se é assim, você dirá: o mal é necessário e perdurará para
sempre, uma vez que se viesse a desaparecer Deus ficaria privado de
um poderoso meio de corrigir os que erram. E você ainda
complementará, dizendo: é inútil cuidar de melhorar os homens.
Mas, diremos nós, se não houver culpados, não haverá
necessidade de dores. Supondo uma Humanidade toda transformada
em homens de bem, com nenhum homem querendo fazer mal a
seu próximo, todos seriam felizes, porque todos seriam bons.
Esse é o estado dos mundos evoluídos, de onde o mal foi
excluído. E esse será o estado da Terra, quando os que nela encarnam
houverem evoluído suficientemente.
Mas, enquanto certos mundos avançam, outros são formados.
Povoam-se de Espíritos primitivos, e servirão, também, de
habitação, de exílio e de lugar de expiação para os Espíritos
imperfeitos, para os rebeldes e para os obstinados no mal, rejeitados
todos eles pelos mundos que se tornaram felizes.
16. Mas ai daqueles por quem vem o escândalo. Isto quer dizer
que o mal sendo sempre o mal, aquele que serviu, sem o saber, de
instrumento para a Justiça Divina, cujos maus instintos foram
utilizados, nem por isso deixou de fazer o mal e pelo mal expiará
seus erros.
É assim, por exemplo, que um filho ingrato é uma expiação
ou uma provação para o pai que o suporta. Esse pai talvez tenha
sido um mau filho que fez sofrer a seu pai. Agora ele sofre a pena de
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talião. Mas o filho não está justificado por isso e deverá, a seu turno,
sofrer através de seus próprios filhos ou de uma outra maneira.
17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a. Esta figura
enérgica é, certamente, alegórica. Seria um absurdo tomá-la ao pé
da letra. Ela significa simplesmente que devemos destruir em nós
mesmos todas as causas de escândalos, ou seja, todas as causas do
mal. Deve-se arrancar do coração todo sentimento impuro e toda
tendência viciosa. Em sentido figurado, quer dizer que vale mais
para um homem evoluir sem uma das mãos, do que esta ser o
instrumento de uma ação má. Vale mais ficar sem a vista, do que
seus olhos lhe servirem para conceber maus pensamentos.
Jesus nada disse de absurdo, para aquele que compreender o
sentido alegórico e profundo de suas palavras. Muito do que o
Senhor disse, porém, não pode ser compreendido sem a chave
oferecida pelo Espiritismo.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
DEIXAI QUE VENHAM A MIM AS CRIANCINHAS
18. O Cristo disse: “Deixai que venham a mim as criancinhas”.
Essas palavras profundas em sua simplicidade, não continham
apenas um apelo dirigido às crianças, mas também um chamamento
às almas que se movem nas regiões menos felizes onde a dor
desconhece a esperança.
Jesus chamou a si a infância intelectual da criatura humana: os
fracos, os escravizados ao mal, os viciados de todas as procedências. O
Mestre nada poderia ensinar à infância física, aprisionada ao corpo carnal,
submisso ao jugo do instinto, ainda não reintegrada no domínio da
razão e da vontade, que se exercem em torno dela e por ela.
Jesus queria que os homens viessem a Ele com a confiança
desse pequeninos seres de passos vacilantes, cujo chamamento lhe
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conquistaria o coração de todas as mães. Ele, assim fazendo,
submetia as almas à sua terna e misteriosa autoridade.
Jesus foi o sol que iluminou as trevas; o clarão matinal que
chama ao despertar. Foi Ele o iniciador do Espiritismo que, por sua
vez, atrairá para Jesus não apenas as criancinhas, mas todos homens
de boa vontade.
A ação vigorosa está iniciada.
Já não se trata de crer instintivamente e obedecer maquinalmente.
É necessário que o homem siga a lei inteligente que lhe revela a sua
universalidade.
Meus bem-amados, eis chegados os tempos em que os erros,
explicados, se transformarão em verdades. Nós lhes ensinaremos o
sentido exato das parábolas. Nós lhes mostraremos a grande correlação
que existe entre o que foi e o que será.
Eu lhes digo em verdade: a manifestação espírita amplia o
horizonte e eis aqui o seu enviado, que vai resplandecer como o Sol
sobre o cume dos montes. (João, o Evangelista, Paris, 1863.)
19. Deixai que venham a mim as criancinhas, porque eu tenho
o leite que alimenta os fracos. Deixai que venham a mim aqueles
que, tímidos e débeis, necessitam de amparo e consolação. Deixai
venham a mim os que ignoram, para que eu os esclareça. Deixai
venham a mim todos os que sofrem, a multidão dos aflitos e dos
infelizes, que eu lhes ensinarei o sublime remédio para suavizar os
males da vida; eu lhes revelarei o segredo da cura de seus ferimentos
morais!
Qual é, meus amigos, esse bálsamo soberano que possui a
virtude. por excelência, que se aplica sobre todas as chagas do coração
e as cicatriza?
Esse bálsamo é o amor, é a caridade!
Se você tem esse fogo divino, o que você temerá?
Sob a inspiração dessas virtudes sublimes, você dirá em todos
os instantes difíceis de sua vida: “Meu Pai, que a vossa vontade seja
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feita e não a minha! Se vos agrada experimentar-me pela dor e pelas
tribulações, bendito sejais, porque é para o meu bem, eu o sei, que
a vossa mão sobre mim desce. Se é de vossa misericórdia, Senhor,
apiedar-vos desta vossa frágil criatura, se é de vosso agrado dar-lhe
ao coração as alegrias puras, bendito sejais também! Mas, fazei que
o amor divino não adormeça dentro de minha alma e que
incessantemente faça subir aos vossos pés a oração de gratidão!”.
Se você tem amor, você já tem tudo o que há de desejável
sobre a Terra. Você possui, então, a sublime pérola, que nem os
acontecimentos adversos, nem as maldades daqueles que o odeiam
e perseguem poderão lhe arrebatar.
Se você tem amor, você terá colocado o seu tesouro onde os
vermes e a ferrugem não o podem atingir. Você verá desaparecer
insensivelmente da sua alma tudo o que seja capaz de macular-lhe a
pureza. Você sentirá, dia a dia, que o fardo da matéria se toma mais
leve. E, qual pássaro que plana no ar e que não mais se lembra da
Terra, você subirá incessantemente, você subirá todos os dias, até
que a sua alma inebriada se sacie do elemento da vida, no seio do
Senhor. (Um Espírito Protetor, Bordéus, 1861.)
OS QUE TÊM OS OLHOS FECHADOS (1)
20. Meus bons amigos, por que vocês me chamam? É para
que imponha as mãos sobre esta pobre sofredora que está aqui e a
cure? Ah! que sofrimento, bom Deus!
Ela perdeu a vista e as sombras desceram sobre ela! Pobre
criança! Que ore e espere! Eu não sei fazer milagres, sem a
manifestação da vontade do bom Deus.
1. Esta comunicação foi transmitida pelo Espírito de J. B. Vianney, Cura de Ars,
evocado para falar sobre uma pessoa cega.
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Todas as curas que alcancei obter, e que vocês conhecem, não
as atribuam a outro que não seja o Pai de todos nós. Nas suas aflições,
voltem os seus olhos ao céu e digam do fundo de seu coração:
“Meu Pai, curai-me! Mas fazei que minha alma enferma se cure
antes que as enfermidades do meu corpo. Que minha alma se eleve
para vós com a claridade que possuía quando vós a criastes”.
Após essa prece, meus bons amigos, que o bom Deus ouvirá
sempre, a força e a coragem lhes serão dadas e, talvez, também, a
cura que vocês timidamente pediram, em resposta à sua abnegação.
Mas, uma vez que estou aqui, numa assembléia que, antes de
tudo, está voltada aos estudos, eu lhes direi que, aqueles que são
privados da vista, deveriam considerar-se como os bem-aventurados
da expiação. Relembrem-se de que o Cristo ensinou que valeria
arrancar seu olho se ele fosse mau, e que mais valeria atirá-lo no
fogo do que ele tornar-se a causa da perdição do homem.
Ah! quantos há sobre a Terra que maldirão, um dia, quando
estiverem nas trevas, o terem visto a luz! Oh! como são felizes aqueles
que, na expiação, são alcançados na vista! Seus olhos não lhes serão
as portas abertas para o escândalo e para a queda. Eles, de vista
fechada para as coisas do mundo, poderão viver inteiramente a vida
da alma. Poderão ver mais do que vocês que têm boa visão...
Quando Deus me permite descerrar as pálpebras de qualquer
um desses pobres sofredores e lhe restabelecer a visão, digo a mim
mesmo: “Alma querida, por que não preferes conhecer todas as
delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Então, tu
não pedirias para ti as imagens menos puras e menos suaves do que
aquelas que se te são dadas entrever em tua cegueira”.
Oh! sim, bem-aventurado é o cego que quer viver com Deus.
Mais feliz do que vocês que aqui estão, ele sente a felicidade, ele vê
as almas e pode elevar-se com elas às regiões espirituais que nem
mesmo os predestinados da Tetra conseguem divisar. O olho aberto
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está sempre pronto a fazer a alma falir. O olho fechado, ao contrário,
está sempre pronto a fazê-la subir até Deus.
Creiam-me, meus bons e queridos amigos, a cegueira dos olhos
é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, enquanto que a vista é,
com freqüência, o anjo da sombra que conduz à morte espiritual.
E, agora, algumas palavras para ti, minha pobre sofredora:
Espera e tem coragem! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos se
vão abrir, como tu serias feliz! E quem sabe se esta alegria não seria
a causa de tua queda? Confia, pois, no bom Deus que fez a felicidade
e permite que se faça a tristeza! Eu farei tudo o que me for permitido
fazer por ti. Mas, por tua vez, ora e pensa em tudo o que venho de
te dizer.
Antes que me vá, vocês todos que aqui estão recebam a minha
bênção. (Vianney, Cura de Ars, Paris, 1863.)
21. Nota – Quando uma aflição não é conseqüência de atos
da vida presente, é necessário buscar-lhe a causa numa vida anterior.
Aquilo que chamamos de caprichos da sorte, não são outros mais
que os efeitos da Justiça Divina.
Deus não admite expiações arbitrárias. É de sua Lei que o
sofrimento esteja sempre em correlação com o erro praticado. Se, pela
bondade Divina, foi lançado um véu sobre seus atos passados, Ele nos
desvenda a origem de toda dor, em nos dizendo: “Quem matou pela
espada, pela espada perecerá”, palavras essas que podem ser traduzidas
assim: “Sofremos sempre naquilo que fizemos outros sofrerem”.
Se, pois, alguém sofre pela perda da vista, é porque a vista foi
para ele uma causa de queda. Talvez tenha sido até por ter feito
outra pessoa perder a vista. Pode alguém ter ficado cego pelo excesso
de trabalho que esse alguém impôs a outras pessoas ou por maus
tratos ou por falta de cuidados etc. Sofre, então, a pena de talião.
Ele mesmo, no seu arrependimento pelos erros do passado, poderá
ter escolhido esta expiação, aplicando a si próprio estas palavras de
Jesus: “Se vosso olho vos é motivo de escândalos, arrancai-o”.
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INJÚRIAS E VIOLÊNCIAS
1. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra.
(Mateus, capítulo 5, versículo 4.)
2. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados
filhos de Deus. (Mateus, capítulo 5, versículo 9.)
3. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, mas qualquer
um que matar será réu de juízo. – Eu, porém, vos digo que qualquer
um que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo;
e qualquer um que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e
qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno. (Mateus,
capítulo 5, versículos 21 e 22.)
4. Por estas máximas, Jesus faz da doçura, da moderação, da
mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Ele condena,
por conseqüência, a violência, a cólera e mesmo toda e qualquer
expressão mais grosseira que se possa usar contra os semelhantes.
Raca, entre os hebreus era um termo de menosprezo que
significava homem que não presta. Pronunciava-se essa palavra
cuspindo e virando a cabeça de lado. Jesus vai mesmo mais longe,
porque ameaçava com o fogo do inferno a quem dissesse a seu
irmão: Você é um louco.
Está evidente, aqui, como em todas as circunstâncias, que a
intenção que acompanha o ato agrava ou atenua a falta. Mas em
que uma simples palavra pode revestir-se de tanta gravidade para
merecer uma reprovação tão severa? É que toda palavra ofensiva é
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CAPÍTULO
CAPITULO VIII
IX
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uma expressão de um sentimento contrário à lei do amor e da
caridade. E esta lei é que deve ser a regra das relações entre os homens
para manter, entre eles, a concórdia e a união.
Desrespeitar essa lei é jogar-se contra a benevolência recíproca
e contra a fraternidade. Geram-se o ódio, a aversão, a má vontade,
o rancor.
Aquele que é humilde para com Deus, deverá ter na caridade
para com o próximo a primeira lei de todos os cristãos.
5. Mas, que pretenderia Jesus dizer com estas palavras: “Bemaventurados os que são brandos, porque eles possuirão a Terra”?
Não ensinou Ele a renúncia aos bens deste mundo, prometendo os
bens do céu?
Enquanto aguarda os bens do céu, o homem necessita dos
bens da Terra para viver. Jesus somente ensinou que não se dê aos
bens da Terra mais importância do que aos do céu.
Por estas palavras, Jesus quis dizer que, até agora, os bens da
Terra são conquistados pelos violentos, em prejuízo dos que são
brandos e pacificadores. Que para os brandos e pacificadores falta,
muitas vezes, o necessário para a vida, enquanto que para os violentos
sobra até o que é supérfluo para a existência.
Jesus promete que será feita justiça aos violentos sobre a Terra
como no céu, porque os brandos e os pacificadores serão chamados
filhos de Deus.
Quando a lei do amor e da caridade for lei da Humanidade,
não haverá mais egoísmo, o fraco e pacífico não serão mais explorados
e nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal será o estado da
Terra, então, segundo a lei do progresso e a promessa de Jesus, que
ela se tornará um mundo feliz, pelo afastamento dos maus.
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INSTRUÇÃO DOS ESPÍRITOS:
A AFABILIDADE E A DOÇURA
6. A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do
amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura que são a sua
forma de manifestação.
Convém, no entanto, não se fiar no jogo das aparências. A
educação e o traquejo do mundo podem dar o verniz dessas
qualidades. Quantos há, cuja fingida bondade e simplicidade não é
mais que uma máscara para o uso externo, uma aparência bem
calculada que esconde os defeitos de caráter! O mundo está repleto
de pessoas que são só sorrisos nos lábios e que levam veneno em
seus corações. Pessoas que são brandas enquanto nada as contrarie,
mas que mordem à menor contrariedade. São de língua de ouro,
quando falam pela frente, transformando-a em picada de serpente
venenosa quando estão por detrás.
A esta classe pertencem, também, esses homens que são só
doçura fora do lar, mas que são tiranos domésticos. Quando em
casa, fazem sofrer seus familiares e dependentes sob o peso de seu
orgulho e de seu poder absoluto e arbitrário. Querem compensar,
com essa má conduta, o constrangimento a que se submetem lá
fora. Não se atrevendo a usar de autoridade agressiva com os
estranhos, que poderiam chamá-los à ordem, eles querem fazer-se
temidos pelos que não lhes podem opor resistência. A vaidade deles
é poderem dizer: “Aqui eu mando e sou obedecido”, sem pensar
que poderiam acrescentar com muita razão: “E eu sou detestado”.
Não é suficiente, para ser brando e afável, que dos lábios
brotem leite e mel. Se o coração está ausente daquilo que a pessoa
aparenta ser, isso nada mais é que um falso sentimento.
Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas, não se
desmente jamais. Ele é o mesmo diante de estranhos e na intimidade
de seu lar. Sabe que se os homens podem ser enganados pelas
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CAPÍTULO IX
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aparências, mas as aparências não enganarão a Deus. (Lázaro, Paris,
1861.)
A PACIÊNCIA
7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos. Não se
aflijam, pois, quando vocês sofrem. Mas bendigam a Deus
onipotente que assinalou vocês pela dor neste mundo, para a glória
no céu.
Sejam pacientes!
A paciência é, também, uma caridade e vocês devem praticar
a lei da caridade ensinada pelo Cristo, o enviado de Deus.
A caridade que se exprime no dar esmolas aos pobres é a mais
fácil das caridades. Mas há uma bem mais penosa e, conseqüentemente,
bem mais meritória que é a de perdoar aos que Deus colocou sobre o seu
caminho para serem instrumentos de seus sofrimentos e submeter a sua
paciência à provação.
A vida é difícil, eu sei! Ela se compõe de mil pequenas coisas
que são como que picadas de agulha e que terminam por ferir. Mas
é necessário olhar para os deveres que nos são impostos e para as
consolações e compensações que recebemos por outro lado.
Veremos, então, se pesarmos deveres e compensações, que as bênçãos são mais numerosas do que as dores. O fardo sempre parecerá
mais leve do que quando vocês curvam a cabeça para o pó da Terra.
Coragem, amigos! O Cristo é o modelo para todas as criaturas
humanas. Ele sofreu mais que qualquer um de vocês e, no entanto,
nada tinha de que se acusar. Vocês sofrem, mas é por terem de
expiar o seu passado e se fortalecerem para o futuro.
Sejam, pois, pacientes!
Sejam cristãos!
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A palavra cristãos resume tudo. (Um Espírito Amigo, Havre,
1862.)
OBEDIÊNCIA E RESIGNAÇÃO
8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus princípios, a
obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura.
Essas são virtudes muito ativas, embora os homens as confundam
erroneamente com a negação do sentimento e da vontade.
A obediência é o consentimento da razão e a resignação é o
consentimento do coração. Todas as duas, portanto, são forças ativas,
porque carregam o fardo das provas que a revolta insensata deixa
cair. O covarde não pode ser resignado, do mesmo modo que o
orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.
Jesus foi a encarnação dessas virtudes desprezadas pela
antiguidade material. Ele veio no momento em que a sociedade
romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Jesus veio fazer
brilhar, no seio da humanidade abatida, os triunfos do sacrifício e
da renúncia à sensualidade e às paixões sem freios.
Cada época está marcada com o cunho da virtude ou do vício
que deve salvá-la ou perdê-la. A virtude da geração atual é a atividade
intelectual; seu vício é a indiferença moral. Eu digo somente
atividade, porque o verdadeiro gênio se eleva de súbito e descobre,
por si só, os horizontes que a multidão só verá depois dele. A
atividade, porém, é a reunião de esforços de todos para atingir um
fim menos brilhante, mas que prova a elevação de sua época.
Submetam-se ao impulso que viemos dar a seus espíritos.
Obedeçam à grande lei do progresso, que é a bandeira de sua
geração. Infeliz do espírito preguiçoso, ai daquele que fecha a sua
capacidade de compreender! Infeliz, porque nós que somos
orientadores da humanidade em marcha, nós os induziremos pela
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CAPÍTULO IX
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justiça divina a começar a sua marcha e ajudaremos a sua vontade
rebelde com a dupla ação das desilusões que lhes darão o rumo
certo e das instituições para o melhor que lhes fará apertar os passos.
Toda resistência filha do orgulho deverá ceder, cedo ou tarde. Bemaventurados, porém, serão os que são brandos, porque eles prestarão
ouvidos dóceis aos nossos ensinamentos. 3.(Lázaro, Paris, 1863)
A CÓLERA
9. O orgulho induz vocês a se julgarem mais do que são.
Vocês não suportam uma comparação que possa rebaixá-los. Vocês
se consideram tão acima de seus irmãos, quer em inteligência, quer
posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor
paralelo estabelecido com as demais criaturas humanas os irrita e os
aborrece.
Que acontece então? Vocês se entregam à cólera!
Procurem a origem desses acessos de demência passageira,
que os assemelham ao homem bruto e primitivo, e que os fazem
perder o autocontrole e a razão; procurem-na e vocês a encontrarão,
quase sempre, no orgulho ferido.
Não é senão o orgulho ferido por uma contrariedade o que
os leva a rejeitar observações justas, o que os faz repelir, coléricos, os
mais sábios conselhos? As próprias impaciências, que se originam
de contrariedades pueris, decorrem da importância que vocês dão à
sua própria personalidade, diante da qual vocês querem que todos
se dobrem.
No seu delírio, o homem colérico atira-se contra tudo, como
um ser primitivo, quebrando objetos inanimados porque estes não
lhe obedecem. Ah! se nesses momentos ele pudesse observar-se com
frieza, de duas uma: ou teria medo de si mesmo ou se acharia bem
ridículo! Que julgue, por isso, a impressão de espanto e temor que
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produz sobre os que estejam à sua volta. Quando não fosse pelo
respeito devido a si próprio, ele deveria esforçar-se para domar essa
tendência que o torna digno de piedade.
Se examinasse com atenção que a cólera não soluciona coisa
alguma, mas que desequilibra a sua saúde, comprometendo mesmo
a sua vida, reconheceria ser ele próprio a primeira vítima de sua
cólera. Se isso não bastasse, uma outra consideração deveria contêlo: a de que torna infelizes todos aqueles que com ele convivem.
Se o colérico tem sentimentos não registrará uma ponta de
remorso por fazer sofrer os entes que ele mais ama? E que pesar
mortal se, numa crise de fúria colérica, ele cometesse um ato de que
se recriminasse por toda a sua vida!
Em resumo, a cólera não exclui certas qualidades do coração.
Impede, porém, que muito se faça o bem e pode levar a muito
fazer-se o mal. Isso deverá ser suficiente para induzir o colérico a
fazer um grande esforço para dominar-se.
O Espírita é convidado ao controle de si próprio por outro
motivo: a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs. (Um
Espírito Protetor, 1863.)
10. Partindo da falsa idéia de que não se pode reformar a
própria índole, o homem se crê dispensado de fazer esforços para
corrigir-se dos defeitos em que ele se compraz voluntariamente ou
que lhe exigiriam muita perseverança para domá-los.
É assim que um homem com tendência para a cólera se
desculpa, atribuindo esse impulso latente ao seu temperamento.
Ao invés de admitir que a cólera é sua, ele transfere a culpa para o
seu organismo, acusando Deus dos defeitos que lhe são próprios.
Esta atitude é, ainda, uma conseqüência do orgulho que está
mesclado com todas as suas imperfeições.
É inegável que há temperamentos que se prestam mais do
que outros para atos violentos, assim como há músculos mais
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flexíveis que se prestam melhor para os atos de força física. Não se
creia, porém, que esta seja a causa fundamental da cólera.
Observem que um Espírito pacífico, mesmo num corpo que
tenha muita bílis, será sempre pacífico. Aquele, contudo, que já é
um Espírito violento tomará outras características. Não possuindo
um físico apropriado para secundar-lhe a violência, a cólera não se
expandirá, como naquele em que o físico é mais avantajado.
O corpo não produz as crises de cólera, aos homens que não
sejam por si coléricos, do mesmo modo que o corpo não lhes é a
fonte de outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios se originam da própria criatura.
Se não fosse assim, qual seria o mérito e a responsabilidade
do homem pelos seus atos? O homem que tem o corpo mal
formado não pode corrigi-lo, porque o Espírito não tem energia
para tanto. Mas poderá corrigir aquilo que é do Espírito, quando o
quer com firme vontade.
A experiência não lhes prova, Espíritas, até onde pode ir a
força de vontade, pelas transformações morais espantosas que se
operam às suas vistas? Digam, pois, que o homem se conserva no
vício porque quer conservar-se no vício, uma vez que aquele que quiser
corrigir-se, sempre o pode. Se fosse de outro modo, a lei do
progresso não existiria para o homem. (Hahnemann, Paris, 1863.)
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PERDOAI, PARA QUE DEUS VOS PERDOE
1. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão
misericórdia. (Mateus, capítulo 5, versículo 7.)
2. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, o vosso Pai
celestial vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as
suas ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas ofensas.
(Mateus, capítulo 6, versículos 14 e 15.)
3. Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreendendo-o
entre ti e ele só, se te ouvir, ganhaste a teu irmão. – Então Pedro,
aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu
irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te
digo que até sete, mas até setenta vezes sete. (Mateus, capítulo 18,
versículos 15, 21 e 22.)
4. A misericórdia é o complemento da doçura. Os que não
são misericordiosos também não são brandos e pacificadores.
A misericórdia está no esquecimento e no perdão das ofensas.
O ódio e o rancor revelam uma alma sem elevação e sem grandeza.
Já o esquecimento das ofensas é próprio de uma alma elevada
moralmente que se coloca acima dos golpes que lhe desfiram.
Aquele que não tem misericórdia é sempre inquieto, com
sua suscetibilidade sombria e cheia de fel. Aquele que a tem, porém,
é calmo, cheio de mansidão e de caridade.
Infeliz é aquele que diz: “Não perdoarei jamais!”. Este, se
não for censurado pelos homens, será, certamente, alcançado pela
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CAPÍTULO
CAPITULO X
IX
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Justiça Divina. Como poderá ele rogar perdão para suas próprias
faltas, se não perdoa as faltas dos outros?
Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites,
quando disse para perdoar a seu irmão, não apenas sete vezes, mas
setenta vezes sete vezes.
Há, contudo, duas maneiras bem diferentes de perdoar. A
primeira delas grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem
segunda intenção, que age sutilmente sem ferir o amor-próprio ou
a suscetibilidade do ofensor, mesmo quando o adversário for o único
culpado pela ofensa. A segunda maneira de perdoar é aquela em
que o ofendido, ou aquele que se julga ofendido, impõe ao adversário
condições humilhantes, fazendo-o sentir um perdão que mais irrita
do que acalma. Se estende a mão, não é com benevolência, mas
com ostentação, a fim de poder dizer a todas as demais pessoas:
“Vejam quanto sou generoso!”. Diante de um perdão que fere, é
impossível que a reconciliação seja sincera entre o ofensor e o
ofendido. Não, não há aí generosidade, mas apenas uma maneira
de satisfazer o orgulho daquele que aparentemente perdoa.
Em todas as contendas, aquele que se revela mais conciliador,
que demonstra mais desinteresse, em quem se destacam a caridade
e a verdadeira grandeza de alma, conquistará sempre a simpatia das
pessoas imparciais.
RECONCILIAR-SE COM OS ADVERSÁRIOS
5. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no
caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue
ao juiz e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. Em
verdade te digo que de maneira alguma sairás dali enquanto não
pagares o último ceitil. (Mateus, capítulo 5, versículos 25 e 26.)
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6. No exercício do perdão, assim como no do bem em geral,
não há somente um efeito moral, mas, também, um efeito material.
A morte, como você sabe, não irá livrá-lo de seus inimigos.
Os Espíritos desejosos de vingança perseguem sempre, com o seu
ódio, na espiritualidade inferior, aquele contra os quais conservam
o seu rancor. Eis porque o provérbio: “Morto o animal, morto o
veneno”, é falso quando se quer aplicá-lo ao homem.
O Espírito desequilibrado pelo ódio espera que aquele a quem
ele odeia esteja encerrado no corpo físico e, assim, menos livre,
pode atormentá-lo mais facilmente, alcançando-o nos seus interesses
e nas suas mais caras afeições.
Nessa ação dos Espíritos infelizes reside a causa da maioria
das obsessões, principalmente aquelas que apresentam uma certa
gravidade, como é a subjugação e a possessão. O obsidiado e o
possesso são, quase sempre, atingidos por uma vingança que tem
raízes em existências anteriores a esta e que, provavelmente, é o
fruto de sua própria conduta.
A Justiça Divina permite esse quadro de perseguição como
conseqüência do mal que obsessor e obsidiado fizeram a si mesmos,
por se terem faltado com a indulgência e a caridade, em não se
perdoando mutuamente.
Importa, portanto, tendo em vista a sua tranqüilidade futura,
que você repare, o mais cedo possível, os males que possa ter causado
a seu próximo. É decisivo que você perdoe a seus inimigos, para que se
apaguem, antes de sua morte, todos os motivos de desentendimento,
todas as causas profundas de animosidade que poderiam ser carregadas
para a espiritualidade.
Somente com o perdão você poderá fazer de um inimigo
encarnado neste mundo um amigo na espiritualidade. Aquele que
assim procede, coloca a seu lado o bem e Deus não deixa que aquele
que perdoou fique entregue à perseguição da vingança.
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Quando Jesus lhe recomendou que se reconciliasse o mais
cedo possível com o seu adversário, não é somente para evitar a
permanência de atritos na vida atual, mas é para evitar que esses
atritos se perpetuem em existências futuras.
Vocês não sairão das conseqüências do não perdão, disse Jesus,
enquanto não houverem resgatado até o último centavo, ou seja,
enquanto não se houver cumprido integralmente a Justiça Divina.
O SACRIFÍCIO MAIS AGRADÁVEL A DEUS
7. Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares
de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar a
tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e, depois,
vem e apresenta a tua oferenda. (Mateus, capítulo 5, versículos 23 e
24.)
8. Quando Jesus diz: “Ide reconciliar-vos com vosso irmão,
antes de depordes vossa oferenda no altar”, Ele está ensinando que
o sacrifício mais agradável ao Senhor é o do seu próprio
ressentimento. Que antes de se apresentar para ser por Ele perdoado,
deve o homem perdoar aos outros. E que se algum mal fez a
qualquer um de seus irmãos, antes deve ir reparar o mal praticado.
Somente quando houver perdoado e reparado o mal é que a
sua oferenda será agradável ao Senhor, porque virá de um coração
limpo de todo pensamento mau.
Jesus citou um fato material para transmitir esse princípio,
porque os judeus faziam suas oferendas ao altar através de sacrifícios
de aves, animais e outros bens materiais e, portanto, cabia-lhe ajustar
as palavras ao que era de uso comum para os que o escutavam.
O cristão, porém, não oferece bens materiais.
Jesus espiritualizou o sacrifício, mas com isso o preceito ainda
mais força ganha. O cristão oferece a sua alma a Deus e essa alma
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deve estar purificada. Entrando no templo do Senhor, o cristão deve
deixar fora todo sentimento de ódio e animosidade, todo mau
pensamento contra um seu irmão.
Somente nesse estado de purificação espiritual, as suas orações
serão levadas pelos Espíritos Santificados aos pés do Eterno. Aí está
o ensinamento de Jesus por estas palavras: “Deixai vossas oferendas
ao pé do altar e ide primeiro reconciliar-vos com o vosso irmão, se
quiserdes ser agradáveis ao Senhor”.
O ARGUEIRO E A TRAVE NO OLHO
9. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu
irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu
irmão: Deixa-me tirar o argueiro de teu olho, estando uma trave no
teu? Hipócrita, tira primeiro a trave de teu olho, e então cuidarás de
tirar o argueiro do olho de teu irmão. (Mateus, capítulo 7, versículos 3
a 5.)
10. Um dos defeitos da criatura humana consiste em você
ver o mal nos outros, antes de ver o mal que está em você mesmo.
Para examinar-se a si mesmo, você necessitaria ver o seu mundo
interior num espelho, transportando-se de alguma forma para fora
de si mesmo e considerar-se como se fosse uma outra pessoa. E
você, então, perguntaria a essa outra pessoa: “Que pensaria você se
visse alguém fazer o que faço?”.
Não há dúvida de que é o orgulho que induz o homem a
mascarar os seus próprios defeitos, tanto os morais como os físicos.
Essa sua conduta caprichosa é essencialmente contrária à caridade,
porque a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente.
Caridade feita de orgulho é uma falta de juízo, porque esses dois
sentimentos, o orgulho e a caridade, se anulam um ao outro.
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Como poderá um homem, bastante tolo para acreditar na
importância de sua personalidade e na grandeza de suas qualidades,
possuir ao mesmo tempo abnegação suficiente para fazer destacar,
nos outros, o bem que lhe faria sombra, quando se ele destacar o
mal dos outros ele pareceria ficar superior aos demais?
Se o orgulho é o pai de muitos vícios, é também a negação
de muitas virtudes. Vamos encontrá-lo na base e como o impulso
que dá movimento para quase todas as ações humanas.
Pela importância do orgulho na geração de atos desequilibrados
é que Jesus se empenhou em combatê-lo, por sabê-lo o principal
obstáculo para a evolução moral.
NÃO JULGUEIS
11. Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o
juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes
medido vos hão de medir a vós. (Mateus, capítulo 7, versículos 1 e 2.)
12. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada
em adultério; e, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher
foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés
que as tais sejam apedrejadas. Tu, porém, que dizes? – Isto diziam
eles, tentando-o, para que tivessem do que o acusar. Mas Jesus,
inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E como insistissem
perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que dentre vós
está sem pecado, seja o primeiro que atire a pedra contra ela. – E,
tornando a inclinar-se, escrevia na terra. – Quando ouviram isto,
redargüidos pela consciência, saíram um a um, a começar pelos mais
velhos até aos últimos. Ficou só Jesus e a mulher que estava entre eles.
– E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher,
disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te
condenou? – E ela disse: Ninguém Senhor. – E disse-lhe Jesus: Nem
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eu também te condeno: vai-te, e não peques mais. (João, capítulo 8,
versículos 3 a 11.)
13. “Aquele que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra”,
disse Jesus. Este convite fez da indulgência um dever, porque não
há pessoa alguma que não necessite, para si própria, da indulgência.
Jesus, aí, nos ensina que não devemos julgar os outros muito
severamente, sem que antes julguemos a nós mesmos. Nem
devemos condenar os outros, naquilo que nos desculpamos. Antes
de denunciarmos uma falta de alguém, vejamos se a mesma censura
não pode recair sobre nós.
A censura feita sobre a conduta de outra pessoa pode ter dois
motivos: redimir o mal ou desacreditar a pessoa cujos atos criticamos.
Este último motivo não tem desculpas, porque nele só há
maledicência e maldade. O primeiro motivo pode ser louvável e
deveria ser mesmo um dever em certas ocasiões, pois dele poderá
resultar um bem e porque sem ele o mal não seria jamais reprimido
na sociedade.
O homem não deve, aliás, ajudar a evolução de seus semelhantes?
Sendo assim, não devemos tomar no seu sentido absoluto o princípio:
“Não julgueis, se não quiserdes ser julgados”, porque ser escravo da
letra mata o seu entendimento e só o espírito da letra dará vida à
sua compreensão.
Jesus não poderia proibir de reprovar-se o mal, porque Ele
mesmo nos deu o exemplo dessa reprovação e a fez em termos
enérgicos. Mas Ele quis dizer que a autoridade para censurar o mal
está na razão da autoridade moral daquele que faz a censura. Cometer
os mesmos erros que se condenam nos outros é perder a autoridade
moral para a censura e, mais ainda, é perder o direito de repressão.
A consciência íntima, por outro lado, recusa todo respeito e
toda submissão voluntária àquele que, estando investido de um
poder qualquer, viola as leis e os princípios que está encarregado de
aplicar. A única autoridade legítima, aos olhos de Deus, é aquela que
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se apóia sobre o exemplo que aquele que censura dá do bem. Esta
dedução é a que resulta, igualmente, das palavras de Jesus.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
PERDÃO DAS OFENSAS
14. Quantas vezes perdoarei a meu irmão?
Você o perdoará não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.
Eis aí um dos ensinamentos de Jesus que deve calar muito fundo
na sua inteligência e falar mais alto ao seu coração.
Compare essas palavras de misericórdia com a oração tão
simples, tão resumida, e ao mesmo tempo, tão grande em suas
aspirações que Jesus deu a seus discípulos. Você encontra nela as
mesmas idéias. Jesus, o justo por excelência, responde a Pedro: “Tu
perdoarás sempre e sem limites. Perdoarás cada ofensa tantas vezes
quanto ela te seja feita. Tu ensinarás a teus irmãos esse esquecimento
de si mesmos, que os torna invulneráveis às agressões, ao maus atos
da vida e às injúrias. Tu serás brando e humilde de coração, sem
medir jamais a tua mansuetude. Tu farás para os outros, enfim, o
que desejas que o Pai Celestial faça por ti. Não está o Pai a te perdoar
sempre? Teria Ele contado o número de vezes que o seu perdão
celestial desce para apagar as tuas faltas?”.
Escutem esta resposta de Jesus e, assim como fez Pedro,
apliquem-na a vocês mesmos!
Perdoem, usem a indulgência, sejam caridosos, generosos,
pródigos mesmo de seu amor. Dêem, porque o Senhor lhes
restituirá. Perdoem, porque lhes perdoará. Abaixem-se, porque o
Senhor os elevará. Humilhem-se, porque o Senhor os fará sentar-se
à sua direita.
Eia, meus bem-amados! Estudem e comentem as palavras
que lhes dirijo da parte d’Aquele que, do alto dos esplendores
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celestiais, tem seus olhos sempre voltados para vocês. Prossigam
com amor a tarefa ingrata que Jesus começou há dezoito séculos!
Perdoem a seus irmãos, assim como vocês precisam que eles
perdoem a vocês mesmos. Se os atos deles lhes foram pessoalmente
prejudiciais, eis aí um motivo a mais para vocês serem indulgentes,
porque o mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal que
os atingiu. Nenhum mérito vocês teriam em relevar as ofensas de
seus irmãos, se essas ofensas não passassem de arranhões leves.
Espíritas, não esqueçam jamais que, tanto por palavras como
por atos, o perdão das injúrias não é um vão princípio moral. Se
vocês se dizem Espíritas, sejam Espíritas. Esqueçam o mal que lhes
fizeram e não pensem outra coisa que não seja no bem que vocês
podem fazer.
Aquele que entrou pela senda do Espiritismo não deve afastarse dele nem mesmo por pensamento, porque vocês são responsáveis por seus pensamentos, os quais Deus conhece. Façam, pois,
que os seus pensamentos sejam despojados de qualquer sentimento
de rancor. Deus sabe o que mora no fundo do coração de cada um
de seus filhos.
Feliz aquele que pode, todas as noites, adormecer dizendo: Eu
nada tenho contra o meu próximo. (Simeão, Bordéus, 1862.)
15. Perdoar a seus inimigos é pedir perdão para você mesmo.
Perdoar a seus amigos é dar-lhes uma prova de amizade. Perdoar as
ofensas é descobrir-se melhor do que você era.
Perdoe sempre, meu amigo, a fim de que Deus o perdoe.
Porque se você for duro de coração, exigente, inflexível; se você
usar de rigor, mesmo para uma ligeira ofensa, como você quererá
que Deus não esqueça que cada dia você tem grande necessidade de
indulgência?
Oh! Infeliz é aquele que diz: “Eu não perdoarei jamais!” porque
nisso ele pronuncia a sua própria sentença.
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Quem sabe, aliás, se examinando profundamente a você
mesmo, não descobrirá aí o agressor? Quem sabe se, nessa luta que
começou por uma bagatela e que termina no rompimento de
amizade, não foi você quem deu o primeiro golpe? Talvez por uma
simples palavra com tom agressivo que escapou de seus lábios, tudo
começou? Quem sabe se você deixou de usar a moderação necessária?
Sem dúvida, o seu adversário andou mal, por se mostrar tão
sensível ao quase nada. Mas esta é mais uma razão para você ser
indulgente e para não merecer dele reprovação. Admitamos que
você foi realmente ofendido em certa ocasião. Quem sabe se você
não envenenou as coisas, com suas reações doentias, fazendo degenerar
em querela séria aquilo que poderia facilmente cair no esquecimento?
Se de você dependia impedir as conseqüências do pequeno
acontecimento, e você não impediu, você é o culpado. Admitamos,
enfim, que você nada tem a reprovar em sua conduta e, então,
maior será o seu mérito se você se mostrar clemente.
Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão
dos lábios e há o perdão do coração. Muitos dizem a seu adversário:
“Eu o perdôo”, enquanto que, interiormente, sentem um secreto
prazer pelo mal que acontecer ao faltoso, dizendo a si mesmos que
esse seu adversário fez por merecer o castigo. Outros dizem: “Eu
perdoei”, e acrescentam: “mas não me reconciliarei jamais; não quero
vê-lo pelo resto de minha vida”.
E esse o perdão, segundo o Evangelho?
Não! O verdadeiro perdão, o perdão cristão é aquele que lança
um véu sobre o passado. Este é o único que será levado em conta,
porque Deus não se contenta com o perdão de mera aparência. O
Criador escuta o fundo dos corações e lê os mais secretos pensamentos.
A Deus ninguém se impõe por vãs palavras e fingimentos.
O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio
das grandes almas. O rancor é sempre um sinal de baixeza e
inferioridade moral. Não se esqueça, pois, que o verdadeiro perdão
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se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras. (Paulo,
Apóstolo, Lyon, 1861.)
A INDULGÊNCIA
16. Espíritas, queremos hoje falar-lhes da indulgência, esse
sentimento tão doce, tão fraternal que todo homem deve ter para
com os seus irmãos, mas do qual tão poucos fazem uso.
A indulgência não vê os defeitos dos outros. Se os vê,
resguarda-se de neles falar, de propalá-los. Ela os oculta, a fim de
que eles não se tornem conhecidos a não ser de si mesma. Se a
maledicência os descobre, a indulgência tem sempre pronta uma
justificativa para eles, mas uma justificativa plausível, séria, e não
daquelas que, com aparência de atenuar as faltas, mais as fazem
transparecer com uma pérfida astúcia para salientá-las.
A indulgência não se ocupa jamais dos atos maus dos outros,
a menos que seja para prestar um serviço. Porém, ainda assim, tem
o cuidado de atenuá-los tanto quanto possível. Ela não faz
observações chocantes, nem traz censuras em seus lábios, mas
somente conselhos quase sempre velados.
Quando você critica um irmão seu, que conseqüências devem
ser tiradas de suas palavras? A de que você, que censura, nunca teria
feito o que condena nos outros, a de que você vale mais do que
aquele que errou.
Oh, homens! Quando será que vocês julgarão o seu próprio
coração, os seus próprios pensamentos, os seus próprios atos, sem
se ocuparem do que fazem os seus irmãos? Quando vocês terão
olhos severos somente para vocês mesmos?
Sejam, pois, severos para com vocês e indulgentes para com
os outros. Pensem naquele que julga em última instância, que vê os
mais secretos pensamentos de cada coração e que, por conseqüência,
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desculpa freqüentemente as faltas que vocês censuram ou lamenta
as que vocês desculpam, porque Ele conhece a intenção de todos os
atos. Pensem, vocês que acusam: “Culpado!”, que talvez vocês
tenham cometido falhas mais graves que essa.
Sejam indulgentes, mais amigos, porque a indulgência atrai,
acalma, soergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e irrita.
(José, Espírito Protetor, Bordéus, 1863.)
17. Sejam indulgentes com as faltas dos outros, quaisquer
que elas sejam. Não julguem com severidade a não ser as suas próprias
ações e o Senhor usará de indulgência para com vocês, como vocês
usaram de indulgência para com os outros.
Sustentem os fortes, estimulando-os à perseverança.
Fortifiquem os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que
leva em conta o menor arrependimento. Mostrem a angelitude do
arrependimento das próprias culpas, cobrindo as faltas humanas, a
fim de ocultá-las dos olhares daqueles que não podem tolerar o que
é impuro.
Compreendam toda a infinita misericórdia do Pai Celestial e
não esqueçam jamais de lhe dizer por seus pensamentos, mas acima
de tudo por suas ações no bem: “Perdoai as nossas ofensas, como
perdoamos àqueles que nos têm ofendido”. Compreendam bem o
valor dessas sublimes palavras, que não são admiráveis apenas na
letra, mas principalmente pelo ensinamento que trazem em si.
Que solicitam vocês ao Senhor, quando lhe pedem o seu
perdão? Será somente o esquecimento de suas ofensas? Esse
esquecimento os deixaria no nada, porque se Deus se limitasse a
esquecer as faltas que vocês cometem, a Justiça Divina não lhes
traria a recompensa pelo bem que vocês fizessem. A recompensa
não pode ser o prêmio do bem que não se fez e, menos ainda, do
mal que se haja praticado, mesmo que esse mal fosse esquecido.
Pedindo-lhe perdão pelas suas transgressões da lei do amor, vocês
lhe pedem o favor de suas graças para não caírem novamente; pedem
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a força necessária para vocês entrarem num novo caminho da vida,
caminho de submissão e de amor no qual vocês podem juntar a
reparação de suas faltas ao arrependimento de cometê-las.
Quando vocês perdoarem a seus irmãos, não se contentem
com estender um véu de esquecimento sobre os erros deles. Esse véu
é, por vezes, muito transparente para os olhos de quem perdoa,
permitindo-lhe continuar a ver e rever as faltas que perdoou.
Perdoem-lhes, levando-lhes ao mesmo tempo o amor. Façam por
eles o que vocês pedem que o Pai Celestial faça por vocês.
Substituam a cólera, que enodoa a alma, pelo amor que a
purifica. Preguem, pelo exemplo, essa caridade ativa, operosa, que
não se cansa, que Jesus lhes ensinou. Preguem-na como Jesus mesmo
fez, durante todo o tempo que viveu sobre a Terra visível aos olhos
do corpo, e como prega ainda sem cessar, depois que se fez visível
apenas aos olhos do espírito.
Sigam esse divino modelo, Jesus. Caminhem pelos sinais que
deixou em sua passagem. Seguindo as suas pegadas, vocês encontrarão
o repouso após a luta. Como Jesus, tomem a sua cruz e subam
penosamente, mas corajosamente, o seu calvário: no alto do seu calvário
está a glorificação. (João, bispo de Bordéus, 1862.)
18. Queridos amigos, sejam severos com vocês mesmos e
indulgentes com as fraquezas dos outros. Esta é, também, uma
prática da santa caridade, que bem poucas pessoas cumprem.
Todos vocês têm más tendências a vencer, defeitos à corrigir,
hábitos à reformar. Todos vocês têm um fardo mais ou menos
pesado para dele despojar-se, a fim de subir ao cume da montanha
da evolução. Por que, então, vocês são tão clarividentes quando se
trata de ver as faltas do próximo e são tão cegos quando se trata de
faltas de vocês mesmos? Quando vocês deixarão de perceber, no
olho de seus irmãos, o pequenino cisco que os incomoda, sem
prestar atenção na lasca de madeira que está em seus próprios olhos,
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tirando-lhes a visão de seu verdadeiro caminho e fazendo-os
tropeçarem de queda em queda moral?
Creiam nestes seus irmãos, os Espíritos!
Todo homem bastante orgulhoso para crer-se superior, em
virtudes e méritos, aos seus irmãos encarnados, é insensato e culpado.
Deus o visitará no dia de sua Justiça. A verdadeira característica da
caridade é a modéstia e a humildade que consistem em não ver,
senão superficialmente, os defeitos dos outros e, ao mesmo tempo,
valorizar o que há de bom e virtuoso no seu próximo. Se o coração
humano é um abismo de devassidão, nele existe sempre, na sua
mais oculta intimidade, o germe dos bons sentimentos, centelhas
vívidas da essência espiritual.
Espiritismo, doutrina consoladora e abençoada! Felizes
daqueles que te conhecem e que de ti extraem os salutares
ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o caminho está
iluminado e, ao longo de sua jornada espiritual, eles podem ler
estas palavras que lhes desvenda o meio de chegarem a seu destino:
caridade vivida, caridade do coração, caridade para com o próximo
como para si mesmo. Em uma só palavra, caridade para com todos
e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus
resume todos os deveres e porque é impossível amar a Deus sem
praticar a caridade, da qual Ele fez uma lei para todas as suas criaturas.
(Dufrêtre, bispo de Nevers, Bordéus.)
REPREENDER E DIVULGAR O MAL
19. Ninguém sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o
direito de repreender aquele que está mais próximo de si?
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Certamente que não, porque cada um de vocês deve trabalhar
pela evolução de todos e, sobretudo, pelo progresso daqueles cuja
tutela lhes foi confiada. Mas essa tutela já é uma razão para vocês
agirem com moderação, com um propósito útil e não, como
geralmente se faz, repreender os mais próximos pelo prazer de
desacreditá-los.
Neste último caso, a censura é uma maldade e, no primeiro
caso, é um dever que a caridade manda cumprir com todos os
cuidados possíveis.
Vocês devem, por outro lado, utilizar todas as censuras que
façam aos outros, para dirigi-las, ao mesmo tempo, para vocês
mesmos e observarem se não as merecem também. (Luís, Paris,
1860.)
20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros,
quando isso nenhum proveito possa resultar para eles, mesmo que
não venhamos a divulgá-las?
Tudo depende da intenção.
Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal
existe. Seria mesmo inconveniente ver por toda parte somente o
bem. Essa ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em fazer-se
esta observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o, sem
necessidade, junto da opinião de muitas pessoas. Seria igualmente
repreensível fazer a observação das imperfeições com um sentimento
de malevolência e de satisfação por encontrar os outros em faltas.
Ocorre, porém, exatamente o oposto, quando, lançando um véu
sobre o mal para ocultá-lo dos olhos de outros, vocês anotem os
defeitos alheios para deles fazer um uso pessoal, ou seja, para estudálos e para evitar de fazer aquilo que vocês acham condenável nos
outros. Essa observação, aliás, não é útil ao moralista? Como poderia
o moralista descrever os defeitos humanos, se não estudasse os seus
modelos? (Luís, Paris, 1860.)
21. Há casos em que é útil revelar o mal de outrem?
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Esta questão é muito delicada.
Para resolvê-la, devemos apelar para a caridade bem
compreendida.
Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela mesma,
não há jamais utilidade em torná-las conhecidas de todos. Mas se
essas imperfeições puderem acarretar prejuízos a outras pessoas, devese atender, de preferência, ao interesse do maior número do que ao
interesse de uma pessoa apenas.
De acordo com as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a
mentira pode ser um dever. Mais vale que um homem caia, do que
muitos virem a ser enganados e se tornarem suas vítimas. Em
semelhante situação, é necessário pesar a soma de vantagens e a de
inconvenientes. (Luís, Paris, 1860.)
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O GRANDE MANDAMENTO
1. E os fariseus, ouvindo que ele fizera calar os saduceus,
reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o
para o experimentar, dizendo: Mestre qual é o grande mandamento
da lei? – E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos
contêm toda a lei e os profetas. (Mateus, capítulo 22, versículos 34 a
40.)
2. E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma
maneira lhes fazei vós também. (Lucas, capítulo 6, versículo 31.)
3. Por isso, o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que
quis ajustar contas com os seus servos. E começando a fazer contas, foilhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo com
que pagar, o seu senhor mandou que ele e a sua mulher e seus filhos
fossem vendidos, com o quanto tinha, para que a dívida fosse paga.
Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: “Senhor,
sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Então o Senhor daquele
servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus
companheiros que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele,
sufocava-o, dizendo: “Paga-me o que me deves”. Então o seu
companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: “Sê generoso
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CAPITULO
CAPÍTULOXI
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para comigo, e tudo te pagarei”. Ele, porém, não quis e, antes, preferiu
encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
Vendo, pois, os seus outros companheiros o que acontecia,
contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se
passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: “Servo
malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não
devias tu, igualmente, ter compaixão de teu companheiro, como eu
também de ti tive misericórdia?.” E, indignado, o seu senhor o entregou
aos capatazes, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também,
meu Pai Celestial, se de coração não perdoardes, cada um a seu irmão,
as suas ofensas. (Mateus, capítulo 18, versículos 23 a 35.)
4. “Amar o próximo como a si mesmo; fazer para os outros
o que queremos que os outros façam por nós”, esta é a expressão da
mais completa caridade. Ela resume todos os deveres para com o
próximo. Não se pode ter um orientador mais seguro, do que tomar
por medida do que se deve fazer aos outros, o que se deseja para si
mesmo.
Com que direito exigiríamos de nossos semelhantes melhor
conduta, mais indulgência, mais benevolência e mais perseverança,
do que nós mesmos damos para eles?
A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo.
Quando os homens as tomarem por regra de conduta e por base de
suas instituições, eles compreenderão a verdadeira fraternidade. Farão,
então, reinar entre si a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem
desentendimentos, mas união, concórdia e benevolência entre os
homens.
A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR
5. Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o
surpreenderiam nalguma palavra. E enviaram-lhe os seus discípulos,
com os herodianos, dizendo: Mestre, bem sabemos que és verdadeiro,
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e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e de ninguém se te
dá, porque não olhas a aparência dos homens. Diz-nos, pois, que te
parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não?
Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me
experimentais, hipócritas? – Mostrai-me a moeda do tributo. – E eles
lhe apresentaram um dinheiro. E Jesus lhes perguntou: De quem é
esta efígie e esta inscrição? – Disseram-lhe eles: De César. – Então
Jesus lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de
Deus. –E eles, ouvindo isto maravilharam-se, e, deixando-o, se
retiraram. (Mateus, capítulo 22, versículos 15 a 22), (Marcos, capítulo
12, versículos 13 a 17.)
6. A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância
de que os judeus tinham horror ao tributo que lhes era exigido
pelos romanos.
Os judeus fizeram do imposto uma questão religiosa. Um
numeroso partido se havia formado para rejeitar o pagamento de
impostos. Esse pagamento, por isso, era uma questão que originava
muita irritação entre eles, sem o que, a pergunta feita a Jesus: “É
nos lícito pagar ou deixar de pagar impostos a César?”, não teria
razão de ser.
Essa questão, portanto, era uma armadilha para pegar Jesus,
porque, conforme Ele respondesse, aqueles judeus atirariam contra
Jesus as autoridades romanas ou os judeus que eram contrários ao
pagamento de tributos. Mas “Jesus, conhecendo a sua malícia”,
vence essa dificuldade dando-lhes uma lição de justiça, dizendolhes que dessem a cada um o que lhe era devido. (Ver na Introdução
desta obra, a palavra Publicanos.)
7. Esta máxima: “Dai a César o que é de César”, não deve ser
entendida apenas no que se refere a pagamento de impostos. Como
todos os ensinamentos de Jesus, este é um princípio geral resumido
sob uma forma prática e usual e extraída da questão proposta pelos
judeus.
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Este princípio é uma decorrência daquele que diz que devemos
agir com os outros como quereríamos que os outros agissem
conosco. Por ele, Jesus condena todo prejuízo material e moral
causado ao próximo, toda violação dos interesses dos outros. Jesus
ensina o respeito ao direito de cada um, como cada um deseja que
se respeitem os seus. Esse princípio de respeito se estende aos
compromissos familiares, à sociedade, às autoridades, bem como
aos indivíduos em geral.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A LEI DO AMOR
8. O amor resume a doutrina de Jesus por inteiro, uma vez
que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os
instintos elevados à altura da evolução já realizada. Em seu princípio,
a criatura humana só tem instintos; quando faz algum progresso,
mas adquire vícios e alimenta paixões, só tem sensações; quando
alcança conhecimentos morais e vivencia o bem, purificando-se,
tem sentimentos.
O máximo dos sentimentos é o amor!
Não falamos do amor no sentido comum e popular dessa
palavra. Referimo-nos a esse verdadeiro sol interior que condensa e
reúne em seu foco ardente todas as aspirações de evolução do homem
e todas as revelações vindas do Mais Alto. A lei do amor substitui a
personalidade pela fusão de todos os seres e termina com as misérias
sociais.
Feliz daquele que, vencendo a sua etapa de egoísmo e orgulho,
ama com imenso amor seus irmãos que estejam em sofrimentos!
Feliz aquele que ama, porque não mais conviverá com as angústias
de sua alma nem com as de seu corpo. Seus pés são leves e ele vive
como que transportado para fora de si mesmo.
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Quando Jesus pronunciou essa divina palavra: amor, essa
palavra fez os povos estremecerem, e os mártires, inebriados de
esperanças, submeteram-se aos sacrifícios para testemunharem a
Palavra da Esperança.
O Espiritismo, por sua vez, vem pronunciar uma segunda
palavra do dicionário divino. Estejam, pois, atentos, porque essa
palavra soergue a cobertura dos túmulos vazios, e a reencarnação,
abatendo a morte, revela ao homem deslumbrado toda a sua riqueza
moral e de inteligência. Já não é mais ao sacrifício que ela conduz o
homem. Ela leva o homem à conquista de seu ser, elevado e
transfigurado espiritualmente. O sangue dos sacrifícios livrou o
espírito do cativeiro e, agora, o espírito alforriado deve libertar o
homem da prisão da matéria.
Eu já disse que o homem, no seu princípio, não possuía mais
que instintos. Aquele, pois, que é dominado pelos instintos, está
mais próximo de seu ponto de partida do que do seu ponto de
chegada. Para avançar ao encontro de sua meta espiritual, é necessário
vencer os instintos, transformando-os em sentimentos, ou seja, deve
o homem aperfeiçoar os seus instintos, sufocando o domínio da
matéria sobre si mesmo.
Os instintos, no mecanismo divino, são as sementes de onde
nascem os sentimentos. Os instintos trazem consigo o progresso,
assim como a semente de uma laranja traz em si a laranjeira. Os
seres menos evoluídos são os que, libertando-se, pouco a pouco,
do seu estado latente, permanecem a serviço de seus instintos.
O Espírito, por isso, deve ser cultivado como um terreno de
agricultura. Toda a colheita futura depende do trabalho de hoje. E
mais que os bens terrenos, o seu trabalho no campo moral de sua
alma o levará à gloriosa evolução. Será então que, compreendendo
a lei do amor, que une todos os seres, nela você buscará os suaves
prazeres da alma, que são os primeiros passos das alegrias celestiais.
(Lázaro, Paris, 1862.)
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9. O amor é de essência divina. Desde o mais elevado ao
mais primário, todos vocês têm, no fundo do coração, a centelha
desse fogo sagrado. Esse é um fato que vocês têm podido constatar
muitas vezes; o homem mais desprezível, o mais vil, o mais
criminoso, dedica por um ser ou por uma coisa qualquer, uma
afeição viva e calorosa, à prova de tudo quanto pudesse diminuí-la,
atingindo esse afeto, por vezes, tamanho sublime.
Eu disse por um ser ou uma coisa qualquer, porque existem,
entre vocês, pessoas que empregam os tesouros do amor, que se
derramam de seus corações, em animais, em plantas, e mesmo em
objetos materiais. Estas são criaturas que, preferindo a solidão e o
isolamento de outras pessoas, queixando-se da humanidade em geral,
oferecem resistência ao impulso natural de sua alma que busca, em
torno de si mesma, a afeição e a simpatia de seus semelhantes. Estas,
portanto, rebaixam a lei de amor à condição do instinto.
Mas, por mais se queixem e se isolem no cultivo de suas
preferências, elas não conseguirão sufocar a semente viva que Deus
depositou no seu coração, no momento de sua criação. Essa semente germinará um dia e se desenvolverá, crescendo com a
moralidade e a inteligência. Embora sufocada pelo egoísmo, essa
semente é a origem das santas e doces virtudes que fazem nascer as
afeições sinceras e duráveis e ajudam as criaturas a transpor o caminho
íngreme e árido da existência humana.
Há pessoas que sentem repugnância pela prova da
reencarnação, pelo temor que outros venham participar das simpatias
daqueles a quem dedicam o seu afeto. Pobres irmãos! O afeto de
vocês os torna egoístas. O amor que vocês cultivam está voltado
apenas ao círculo estreito de parentes ou de amigos e todas as demais
pessoas lhes são indiferentes. Pois bem! Para viver a lei de amor,
como Deus a quer, é necessário que vocês cheguem, passo a passo,
a amar todos os seus irmãos indistintamente.
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Esse exercício de amor poderá ser longo e difícil, mas ele se
realizará. Deus quer que seja assim. E a lei do amor é a primeira e
mais importante regra desta nova doutrina. Essa regra é que, um
dia, extinguirá o egoísmo, sob qualquer forma que se apresente,
uma vez que se existe o egoísmo pessoal, há também o egoísmo de
família, de casta, de nacionalidade.
Jesus disse: “Amai o vosso próximo como a vós mesmos”.
Ora, qual é o limite do próximo? Será a família, a seita religiosa, a
nação? Não! O próximo é toda a humanidade, são todos os homens.
Nos mundos superiores, é o amor recíproco que harmoniza e orienta
os Espíritos Elevados que os habitam. A Terra, destinada à evolução
que se aproxima, pela transformação dos homens e da sociedade,
verá os seus habitantes praticarem esta sublime lei de amor, reflexo
da própria Divindade.
Os efeitos da lei de amor são o crescimento moral da raça
humana e a felicidade no curso da vida terrena. Os mais rebeldes e
os mais viciosos deverão se reformar, quando eles virem os benefícios produzidos pela prática do princípio: “Não façais aos outros
o que não quereis que os outros vos façam, mais fazei, ao contrário,
todo o bem que esteja ao vosso alcance fazer”.
Caros e amados irmãos, utilizem com proveito essas lições.
Colocá-las em prática é difícil, porém a alma retira delas um bem
imenso. Creiam-me e façam o sublime esforço que eu lhes peço:
“Amem-se”, e vocês verão logo a Terra transformada em um paraíso,
onde as almas dos justos virão gozar o repouso. (Fénelon, Bordéus,
1861.)
10. Meus caros condiscípulos, os Espíritos aqui presentes lhes
dizem numa só voz: “Amem muito, a fim de vocês serem amados”.
Este pensamento é tão justo, que vocês nele encontrarão todo o
consolo e a calma para as dores de cada dia. Melhor ainda será pôr
em prática este sábio conselho, porque vocês se elevarão tanto acima
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das coisas materiais, que se espiritualizarão antes mesmo de deixarem
o corpo terreno.
Os conhecimentos Espíritas ampliam em vocês a
compreensão do futuro, dando-lhes uma certeza: vocês evoluirão
para Deus, com todas as promessas que respondem às aspirações de
sua alma. Por isso, vocês devem elevar-se bem alto para julgarem
sem as restrições criadas pelas coisas materiais e não mais condenarem
seu próximo antes de dirigirem os seus pensamentos a Deus.
Amar, no sentido profundo da palavra, é vocês serem leais,
corretos, conscienciosos, a fim de fazer aos outros o que queiram
que os outros façam por vocês mesmos. É procurar em torno de
vocês o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus
irmãos, para suavizá-las. É considerar a grande família humana como
a sua própria, porque essa grande família vocês a encontrarão muito
breve em mundos mais evoluídos. Afinal, os espíritos que constituem
essa grande família, assim como vocês, são filhos de Deus, destinados
a se elevarem ao Infinito.
Vocês não podem recusar a esses seus irmãos aquilo que Deus
lhes deu liberalmente, porque, de sua parte, vocês seriam bem felizes
se os seus irmãos lhes dessem aquilo de que vocês têm necessidade.
Para todos os sofredores dêem uma palavra de esperança e de apoio,
a fim de que vocês sejam todo amor e todo justiça.
Creiam que este sábio princípio: “Amem bastante para serem
amados”, abrirá um novo caminho nas suas vidas. Esse princípio é
revolucionário e segue a rota que é determinada, invariável.
Mas vocês, com esse conhecimento, já evoluíram, vocês que
me escutaram. Vocês estão infinitamente melhores do que eram há
cem anos. Vocês de tal maneira mudaram para melhor, que aceitam, sem repelir, uma imensidade de idéias novas sobre a liberdade
e a fraternidade, que vocês rejeitariam no passado. Por isso é que,
daqui a cem anos, vocês aceitarão com a mesma facilidade aquelas
idéias que ainda não puderam entrar na sua mente.
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Hoje, quando o movimento Espírita já deu um grande avanço,
vejam com que rapidez as idéias de justiça e de renovação moral,
contidas nas mensagens dos Espíritos, são aceitas pela maior parte
das pessoas inteligentes. É que essas idéias são uma resposta a tudo
o que há de divino em vocês. É que o campo de suas almas está
preparado por uma sementeira fecundada, que começou no século
passado, implantando na sociedade as grandes idéias da evolução.
Como tudo segue uma ordenação do Altíssimo, todos os
ensinamentos que vocês acolheram e aceitaram, realizarão a mudança
universal do amor ao próximo. Pela lei do amor, os espíritos
encarnados, julgando melhor e sentindo melhor, dar-se-ão as mãos
em todas as partes da Terra. Todos se reunirão, por se entenderem e
se amarem, para extinguir todas as injustiças, todas as causas de
desentendimentos entre os povos.
Grande pensamento de renovação pelo Espiritismo, tão bem
exposto em O Livro dos Espíritos, vocês produzirão o grande milagre
do século futuro, que é a reunião de todos os interesses materiais e
espirituais dos homens, pela aplicação deste ensinamento bem
compreendido: “Amai bastante, para serdes amados”. (Sansão, antigo
membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863.)
O EGOÍSMO
11. O egoísmo, esta chaga da humanidade, precisa desaparecer
da Terra, porque impede a sua evolução moral. É ao Espiritismo
que está reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos
mundos.
O egoísmo é, portanto, a enfermidade contra a qual todos
devem aplicar os medicamentos necessários, com toda a sua fé e
toda a sua perseverança, porque esta é a qualidade de que vocês
mais necessitam para vencer a si mesmos, sem se ocupar de querer
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CAPÍTULO XI
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vencer o seu próximo. Que cada um, por conseguinte, empenhe
todos os seus esforços para curar a ferida do egoísmo em si próprio,
porque esse monstro devorador de todas as inteligências é filho do
orgulho e é a origem de todas as misérias terrenas.
O egoísmo é a negação da caridade e, conseqüentemente, o
grande obstáculo para a felicidade dos homens.
Jesus lhes deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos o
exemplo do egoísmo, porque, enquanto o Justo vai percorrer as
santas estações de seu martírio, Pilatos lava as mãos dizendo: “Este
homem é justo, por que o quereis crucificar?” – E, no entanto, ele
deixa que conduzam Jesus ao suplício.
É por esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, esta
lepra que invadiu o coração do homem, que o cristianismo ainda
não cumpriu toda a sua missão. É a vocês, novos apóstolos da fé,
que os Espíritos Superiores esclarecem, que cabe a tarefa e o dever
de extirpar esse mal. Só assim o cristianismo disporá de toda a sua
força para limpar o caminho que conduz à espiritualização. Só assim
serão afastadas as pedras que entravam o desenvolvimento da
doutrina do Cristo.
Expulsem o egoísmo da Terra e ela subirá na escala dos
mundos, pois já é tempo de a humanidade vestir a sua verdadeira
roupagem espiritual, mas para isso é necessário que primeiro vocês
expulsem o egoísmo de seus corações. (Emmanuel, Paris, 1861.)
12. Se os homens se amassem uns aos outros com o mesmo
amor, a caridade seria mais bem praticada. Mas, para isso, seria
necessário que vocês se empenhassem em desembaraçar-se da couraça
do egoísmo que recobre os seus corações, a fim de eles se tornarem
mais sensíveis aos sofrimentos de seu próximo. A dureza do coração
mata os bons sentimentos.
O Cristo nunca se esquivava daquele que o buscava, fosse
quem fosse, e não repelia a ninguém. A mulher adúltera, o
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criminoso, todos eram amparados por Ele. Jesus, inclusive, não
temeu jamais que a sua reputação sofresse por isso.
Quando vocês o tomarão por modelo de suas ações?
Se a caridade reinasse sobre a Terra o mal não imperaria nela.
O mal fugiria envergonhado, ocultando-se, porque em toda parte se sentiria
deslocado. O mal, então, desapareceria, fiquem bem compenetrados nisso.
Comecem por dar o exemplo da caridade vocês mesmos.
Sejam caridosos com todos, sem escolher pessoas. Esforcem-se para
não ficar notando aqueles que os olham com desdém. Deixem a
Deus o cuidado de toda a Justiça, pois todos os dias, no seu reino,
Ele separa o joio do trigo, separa o bom do mau.
O egoísmo é a negação da caridade. Sem caridade, porém,
não haverá tranqüilidade na vida entre os homens e, digo mais, não
haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam sempre
juntos, a vida será sempre uma correria em que vence o espertalhão,
uma luta de interesses pessoais em que se calcarão aos pés as mais
santas afeições, em que nem os sagrados laços de família serão ao
menos respeitados. (Pascal, Sens, 1862.)
A FÉ E A CARIDADE
13. Há pouco, eu lhes disse, meus queridos filhos, que a
caridade sem a fé não será suficiente para manter entre os homens
uma ordem social capaz de torná-los felizes. Eu deveria ter dito que
a caridade é impossível sem a fé. Vocês poderão encontrar, é verdade,
impulsos generosos, mesmo entre pessoas que não tenham religião
definida. Mas essa caridade séria, que só pode ser exercida com
abnegação, com sacrifício diário de todo e qualquer interesse
egoístico, essa somente a fé pode inspirá-la. Nada, além da fé, nos
fará carregar com coragem e perseverança a cruz desta vida.
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Sim, meus filhos, é em vão que o homem, desejoso de
prazeres fáceis, se ilude sobre o seu destino nesse mundo, pretendendo
que lhe seja permitido ocupar-se apenas de sua própria felicidade. É
certo que Deus nos criou para sermos felizes na eternidade. A vida
terrena, porém, deve unicamente servir para o nosso aperfeiçoamento
moral, que se alcança mais facilmente com o auxílio do corpo físico
e das coisas materiais. Por isso as dificuldades da vida, a diversidade
de gostos, de pendores, de necessidade, são meios utilizados para
que vocês evoluam moralmente, exercitando-se na caridade. O
motivo é que somente à custa de concessões e sacrifícios mútuos é
que vocês podem manter a harmonia entre tendências tão diversas
que vocês têm.
Vocês têm, contudo, razão em afirmar que a felicidade está
destinada ao homem nesse mundo, se ele a procurar, não nos prazeres
materiais, mas na prática do bem. A história do cristianismo fala de
mártires que caminhavam para o suplício com alegria. Hoje, porém,
na sua sociedade, para vocês serem cristãos, não se faz necessário
nem o sacrifício da fogueira, nem o sacrifício da vida, mas única e
simplesmente o sacrifício de seu egoísmo, de seu orgulho e de sua
vaidade pessoal.
Vocês triunfarão, se a caridade os inspirar e se a fé os sustentar.
(Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861.)
CARIDADE COM OS CRIMINOSOS
14. A verdadeira caridade é um os mais sublimes ensinamentos
que Deus deu ao mundo. A caridade deve existir entre os verdadeiros
discípulos da sua Doutrina na forma de uma completa fraternidade.
Vocês devem amar, também, os infelizes, os criminosos, como
criaturas de Deus, para os quais o perdão e a misericórdia serão
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concedidos, se eles se arrependerem, como para vocês mesmos foram
concedidos para as faltas que vocês cometeram contra a Lei Divina.
Pensem bem que vocês são mais sujeitos à repressão, mais culpados
do que aqueles aos quais vocês recusam o perdão e a comiseração.
Quase sempre eles não conhecem a Deus como vocês conhecem e,
por isso, para eles será menos pedida a fidelidade à Lei Divina, do
que a vocês que conhecem essa Lei.
Não julguem, oh! não julguem, meus queridos amigos,
porque o julgamento que vocês fizerem lhes será aplicado ainda
mais severamente. Vocês têm necessidade de indulgência para as
faltas que vocês cometem todos os dias. Vocês não sabem que há
muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza, mas que
o mundo as considera como se fossem erros leves?
A verdadeira caridade não consiste tão-somente na esmola
que vocês dão, nem mesmo tão-só de palavras de consolação que
vocês fazem acompanhar a esmola dada. Não! Não é apenas isso o
que Deus exige de vocês! A caridade sublime, ensinada por Jesus,
consiste também na benevolência constante e em todas as coisas
que vocês dêem ao seu próximo.
Vocês podem, ainda, praticar essa sublime virtude da caridade
com muitas criaturas que não necessitam de esmolas, mas são carentes
de palavras de amor, de consolação, de encorajamento, para serem
conduzidas ao Senhor.
Os tempos se aproximam, eu lhes repito, em que a grande
fraternidade reinará sobre a Terra. A lei do Cristo será a que regerá a
conduta entre os homens. Somente essa lei será o que conterá os
desvarios e fará nascer a esperança, e conduzirá as almas às moradas
da bem-aventurança.
Amem-se, como filhos do mesmo Pai!
Não façam diferenças entre vocês e os infelizes, porque Deus
quer que todos sejam iguais. Não menosprezem nenhuma pessoa.
Deus quer que os grandes criminosos estejam entre vocês, a fim de
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que eles lhes sirvam de aprendizagem. Dentro de pouco tempo,
quando os homens serão levados às verdadeiras leis de Deus, já não
haverá necessidade dessas chocantes lições do mal e, então, todos os
Espíritos impuros e revoltados serão exilados para mundos inferiores
que ainda se afinizam com essas inclinações infelizes.
Vocês devem, para esses que lhes falo, o amparo de suas
orações. Essa é a verdadeira caridade. Vocês não devem dizer de um
criminoso: “Este é um miserável; deve ser extirpado da Terra; a
morte que lhe apliquem é muito branda para uma pessoa dessa
espécie”.
Não! Não é assim que vocês devem falar. Recordem-se do
seu modelo, Jesus. Que diria Jesus se visse um infeliz desses ao seu
lado? Ele o lamentaria e o consideraria como um doente bem infeliz.
Jesus lhe estenderia a mão.
Vocês não podem, na realidade, fazer o mesmo. Mas, pelo
menos, vocês podem orar por esse infeliz. Podem prestar-lhe
assistência espiritual, durante o tempo que ele haja de passar sobre a
Terra. O arrependimento pode tocar o coração desse infeliz, se vocês
orarem com fé. Esse infeliz é tanto o seu próximo como o é o
melhor dentre os homens. A alma desse infeliz transviado e revoltado
foi criada como a de vocês mesmos, destinada à perfeição. Ajudemno, portanto, a sair do lodo e orem por ele. (lsabel da França, Havre,
1862.)
EXPOR A VIDA POR UM CRIMINOSO
15. Um homem está em perigo de morte. Para salvá-lo, é
necessário expor a própria vida. Mas, sabe-se que esse homem é um
malfeitor e que, se ele se salvar, poderá cometer outros crimes. Devese, apesar disso, arriscar a própria vida para salvá-lo?
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Esta é uma questão grave.
Ela pode apresentar-se a você!
Eu a responderei, segundo a minha evolução moral, pois o
que se trata é de saber se convém expor a sua vida, mesmo por um
malfeitor.
O devotamento é cego: socorre-se um inimigo e, deve-se,
portanto, socorrer a um inimigo da sociedade, ou seja, um malfeitor.
Crêem vocês que é somente da morte que se vai salvar esse
infeliz? Talvez seja ele salvo de toda a sua vida passada. Porque,
pensem nisso, nos rápidos instantes em que ocorrem os derradeiros
minutos de vida, o homem revê toda a sua existência passada, ou
seja, toda a sua última existência se levanta diante dos seus olhos. A
morte, talvez, lhe chegue muito cedo. A reencarnação, por isso,
pode ser-lhe dolorosa.
Atirem-se, pois, ó homens! Atirem-se todos vocês que a
ciência Espírita esclareceu! Atirem-se e o arrebatem de sua
condenação e, talvez, esse homem que teria morrido a maldizerlhes, se lançará em seus braços.
Vocês, todavia, não devem perguntar se ele se lançará ou não
aos seus braços, mas devem correr a seu socorro para, salvando-o,
obedecerem a essa voz do coração que lhes diz: “Tu podes salvá-lo,
salva-o!”. (Lamennais, Paris, 1862.)
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RETRIBUIR O MAL COM O BEM
1. Porque em vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos
escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. –
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam
e vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça
sobre justos e injustos. Porque se amardes os que vos amam, que galardão
tereis? Não fazem o mesmo os publicanos? E, se saudardes unicamente
os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também
assim? (Mateus, capítulo 5, versículos 20 e 43 a 47.)
2. E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis?
Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos
que vos fazem o bem, que recompensas tereis? Também os pecadores
fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a
receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos
pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos
inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande
o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até
para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também
vosso Pai é misericordioso. (Lucas, capítulo 6, versículos 32 a 36.)
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3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade, amar a
seus inimigos é a sua aplicação sublime, porque esta virtude é uma
das grandes vitórias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.
No entanto, geralmente nos confundimos sobre o sentido
da palavra amor, quando aplicada ao amor aos inimigos. Jesus não
pretendeu, na sua aplicação, que tivéssemos pelo inimigo a mesma
ternura que temos por um irmão ou por um amigo. A ternura está
fundamentada na confiança. Mas ninguém pode depositar confiança
naquele que nos quer mal. Ninguém pode ter com o inimigo as
demonstrações de amizade, desde que se saiba que ele é capaz de
abusar dessa amizade. Entre pessoas que desconfiam umas das outras,
não poderão existir esses laços de simpatia que existem entre aqueles
que partilham das mesmas idéias. Não se pode, enfim, sentir-se o
mesmo prazer ao encontrar um inimigo, que aquele que se sente ao
encontrar um amigo.
Esse sentimento de desconforto, ao se encontrar um inimigo,
resulta mesmo de uma lei física: a de assimilação e de repulsão de
fluidos. O mau pensamento irradia uma corrente fluídica que
envolve a outra criatura numa sensação penosa. O pensamento
benevolente envolve os demais numa sensação descontraída e
agradável. Daí a diferença de sensações que se experimenta com a
aproximação de um amigo ou de um inimigo.
Amar seus inimigos não pode, pois, significar que nenhuma
diferença você fará entre eles e os seus amigos. Se esse princípio de
amor parece difícil, até mesmo impossível de pôr em prática, é
apenas por entender-se, falsamente, que se mandou dar aos amigos
e inimigos o mesmo lugar no coração.
A pobreza da linguagem humana obriga a que se sirva da
mesma palavra para exprimir diversas formas de sentimentos. Caberá,
então, à razão estabelecer as diferenças necessárias dos sentimentos,
para uma mesma palavra, segundo o emprego que se lhe dê.
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Amar seus inimigos não é, portanto, ter para com eles uma
afeição que não é natural, porque a presença de um inimigo faz o
coração palpitar de uma outra maneira do que quando bate se você
se encontra com um amigo. Amar os inimigos é não ter contra eles
nem ódio, nem rancor e nem desejo de vingança. É perdoá-los sem
uma segunda intenção e sem nenhuma condição, pelo mal que nos
fizeram. É não criar obstáculos para a reconciliação. É desejar-lhes o
bem e não o mal. É sentir alegria, e não aflição, com o bem que eles
alcancem. É estender-lhes a mão amiga em caso de eles terem
necessidades. É abster-se, por palavras e por atos, de tudo que os
possa prejudicar. É, enfim, dar-lhes em tudo o mal com o bem,
sem intenção de humilhá-los.
Aquele que assim faz, cumpre as condições do mandamento:
“Amai os vossos inimigos”.
4. Amar seus inimigos é uma falta de senso para o incrédulo.
Aquele para quem a vida presente é tudo, não vê no seu inimigo
mais do que uma criatura nociva que lhe perturba o repouso e da
qual somente a morte, pensa o incrédulo, irá libertá-lo. Daí o desejo
de vingança.
O incrédulo não tem nenhum interesse em perdoá-lo, a
menos que seja para satisfazer o seu orgulho aos olhos de outras
pessoas. Perdoar mesmo, em certos casos, vai parecer-lhe uma
fraqueza indigna de sua personalidade. Se não se vinga, nem por
isso deixa de guardar rancor e ter um secreto desejo de fazer o mal a
seu inimigo.
Para o crente, e ainda mais para o Espírita, a maneira de ver é
toda outra, porque o Espírita dirige o seu olhar sobre o passado e
sobre o futuro, sabendo que entre o passado e o futuro está a vida
presente como um estágio de aprendizagem. O Espírita sabe que,
pela própria destinação da Terra como mundo de provas e expiações,
ele deve esperar encontrar-se com homens maus e perversos. Sabe
que maldades com que se depara fazem parte das provações que lhe
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cabe suportar. Examinando a maldade por esse ângulo, as
contrariedades se tornam menos amargas, quer venham dos homens, quer das coisas. Se ele não se queixa contra as provações, ele
não deve queixar-se contra aqueles que são os instrumentos de suas
provas. Se, em lugar de lamentar, agradecer a Deus pelas provações,
ele deve, também, agradecer a mão que lhe abre a oportunidade de
revelar a sua paciência e a sua resignação.
Esse pensamento o disporá, naturalmente, ao exercício do
perdão. O Espírita sente, então, que se tornou mais generoso e
cresceu espiritualmente a seus próprios olhos e mais longe se põe
do alcance dos dardos de seu inimigo.
O homem que ocupa uma posição elevada no mundo não se
julga ofendido pelos insultos daquele a quem considera como seu
inferior. Assim também se dá com aquele que se eleva no mundo
moral, colocando-se acima das pessoas que estão presas às coisas
materiais. Ele compreende, por isso, que o ódio e o rancor o
aviltariam e o rebaixariam. Para ser, portanto, superior moralmente
a seu adversário, faz-se necessário que ele tenha uma alma maior,
mais nobre e mais generosa do que a de seu inimigo.
INIMIGOS DESENCARNADOS
5. O Espírita tem ainda outros motivos de indulgência para
com seus inimigos. Ele sabe, mais que os outros, que a maldade
não é um estado permanente dos homens. Ele sabe que a maldade
é uma imperfeição temporária e que, do mesmo modo que a criança
se corrige de suas faltas, o homem desequilibrado espiritualmente
reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom.
O Espírita sabe, também, que a morte somente o livrará da
presença física do seu inimigo. E sabe, igualmente, que morto, o
seu inimigo poderá persegui-lo com o seu ódio, mesmo depois de
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haver deixado a Terra. Sabe, assim, que a vingança tomada, falha ao
seu objetivo. Que, ao contrário de distanciá-lo de seu inimigo, a
vingança gera uma irritação enorme que pode prosseguir de uma
existência para outra.
Caberia ao Espiritismo provar, pela experiência e pela lei que
rege as relações do mundo visível com o mundo invisível, que a
expressão: “Extinguir o ódio com o sangue”, é inteiramente falsa. A
verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo na vida espiritual
inferior. O Espiritismo nos dá, por conseqüência, uma outra razão
efetiva e uma outra utilidade prática ao perdão e à sublime máxima
do Cristo: “Amai os vossos inimigos”.
Não há coração tão perverso que não se deixe tocar pelas
boas ações, mesmo que seja a contragosto. Pelas boas ações, tira-se
do inimigo toda desculpa para as represálias. De um inimigo, então, se pode fazer um amigo, antes e depois da morte.
Com as más ações o inimigo se irrita e é, então, que ele se
torna o instrumento da Justiça Divina, para cobrar o amor não
vivido daquele que não perdoou.
6. Pode-se, pois, ter inimigos entre os encarnados e entre os
desencarnados.
Os inimigos do mundo espiritual manifestam maldades pelas
obsessões e pelas subjugações a que tantas pessoas estão expostas.
Tais desajustes são uma variedade das provações da vida. Estas
provações, como as outras, contribuem para a evolução moral e
devem, por isso, ser aceitas com resignação e como conseqüência
da natureza inferior da Terra.
Se não existissem homens de caráter infeliz sobre a Terra, não
haveria Espíritos infelizes nas regiões em torno da Terra. Se devemos
ser indulgentes e benévolos para com os inimigos encarnados, por
conseqüência devemos ser igualmente indulgentes e benevolentes
para com os inimigos desencarnados.
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No passado, eram sacrificadas vítimas num banho de sangue
para aplacar os gênios infernais, que não eram outros a não ser esses
mesmos Espíritos infelizes a que nos referimos. A esses deuses
infernais sucederam os demônios, que são a mesma coisa.
O Espiritismo vem provar que esses antigos demônios não
são mais que as almas dos homens perversos, que ainda não se
despojaram dos instintos materiais. Prova, também, que ninguém
consegue tranqüilizá-los a não ser pelo sacrifício do ódio existente, ou
seja, pela caridade praticada.
A caridade não tem apenas o efeito de impedi-los de fazer o
mal, mas também o efeito de induzi-los no caminho do bem e de
contribuir para a evolução deles. É assim que a máxima: “Amai os
vossos inimigos” não fica limitada ao meio estreito da Terra e da
vida atual, porém faz parte da grande lei de solidariedade e da fraternidade universais.
FERIR NA FACE DIREITA
7. Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal, mas, se alguém vos bater
na face direita oferecei também a outra; e ao que quiser pleitear
convosco, e tirar-vos o vestido, largai-lhe também a capa. E, se alguém
vos obrigar a caminhar uma milha, ide com ele duas. Dai a quem vos
pedir, e não vos desvieis daquele que quiser que lhe empresteis. (Mateus,
capítulo 5, versículos 38 a 42.)
8. A intolerância dos homens, sobre o que se chama de honra
pessoal, criou uma sensibilidade doentia, nascida do orgulho e da
exagerada importância que cada um dá a si mesmo. Isso leva o
homem a responder a uma ofensa com outra ofensa, um golpe
com outro golpe. E a resposta do mal com outro mal, parece justa
para aqueles cujo senso moral não se eleva acima das paixões terrenas.
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Por isso é que a lei mosaica dizia: “Olho por olho e dente por
dente”, lei essa que estava em harmonia com os tempos em que
Moisés vivia. Mas veio o Cristo e disse: “Retribuí o mal com o
bem”. E disse ainda: “Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se
alguém bater numa face, oferecei-lhe também a outra”.
Aos orgulhosos, esta máxima parecerá uma covardia, porque
eles não compreendem que há mais coragem em suportar um insulto
do que em tomar uma vingança. E não compreendem pelo fato de
sua visão não ir além da vida atual.
Deve-se, entretanto, tomar essa máxima ao pé da letra? Não,
da mesma maneira que não se toma ao pé da letra aquela em que
Jesus diz para arrancar o olho, se ele é uma causa de escândalo. Se
levado até às suas últimas conseqüências, aquele ensinamento
condenaria toda repressão, mesmo a legal, e deixaria o campo livre
aos maus, que nada teriam a temer.
Se não se colocasse um freio nas agressões dos maus, muito
depressa todos os homens bons seriam as suas vítimas. O próprio
instinto de conservação, que é uma lei da Natureza, impede que
alguém entregue, de boa vontade, o seu pescoço ao assassino.
Compreenda-se, pois, que o ensinamento de Jesus não impede
a defesa, mas condena a vingança. Ao dizer que apresentemos a outra
face quando formos batidos numa, Ele disse, sob outra forma, que
não se deve retribuir o mal com o mal; que o homem deve aceitar
com humildade tudo o que lhe abata o orgulho; que é mais glorioso
para o homem ser ofendido do que ofender, suportar pacientemente
a injustiça do que ele mesmo ser injusto; que vale mais ser enganado
do que ser o enganador, arruinado do que arruinar os outros.
Temos aí, ao mesmo tempo, a condenação das rixas, que
nada mais são do que a manifestação do orgulho ferido. A fé na
vida futura e na Justiça Divina, que jamais deixa o mal sem
conseqüências dolorosas, pode dar ao homem a força para suportar
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pacientemente os golpes desferidos nos seus interesses e no seu amorpróprio.
Eis porque lhes dizemos sem cansar: “Lancem o seu olhar
para o futuro! Quanto mais vocês se elevarem, pelo pensamento,
acima de vida material, menos vocês se sentirão feridos pelas coisas
da Terra”.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A VINGANÇA
9. A vingança é uma das últimas manifestações de costumes
primitivos que estão a desaparecer no meio dos homens. Ela é um
dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens, em que se debatia a
humanidade no começo da era cristã. Eis porque a vingança é uma
indicação certa do estado de atraso dos homens que a ela se entregam
e dos espíritos que ainda podem inspirá-la.
Portanto, meus amigos, o sentimento de vingança não deve
jamais vibrar no coração daquele que se diz e se afirma Espírita.
Vingar-se é, vocês o sabem, tão contrário a esta prescrição do Cristo:
“Perdoai a vossos inimigos”, que aquele que se recusa a perdoar, não
somente não é Espírita, como nem mesmo é cristão.
A vingança é um desejo tão funesto quanto a falsidade e a
baixeza que são suas companheiras assíduas. Com efeito, aquele
que se abandona a essa fatal e cega paixão, quase nunca se vinga à
luz do dia. Quando ele é o mais forte, cai como uma fera sobre
aquele que considera seu inimigo, desde que a presença deste venha
a inflamar a sua paixão, a sua cólera e o seu ódio.
Na maioria das vezes, porém, o vingador assume aparência
hipócrita, ocultando no fundo de seu coração os maus sentimentos
que o animam. Ele toma caminhos escusos; segue nas sombras de
seu inimigo sem despertar desconfianças, esperando o momento
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certo para feri-lo sem colocar-se, o vingador, em perigo. Escondese do outro, vigiando-o o tempo todo, preparando-lhe odiosas
armadilhas e, quando surge a ocasião, derrama-lhe veneno no copo.
Se o ódio do vingador, porém, não chega a tais extremos,
aquele que deseja vingar-se ataca o perseguido na honra e nas suas
afeições. Ele lança mão da calúnia e, no círculo de amizades e de
trabalho do perseguido, vai insinuando maldades. Assim, quando
perseguido, comparece nos lugares onde o seu perseguidor destilou
as maldosas insinuações, admira-se de encontrar semblantes frios
naquelas pessoas que antes eram amigas e bondosas. Fica estupefato
quando as mãos que se estendiam para a sua, agora se recusam a
apertá-la. Enfim, o perseguido se sente aniquilado quando seus
amigos mais caros e seus parentes se desviam e se afastam de si.
Ah! O covarde que se vinga assim é cem vezes mais criminoso
do que aquele que vai direto ao inimigo e o insulta cara a cara!
Atire fora, portanto, esses costumes selvagens! Atire fora esses
hábitos de outros tempos! Todo Espírita que pretendesse ter, ainda
hoje, o direito de vingar-se seria indigno de figurar por mais tempo
na falange que tomou por divisa: “Fora da caridade não há salvação!”.
Mas, não, eu não posso deter-me na idéia que um membro da
grande família Espírita se atreva jamais a se render ao impulso de
vingança, porque diante do insulto ele se inclinará para o perdão.
(Júlio Oliver, Paris, 1862.)
O ÓDIO
10. Amem-se uns aos outros, e vocês serão felizes. Empenhemse sobretudo na tarefa de amar aqueles que lhes provocam um
sentimento de indiferença, de ódio e de desprezo. O Cristo, que vocês
devem fazer o seu modelo, já lhes deu o exemplo desse devotamento.
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Missionário do Amor, Ele amou até dar o seu sangue e a sua vida
por amor.
O sacrifício a que vocês se obrigam por amar aqueles que os
ultrajaram e perseguem é penoso, mas é exatamente esse sacrifício
que os torna superiores aos que ferem vocês. Se vocês os odiassem
como eles os odeiam, não valeriam mais do que eles. É essa a oferenda
sem mácula que vocês oferecem a Deus no altar de seus corações,
oferenda de agradável aroma, cujos perfumes sobem até Ele.
Se bem que a lei do amor mande que vocês amem
indistintamente a todos os seus irmãos, essa lei não revestirá o seu
coração contra os maus procedimentos. Essa é, ao contrário, a
provação mais penosa, eu o sei, porque na minha última existência
terrena eu experimentei essa tortura.
Mas a Justiça Divina se cumpre nos que violam a lei do amor.
Não esqueçam, meus queridos filhos, que o amor aproxima
de Deus e o ódio o distancia d’Ele. (Fénelon, Bordéus, 1861.)
* Nota do Tradutor – Por tratar-se de uma versão popular e atual, deixamos de incluir,
aqui, a tradução das páginas referentes ao duelo, que constam do original francês, por
ser essa uma etapa moral vencida pela humanidade e que hoje é apenas um doloroso
costume de um passado primitivo que, graças a Deus, já superamos!
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FAZER O BEM SEM OSTENTAÇÃO
1. Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens,
para serdes vistos por eles. Aliás não tereis galardão junto de vosso Pai,
que está nos céus. – Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta
diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas para
serem glorificados pelos homens. – Em verdade vos digo que já
receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a
tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja
dada ocultamente, e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará.
(Mateus, capítulo 6, versículos 1 a 4.)
2. E descendo Jesus do monte, seguiu-o uma grande multidão.
E eis que veio um leproso, e o adorou dizendo: Senhor, se quiseres,
podes tornar-me limpo. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo:
Quero; sê limpo. – E logo ficou purificado da lepra. – Disse-lhe então
Jesus: Olha, não digas a ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e
apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhes servir de
testemunho. (Mateus, capítulo 8, versículos 1 a 4.)
3. Fazer o bem sem ostentação é um grande mérito. Esconder
a mão que dá é ainda mais meritório. Esta conduta é o sinal de
uma grande superioridade moral. É que para ver as coisas de um
modo mais alto que o comum, é necessário separar-se mentalmente
da vida presente e ajustar-se com a vida futura. Por outras palavras,
é necessário colocar-se acima da humanidade, para renunciar à
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satisfação que procura o testemunho dos homens, e esperar a
aprovação de Deus.
Aquele que prefere a aprovação dos homens ao bem que faz,
mais do que a aprovação de Deus, demonstra que tem mais fé nos
homens do que em Deus. Demonstra, também, que a vida presente
é para ele mais do que a vida futura ou que até mesmo não crê na
vida futura. Se, no entanto, ele diz que crê na vida futura, age como
se não acreditasse no que ele mesmo diz.
Quantos há que só fazem um benefício com a esperança de
que o beneficiado vá anunciar por toda parte o benefício recebido!
Quantos há que, à vista de todos, dão uma grande soma, mas se
estiverem a sós não dariam uma só moeda! Foi para eles que Jesus
disse: “Aqueles que fazem o bem com ostentação já receberam a sua
recompensa”. Com efeito, aqueles que buscam a sua glorificação na
Terra, pelo bem que façam, já se pagaram a si mesmos. Deus não
lhes deve mais nada. Só lhes resta receber as desilusões que nascem
do orgulho.
Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita é uma imagem
simbólica que caracteriza admiravelmente a beneficência modesta.
Porém, se há modéstia verdadeira, há também modéstia falsa, uma
imitação barata de modéstia. Pois há pessoas que escondem a mão
que dá o auxílio, mas têm o cuidado de deixar aparecer um
pedacinho, olhando em volta para certificar-se se alguém não as viu
ocultá-la. Essa é uma comédia indigna dos ensinamentos de Cristo.
Se os benfeitores orgulhosos são desapreciados entre os
homens, o que não lhes acontecerá perante Deus? Também esses já
receberam a sua recompensa na Terra. Foram vistos e estão satisfeitos
de terem sido vistos e isso lhes basta.
E qual será a recompensa daquele que faz pesar os seus
benefícios sobre o beneficiado, que lhe exige de algum modo os
testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição de
benfeitor, destacando o preço dos sacrifícios que suportou pelo
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beneficiado? Oh! Para esse, nem mesmo existe a recompensa terrena,
porque está desprovido da doce satisfação de ouvir bendizer o seu
nome, e essa é a primeira desilusão de seu orgulho. As lágrimas que
esse orgulhoso secou por vaidade, ao invés de subirem ao céu,
recaíram sobre o coração do próprio aflito e abriram-lhe uma ferida
maior. O bem que o vaidoso fez é sem proveito para ele mesmo,
pois que ele o deplora e todo benefício deplorado é moeda falsa,
sem nenhum valor.
A beneficência sem ostentação tem duplo merecimento. Além
de ser caridade material é também caridade moral. Ela não machuca
o sentimento do beneficiado. Ela leva o beneficiado a aceitá-la, sem
que o seu amor-próprio sofra, resguardando a sua dignidade pessoal.
É que há alguém que aceita prestar um serviço, mas que rejeita
receber uma esmola. Porém converter um serviço em esmola, pela
maneira de exigi-lo, é humilhar aquele que o recebe. E há sempre
orgulho e maldade em humilhar alguém.
A verdadeira caridade é delicada e engenhosa para dissimular
o benefício, a fim de evitar até as menores aparências do benefício
capazes de melindrar, porque toda mágoa moral aumenta o
sofrimento que nasce da necessidade.
A verdadeira caridade sabe encontrar palavras brandas e amigos
que colocam o beneficiado à vontade diante do benfeitor, enquanto
que a caridade orgulhosa esmaga o carente de amparo. O sublime
da verdadeira generosidade está no benfeitor saber inverter os papéis,
encontrando um meio de parecer que ele mesmo é o beneficiado
diante daquele que lhe presta um serviço.
Eis, aqui, o que querem dizer estas palavras de Jesus: “Que a
mão esquerda não saiba o que faz a mão direita”.
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INFORTÚNIOS OCULTOS
4. Nas grandes calamidades públicas, a caridade se agita e
você verá generosos impulsos para socorrer os desastres. Mas, ao
lado desses desastres gerais, há milhares de acidentes pessoais que
passam desapercebidos, como aqueles de gente que está numa cama
pobre sem se queixar. Estes são os infortúnios silenciosos e ocultos
que a verdadeira generosidade sabe descobrir, sem esperar que aqueles
que sofrem venham a suplicar por amparo.
Quem é esta senhora de ar distinto, de roupas simples, embora
bem cuidadas, acompanhada de uma jovem filha vestida também
modestamente? Ela entra num casebre de dolorosa aparência, onde
sem dúvida é conhecida, pois a sua chegada é saudada com respeito.
Aonde vai ela?
Vai ao encontro de uma mãe de família, que está rodeada de
filhos pequenos. A sua presença faz a alegria brilhar naquelas faces
descoradas. É que ela vem ali acalmar todas as dores. Ela traz o que
lhes é necessário, recoberto de doces e consoladoras palavras de
ânimo. Assim, faz que aceitem o benefício sem envergonharem-se,
pois que esses infortunados não são profissionais de mendicância.
O pai está num hospital e, enquanto lá permanece, a mãe não tem
o suficiente para atender as necessidades da família.
Graças a essa senhora, as pobres crianças não mais sentirão
nem frio e nem fome. Irão para a escola agasalhadas e no seio da
mãe não faltará o leite para os menorzinhos. Se, entre essas sofridas
criaturas, alguma adoece, ela não se sentirá mal em prestar-lhe o
amparo material.
Daqui, essa senhora seguirá para o hospital, a fim de levar ao
pai algum reconforto e tranqüilizá-lo sobre a situação da família.
Numa esquina da rua, um veículo a espera, verdadeiro
armazém de tudo o que vai levar aos seus protegidos, que ela visita
sempre. Ela não lhes pergunta nem a religião, nem quais são as suas
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opiniões, pois que para ela todos os homens são seus irmãos e filhos
de Deus.
Quando as visitas terminam, ela diz a si mesma: “Eu comecei
bem o meu dia”.
Qual é o seu nome?
Onde mora?
Ninguém o sabe!
Para os infelizes, o seu nome não é conhecido, mas ela é, para
todos eles, o anjo da consolação e, à noite, um coro de bênçãos se
eleva para ela ao Pai Celestial. Católicos, judeus, evangélicos, todos
a bendizem.
Por que esta roupa tão simples? É para não ferir a miséria
com o luxo. Por que se faz acompanhar pela sua jovem filha? É
para esta aprender como se pratica a beneficência.
Sua filha também quer fazer a caridade, mas a sua mãe lhe
diz: “Que pode você doar, minha filha, se nada você tem de seu? Se
eu lhe der qualquer coisa para passá-la a outros, qual será o seu
mérito? Na realidade, aí serei eu que farei a caridade e que
merecimento você teria nisso? Isso não é justo! Quando formos
visitar os doentes, você me ajudará a tratá-los. Ora, dispensar
cuidados é dar alguma coisa. Isso não lhe parece suficiente? Se não
lhe parece suficiente, então nada mais simples do que você aprender
a fazer obras úteis, costurando roupinhas para as criancinhas, porque
desse modo você doará alguma coisa que vem de você mesma”.
Assim é que esta mãe, verdadeiramente cristã, vai desenvolvendo
a sua filha para a prática das virtudes ensinadas pelo Cristo.
Ela é Espírita?
Que importa isso!
No meio em que vive, é a mulher comum ao círculo de suas
relações, porque a sua posição social o exige. Mas ignoram o que
ela faz, porque ela não deseja outra aprovação às suas ações, que não
seja a aprovação de Deus e a de sua própria consciência.
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Porém, certo dia, uma ocorrência imprevista leva até à sua
casa uma de suas protegidas, que andava a vender trabalhos manuais.
Esta vendedora, ao vê-la, nela reconheceu a sua benfeitora. Mas ela
lhe disse: “Silêncio! Não digas a ninguém!”. – Assim falava Jesus.
O ÓBOLO DA VIÚVA
5. E olhando, Jesus viu os ricos lançarem as suas ofertas na arca
do tesouro. E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas
moedas e disse: Em verdade vos digo que lançou mais do que todos,
esta pobre viúva. Porque todos aqueles deitaram para as ofertas de
Deus do que lhes sobeja, mas esta, da sua pobreza, deitou todo o
sustento que tinha. (Lucas, capítulo 21, versículos 1 a 4.)
6. Muita gente se queixa de não poder fazer todo o bem que
teria vontade, por falta de recursos suficientes. Dizem que desejariam
ter uma grande fortuna para dela fazer uso no campo do bem.
Essa intenção, não há dúvida, é louvável. Pode até ser sincera
da parte de alguns. Mas seria sincero da parte de todos um tão
completo desinteresse pessoal? Não haveria quem, em desejando
fazer o bem para os outros, se sentiria melhor se começasse a fazê-lo
a si próprio, dotando-se de mais alguns prazeres, de um pouco mais
do supérfluo que lhe falta, pronto a doar o resto aos pobres?
Esta segunda intenção, que alguns escondem de si mesmos,
mas que eles encontrariam no fundo de seus corações se os
examinassem atentamente, anula o mérito da intenção. Com a
verdadeira caridade, o homem pensa nos outros, antes de pensar
em si próprio.
O sublime da caridade, nesse caso, seria cada um procurar no
seu próprio trabalho, pelo emprego de suas forças, de sua inteligência
e de seus talentos, os recursos de que necessita para realizar os seus
planos generosos. Haveria nisso o sacrifício mais agradável ao Senhor.
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Infelizmente, a maioria das pessoas vive a sonhar com os meios
mais fáceis de enriquecer de repente e sem sacrifícios. Correm atrás
de quimeras, como a descoberta de um tesouro, uma oportunidade
qualquer favorável, o recebimento de heranças inesperadas.
E que dizer daqueles que esperam encontrar, para os secundar
nessas buscas do mais fácil, auxiliares entre os Espíritos? Seguramente
eles nem conhecem nem compreendem a finalidade sagrada do
Espiritismo e, menos ainda a missão dos Espíritos a quem Deus
permite que se comuniquem com os homens. Daí virem a sofrer
com as decepções. (O Livro dos Médiuns, questões 294 e 295.)
Aqueles, cuja intenção está despojada de toda idéia de interesse
pessoal, devem consolar-se de sua impotência de fazer todo o bem
que desejariam, lembrando-se que o óbolo do pobre, que faz a
doação se privando de alguma coisa, tem maior peso na Balança
Divina, do que a doação do rico que não lhe impõe privação alguma.
A satisfação seria grande, sem dúvida, de socorrer-se largamente
a indigência. Mas se isso não nos é possível, devemos submeter-nos
e nos limitarmos a fazer o que seja possível. Aliás, não é somente
com o dinheiro que se podem enxugar lágrimas.
E devemos ficar inativos porque não temos dinheiro
suficiente?
Ora, todo aquele que deseja sinceramente ser útil a seus irmãos
encontrará mil formas diferentes de sê-lo. Que as procure e as
encontrará. Se não for de uma maneira, será de outra, porque não
há pessoa alguma, no livre gozo de suas faculdades, que não possa
prestar um serviço qualquer, dar uma consolação, abrandar um
sofrimento físico ou moral, tomar uma providência útil. Na falta
de dinheiro, não dispõe cada um do seu trabalho, do seu tempo,
do seu repouso para dar aos outros uma parte?
Também está aí a doação do pobre, o óbolo da viúva.
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CONVIDAR POBRES E ESTROPIADOS
7. E dizia também ao que o tinha convidado: Quando deres um
jantar ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos,
nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não suceda que
também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas,
quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos, e
serás bem-aventurado, porque eles não têm com que te recompensar,
mas recompensado te será na ressurreição dos justos. E, ouvindo isto, um
dos que estavam com Ele à mesa disse-lhe: Bem-aventurado o que comer
pão no reino de Deus. (Lucas, capítulo 14, versículos 12 a 15.)
8. “Quando fizerdes um banquete – disse Jesus – não
convideis os vossos amigos, mas os pobres e estropiados.” Estas
palavras, absurdas se tomadas ao pé da letra, são sublimes, se lhes
buscarmos a sua significação espiritual. Jesus não poderia querer
dizer, por elas, que em vez dos seus amigos, você deveria reunir à
sua mesa os mendigos da rua. A linguagem d’Ele era, quase sempre,
figurada. Para os homens incapazes de compreender os tons delicados
do pensamento, Ele falava com imagens fortes produzindo os efeitos
de um quadro berrante.
O fundo do pensamento de Jesus se revela nas palavras: “Vós
sereis felizes, porque eles não terão meios de vos retribuir o que lhes
oferecerdes”. Isso quer dizer que não se deve fazer o bem, visando a
uma retribuição, mas tão-somente pelo prazer de fazê-lo.
Para dar uma comparação clara, Jesus disse: “Convidai a vossos
banquetes os pobres, pois sabeis que eles não poderão vos retribuir”.
E, por banquete, é necessário entender, não a refeição propriamente
dita, mas a participação na abundância do que você desfruta.
Estas palavras, no entanto, podem ser aplicadas num sentido
mais literal. Quanta gente não convida à sua mesa aqueles que
podem, como eles dizem, honrá-los ou retribuir-lhes o convite por
sua vez! Outras, ao contrário, encontram satisfação de receber seus
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parentes ou amigos que lhe sejam menos felizes. Ora, e quem não
os têm entre os seus? Dessa forma presta-lhes um grande serviço,
sem que pareça ajudá-los. Estes, que convidam os menos felizes,
são os que trazem para si os cegos e os estropiados, praticando o
ensinamento de Jesus, se fazem o convite por benevolência, sem
ostentação, e sabem disfarçar o benefício por meio de uma sincera
cordialidade.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A CARIDADE MATERIAL E A CARIDADE MORAL
9. “Amemo-nos uns aos outros e façamos ao próximo o que
quereríamos que eles nos fizessem.” Toda religião, toda moral estão
encerradas nestes dois princípios. Se fossem observados na Terra,
todos vocês seriam perfeitos. Vocês não teriam aí mais o ódio, nem
ressentimentos. Direi mais ainda: não haveria mais pobreza, porque
do excesso da mesa dos abastados muitos pobres se alimentariam.
E vocês não mais veriam, nos bairros sombrios que habitei durante
a minha última encarnação, as pobres mulheres arrastando consigo
miseráveis crianças necessitadas de tudo.
Ricos! Pensem, um pouco que seja, em tudo isso! Ajudem os
infelizes o mais que vocês possam. Dêem, para que Deus lhes
retribua, um dia, o bem que vocês fizeram. Vocês terão, então,
quando saírem do corpo físico, um cortejo de Espíritos reconhecidos
a recebê-los no portal de um mundo mais feliz.
Se vocês pudessem saber da alegria que eu provei ao encontrar
no mundo espiritual aqueles a quem eu servi na minha última
existência!
Amem, pois, o seu próximo! Amem-no como a vocês
mesmos, pois vocês já sabem, agora, que o infeliz que vocês
repelirem, pode ser, talvez, um irmão, um pai, um amigo que
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afastam para longe de vocês. E qual não será o seu desespero ao
reconhecê-lo no mundo espiritual!
Quero que vocês compreendam bem o que é a caridade moral,
que qualquer um pode praticar, porque não exige nenhum bem
material e, no entanto, é a mais difícil de pôr em prática.
A caridade moral consiste em vocês se suportarem uns aos
outros, e isto é o que vocês menos fazem nesse mundo inferior
onde vocês, por um momento, estão encarnados. Há um grande
mérito, creiam-me, em saber calar para deixar falar um mais tolo
que vocês. Isso é uma forma de caridade. Fazer-se de surdo quando
uma palavra encarnecedora escapa de uma boca habituada a caçoar;
não ver o sorriso de desdém com que vocês são recebidos por pessoas
que, muitas vezes erradamente, se julgam superiores a vocês quando,
em verdade, na vida espiritual, que é a única vida real, elas estão às
vezes bem abaixo de vocês.
Nessas atitudes vocês têm um mérito que não é o da
humildade, mas o mérito da caridade, pois não observar os erros
dos outros e nem com eles ressentir-se, essa é a caridade moral.
Essa caridade, no entanto, não deve impedir que se pratique
a caridade material. Pensem, acima de tudo, em não desprezar o seu
semelhante. Lembrem-se de tudo o que lhes tenho dito: não se
esqueçam jamais que, no pobre que vocês repelem, vocês talvez repilam
um Espírito que lhes foi caro e que se encontra, momentaneamente,
numa posição social inferior à sua.
Reencontrei um dos pobres da Terra, a quem pude, por
felicidade, ajudar algumas vezes. A ele, agora, tenho de implorar
favores por minha vez, já que está acima de mim.
Lembrem-se que Jesus disse que nós somos todos irmãos.
Pensem sempre nisso, antes de vocês repelirem o leproso ou o
mendigo.
Adeus!
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Pensem naqueles que sofrem e orem! (Irmã Rosália, Paris,
1860.)
10. Meus amigos, tenho ouvido muitos dentre vocês dizerem:
“Como posso fazer a caridade se, muitas vezes, eu nem para mim
mesmo tenho o necessário?”.
A caridade, meus amigos, se faz de muitos modos. Vocês
podem fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Em
pensamentos, será caridade orar pelos pobres abandonados, que
morreram sem sequer ver a luz da existência, uma vez que uma
prece de coração os aliviará.
Em palavras, será caridade dar a seus companheiros de todos
os dias alguns bons conselhos, dizendo aos homens amargurados
pelo desespero e privações e que clamam contra Deus: “Eu era como
vós! Sofria, era infeliz, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora
sou feliz!”.
Aos velhos que lhes disserem: “É inútil! Eu estou no fim da
vida. Vou morrer como vivi!”, diga-lhes: “A Justiça Divina é a mesma
para todos e para todas as idades. Lembrai-vos dos obreiros de última
hora, de que Jesus falou”.
Às crianças que, já viciadas pelas má companhias, seguem
por descaminhos sombrios, quase a cair em dolorosas tentações,
diga-lhes: “Deus vos vê, meus queridos pequeninos”, e não se canse
de repetir-lhes sempre essas brandas palavras. Essas palavras
terminarão por germinar no pensamento jovem e, de pequenos
vagabundos, vocês farão homens de bem.
Essas são formas de caridade moral.
Muitos, entre vocês, dizem ainda: “Ora, somos incontáveis
sobre a Terra. Deus não nos pode ver a todos”. Escutem bem o
seguinte, meus amigos: “Quando vocês sobem ao alto de um morro,
o seu olhar não alcança os milhares de grãos de areia que cobrem
esse morro? Muito bem! Deus vê vocês da mesma maneira. Ele lhes
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deixa usar o livre-arbítrio, como vocês deixam esses grãos de areia
entregues ao vento que os dispersa”.
A diferença é que Deus, na sua infinita misericórdia, põe no
fundo de seus corações uma sentinela vigilante que se chama
consciência. Escutem-na! Dela vocês ouvirão bons conselhos! Por
vezes, vocês a anestesiam, opondo-lhe o espírito do mal e ela se
cala! Mas fiquem seguros de que a pobre abandonada despertará e
se fará ouvida, quando a sombra do remorso deitar-se em seus
corações.
Escutem-na, interroguem-na, e vocês freqüentemente serão
consolados pelos conselhos que dela vocês receberem.
Meus amigos, a cada novo grupo de obreiros, o Senhor entrega
uma bandeira. Para essa bandeira que lhes é entregue, eu lhes dou
esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros”.
Vivam esse princípio do amor!
Reúnam-se todos sob essa bandeira e dela vocês receberão a
felicidade e a consolação. (Um Espírito Protetor, Lyon, 1860.)
A BENEFICÊNCIA
11. A beneficência, meus amigos, vos dará neste mundo os
mais puros e os mais doces contentamentos, as alegrias do coração
que não são perturbadas nem pelo remorso, nem pela indiferença.
Oh! Se pudésseis compreender tudo o que encerra, de grande
e de agradável, a generosidade das belas almas! É um sentimento
que faz que se olhe para os outros com o mesmo olhar generoso
que deita sobre si mesmo, que faz que se dispa com alegria para
vestir o seu irmão mais pobre.
Se pudésseis, meus amigos, ter apenas a doce ocupação de
fazer os outros felizes! Quais são as festas do mundo que vós podereis
comparar com essas festividades feitas de júbilos quando, como
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representantes da Misericórdia Divina, levais a alegria a essas pobres
famílias que só conhecem da vida as adversidades e os amargores;
quando vedes esses rostos marcados de dores brilharem sob a luz da
esperança. É que, desprovidos de pão, esses infelizes e suas pequenas
crianças, ignorando que viver é sofrer, gritavam, choravam e repetiam
estas palavras que, como um fino punhal, penetravam no coração
materno: “Eu tenho fome!”.
Oh! Compreendei quão deliciosa é a sensação daquele que vê
renascer a alegria onde, um momento antes, só havia desespero!
Compreendei quais são as obrigações que tendes para com os vossos
irmãos sofredores!
Ide, ide ao encontro dos infortunados! Ide ao socorro das
misérias ocultas, que são as mais dolorosas! Ide, meus bem-amados,
e lembrai-vos destas palavras do Salvador: “Quando vestires a um
destes pequeninos, lembrai-vos que é a mim que vestis!”.
Caridade, palavra sublime que resume todas as virtudes, és tu
que deves conduzir todos os povos à felicidade. Em te praticando,
eles criarão para si infinitas alegrias celestiais para o seu próprio futuro
e, enquanto estiverem exilados na Terra, tu serás para eles a consolação
da alegria que viverão, mais tarde, quando se encontrarem reunidos
no seio do Deus de amor.
Foste tu, caridade, virtude divina, que eu procurei para os
momentos de felicidade que gozei sobre a Terra. Possam os meus
irmãos encarnados crer na voz do amigo que lhes fala e lhes diz: “É
na caridade que vós deveis buscar a paz do coração, o contentamento
da alma, o remédio contra as aflições da vida”.
Oh! Quando estiverdes a ponto de acusar Deus pelas vossas
aflições, lançai um olhar para baixo de vós e vereis quanto de miséria
a aliviar; quantas pobres crianças sem família; quantos velhinhos
sem qualquer mão amiga que os ampare e que lhes feche os olhos
ao serem chamados pela morte!
Quanto bem a fazer!
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Oh! Não vos queixeis mais; antes agradecei a Deus e distribuí, às
mãos cheias, a vossa simpatia, o vosso amor, o vosso dinheiro a todos
os que, deserdados dos bens deste mundo, definham no sofrimento e
na solidão.
Fazei isso e colherei nesse mundo as alegrias bem doces e...
mais tarde, somente Deus o sabe!... (Adolfo, Bispo de Alger,
Bordéus, 1861.)
12. Sede bons e caridosos, esta é a chave dos céus que tendes
em vossas mãos. Toda a felicidade eterna se encerra nesta máxima:
“Amai-vos uns aos outros”.
A alma não pode elevar-se aos planos espirituais a não ser
pelo devotamento ao próximo. Ela não encontra felicidade e
consolação a não ser nos atos de caridade.
Sede, pois, bons, amparando a vossos irmãos, deixando de
lado a terrível chaga do egoísmo. Cumprindo este dever, vereis abrirse o caminho da felicidade eterna para vós. Além disso, qual dentre
vós não sentiu o coração palpitar, a vossa alegria interior crescer
diante da narrativa de um belo ato de devotamento, de uma obra
de comovente caridade? Se buscásseis unicamente o grande prazer
que proporciona uma boa ação, estaríeis sempre na linha de vossa
evolução espiritual. Os exemplos não vos faltam! O que falta é a
boa vontade, que é tão rara! Vede a multidão de homens de bem,
de quem a vossa história guarda piedosa lembrança e fazei o mesmo
que eles.
O Cristo não vos disse tudo o que é necessário sobre as
virtudes da caridade e do amor? Por que deixar de lado os seus
divinos ensinamentos? Por que não ouvir as suas divinas palavras e
não abrir o coração a todos os seus doces preceitos de vida? Eu
desejaria que tivésseis mais interesse e mais fé pelas leituras dos
Evangelhos. Abandona-se, porém, esse livro, alegando ser de
princípios inaplicáveis na vida e de difícil leitura, deixando no
esquecimento esse admirável manual de vida. Vossos males provêm
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do abandono voluntário que fazeis desse resumo das Leis Divinas.
Empenhai-vos em ler essas páginas ardentes do devotamento de
Jesus à redenção dos homens, e meditai-as.
Homens de ânimo e coragem, preparai-vos! Homens de
pouco vigor, fazei da vossa brandura, da vossa fé, a coragem de que
necessitais. Tende, todos, mais convicção e mais perseverança na
propagação de vossa nova Doutrina. Este é apenas um encorajamento
que viemos vos dar.
É para estimular vosso zelo e as vossas virtudes que Deus nos
permite manifestar-nos junto de vós. Mas, se cada um quisesse,
bastaria a ajuda de Deus e de sua própria vontade para que tivesse
coragem, porque as manifestações Espíritas se fazem somente para
os que têm os olhos fechados e os corações indóceis.
A caridade é a virtude fundamental que deve sustentar toda a
edificação das demais virtudes terrenas. Sem a caridade não existem
as outras virtudes. Sem a caridade não há que se esperar um futuro
melhor, pois que não haverá um sentimento moral que nos oriente.
Sem a caridade não há fé, pois a fé não é mais que a luz que torna
radiosa uma alma caridosa.
A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os mundos.
Ela é a mais pura emanação do próprio Criador. É a própria virtude
de Deus, dada por Ele para a criatura. Como, pois, deixar no
esquecimento esta suprema bondade divina? Qual seria, com este
pensamento, o coração bastante perverso que sufocaria em si e
expulsaria esse sentimento tão divino? Qual seria o filho bastante
mau para se revoltar contra esta doce carícia: a caridade?
Não me atrevo a falar do que fiz, porque os Espíritos também
têm um sentimento de mal-estar por ferir alguém com as obras
que fazem. Porém, as obras que iniciei na Terra, creio serem uma
das que mais devem contribuir para o alívio de vossos semelhantes.
Vejo outros Espíritos, freqüentemente, pedirem a missão de
continuar a minha tarefa. Vejo-vos, minhas doces e queridas irmãs,
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no piedoso e divino ministério. Vejo-vos praticando a virtude que
vos recomendei, com toda a alegria que nasce dessa existência de
dedicação e de sacrifícios. Essa é, para mim, uma grande felicidade:
de ver quanto se enobrecem as vossas almas, quanto essa missão é
estimada e docemente protegida.
Homens de bem! Homens de boa e firme vontade, uni-vos
para continuar a grande obra de propagação da caridade. Encontrareis
a vossa recompensa dessa obra, no próprio exercício desse gênero
de caridade. Não há alegria espiritual que a caridade não vos dê
nesta mesma existência. Sede unidos! Amai-vos uns aos outros,
segundo os princípios do Cristo. Assim seja. (Vicente de Paulo,
Paris, 1858.)
13. Chamo-me Caridade. Eu sou o caminho principal que
conduz a Deus. Segui-me, porque eu sou a meta que todos vós
deveis alcançar.
Fiz, esta manhã, minha ronda habitual e, de coração
amargurado, venho vos dizer: “Oh! meus amigos, quantas misérias
e quantas lágrimas, e quanto vós haveis de fazer para enxugá-las
todas!”. Em vão procurei consolar pobres mães, dizendo-lhes ao
coração: “Coragem! Há almas bondosas que velam por vós; não sereis
abandonadas. Paciência! Deus existe e vós sois as suas amadas, vós sois
as suas eleitas!”.
Elas pareciam entender-me e voltavam os seus olhos
espantados para o meu lado. Eu li em seus pobres rostos que os
seus corpos, esses tiranos do espírito, tinham fome e que, se as
minhas palavras lhes asserenavam um pouco o coração, não lhes
atendiam o estômago faminto. Então, eu lhes repetia: “Coragem!”.
E uma pobre mãe, muito jovem ainda, que amamentava uma
criancinha, tomou-a nos seus braços e a ergueu na direção do Alto,
como a pedir-me que protegesse aquele pequenino ser, que não
encontrava no seio estéril mais que uma alimentação insuficiente
para as suas necessidades de vida.
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Noutros lugares, meus amigos, eu vi pobres velhos sem
trabalho e sem abrigo, atormentados por todos os sofrimentos de
quem não tem recursos e envergonhados de sua miséria. Não
desejavam, eles que jamais mendigaram, estender as mãos e implorar
pela piedade dos que passavam por eles. Com o meu coração
comovido de compaixão, eu que sou a caridade e nada tenho, me
fiz de pedinte no lugar deles e vou por todas as partes estimular a
beneficência, soprando esses bons pensamentos nos corações
generosos e compassivos.
Eis porque venho a vós, meus amigos, e vos digo: “Há por
toda parte os infelizes sem pão na mesa, os fogões sem chama, e a
cama sem cobertores”. Eu que sou a caridade, não vos digo o que
deveis fazer. Deixo a iniciativa a vossos bons corações. Se eu vos
ditasse um programa de atividades nobres, não mais tereis o mérito
de vossa boa ação. Digo-vos somente: “Eu sou a caridade e estendo
as vossas mãos para os vossos irmãos sofredores”.
Mas, se peço, eu também dou. E dou muito. Convido-vos
para um grande banquete e vos forneço a árvore onde vós todos vos
saciareis! Vede como é bela, como está carregada de flores e frutos!
Ide, ide, colhei, apanhai todos os frutos dessa bela árvore que se
chama beneficência! Em lugar dos ramos que lhe arrancardes,
pendurarei todas as boas ações que fizerdes e levarei esta árvore para
Deus, para que Ele a carregue novamente, porque a beneficência
não se esgota jamais.
Segui-me, pois, meus amigos, a fim de que eu vos conte
entre aqueles que se ajustam sob a minha bandeira. Segui-me sem
receio: eu vos conduzirei no caminho da salvação, porque eu sou a
Caridade. (Cáritas, martirizada em Roma, Lyon, 1861.)
14. Há muitas maneiras de fazer a caridade, que muitos dentre
vós confundem com a esmola. No entanto, entre a caridade e a
esmola há uma grande diferença.
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A esmola, meus amigos, algumas vezes é útil e necessária,
porque dá alívio aos pobres. Mas quase sempre é humilhante, tanto
para aquele que dá, quanto para aquele que a recebe.
A caridade, ao contrário, une o benfeitor ao beneficiado e,
além disso, se disfarça de muitas maneiras! Pode-se ser caridoso
mesmo com os parentes e com seus amigos, sendo indulgentes uns
para com os outros, perdoando-se mutuamente pelas suas fraquezas
e cuidando de não ferir o amor-próprio das pessoas.
Vós, Espíritas, podeis ser caridosos na vossa maneira de agir
com os que não pensam como vós, induzindo os menos esclarecidos
a crer, sem os chocar, sem atirar-se contra a convicção deles. Mas os
atraindo amavelmente às nossas reuniões, onde eles poderão nos
ouvir. Saberemos descobrir a entrada dos corações deles para ali
penetrarmos. Eis uma forma de caridade.
Escutai agora o que é a caridade para com os pobres, esses
deserdados do mundo, mas recompensados por Deus quando sabem
aceitar as misérias sem queixas e murmurações e isso depende de
vós, como vos farei compreender por um exemplo.
Vejo, várias vezes na semana, uma reunião de senhoras de
todas as idades. Para nós, vós sabeis, elas são todas nossas irmãs.
Que fazem? Elas trabalham rápido, bem rápido. Seus dedos são
ágeis.
Vejo, também, como as fisionomias delas são risonhas e como
os seus corações palpitam unidos! Mas para que finalidade
trabalham assim ágeis, alegres, unidas? É que elas vêem aproximarse os tempos que serão rudes para as famílias pobres. Essas famílias
não puderam juntar provisões para as crises de mais penúria e seus
utensílios já se perderam. As pobres mães já se inquietam e choram,
pensando nos filhinhos que, certamente, sentirão abandono e fome!
Mas, paciência, pobres mães! Deus inspirou estas senhoras
menos infelizes que vós! Elas estão reunidas e juntam o necessário
para ajudar-vos. Depois, num destes dias, quando a penúria vos
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cobrir e murmurardes dizendo: “Deus não é justo!”, já que isso
dizeis em vossos dias de sofrimento, – vereis surgir a filha de uma
dessas obreiras da caridade. Sim, é para vós que elas trabalham e,
assim, as vossas queixas se transformação em bênção, porque, nos
corações dos infelizes, o amor acompanha bem de perto o ódio.
Como todas essas obreiras necessitam de apoio, vejo as
mensagens dos bons Espíritos chegarem de todas as partes. Os
homens, que fazem parte desse agrupamento, trazem-lhes a sua
colaboração. Fazem dessas leituras que agradam tanto, enquanto
elas trabalham. E nós, para recompensar-lhes a dedicação às tarefas
de todas e de cada uma em particular, prometemos a essas dedicadas
obreiras uma boa clientela que lhes pagará à vista com as moedas
das bênçãos, única moeda que circula no céu. Asseguramo-lhes,
ainda, sem medo de errar, que as bênçãos sagradas não lhes faltarão.
(Cáritas, Lyon, 1861.)
15. Meus queridos amigos, cada dia ouço, entre vós, alguns
dizerem: “Eu sou pobre; não posso fazer a caridade”. E cada dia
vejo que faltais com a indulgência com os semelhantes. Não perdoais
coisa alguma que vos façam e vos mostrais juízes muitos severos,
sem vos perguntar se ficaríeis satisfeitos que os outros vos fizessem
o mesmo.
A indulgência não é também caridade?
Vós que não podeis fazer mais que caridade-indulgência, fazei
pelo menos essa, mas fazei-a com grandeza.
No que se refere à caridade material, vou contar-vos uma
história extraordinária.
Dois homens acabavam de morrer. Deus havia dito:
“Enquanto esses dois homens viverem, coloquem, em dois sacos
diferentes cada uma de suas boas ações e, quando morrerem, esses
dois sacos serão pesados”. Quando, pois, esses dois homens chegaram
à sua última hora, Deus mandou que lhe trouxessem os dois sacos
de boas ações de cada um. Um dos sacos estava repleto, grande,
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volumoso, e as moedas que estavam dentro dele tilintavam. O outro
saco era tão pequeno, tão vazio, que se podia ver as poucas moedas
que continha.
Um dos homens, de pronto, reconheceu o que lhe pertencia:
– Este é meu! – disse de imediato. – Eu o reconheço, uma
vez que fui rico e doei muito dinheiro!
– Aquele menor é meu! – disse o outro homem. – Fui sempre
pobre e quase nada tinha para repartir com os outros.
Mas, ó surpresa! Os dois sacos foram colocados na balança e
o maior tornou-se leve e o pequeno se fez mais pesado, tão pesado
que fez o outro prato da balança levantar-se muito!
Então, disse Deus ao rico: “Tu doaste muito, é verdade, mas
doaste por ostentação e para fazer o teu nome figurar em todos os
templos do orgulho. Além disso, para fazer as tuas doações, não te
privaste de nada. Passa, pois, à minha esquerda e fica satisfeito que
as tuas esmolas sejam contadas a teu favor, embora como qualquer
coisa sem muito valor”.
Depois, Deus disse ao pobre: “Deste bem pouca coisa a teu
semelhante, meu amigo. Mas cada uma das poucas moedas que
estão, nesta balança representam uma privação para ti. Se não deste
muitas esmolas, tu fizeste a caridade e isso é que vale mais. Tu fizeste
a caridade de modo natural, sem cuidar de que ela fosse contada a
teu favor. Foste indulgente; não julgaste o teu semelhante e, ao
contrário, desculpaste todas as más ações que te fizeram. Passa, pois,
à minha direita e vai receber a tua recompensa”. (Um Espírito
Protetor, Lyon, 1861.)
16. A mulher mais abastada, feliz, que não precisa empregar
o seu tempo no trabalho de sua casa, não poderia consagrar algumas horas de seu dia a trabalhos úteis para o seu semelhante? Que,
com o que lhe sobre de sua abundância, compre roupas para vestir
os infelizes. Que faça, com suas mãos delicadas, agasalhos aos que
têm frio. Que ajude a gestante pobre a cobrir o filho que vai nascer.
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Se, ao fazer isso, os seus filhos tiverem um pouco menos de
supérfluo, os filhos dos pobres terão um pouco do que lhes falta.
Trabalhar para os pobres, é trabalhar na vinha do Senhor.
E tu, pobre trabalhadora, que não dispões de sobras na tua
bolsa, mas que queres, por amor a teus irmãos menos felizes, dar
um pouco do que possuis, dá algumas horas de teu dia, do teu
tempo que é a tua riqueza. Faze algumas dessas coisas bonitas que
encantam os de mais recursos financeiros. Vende o produto desse
teu trabalho e poderás, também, distribuir a teus irmãos a tua parte
de auxílio. Terás, talvez, algumas coisas a menos, mas darás calçados
a um que anda com os pés no chão.
E vós, mulheres dedicadas a Deus, trabalhai também para a
sua obra. Mas que vossos trabalhos delicados e caros não sejam tãosomente para adornar as capelas ou para atrair a atenção sobre a
vossa habilidade manual e paciência em fazê-los. Trabalhai, minhas
filhas, e que os valores obtidos com as vossas obras sejam consagrados
ao alívio de vossos irmãos em Deus.
Os pobres são os filhos bem-amados do Pai Celestial.
Trabalhar por eles é glorificar o Criador. Sede, portanto, os braços
da Providência Divina, que diz: “Às aves do céu, Deus dá alimentos”.
Que o ouro e a prata, que são tecidos pelos vossos dedos, se
transformem em roupas e alimentos para aqueles que não os têm.
Fazei isso e o vosso trabalho será abençoado.
E todos vós que podeis produzir alguma coisa, dai do que
fizerdes. Dai o vosso gênio, doai de vossas inspirações, doai de vossos
corações e Deus vos abençoará. Poetas, literatos, que sois lidos pelas
pessoas mais cultas, satisfazei-lhes os lazeres, mas que com o
resultado de algumas de vossas criações, sejam aliviados os infelizes!
Pintores, escultores, artistas, que a vossa inteligência e a vossa arte
venham, também, em auxílio a vossos irmãos. Não tereis menos
glórias com isso, mas esses infelizes terão alguns sofrimentos a
menos.
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Todos vós podeis doar. A qualquer classe a que pertençais,
vós dispondes de alguma coisa que podeis dividir. Seja o que for
que Deus vos haja dado, deveis uma parte aos que não têm o
necessário, porquanto, se estivésseis na mesma posição em que se
encontram os infelizes, ficaríeis muito contentes se alguém dividisse
alguma coisa convosco. As vossas riquezas na Terra serão um pouco
menores, mas as vossas riquezas no céu serão mais abundantes.
Colhereis o cêntuplo do que houverdes semeado em benefício nesse
mundo. (João, Bordéus, 1861.)
A PIEDADE
17. A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos Espíritos
Puros. É a irmã da caridade que vos conduz a Deus.
Deixai o vosso coração enternecer-se diante dos quadros da
miséria e do sofrimento de vossos semelhantes. Vossas lágrimas são
um bálsamo que derramais sobre as suas chagas. E quando, por
uma branda simpatia, chegais a devolver-lhes a esperança e a
resignação, que ventura experimentais! Essa ventura que sentis, é
verdade, tem um certo amargor, porque ela nasce ao lado da desgraça
dos outros. Mas, se não tem o sabor dos prazeres mundanos, ela
não traz as dolorosas desilusões do vazio que os prazeres mundanos
deixam após a sua passagem. Essa ventura diante da dor tem uma
suavidade penetrante que encanta a alma.
A piedade, uma piedade bem sentida, essa é o amor. O amor
é devotamento. O devotamento é esquecimento de si mesmo. Esse
esquecimento de si mesmo é abnegação em favor dos infelizes e
esta é a virtude por excelência. É a mesma virtude praticada em
toda a sua vida pelo Divino Messias e que Ele ensinou na sua
doutrina tão santa e tão sublime.
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Quando a doutrina de Jesus for restabelecida em sua pureza
primitiva, quando for aceita por todos os povos, ela trará a felicidade
à Terra, fazendo reinar, enfim, a concórdia, a paz e o amor.
O sentimento mais apropriado para vos fazer evoluir,
domando o vosso egoísmo e o vosso orgulho; o sentimento que
levará a vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor a vosso
próximo – esse sentimento é a piedade! Essa piedade que vos comove
até o mais íntimo do ser, diante dos sofrimentos de vossos irmãos,
que vos faz estender-lhes uma mão para socorrê-los e vos arranca
lágrimas de simpatia.
Jamais sufoqueis nos vossos corações esta emoção celestial.
Não façais como esses egoístas endurecidos que se afastam
dos aflitos, querendo com isso que a visão da miséria não lhes
perturbe, por um só momento, a sua feliz existência. Temei, antes,
ficar indiferentes quando podeis ser úteis. A tranqüilidade comprada
ao preço da indiferença culposa, é a tranqüilidade do mar Morto,
que oculta no fundo de suas águas a lama fétida e a putrefação.
Quanto a piedade está longe de causar a perturbação e o
aborrecimento que teme o egoísta! Sem dúvida que a vossa alma
experimenta, no contato com a desgraça dos outros e ao senti-la
em vós mesmos, um estremecimento natural e profundo, que fará
vibrar todo o vosso ser e vos envolverá penosamente. Mas, a
compensação é grande, quando vós conseguirdes devolver a coragem
e a esperança a um irmão infeliz. Ele se comoverá com o aperto de
uma mão amiga e seu olhar úmido, às vezes, de emoção e
reconhecimento, se voltará docemente para vós, antes de elevar-se
ao céu para agradecer por lhe haver enviado um consolador, um
amparo misericordioso.
A piedade é a melancólica mas celeste precursora da caridade,
a primeira entre as virtudes de que ela é irmã e cujos benefícios ela
prepara e enobrece. (Miguel, Bordéus, 1862.)
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OS ÓRFÃOS
18. Meus irmãos, amem os órfãos! Se vocês soubessem quanto
é triste estar só e abandonado, sobretudo na infância!
Deus permite que haja órfãos, para nos estimular a servirlhes de pais. Que divina caridade, a de ajudar a uma pobre criaturinha
abandonada, de evitar que ela sofra fome e frio e de orientar-lhe a
alma, a fim de que não se perca nos vícios!
Quem estende a mão à criança abandonada é agradável a Deus,
porque compreende e pratica a sua lei de fraternidade. Reflitam,
também, que, muitas vezes, a criança que vocês amparam agora já
lhes foi cara numa encarnação anterior. Se vocês pudessem recordar
as vidas passadas, o amparo que hoje vocês oferecem a essa criança,
não seria mais um ato de caridade, mas o cumprimento de um dever.
Assim, pois, meus amigos, todo sofredor é seu irmão e tem
direito à sua caridade. Não a essa caridade que fere o coração, não a
essa esmola que queima a mão daquele que a recebe, já que os óbolos
que vocês distribuem são freqüentemente muito amargos! Quantas
vezes eles seriam recusados se, no casebre, a enfermidade e a privação
não os estivessem esperando!
Doem com delicadeza, juntando ao benefício que vocês
fizerem, o mais precioso de todos os benefícios: uma palavra de
carinho, um sorriso amigo. Evitem esse ar de proteção, que revolve
a lâmina num coração que já está sangrando e pensem que, fazendo
o bem, vocês trabalham para si mesmos e pelos seus irmãos. (Um
espírito familiar, Paris, 1860.)
BENEFÍCIOS PAGOS COM INGRATIDÃO
19. Que pensar das pessoas que, recebendo a ingratidão em
troca dos benefícios prestados, não mais querem fazer o bem, com
medo de reencontrar ingratos?
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Estas pessoas têm mais egoísmo do que caridade. Fazem o
bem somente para receber demonstrações de reconhecimento. Não
estão fazendo o bem com desinteresse pessoal e, em verdade, somente
o bem feito sem esperar gratidão do beneficiado é que é agradável a
Deus.
Há orgulho nos que fazem o bem esperando gratidão, porque
eles se comprazem com a humilhação do beneficiado que lhes venha
depor aos pés o seu reconhecimento. Aquele que busca sobre a Terra
a recompensa pelo bem que faz, não a receberá no Céu. Mas Deus
reservará recompensa para aqueles que não a buscam na Terra.
É necessário sempre ajudar os fracos, mesmo sabendo que
aquele a quem você faz o bem não lhe virá agradecer. Fique certo
que, se aquele a quem você prestou serviços esquecer o benefício,
Deus valorizará ainda mais a sua ação, do que se você recebesse o
reconhecimento do beneficiado. Deus permite, às vezes, que você
seja pago com a ingratidão, para provar a sua perseverança em fazer o
bem desinteressadamente.
Como sabe você que esse benefício, esquecido por um
momento, não lhe produzirá mais tarde bons frutos? Fique certo,
ao contrário, de que essa é uma semente que germinará com o
tempo.
Infelizmente, você não vê além do momento presente. Você
trabalha por você e não tem em vista o seu próximo. Os benefícios
prestados resultam no abrandamento dos corações mais endurecidos. Tais benefícios poderão ficar esquecidos na Terra, mas quando
o Espírito daquele que foi beneficiado se desenfaixar da veste física,
ele se lembrará da ingratidão diante de seus benfeitores e essa
lembrança lhe doerá no coração. Ele lamentará, então, a própria
ingratidão. Quererá repará-la, como quem repara uma falta grave.
Pagará a sua dívida de gratidão numa futura reencarnação, aceitando
mesmo uma vida de dedicação ao seu benfeitor.
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É assim que, sem você suspeitar, estará contribuindo para a
evolução moral daquele que hoje se revela ingrato. Você reconhecerá,
mais tarde, toda a verdade desta máxima: “Um benefício jamais se
perde”. Mas, até lá, você terá trabalhado para o seu benefício pessoal,
uma vez que terá o mérito de ter feito o bem com desinteresse, sem
se deixar desencorajar pelas decepções.
Ah, meu amigo, se você conhecesse todas as ligações que, na
vida atual, o atam às suas vidas anteriores! Se você pudesse ter uma
visão ampla da multiplicidade de relações que ligam uns aos outros
todos os seres, para com progresso mútuo, você admiraria muito
mais a sabedoria e a bondade do Criador, que lhe permite reviver
com aqueles com quem você já viveu, a fim de você chegar até Ele.
(Guia Protetor, Sens, 1862.)
BENEFICÊNCIA EXCLUSIVA
20. A beneficência está sendo bem entendida, quando ela á
praticada apenas entre as pessoas da mesma opinião, de uma mesma
crença ou de um mesmo partido?
Não! É sobretudo a esse espírito de seita e de partido que a
beneficência vem abolir. Todos os homens são irmãos entre si. O
verdadeiro cristão, portanto, vê irmãos entre si. O verdadeiro cristão,
portanto, vê irmãos em todos os seus semelhantes. Para socorrer
aquele que está em necessidade, ele não pergunta nem a sua crença,
nem a sua opinião, seja qual for.
Seguiria ele o preceito de Jesus Cristo, que diz para amar até
mesmo os inimigos, se ele repelisse um infeliz tão-somente porque
este tivesse uma fé religiosa diferente da sua? Que ampare, pois,
sem pedir conta alguma das convicções do infeliz.
Se aquele que sofre for um inimigo da religião, o amparo
que se lhe dê será o meio de fazer com que a ame. Em o repelindo,
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sem prestar-lhe a beneficência, o cristão o faria odiar a religião que
discrimina os seres. (Luís, Paris, 1860) .
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1. Tu sabes os mandamentos: Não adulterarás; não matarás;
não furtarás; não dirás falso testemunho; não defraudarás alguém;
honra a teu pai e a tua mãe. (Marcos, capítulo 10, versículo 19.)
(Lucas, capítulo 18, versículo 20 e Mateus, capítulo 9, versículo 19.)
2. Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada
vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te há de dar. (Decálogo,
Êxodo, capítulo 20, versículo 12.)
PIEDADE FILIAL
3. O mandamento: “Honrarás teu pai e tua mãe”, é uma
conseqüência da lei geral da caridade e do amor ao próximo, porque
não se pode amar o próximo sem amar a seu pai e a sua mãe.
O termo honrar, no entanto, amplia o dever para com os
pais, levando-o para a piedade filial. Deus quis demonstrar, assim,
que ao amor se deve juntar o respeito, a estima, a submissão e a
concordância espontânea. Isso tudo implica a obrigação de cumprir
para com os pais, de uma maneira mais completa, tudo o que a
caridade manda seja feita ao próximo.
Esse dever se estende, naturalmente, às pessoas que ocupam
o lugar do pai e da mãe, cujo mérito é tanto maior, quanto o
devotamento dessas pessoas é menos obrigatório.
A Justiça Divina cobra a violação desse mandamento.
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CAPÍTULO
CAPITULO XIV
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Honrar seu pai e sua mãe não será somente respeitá-los. Será
assisti-los em suas necessidades gerais. Será procurar dar-lhes repouso
na velhice. Será cercá-los de atenções assim como eles fizeram por
você na sua infância.
É, sobretudo, com os pais sem recursos que se demonstra a
verdadeira piedade filial. Cumpririam esse mandamento aqueles
que crêem fazer muito ao dar-lhes apenas o necessário para não
morrerem de fome, enquanto eles mesmos não se privam de coisa
alguma? Seria cumpri-lo, também, relegá-los a um quartinho dos
fundos da moradia, apenas para não deixá-los na rua, enquanto que
para si reservam o que há de melhor e mais confortável? Ainda bem
quando isso não é feito de má vontade e não os obriga a pagar o
tempo que lhes resta viver, descarregando sobre eles o peso do
governo da casa! Será, então, aos pais velhos e fracos que caberá
servir a filhos jovens e fortes? A sua mãe lhes teria vendido o leite
quando eles estavam no berço? Contou ela, porventura, quando os
filhos caíam doentes, os passos que dava para lhes dar o necessário?
Não! Não é somente o estritamente necessário que os filhos
devem a seus pais pobres. Devem também, tanto quanto puderem,
as pequeninas alegrias do supérfluo, as coisas amáveis, a atenção
delicada, que são apenas os juros do que receberam, o pagamento
de uma dívida sagrada.
É somente essa piedade filial a aceita por Deus.
Infeliz, portanto, daquele que se esquece do que deve aos que
o sustentaram na sua fraqueza infantil dos primeiros dias. Daqueles
que com a vida material lhe doaram a vida moral e que, muitas
vezes, se impuseram duras privações para lhe assegurar o bem-estar.
Infeliz do ingrato, que sofrerá as conseqüências pela ingratidão e
pelo abandono demonstrado a seus pais. Por sua vez, será ferido nas
suas mais caras afeições, talvez nesta mesma existência, mas com
toda a certeza numa reencarnação futura, em que sofrerá os mesmos
dissabores que fez seus pais sofrerem.
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HONRARÁS PAI E MÃE
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Certos pais, é verdade, descuidam de seus deveres e não são
para os seus filhos o que deveriam ser. Caberá, porém, à Justiça
Divina cobrá-los por esses deslizes e não a seus filhos. Não compete
aos filhos censurarem os seus pais, porque eles mesmos fizeram isso
em vidas passadas, para merecer esses pais tais quais são hoje. Se a
caridade estabelece como lei que se pague o mal com o bem, de
sermos indulgentes com as imperfeições do próximo, de não
maldizer o semelhante, de esquecer e perdoar as ofensas, de amar os
inimigos, quanto essas obrigações não serão maiores, em relação
aos pais?!
Os filhos devem, por isso, ter por regra de conduta para com
os pais todos os preceitos de Jesus referentes ao próximo, lembrandose de que toda conduta que for censurável em relação aos estranhos,
mais censurável será em relação a seus pais. Devem lembrar que
aquilo que é uma falta em relação aos estranhos, será um verdadeiro
crime moral quando alcança os pais, porque, neste último caso, à
falta de caridade se ajunta a ingratidão.
4. O Senhor disse: “Honrai o vosso pai e a vossa mãe, a fim
de viverdes longo tempo sobre a terra que o Senhor vosso Deus vos
dará”. Por que Ele prometeu como recompensa a vida sobre a terra
e não no plano celestial? A explicação está nestas palavras: “que Deus
vos dará”, que foram suprimidas na versão moderna do Decálogo e
que, por isso, lhe desfiguraram o sentido.
Para compreender a promessa divina, é necessário que nos
reportemos à situação e às idéias dos hebreus, na época em que foi
anunciada. Os hebreus, na realidade, não compreendiam a existência
da vida espiritual. A sua visão não ia além da vida física. Eles deveriam
ser mais sensibilizados pelas coisas que viam do que pelas que não
viam. Em razão disso é que o Senhor lhes fala numa linguagem
própria a seu entendimento naquela época. E, como se estivesse a
dirigir-se a crianças, dá-lhes as esperanças que poderiam satisfazê-los.
Achavam-se eles ainda no deserto. A terra que o Senhor lhes daria era
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CAPÍTULO XIV
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terra da Promissão, objeto de suas aspirações maiores. Eles não
desejavam nada além disso e o Senhor lhes diz que viverão longo
tempo nessa terra, isto é, que a possuirão por longo tempo se eles
observassem seus mandamentos.
Mas, na chegada de Jesus, as idéias dos hebreus estavam mais
desenvolvidas. Tendo chegado o momento de lhes dar uma alimentação espiritual mais substanciosa e real, para iniciá-los na verdadeira
vida, Jesus lhes diz: “Meu reino não é deste mundo. É lá, e não
sobre a terra, que recebereis a recompensa de vossas boas obras”.
Com estas palavras, a terra de Promissão deixa de ser material e se
transforma numa pátria celestial. Assim, quando o Mestre os chama
à observação do mandamento: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”,
já não é a terra que lhes promete, mas o céu. (Ver capítulos II e III,
desta mesma obra.)
QUEM É MINHA MÃE E QUEM SÃO MEUS IRMÃOS
5. E foram para uma casa. E afluiu outra vez a multidão, de
tal maneira que nem sequer podiam comer pão. E, quando os seus
ouviram isto, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si. –
Chegaram então seus irmãos e sua mãe. E estando fora, mandaramno chamar. E a multidão estava assentada ao redor dele e disseramlhe: Eis que a tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão lá fora. E
Jesus lhes respondeu: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? –
E olhando em redor para os que estavam assentados junto dele, Jesus
disse: Eis aqui a minha mãe e meus irmãos. Porquanto, qualquer um
que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha
mãe. (Marcos, capítulo 3, versículos 20, 21 e 31 a 35.) (Mateus,
capítulo 12, versículos 46 a 50.)
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6. Certas palavras parecem estranhas nos lábios de Jesus.
Contrastam com a sua bondade e inalterável benevolência para com
todos.
Os incrédulos não deixam de fazer, desses aparentes contrastes,
uma arma, para dizer que Ele se contradizia a si mesmo.
Um fato irrecusável, porém, é que a doutrina de Jesus tinha
por base essencial, por pedra angular desse edifício divino, a lei do
amor e da caridade. Ele não poderia, pois, destruir de um lado o
que construía do outro. Por isso é necessário tirar uma conseqüência
rigorosa de suas ações e de seus preceitos: se certas afirmativas de
Jesus estão em contradição com o princípio do amor e da caridade,
é que as palavras que lhe foram atribuídas ou estão mal reproduzidas,
mal compreendidas, ou não são dele.
7. Admira-se, e com razão, de ver, na narrativa da vinda de
sua mãe e dos seus irmãos, Jesus mostrar tanta indiferença para
com os seus parentes, ao extremo de renegar a sua mãe.
Pelo que se refere a seus irmãos, é sabido que eles jamais tiveram
muita simpatia por Jesus. Espíritos pouco evoluídos que eram, eles
não haviam compreendido a sua missão. A conduta de Jesus, aos
olhos de seus irmãos, era extravagante e os seus ensinamentos não
os comoviam, tanto que nenhum de seus irmãos se fez seu
discípulo. Parecia mesmo que eles até participavam certo ponto,
das mesmas prevenções que tinham os inimigos d’Ele. O fato é
que eles acolhiam Jesus mais como um estranho do que como um
irmão, quando Jesus se apresentava à família e, por isso, João, o
Evangelista, diz, positivamente: “que nem mesmo os seus irmãos
acreditavam nele”. (João, capítulo 7, versículo 5.)
Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a sua ternura
para com o seu Filho. É, porém, necessário convir, também, que
ela não parece ter feito uma idéia muito justa da missão de Jesus. É
que não se vê Maria seguindo os seus ensinamentos, nem dando
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testemunho de Jesus, como fez João Batista. A solicitude maternal
era, nela, o sentimento dominante.
No tocante a Jesus, supor que Ele houvesse renegado a sua
mãe, seria desconhecer-lhe o caráter. Um tal pensamento não poderia
animar aquele que disse: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”. É, pois,
necessário procurar outro motivo para as suas palavras, quase sempre
envoltas sob a forma alegórica.
Jesus não perdia nenhuma ocasião de dar um ensinamento.
Serviu-se, portanto, daquela oportunidade que se lhe oferecia, com
a chegada de sua família, para estabelecer a diferença que existe entre
o parentesco corporal e o parentesco espiritual.
O PARENTESCO CORPORAL E O
PARENTESCO ESPIRITUAL
8. Os laços do sangue não estabelecem, necessariamente, os
laços entre os espíritos. O corpo procede do corpo, mas o espírito
não procede do espírito, porque o espírito do reencarnante existia
antes da formação do corpo.
Não é o pai que cria o espírito de seu filho. O pai não faz
mais que lhe fornecer o envoltório físico, mas deve ajudar o filho
no seu desenvolvimento intelectual e moral, para fazê-lo evoluir.
Os espíritos que se encarnam numa mesma família, sobretudo
como parentes próximos, são, o mais freqüentemente, espíritos
simpáticos entre si, unidos pelas relações anteriores que se revelam
por suas afeições recíprocas durante a vida terrena. Mas pode
acontecer que esses espíritos sejam completamente estranhos uns
aos outros, separados por antipatias igualmente anteriores, que se
expressam também pelo seu antagonismo na Terra, para lhes servir
de provações.
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Os verdadeiros laços de família não são aqueles formados
pela consangüinidade. São os que nascem da afinidade e da
comunhão de pensamentos, que unem os Espíritos antes, durante
e após a sua encarnação. Por esta razão é que dois seres nascidos de
pais diferentes podem ser mais irmãos pelo espírito do que se fossem
irmãos de sangue. Eles podem atrair-se, procuram-se, tornam-se
amigos, enquanto que dois irmãos consangüíneos podem se repelir,
assim como vemos todos os dias.
Este é um problema moral que só o Espiritismo poderia
resolver, pela pluralidade das existências. (Veja o capítulo IV, item
13, desta mesma obra.)
Há, portanto, duas espécies de família: as famílias por laços
espirituais e as famílias por laços corporais. As primeiras são duráveis,
fortificando-se pela depuração das almas e se perpetuam no mundo
espiritual através das diversas migrações da alma. As segundas são
tão frágeis quanto a matéria, extinguindo-se com o tempo e, quase
sempre, se dissolvem moralmente ainda na vida atual.
Foi este princípio de parentesco espiritual que Jesus quis fazer
compreender existir, quando disse a seus discípulos: “Eis aí minha
mãe e meus irmãos”, o que quer dizer: Esta é a minha família pelos
laços do espírito, porque “qualquer um que faça a vontade de meu
Pai, que está nos céus, é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
A inimizade dos irmãos de Jesus está claramente expressa
na narração do Evangelho de Marcos, onde se escreve que eles se
propunham a apoderar-se do Mestre, sob a alegação de que Ele
havia perdido o espírito. Informado Jesus da chegada deles, e
conhecendo os sentimentos que eles nutriam a seu respeito, era
natural que dissesse, ao falar de seus discípulos no sentido
espiritual: “Eis aí meus verdadeiros irmãos”. Como a mãe de
Jesus os acompanhava, Ele generalizou o ensinamento, sem que
isso implicasse, de modo algum, que haja pretendido que a sua
mãe, segundo o corpo, nada lhe era como Espírito e que nada
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merecia d’Ele senão a indiferença. A conduta de Jesus, em outras
circunstâncias, deixou suficientemente provado o carinho pela
sua mãe.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A INGRATIDÃO DOS FILHOS E OS LAÇOS DE
FAMÍLIA
9. A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Ela
revolta sempre os corações honestos. Mas a ingratidão dos filhos
para com os pais tem características ainda mais dolorosas.
É deste ponto de vista, mais especialmente, que vamos analisar
as causas e os efeitos da ingratidão dos filhos. Nisto, como em
outras questões morais, o Espiritismo vem lançar a luz sobre um
dos problemas do coração humano.
Quando o Espírito deixa o seu corpo terreno, leva consigo as
suas paixões ou as suas virtudes, inerentes à sua natureza. Vai ao
mundo espiritual aperfeiçoar-se ou permanece estacionado em seu
estágio evolutivo até que deseje se iluminar.
Alguns, portanto, levam consigo ódios violentos e desejos de
vingança muito vivos. Entre estes, alguns são mais avançados, o
que lhes permitirá entrever uma partícula da verdade no mundo
dos Espíritos. Reconhecem, então, os funestos efeitos de suas paixões
e são induzidos a tomar boas resoluções. Compreendem que, para
chegarem a Deus, só existe um caminho: a caridade. Ora, não há
caridade sem esquecimento das ofensas e das injúrias; não há caridade
com ódio no coração e sem perdão.
É então que, por um grande esforço, eles voltam o seu olhar
para aqueles a quem detestaram sobre a Terra. Mas, ao vê-los, a sua
inimizade desperta. Eles se revoltam contra a idéia de perdoá-los e,
ainda mais, de renunciar a si mesmos. Rejeitam a idéia de amar
aqueles que lhes destruíram talvez a fortuna, a honra, a família.
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Apesar disso, o coração desses infortunados estará abalado.
Eles hesitam, vacilam, sacudidos por sentimentos que conflitam
entre o amor e o ódio, o perdão e o esquecimento. Se neles a boa
resolução predominar, pedem a Deus, imploram aos bons Espíritos
que lhes dêem força no momento mais decisivo da prova.
Enfim, depois de alguns anos de meditação e preces, um desses
espíritos se aproveita de uma gestação que está para iniciar-se na família
daquele a quem ele detestou, e pede aos Espíritos encarregados da
Justiça Divina permissão para ocupar aquele corpo, prestes a formarse, a fim de cumprir o seu destino.
Qual será, então, a sua conduta nessa família?
A conduta dependerá de maior ou menor persistência de suas
boas resoluções. O contato incessante com os seres que ele odiou é
uma provação dolorosa, sob a qual ele sucumbirá se a sua vontade
não for bastante forte. Assim, segundo a boa ou má resolução que
prevaleça, ele será um amigo ou um inimigo daqueles entre os quais
lhe foi dado viver.
É assim que se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas
que são notadas da parte de certas crianças e que nenhum fato anterior
parece justificar. Nada, com efeito, nesta existência, poderia ter
provocado essa antipatia gratuita. Para se lhes apreender a causa,
faz-se necessário voltar os olhos para as vidas anteriores.
Oh, Espíritas! Compreendei, nesse momento, o grande papel
da humanidade! Compreendei que quando gerais um corpo, a alma
que nele se reencarna vem do mundo espiritual para evoluir. Inteiraivos de vossos deveres e colocai todo o vosso amor em aproximar
essa alma de Deus. Esta é a missão que vos foi confiada e recebereis
a vossa recompensa se a cumprirdes fielmente.
Vossos cuidados, a educação que lhes derdes, auxiliarão o seu
aperfeiçoamento e a sua felicidade futura. Lembrai-vos de que a
cada pai e a cada mãe, o Senhor perguntará: “Que fizestes da criança
que confiei à vossa guarda?”. Se esse Espírito se conservou atrasado
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moralmente por vossa culpa, o vosso sofrimento será o de vê-lo
entre os Espíritos mais infelizes, quando dependia de vós que ele
fosse feliz. Então, vós mesmos, sobrecarregados de remorsos, pedireis
para reparar o vosso erro. Solicitareis uma nova encarnação para vós
e para ele, na qual o cercareis de mais cuidados e, ele, repleto de
reconhecimento, vos envolverá no seu amor.
Não escorraceis, portanto, a criancinha que, no berço, repele
a mãe, e nem aquele filho que vos paga o amor com ingratidão.
Não foi o acaso que os fez assim e que vo-lo deu. Uma intuição
imperfeita do passado se revela e podeis deduzir que um ou outro
já odiou muito ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para
perdoar ou para expiar.
Mães! Abraçai a criança que vos causa lágrimas e dizei para
vós mesmas: “Um de nós dois é o culpado”. Fazei jus às alegrias
divinas que Deus concedeu à maternidade, ensinando a essa criança
que ela está sobre a Terra para aperfeiçoar-se, amar e bendizer. Mas,
muitas de vós, em vez de eliminar pela educação os maus princípios
inatos dos filhos, trazidos de encarnações anteriores, mantêm e
desenvolvem essas inclinações viciosas por uma culposa fraqueza
ou por falta de cuidados. E, mais tarde, o vosso coração, ulcerado
pela ingratidão de vossos filhos, será para vós, a partir desta vida, o
começo de vossa expiação.
A tarefa de educar vosso filho não é tão difícil quanto podereis
pensar. Ela não exige o saber do mundo. O ignorante, como o
sábio, podem realizá-la e o Espiritismo vem facilitá-la, ao tornar
conhecida a causa da imperfeição do coração humano.
Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou maus
que traz de sua existência anterior. Os pais devem aplicar-se em
estudá-los. Todos os males têm a sua origem no egoísmo e no
orgulho. Espreitai, pois, os menores sinais que revelem os germes
desses vícios morais e cuidai de combatê-los, sem esperar que eles se
desenvolvam e que lancem raízes profundas. Fazei como o bom
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jardineiro que poda os brotos daninhos à medida que ele os vê
aparecerem na árvore. Se deixardes que se desenvolvam o egoísmo
e o orgulho em vossos filhos, não admireis, mais tarde, se vos pagarem
a vossa dedicação com a ingratidão.
Quando os pais fizerem tudo o que devem para o
adiantamento moral de seus filhos, se não conseguiram êxito, eles
não têm do que se culpar. A sua consciência pode ficar tranqüila.
Ao amargor muito natural que sentem pelo insucesso de seus
esforços, Deus lhes reserva uma grande, uma imensa consolação. É
que o Pai lhes dá a certeza de que a ingratidão do filho é apenas um
atraso momentâneo de evolução. Outra reencarnação será
proporcionada aos pais, para que terminem a obra começada e, um
dia, o filho ingrato os recompensará com o seu amor. (Veja o capítulo
XIII, item 19, desta obra.)
Deus não dá provas superiores às forças daquele que as pede.
Ele somente permite as que possam ser cumpridas. Se a tarefa de
educação do filho parece estar acima de vossa capacidade, não é que
vos foi entregue um fardo que não podeis carregar. Não haverá
falta de recursos para realizá-la, mas, sim, falta de vontade. Pois
quantos existem que, em vez de resistirem aos maus pendores, se
comprazem neles! Para estes, por certo, a Justiça Divina lhes reserva
reencarnações dolorosas em que se corrigirão desta sua inclinação
desajustada das leis.
Admirai, portanto, a bondade de Deus que jamais fecha a
porta ao arrependimento. Um dia vem em que o culpado estará
cansado de sofrer, o seu orgulho estará dominado. E eis que Deus
abre seus braços paternais ao filho pródigo que se lança a seus pés.
As grandes provas – escutai-me bem – são quase sempre o sinal
do fim de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, quando são
aceitas com o pensamento em Deus. Esse é um momento maior na
vida do Espírito e é nele que importa não fraquejar em conseqüência
de queixas e murmurações, se não se quiser perder o fruto de tais
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provas e ter de recomeçá-las. – Ao invés de vos queixardes, agradecei
a Deus, que vos oferece a oportunidade de vencer-vos, para vos dar
o prêmio da vitória. Então, quando sairdes do turbilhão do mundo
terrestre, vós entrareis no mundo espiritual e sereis ali aclamados
como o obreiro que saiu vitorioso diante dos desafios e dos riscos
de sua tarefa.
De todas as provações, as mais penosas são aquelas que ferem o
coração. Um que suporta com coragem as misérias e as privações
materiais, cai sob o peso das amarguras domésticas, esmagado pela
ingratidão de seus familiares. Oh! Esta é uma pungente angústia!
Mas o que pode, nestas circunstâncias, reerguer a coragem moral
abatida? O que a reerguerá será o conhecimento das causas do mal e
a certeza de que, se há retaliações na alma, não há desesperos que
durem eternamente, porque Deus não pode querer que a sua criatura
sofra para sempre! Que há de mais consolador, de mais encorajador
do que este pensamento de que depende de si mesmo, de seus próprios
esforços, o abreviar o sofrimento através da destruição, em si próprio,
das causas do mal?
Mas, para isso, faz-se necessário que o homem não retenha o
seu olhar somente sobre a Terra e nem veja a vida como sendo
apenas urna existência. E indispensável que o entendimento se amplie,
pairando no infinito do passado e do futuro. Então a grande Justiça
Divina se revela aos seus olhos e ele esperará com paciência, porque
terá compreendido o que lhe parecia monstruosidade da Terra, que
são os conflitos familiares. Os ferimentos que ele recebeu nas provas,
lhe parecerão, então, simples arranhões. Examinando o conjunto
de vidas de cada um, os laços de família se apresentam em seu
verdadeiro sentido, ou seja, não são os laços frágeis da matéria que
reúnem os membros da família, mas são os laços duráveis do Espírito
os que se perpetuam e se consolidam com a purificação das almas,
em vez de se romperem pela reencarnação.
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Os Espíritos, cuja semelhança de gostos, de evolução moral e
afetiva os identifica entre si, são induzidos a reunirem-se, formando
famílias. Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, se
buscam para se agrupar, como faziam no plano espiritual antes da
reencarnação. Desse encontro é que nascem as famílias unidas e
homogêneas. Se, nas suas peregrinações, esses Espíritos são
temporariamente separados, eles se reencontram mais tarde, felizes
pelos progressos que alcançam.
Mas, como eles não devem trabalhar apenas para si, Deus
permite que outros Espíritos, menos evoluídos, venham a encarnar
entre eles, a fim de receberem conselhos e bons exemplos, no
interesse de sua própria evolução. Esses Espíritos menos evoluídos
se tornam a causa, por vezes, da perturbação no meio daqueles que
os acolhem, mas neles é que estão as provas e a tarefa a realizar.
Acolhei-os, portanto, como irmãos. Ajudai-os e, mais tarde,
no mundo espiritual, a família espiritual se felicitará por haver salvo
do naufrágio moral alguns desses Espíritos infelizes que, por sua
vez, poderão salvar outros. (Agostinho, Paris, 1862.)
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O NECESSÁRIO PARA SALVAR-SE
PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO
1. E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os
santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. E estando
todas as nações reunidas diante dele, apartará uns dos outros, como o
pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita e os
bodes à sua esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita:
Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está
preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e destes-me
de comer; tive sede e destes-me de beber; era estrangeiro e me
hospedastes; estava nu e me vestistes; estive na prisão e fostes ver-me. –
Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos
com fome e te demos de comer? ou com sede e te demos de beber? E
quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? ou nu e te vestimos? E
quando te vimos enfermo ou na prisão e te fomos ver? – E respondendo
o Rei lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um
destes meus pequeninos irmãos, a mim fizestes. – Então dirá também
aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para
o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos, porque tive fome e
não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, sendo
estrangeiro não me recolhestes, estando nu não me vestistes e enfermo
e na prisão e não me visitastes. – Então eles também responderão,
dizendo: Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro
ou nu ou enfermo ou na prisão e não te servimos? – Então lhes responderá
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dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos
não o fizestes, não o fizestes a mim. – E irão esses para o tormento
eterno, mas os justos para a vida eterna. (Mateus, capítulo 25, versículos
31 a 46.)
2. E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e
dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? – E Jesus lhe
disse: Que está escrito na lei? Como lês? – E, respondendo, disse ele:
Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua
alma, e de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu
próximo como a ti mesmo. – E disse-lhe Jesus: Respondeste bem; fazes
isso e viverás. – Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo disse a
Jesus: E quem é o meu próximo? – E, respondendo Jesus, disse:
Descia um homem de Jerusalém para Jericó e caiu na mão dos
salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram,
deixando-o meio morto. Ocasionalmente descia pelo mesmo caminho
certo sacerdote e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também
um levita, chegando àquele lugar e, vendo-o, passou de largo.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e,
vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se atoulhes as feridas, deitando-lhe azeite e vinho. E, pondo-o sobre a sua
cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo
no outro dia, tirou dois dinheiros e deu-os ao hospedeiro e disse-lhe:
Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar.
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que
caiu nas mãos dos salteadores? – E o doutor da lei disse: O que usou de
misericórdia para com ele. – Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma
maneira. (Lucas, capítulo 10, versículos 25 a, 37.)
3. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na
humildade, ou seja, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao
orgulho.
Em todos os ensinamentos Jesus nos mostra essas virtudes
como sendo o caminho da felicidade eterna. Bem-aventurados, diz
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Ele, os pobres de espírito, isto é, os humildes, porque deles é o
reino dos céus. Bem-aventurados os que são puros de coração. Bemaventurados os que são brandos e pacificadores. Bem-aventurados
os que são misericordiosos. Amai vosso próximo como a vós
mesmos. Fazei aos outros o que querereis que os outros vos fizessem.
Amai os vossos inimigos. Perdoai as ofensas, se quiserdes ser
perdoados. Fazei o bem sem ostentação. Julgai-vos a vós mesmos
em vez de julgar os outros.
Humildade e caridade, eis o que não cessa de recomendar e
do que dá, Ele mesmo, o exemplo. Orgulho e egoísmo, eis o que
não cansa de combater.
Jesus, porém, fez mais do que recomendar a caridade como
salvação. Ele a coloca, em termos bastante claros, como a condição
única da felicidade futura.
No quadro que Jesus nos apresenta, do último julgamento,
narrado por Mateus, é necessário, como em muitas outras coisas
que Ele ensinou, separar o que faz parte da figuração e alegoria. A
homens como os quais falava, ainda incapazes de compreenderem
as coisas puramente espirituais. Ele deveria apresentar imagens
materiais chocantes, capazes de sensibilizá-los. Estas imagens, para
que pudessem ser aceitas, deveriam mesmo não se distanciarem
muito das idéias comuns, quanto à forma, reservando-se sempre
para o futuro a verdadeira significação de suas palavras e dos pontos
que, na época, Ele não poderia explicar de modo claro e direto.
Mas, ao lado da parte acessória e figurada do quadro do juízo final,
há uma idéia dominante: a da felicidade que espera o justo e da
infelicidade reservada ao mau.
No julgamento supremo, quais são os considerandos da
sentença? Sobre o que se baseiam as indagações? Pergunta-se se foram
cumpridas estas ou aquelas práticas exteriores? Não! Somente se
pergunta uma coisa: a caridade praticada. E, em decorrência, se
pronuncia dizendo: Vós que assististes a vossos irmãos, passai à
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direita e vós que fostes indiferentes com vossos irmãos, passai à
esquerda.
Informa-se, por acaso, sobre a não aceitação de novos
princípios ou idéias da fé? Faz alguma diferença entre aqueles que
crêem de um modo e os que crêem de outro modo? Não! Pois
Jesus coloca o samaritano, que era considerado como quem se punha
contra o culto exterior, mas que praticava o amor ao próximo, acima
daquele que, cheio de formalidades, faltava com a caridade.
Jesus não faz da caridade, portanto, apenas uma das condições
de salvação, mas a coloca como a condição única. Se outras condições
houvesse para cumprir, Ele as teria anunciado. Se Ele coloca a caridade
no primeiro lugar entre as virtudes é porque ela já contém todas as
demais virtudes: a humildade, a brandura, a benevolência, a
indulgência, a justiça, e porque a caridade é a total negação do
orgulho e do egoísmo.
O GRANDE MANDAMENTO
4. E os fariseus, ouvindo que Jesus fizera emudecer os saduceus,
reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o
para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento
na lei? – E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos
contêm toda a lei e todos os profetas. (Mateus, capítulo 22, versículos
34 a 40.)
5. Caridade e humildade, eis o caminho único da salvação.
Egoísmo e orgulho, eis o caminho da perdição.
Este princípio está, em termos precisos, nas palavras: “Amarás
a Deus de toda a tua alma e teu próximo como a ti mesmo. Toda a
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lei e os profetas estão contidos, nestes dois mandamentos”. E, para não
deixar dúvidas sobre o que seria o amor a Deus e ao próximo, Jesus
ajuntou: “E aqui está o segundo mandamento que é semelhante ao
primeiro”, ou seja, que não se pode amar a Deus sem amar o
próximo, nem arear o próximo sem amar a Deus. Tudo o que se
faça contra o próximo, se está fazendo contra Deus.
Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com
o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta máxima:
Fora da caridade não há salvação.
NECESSIDADE DA CARIDADE,
SEGUNDO PAULO DE TARSO
6. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se
não tivesse caridade seria como o metal que soa ou como o sino que
tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os
mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira
tal que transportasse os montes, se eu não tivesse caridade, nada seria.
E ainda que eu distribuísse toda a minha fortuna para o sustento
do pobres, e ainda entregasse o meu corpo para ser queimado, se eu
não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.
A caridade é paciente, é benigna, a caridade não trata com
leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não
busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. A caridade não
folga com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
A caridade tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade e, dentre
essas três, a maior destas é a caridade. (Paulo de Tarso, 1ª Epístola aos
Coríntios, capítulo 13, versículos 1 a 7 e 13.)
7. Paulo de Tarso de tal modo compreendeu a grande verdade
de caridade, que disse: “Ainda quando eu tivesse os dons da profecia
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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
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e que eu penetrasse todos os mistérios; ainda quando eu tivesse
toda a fé possível para transportar montanhas, se eu não tiver
caridade, eu nada serei. Entre estas três virtudes: a fé, a esperança e a
caridade, a mais excelente é a caridade”.
Ele coloca assim, sem nenhuma dúvida, a caridade acima
mesmo da fé. É que a caridade está ao alcance de todas as pessoas,
do ignorante e do sábio, do rico e do pobre, e porque a caridade
independe desta ou daquela crença em particular.
Paulo de Tarso vai além disso, definindo a verdadeira caridade.
Ele a mostra não somente na beneficência, mas na reunião de todas
as qualidades do coração: na bondade, na benevolência para com o
próximo.
FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO;
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
8. Enquanto que a máxima: “Fora da caridade não há
salvação”, se apóia num princípio universal, abrindo para todos os
filhos de Deus o acesso à felicidade suprema, o dogma “fora da
Igreja não há salvação” se apóia não sobre a fé fundamentada em
Deus e na imortalidade da alma, fé que é comum a todas as religiões,
mas se apóia em uma fé especial e baseada em dogmas particulares. É
um tipo de fé exclusiva e particular de uma seita. Em decorrência,
ao invés de unir os filhos de Deus, ela os divide. Ao contrário de
estimular o amor a todos os irmãos, ela alimenta e estimula a
desavença entre os que abraçam diferentes seitas dos diversos cultos
religiosos, que se consideram reciprocamente como amaldiçoados
na eternidade, embora sejam parentes e amigos neste mundo.
Menosprezando a grande lei de igualdade diante do túmulo, esse
princípio de fé particularista os afasta uns dos outros, até mesmo
nos cemitérios.
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CAPÍTULO XV
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A máxima: Fora da caridade não há salvação é a consagração
do princípio de igualdade diante de Deus e da liberdade de
consciência e de culto. Tomando esta máxima por regra de conduta,
todos os homens se sentem irmãos e, qualquer que seja a maneira
de cada um adorar o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns
pelos outros. Já com o dogma: Fora da Igreja não há salvação, os
homens se condenam entre si, perseguem-se uns aos outros e vivem
em inimizades. O pai não ora pelo filho, nem o amigo ora pelo
amigo, desde que mutuamente se consideram condenados a um
inferno e sem perdão para o pecado de ter uma fé diferente da de
outra pessoa. Este dogma é, pois, essencialmente contrário aos
ensinamentos do Cristo e da lei evangélica.
9. Fora da verdade não há salvação seria igual ao dogma de
Fora da Igreja não há salvação e, também, tão exclusivista como
este último. É que não existe uma só seita religiosa que não pretenda
possuir o privilégio da verdade.
Qual o homem que se pode vangloriar de possuir a verdade
toda, integralmente, quando todas as áreas do conhecimento crescem
sem cessar e quando as idéias são retificadas a cada novo dia? A
verdade total é o conjunto de conhecimentos dominados unicamente
pelos Espíritos de ordem muito elevada. A humanidade terrena
não poderá pretendê-la, porque não lhe é dado saber tudo. A
humanidade não pode aspirar mais que uma verdade parcial e
proporcional à sua própria evolução.
Se Deus tivesse feito da posse da verdade total a condição
única da felicidade futura, isso seria uma sentença de sofrimento
completo e geral para todos e para sempre. A caridade, no entanto,
é o caminho para atingir esse estado de felicidade. É que a caridade,
mesmo no seu sentido mais amplo, pode ser praticada por todos.
O Espiritismo, pondo-se de acordo com o Evangelho, admite
a salvação para todos, independentemente da crença religiosa de
cada um. Bastaria que observem a lei de Deus. Por isso, não se diz:
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Fora do Espiritismo não há salvação, e, como também o Espiritismo
não pretende ensinar toda a verdade ainda, também não diz: Fora
da verdade não há salvação, princípio este que dividiria os homens
ao invés de uni-los e perpetuaria os antagonismos entre todas as
criaturas.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
10. Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação,
estão contidos os destinos dos homens sobre a Terra e no céu. Sobre
a Terra, porque à luz desse estandarte eles viverão em paz. No céu,
porque aquele que houver praticado esse princípio encontrará graça
diante do Senhor.
Essa divisa é o facho celeste, a luminosa coluna que guia o
homem no deserto da vida para conduzi-lo à terra da Promissão.
Ela brilha no céu como uma auréola santa na fronte dos eleitos e
sobre a Terra ela está gravada no coração daqueles para quem Jesus
dirá: “Passai à direita vós que sois os benditos de meu Pai”. Podeis
reconhecer os escolhidos para a felicidade futura pelo perfume da
caridade que se derrama em torno deles.
Nada exprime melhor o pensamento de Jesus, nada resume
mais os deveres do homem, que essa máxima de ordem divina:
“Fora da caridade não há salvação”. O Espiritismo não poderia provar
melhor a sua origem divina, do que a ofertando como regra de
conduta, porque esse princípio espelha o mais puro cristianismo.
Tomando-a por guia, o homem jamais se transviará.
Aplicai-vos, então, meus amigos, a penetrar no sentido
profundo e nas conseqüências da aplicação dessa máxima universal
e a descobrir por vós mesmos a maneira de praticar a caridade.
Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade e vossa
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CAPÍTULO XV
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consciência vos responderá sobre o bem e o mal. E a caridade não
somente evitará que façais o mal, mas também vos levará a fazer o
bem. Não basta uma virtude negativa, fruto de não fazer o mal. É
necessário uma virtude ativa, que nasce de fazer o bem. Para fazer o
bem é sempre indispensável a ação da vontade; para não fazer o
mal, bastam a inércia e a omissão.
Meus amigos, agradecei a Deus que permitiu que pudésseis
beneficiar-vos da luz do Espiritismo. Não é que somente os que a
possuem possam salvar-se, mas porque, em vos ajudando a compreender melhor os ensinamentos do Cristo, o Espiritismo vos torna
melhores cristãos.
Agi de tal modo, como verdadeiros cristãos, que os que vos
verem possam dizer que o verdadeiro Espírita e o verdadeiro cristão
são uma só e a mesma coisa, porque todos os que praticam a caridade
são discípulos de Jesus, qualquer que seja o culto a que pertençam.
(Paulo, o Apóstolo, Paris, 1860.)
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SALVAÇÃO DOS RICOS
1. Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou há de
aborrecer a um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o
outro. Não podeis, servir a Deus e a Mamom. (Lucas, capítulo 16,
versículo 13.)
2. E eis que, aproximando-se dele um mancebo, disse-lhe: Bom
Mestre, que farei para conseguir a vida eterna? E Jesus lhe disse: Por
que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres,
porém, entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.
Indagou-lhe o moço: E quais mandamentos? E Jesus lhe
respondeu: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não
dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o
próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe o moço: Tudo isso tenho guardado desde a minha
infância. Que me falta ainda? – Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito,
vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu;
e vem e segue-me. – E o mancebo, ouvindo esta palavra, retirou-se
triste, porque possuía muitas propriedades. – Disse, então, Jesus a seus
discípulos: Em verdade vos digo que é difícil um rico entrar no reino
dos céus. E, outra vez vos digo, que é mais fácil passar um camelo pelo
fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. – Os
seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem
poderá, pois, salvar-se? – E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos
homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível. (1) (Mateus,
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CAPITULO
CAPÍTULO XVI
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capítulo 19, versículos 16 a 24 .) (Marcos, 10:17 a 25 e Lucas 18:18
a 25.)
GUARDAR-SE DA AVAREZA
3. E disse-lhe um homem da multidão: Mestre, dize a meu
irmão que reparta comigo a herança. – Mas Jesus lhe respondeu:
Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? E
disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de
qualquer um não consiste na abundância do que possui. – E propôslhes uma parábola dizendo: A herdade de um homem rico tinha
produzido em abundância. E arrazoava ele entre si, dizendo: Que
farei? Não tenho onde recolher meus frutos. E disse: Farei isto:
derrubarei os meus celeiros e edificarei outros maiores e ali recolherei
tudo o que tenho e os meus bens e direi à minha alma: Alma, tens em
depósito muitos bens para muitos anos; descansa, bebe e folga. – mas
Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma e o que tens
preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros
e não é rico para com Deus. (Lucas, capítulo 12, versículos 13 a 21.)
1. Esta imagem arrojada pode parecer um tanto forçada, porque não se pode perceber
que relação existe entre um camelo e uma agulha. Ocorre que, em hebreu, a mesma
palavra se aplica para cabo e camelo. Na tradução do Evangelho lhe deram esta
última acepção. Mas é provável que ela tenha sido aplicada com o sentido de cabo, que
seria o pensamento de Jesus. Isto é, pelo menos, o mais natural.
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JESUS NA CASA DE ZAQUEU
4. E tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia
ali um homem chamado Zaqueu e era este um chefe dos publicanos e
era rico. E procurava ver quem era Jesus e não podia, por causa da
multidão, pois era de pequena estatura. E, correndo, adiante, subiu
numa figueira brava para o ver, porque havia passar por ali. E quando
Jesus chegou aquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu,
desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa. – E
apressando-se, Zaqueu desceu e, recebeu-o gostosamente. E vendo todos
isto, murmuravam, dizendo que entrara para ser hóspede de um
homem pecador. – E levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor,
eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens e se em alguma coisa
tenho enganado alguém, o restituo quadruplicado. – E disse-lhe Jesus:
Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão
porque o filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.
(Lucas, capítulo 19, versículos 1 a 10.)
PARÁBOLA DO MAU RICO
5. Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de
linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia
também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas
à porta daquele rico e que desejava alimentar-se com as migalhas que
caíam da mesa do rico e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas.
E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para
o seio de Abraão. E morreu também o rico e foi sepultado e no Hades,
ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro
em seu seio e, clamando, disse ao rico: Pai Abraão, tem misericórdia
de mim e manda Lázaro que molhe na água a ponta do dedo e me
refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. – Disse,
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porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em
vida, e Lázaro somente males e agora este está consolado e tu
atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e
ti, de sorte que os que quisessem passar daqui para aí não poderiam,
nem tão pouco os daí passar para cá. – E disse ele: Rogo-te, ó Pai, que
mandes Lázaro para a casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, a fim
de que dê testemunho para que não venham também para este lugar
de tormento. – Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os profetas; ouçamnos. – E disse ele: Não, pai Abraão. Mas, se algum dentre os mortos
fosse ter com eles, arrepender-se-iam. – Porém Abraão lhe disse: Se
não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco acreditarão ainda que
alguns dos mortos ressuscitem. (Lucas, capítulo 16, versículos 19 a
31.)
PARÁBOLA DOS TALENTOS
6. Porque isto é também como um homem que, partindo para
fora da terra, chamou os seus servos, entregando-lhes os seus bens. E a
um deu cinco talentos e a outro dois e a outro um, a cada qual segundo
a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe.
E tendo ele partido, o que recebeu cinco talentos negociou com
eles, e granjeou outros cinco talentos. Da mesma forma, o que recebera
dois talentos, negociou com eles e recebeu outros dois. Mas o que recebera
um talento, foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Muito tempo depois, veio o senhor daqueles servos, e fez contas
com eles. Então aproximou-se o que recebera cinco talentos, e trouxelhe outros cinco talentos, dizendo-lhe: Senhor, entregaste-me cinco
talentos. Eis aqui outros cinco talentos que ganhei com eles. – Então o
senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel, sobre o muito te colocarei.
Entre no gozo de teu senhor. – E, chegando também o que tinha
recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos e eis
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que com eles ganhei outros dois talentos. – Disse-lhe o senhor: Bem
está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei.
Entra no gozo do teu senhor. – Mas, chegando também o que recebera
um talento, disse: Senhor, eu sabia que és um homem duro, que ceifas
onde não semeaste e juntas onde não espalhaste. E, atemorizado,
escondi na terra o seu talento. Aqui tens o que é teu. – Respondendo,
porém, o seu senhor lhe disse: Mau e negligente servo. Se sabias que
ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei, então devias ter
dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o
meu com os juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez
talentos, porque a qualquer que tiver será dado e terá em abundância,
mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado. Lançai, pois, o
servo inútil nas trevas exteriores. Ali haverá pranto e ranger de dentes.
E quando o Filho do homem vier em sua glória e todos os santos anjos
com ele, então se assentará no trono de sua glória. (Mateus, capítulo
25, versículos 19 a 31.)
UTILIDADE PROVIDENCIAL DA RIQUEZA
7. Se a riqueza devesse ser um obstáculo total para a salvação
daqueles que a possuem, assim como se pode deduzir de certas
palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o seu
sentido, Deus, que a concede, colocaria nas mãos de alguns um
instrumento de perdição, sem nenhuma outra alternativa.
Essa dedução, porém, se choca com a razão!
A riqueza é, sem dúvida, uma prova muito arriscada. É mais
perigosa do que a prova de miséria. É que a riqueza sugere desvios,
desperta tentações e exerce grande fascinação. É o supremo
estimulante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É um laço
muito forte que prende o homem à Terra e desvia os pensamentos
do céu. Ela produz uma tão grande alteração de comportamento
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que, muitas vezes, aquele que passa da miséria para a riqueza, de
pronto esquece a sua origem, esquece aqueles que o ajudaram, e
faz-se insensível, egoísta e fútil.
Mas, por tornar o caminho do bem mais difícil, não se conclua
que o torne impossível. Pode, por outro lado, tornar-se um meio
de salvação nas mãos daquele que dela sabe servir-se, como certos
venenos que restabelecem a saúde, quando empregados com esse
propósito e discernimento.
Jesus disse ao homem que lhe indagava sobre os meios de
ganhar a vida eterna: “Desfaze-te de teus e bens e segue-me”. Assim
dizendo, Jesus não pretendeu estabelecer como princípio absoluto
que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só se
consegue ao preço desse sacrifício da fortuna. Mostrava-lhe, contudo,
que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.
Aquele jovem, com efeito, se julgava quite porque observara
alguns mandamentos. Portanto, recusou a idéia de abandonar seus
bens. Seu desejo de obter a vida eterna não ia ao extremo do sacrifício
de se desapegar de seus bens.
O que Jesus lhe propunha, era uma prova decisiva, para
desnudar o fundo de seus pensamentos. O jovem podia, sem dúvida,
ser um homem perfeitamente honesto, segundo o juízo da sociedade.
Poderia não causar dano a ninguém e nem maldizer o seu próximo.
Poderia não ser vazio de valores morais, nem orgulhoso, honrar a
seu pai e a sua mãe. Mas não tinha a verdadeira caridade, pois que a
sua virtude não chegava até a abnegação. Eis o que Jesus quis
demonstrar. Era uma aplicação do princípio: “Fora da caridade não
há salvação”.
A conseqüência dessas palavras de Jesus, se tomadas no seu
significado rigoroso, seria a abolição da riqueza, como prejudicial à
felicidade futura e como origem de incontáveis males sobre a Terra.
Porém, isso seria a condenação do trabalho que a pode proporcionar.
E essa condenação seria absurda porque faria o homem regredir à
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vida selvagem o que, por isso mesmo, estaria em contradição com
a lei do progresso, que é uma lei de Deus.
Se a riqueza é a causa de muitos males, se ela estimula tanto
as más paixões, se ela provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que
devemos atribuir tais coisas. Atribuamo-las ao homem que dela
abusa, como tem abusado de todos os dons de Deus. Pelo abuso o
homem torna pernicioso até aquilo que lhe poderia ser mais útil. É
uma conseqüência do estado inferior do mundo terrestre.
Se a riqueza, em si, não devesse mais do que produzir o mal,
Deus não a poria sobre a Terra. Cabe ao homem, no entanto, dela
fazer sair o bem. Se ela não é um elemento de evolução moral, ela
é, sem contestação, um poderoso elemento do desenvolvimento
da inteligência humana.
O homem, com efeito, tem a missão de trabalhar pelo
aprimoramento material da Terra. Cabe-lhe desbravá-la, saneá-la, a
fim de prepará-la para receber um dia toda a população que se
comporta na sua extensão. Para alimentar essa população, que cresce
sem cessar, é necessário aumentar a produção de alimentos e bens.
Se a produção de uma região for insuficiente para abastecer os
consumidores, o que faltar deve ser procurado noutras localidades.
Por esse comércio de bens, as relações entre os povos tornam-se
uma necessidade. Para tornar mais fáceis essas relações entre os povos,
faz-se necessário desobstruir os acidentes geográficos que os separam,
permitindo comunicações mais fáceis e rápidas.
Por essas atividades, que são obras que se realizam em séculos,
o homem teria de extrair materiais das entranhas da terra. Ele
procurou, para que isso lhe fosse possível, na própria ciência os
meios de executar as suas obras mais segura e rapidamente. Mas
para executá-las, precisa de recursos amoedados. Em decorrência,
essa necessidade o fez criar a riqueza, como o fez estimular o
crescimento da ciência.
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A atividade requerida para esses mesmos trabalhos a que se
emprega trouxe-lhe o desenvolvimento de sua inteligência. Essa
inteligência que se concentra inicialmente sobre a satisfação das
necessidades materiais, é o que o ajudará, mais tarde, a compreender
as grandes verdades morais.
Sendo, pois, a riqueza o primeiro meio de execução de sua
missão sobre a Terra, e sem a qual não haveria grandes obras, grandes
atividades, nem grandes estímulos e grandes pesquisas, ela pode ser
considerada, com razão, como um elemento de evolução do próprio
homem.
DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS
8. A desigualdade das riquezas, entre os homens, é um desses
problemas que inutilmente se procurará solucionar, quando se
considerar apenas a vida atual.
A primeira questão que se apresenta é esta: “Por que todos os
homens não são igualmente ricos?”. Eles não são igualmente ricos
por uma razão bem simples: é que não são igualmente inteligentes,
ativos e laboriosos para adquirir a fortuna, nem sóbrios e previdentes
para conservá-la.
Considere-se, também, que é um princípio matematicamente
demonstrado que, se a riqueza fosse dividida em partes iguais para
cada um, essa parte seria mínima e insuficiente. Supondo-se que
fosse feita essa divisão, o seu equilíbrio seria rompido, em pouco
tempo, pela diversidade de características e de capacidade que há
entre os homens.
Supondo-se, porém, que essa divisão da riqueza fosse possível
e durável, tendo cada pessoa com o que viver, teríamos a extinção
de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o
bem-estar da humanidade.
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Supondo-se, ainda, que a cada um se dê o necessário para
alimentar-se, vestir-se e alcançar todo conforto material, já não haveria
mais o estímulo necessário que impele o homem para as grandes
descobertas e para os grandes empreendimentos úteis à coletividade.
Se Deus a concentra sobre certos pontos, é para que daí se
expanda em quantidade suficiente, segundo as necessidades das
realizações humanas.
Admitido isto, indaga-se por que Deus a concede a pessoas
incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos. Está aí uma
prova da sabedoria e da bondade da Providência Divina. Ao conceder
ao homem o livre-arbítrio, Deus quis que o homem chegasse, por
sua própria experiência e decisão, a discernir o bem e o mal e,
conseqüentemente, a praticar o bem como resultado de seus esforços
e de sua própria vontade.
O homem não deve ser fatalmente conduzido ao bem e nem
ao mal. Se assim fosse, ele não seria mais que um instrumento
passivo e sem responsabilidade como os animais. A riqueza é, assim,
um meio de prová-lo moralmente. Mas como a riqueza é, ao
mesmo tempo, um poderoso meio de ação para o progresso, Deus
não quer que ela se torne por longo tempo improdutiva. Deus a
desloca incessantemente de uma mão para a outra. Cada uma das
pessoas deve possuí-la, para exercitar-se no seu uso e demonstrar o
emprego que sabe dar-lhe.
Há, porém, a impossibilidade material de conceder a riqueza
a todos ao mesmo tempo. Se todos a possuíssem ao mesmo tempo,
ninguém trabalharia e o progresso da Terra sofreria com isso. Por
tal razão, cada um a possuirá por sua vez. Assim é que aquele que
hoje não a tem, já a teve em outra existência anterior ou a terá no
futuro. E o que hoje a possui, não a terá amanhã.
Há ricos e pobres porque Deus, sendo justo, faz com que
cada um trabalhe por sua vez. A pobreza é, para uns, a prova da
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paciência e da resignação. A riqueza é, para outros, a prova da caridade
e da abnegação.
Lamenta-se, com razão, o triste uso que algumas pessoas
fazem de sua fortuna, as lamentáveis paixões que a cobiça provoca
e, por isso, pergunta-se: Deus é justo ao conceder a riqueza para tais
pessoas? É certo que se o homem não tivesse outra existência, nada
justificaria uma tal distribuição de bens da Terra. Mas, se não nos
limitar-nos tão-somente à vida atual, e considerarmos o conjunto
de reencarnações, veremos que tudo se equilibra com justiça. O
pobre não tem, portanto, motivos para acusar a Providência Divina
e nem para invejar os ricos. Os ricos, por sua vez, não têm motivos
para se glorificarem do que possuem.
Se os ricos abusam, não será com decretos e nem com leis
maliciosas que se consertará o mal. As leis podem modificar
momentaneamente a aparência do mal, mas não podem modificar
a natureza dos sentimentos. Eis porque as leis injustas têm uma
duração curta e são, quase sempre, seguidas de uma reação
desenfreada.
A origem do mal está no egoísmo e no orgulho. Os abusos,
de qualquer natureza, cessarão por si mesmos, quando os homens
orientarem suas ações sob a inspiração da lei de caridade.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A VERDADEIRA PROPRIEDADE
9. O homem não possui como sua propriedade a não ser
aquilo que pode levar deste mundo. O que ele aqui encontra ao
chegar pela porta do berço e o que ele deixa ao partir pela porta do
túmulo, ele goza enquanto aqui permanecer. Mas, se ele está
obrigado a abandonar as coisas da Terra, na própria Terra, ele só
tem o usufruto das coisas e não a sua propriedade real.
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O que é, então, que ele possui?
Ele nada possui daquilo que se usa sobre o corpo, mas somente
o que é de uso da alma. São dele a inteligência, os conhecimentos,
as qualidades morais. Eis aí o que ele traz e não deixa no túmulo ao
partir desta existência. Isso é o que ninguém lhe pode tirar e que lhe
servirá muito mais no plano espiritual do que lhe serve neste mundo.
Do homem, pois, dependerá estar mais enriquecido de
qualidades pessoais ao partir do que quando chegou a este mundo.
Do que tiver adquirido na prática do bem, dependerá a sua situação
espiritual no plano dos Espíritos.
Quando um homem vai a um país distante, ele fará a sua
bagagem com os objetos que sejam de uso no país para onde se
transferirá. Ele não se carrega de coisas que lhe serão inúteis. Façam,
pois, o mesmo, em relação à sua vida futura, aprovisionando-se de
tudo o que lá lhes poderá servir.
Ao viajante que chega a um hotel, dá-se um bom apartamento
se ele puder pagar a diária. Para um outro, de pequenos recursos, o
alojamento será menos confortável. E, quanto àquele que nada tem,
esse dormirá no relento. Assim é, também, com o homem quando
ele retorna ao mundo espiritual. O lugar para onde ele vai está
subordinado às suas posses, mas lá não se pode pagar com o dinheiro
da Terra o lugar que ele ocupará.
Ninguém lhe perguntará “Quanto tinhas de riquezas sobre a
Terra? Que posição ocupavas? Eras patrão ou empregado?”. – Lá, a
única indagação que lhe farão será: “Que trazes contigo?”.
Não avaliarão os bens e os títulos de quem chega, mas a soma
de suas virtudes. Ora, nesta espécie de tomada de valores, o
empregado poderá ser mais rico do que o patrão. Inutilmente
alguém alegará, no mundo espiritual, que antes de sua partida ele
pagou a sua entrada no outro mundo a peso de ouro. É que terá
como resposta: “Os lugares aqui não são comprados. Eles são
conquistados pelo bem que hajas feito. Com o dinheiro da Terra
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pudeste adquirir fazendas, casas, palacetes. Aqui, no entanto, tudo
se adquire com as qualidades do coração. És rico dessas qualidades?
Se as tens, és bem-vindo e irás ao primeiro lugar, onde as venturas
te esperam. És, porém, pobre dessas qualidades? Irás, então, ao lugar,
onde serás tratado de acordo com a tua pobreza de sentimentos”.
(Pascal, Genebra, 1860. )
10. Os bens da Terra pertencem a Deus, que os concede de
acordo com os seus desígnios. O homem é, desses bens, apenas o
usufrutuário, o administrador mais ou menos íntegro e inteligente.
Esses bens não são propriedade individual do homem que os tema
na sua posse, tanto que Deus frustra, freqüentemente, todas as suas
previsões. A fortuna escapa das mãos daqueles mesmos que julgam
possuí-la segura com os melhores títulos e os maiores cuidados.
Vocês dirão, no entanto, que isso ocorre somente com as
riquezas recebidas por herança. Dirão que tal não acontece com
aquela que vocês adquiriram com o seu trabalho. Sem nenhuma
dúvida, se há uma fortuna legítima, essa é aquela que se adquire
honestamente, porque uma propriedade só é legitimamente adquirida
quando, para ter a sua posse, não se prejudicou ninguém. O homem
será chamado a contas, porém, por todo dinheiro mal adquirido
ou adquirido com prejuízo de outros.
Mas, do fato de um homem dever a sua fortuna a si próprio,
tirará disso alguma vantagem ao morrer? Não são freqüentemente
inúteis os seus cuidados ao transmitir a sua fortuna a seus descendentes? Na verdade esses cuidados chegam a ser inúteis, porque se a
Justiça Divina não quiser que os herdeiros a recebam, nada
prevalecerá contra as disposições dessa Justiça.
Poderá o homem usar e abusar de sua fortuna, durante a sua
vida, impunemente, sem que tenha de prestar contas? Não! Pois ao
permitir adquiri-la, a Justiça Divina pode ter querido recompensálo, durante essa existência, pelos seus esforços, pela sua coragem,
pela sua perseverança. Mas essa fortuna não lhe terá sido concedida
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para servir de satisfação a seus sentidos grosseiros ou a seu orgulho.
Se a riqueza em suas mãos tornar-se causa de sua queda, melhor
fora não tê-la em sua posse. É que com o mau uso, esse homem
perde de um lado o que ganhou do outro, anulando o mérito de
seu trabalho. E quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que ele já recebeu
a sua recompensa. (Um Espírito Protetor, Bruxelas, 1861.)
EMPREGO DA FORTUNA
11. “Não podeis servir a Deus e a Mamom.” – Guardai bem
isso, vós que sois dominados pela paixão do ouro, vós que venderíeis
a vossa alma para enriquecer, tão-somente porque isso vos elevaria
aos olhos dos outros homens e vos concederia os prazeres das paixões.
Não! Não podeis servir a Deus e a Mamom!
Se sentis, portanto, a vossa alma dominada pelas cobiças da
carne, dai-vos pressa de sacudir o jugo que vos esmaga. A Justiça
Divina, justa e correta, vos dirá: “Que fizeste, mordomo infiel, dos
bens que te foram confiados? Esse poderoso meio de fazeres as boas
obras, tu o colocaste somente a serviço de tuas satisfações pessoais?”.
Qual é, então, o melhor emprego da fortuna?
Procurai a resposta nestas palavras de Jesus: “Amai-vos uns
aos outros”. Aí está a solução da questão levantada. Está aí o segredo
de bem empregar as riquezas. Aquele que se acha animado do amor
ao próximo, tem nesse amor traçada toda a linha de conduta do
emprego da riqueza.
A aplicação da fortuna que mais agrada a Deus está na caridade.
Não nos referimos a essa caridade fria e egoísta, que consiste em
distribuir, em torno de si, o supérfluo de uma existência repleta de
luxo. Referimo-nos, isto sim, à caridade plena de amor, que busca
a desgraça e a ampara, sem humilhar.
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Rico, dá do que te sobra! Faze mais: doa um pouco do que te
é necessário, porque o que te é necessário é, quase sempre, o
supérfluo. Mas dá com sabedoria! Não afastes de teu coração aquele
que chora, com medo de seres enganado. Mas vai à origem do mal
que provoca essas lágrimas. Alivia antes, informa-te depois. E vê-se
o trabalho, os conselhos, a afeição mesmo, não serão muito mais
eficazes do que a tua esmola. Propaga, por onde passares, com o
amparo material que doares, o amor de Deus, o amor ao trabalho e
o amor ao próximo. Coloca as tuas riquezas sobre uma base que
não te faltará jamais e que te trará de retorno muitos juros espirituais:
a base das boas obras.
A riqueza da inteligência deve servir-te como a própria riqueza de bens da Terra. Distribui, em torno de ti, os bens da instrução.
Distribui sobre os teus irmãos os recursos de teu amor e eles darão,
a seu devido tempo, os seus próprios frutos. (Cheverus, Bordéus,
1861.)
12. Quando eu considero a brevidade da vida, sou dolorosamente
impressionado com a vossa incessante preocupação com o bemestar material, que é para vós a razão de ser da vida. Dais pouca
importância e consagrais reduzido tempo à vossa evolução moral e
esta é a que será mais levada em conta para a vossa eternidade.
Seria de crer, ao ver a atividade que desenvolveis, que o bemestar material é uma questão do mais alto interesse para a humanidade.
No entanto, quase sempre, a agitação a que vos entregais visa tãosomente atender a satisfação de vossas necessidades exageradas, de
vossa vaidade ou para vos entregardes a excessos de toda natureza.
Que sofrimento, que cuidados, que tormentos cada um se impõe
para o bem-estar material! Quantas noites de insônia, tão-somente
para aumentar uma fortuna freqüentemente mais do que suficiente
para todas as necessidades e supérfluos! Por cúmulo de cegueira,
não é raro o homem não ver que a sua imoderada paixão pela fortuna
e pelos prazeres que ele procura, aprisionam-no a um trabalho
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penoso. Vangloria-se de uma existência dita de sacrifícios e de mérito,
como se ele trabalhasse pelos outros e não por si mesmo.
Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados
em conta os cuidados e os esforços que o egoísmo e a cupidez ou o
orgulho sejam a motivação? Não vedes que, assim, negligenciais do
vosso futuro, bem como dos deveres que a solidariedade fraternal
impõe a todos os que usufruem das vantagens da vida social?
Pensastes apenas no vosso corpo perecível! Seu bem-estar, seus
prazeres, foram o único alvo de vossa solicitude egoística. Por tudo
o que morre, esquecestes o vosso Espírito que viverá para sempre.
Por isso esse senhor, tão mimado e acariciado, que é o vosso
corpo, tornou-se o vosso tirano. É ele que dá ordens a vosso espírito.
E o vosso espírito se faz o seu escravo submisso.
Seria essa a finalidade da existência que Deus vos concedeu?
(Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861.)
13. O homem sendo o depositário, o gerente dos bens que
Deus lhe depositou entre as mãos, lhe serão pedidas contas exatas
do emprego que dará a esses bens, em virtude de seu livre-arbítrio.
O mau emprego desses bens consiste em utilizá-los exclusivamente
para a sua satisfação pessoal. Ao contrário, o seu emprego é bom
todas as vezes que resulta em algum benefício para os outros.
O merecimento de toda ação generosa está na quantidade de
sacrifícios que a pessoa se impõe para realizá-la. A beneficência é
apenas um campo onde empregar a fortuna: alivia a miséria; aplaca
a fome; livra do frio e dá um abrigo aos abandonados.
Há, porém, um dever tanto mais imperioso e tanto mais
meritório, e que consiste em prevenir a miséria. E esta é a missão
das grandes fortunas, tendo por campo de aplicação a criação de
trabalho de todos os gêneros para que os desvalidos os possam
executar. E mesmo que desses trabalhos se retire um resultado
legítimo, o bem não deixaria de existir, porque o trabalho desenvolve
a inteligência e exalta a dignidade do homem, sempre lhe permitindo
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dizer que ganha o pão que come, enquanto a esmola o humilha e
degrada. A fortuna concentrada numa só mão deve ser como uma
fonte de água viva que espalha a vida farta e o bem-estar à sua volta.
Oh! Vós, ricos, que empregais a fortuna segundo os desejos do
Senhor, o vosso próprio coração será o primeiro a beber da água dessa
fonte amorosa. Vós tereis, já nesta vida, os prazeres encantadores da
alma, ao invés dos prazeres materiais do egoísta que deixam um vazio
no coração.
Vosso nome será abençoado sobre a Terra e, quando a
deixardes, o Soberano Senhor vos dirá, como na parábola dos
talentos: “Oh! Bom e fiel servidor, entra na alegria do teu Senhor”.
Nessa parábola, o servidor que colocou na terra o talento que lhe
fora confiado, não é a imagem dos avarentos, entre as mãos dos
quais a fortuna nada produz? Se, entretanto, Jesus fala principalmente
das esmolas, é porque no tempo em que falava e no país em que
Ele vivia, não se conheciam os trabalhos que as técnicas e as atividades
viriam a criar mais tarde e nos quais a fortuna poderia ser aplicada
utilmente para o benefício geral.
A todos aqueles que podem doar, pouco ou muito, eu direi
pois: “Dai esmola, quando ela seja necessária, mas tanto quanto
possível, convertei-a em salário, a fim de que aquele que o recebe
não se envergonhe dele”. (Fénelon, Alger, 1860.)
DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS
14. Eu venho, meus irmãos, meus amigos, trazer-vos o meu
óbolo, para vos ajudar a avançar corajosamente no caminho da
evolução em que vós entrastes. Nós nos devemos uns aos outros.
Somente através de uma união sincera e fraternal entre Espíritos e
encarnados é que a regeneração do homem será possível.
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Vossa paixão pelos bens terrenos é um dos mais fortes
obstáculos para a vossa evolução moral e espiritual. Pelo apego à
posse de tais bens, destruís a vossa faculdade de amar, voltando-se
inteiramente sobre as coisas materiais.
Sede sinceros: a fortuna dá-vos uma felicidade sem manchas?
Quando os vossos bolsos estão cheios, não há sempre uma sensação
de vazio no coração? No fundo dessa cesta de flores, não há sempre
um réptil oculto? Eu compreendo que o homem que, pelo seu
trabalho assíduo e honrado, ganhou uma fortuna, sinta uma
satisfação bem justa. Mas dessa satisfação, muito natural e que Deus
aprova, a um apego que absorve todos os outros sentimentos e
paralisa os impulsos do coração, vai uma longa distância. É uma
distância tão grande quanto aquela que separa a sovinice sórdida da
prodigalidade exagerada, dois vícios entre os quais Deus colocou a
caridade. É a caridade a santa e salutar virtude que ensina o rico a
doar sem ostentação, para que o pobre receba sem rebaixar-se.
Quer a fortuna vos tenha vindo de vossa família, quer a tenhais
conquistado por vosso trabalho, há uma coisa que jamais deveis
esquecer: tudo vem de Deus e a Deus retorna. Nada vos pertence
na Terra, nem mesmo o vosso corpo físico: a morte vos despoja
dele, como vos despoja, também, dos bens materiais. Vós sois meros
depositários e não proprietários, não vos iludais. Deus vos emprestou
e tereis de lhe restituir todos os empréstimos. E Ele vos emprestou
sob a condição de que o supérfluo, pelo menos, seja revertido para
aqueles que não possuem o necessário para a vida.
Um de vossos amigos vos emprestou uma quantia em
dinheiro. Por menos honestos que sejais, tereis escrúpulo em lhe
pagar o valor tomado de empréstimo e, ainda, lhe ficareis
agradecidos. Pois bem, eis a posição de todo homem rico diante da
Providência Divina. Deus, que é o Amigo Celestial, emprestou-lhe
a riqueza que ele tem. O Pai nada lhe pede além do amor e
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reconhecimento, mas exige, por sua vez, que o rico doe aos pobres,
que são tão filhos de Deus quanto ele próprio.
Os bens que Deus vos confiou estimulam em vossos corações
uma ardente e desvairada cobiça. Já refletistes, quando vos apegais
apaixonadamente a uma fortuna tão perecível e passageira quanto
vós, que virá um dia em que devereis prestar contas ao Senhor daquilo
que vos veio d’Ele? Esquecei-vos de que, pela riqueza que vos veio,
fostes investidos da sagrada condição de ministros da caridade na
Terra, para serdes da riqueza os distribuidores inteligentes? O que
sereis, pois, quando usardes tão-somente em vosso proveito pessoal
a fortuna que vos foi confiada? Sereis, por certo, depositários infiéis!
Que resulta deste esquecimento voluntário de vossos deveres?
Resultará em que a morte inflexível, inevitável, virá rasgar o véu
sob o qual ocultáveis os vossos deveres de caridade. E vos forçará a
prestar contas do mau uso da fortuna ao mesmo Amigo Divino,
diante do qual tendes a obrigação de pagamento e que, nesse
momento, se reveste do papel de credor.
É inútil que na Terra procureis iludir-vos a vós mesmos,
colorindo com o nome de virtude aquilo que não é mais do que
egoísmo. É inútil que chameis de economia e previdência o que
não é mais que cobiça e avareza e de generosidade ao que não passa
de gasto excessivo em proveito pessoal.
Um pai de família, por exemplo, deixa de praticar a caridade,
e economizará, guardará dinheiro e tudo isso – diz ele – para deixar
a seus filhos a maior soma de bens que seja possível, a fim de evitar
que os seus caiam na miséria. Isso é muito justo e próprio de um
pai, eu aceito, e ninguém poderá censurá-lo por isso. Mas, será
sempre esse o único propósito que o orienta para acumular bens? A
sua desculpa para juntar bens não será um meio de tranqüilizar a
sua própria consciência? Com isso ele não quererá justificar-se a
seus olhos e aos olhos de outras pessoas – o seu apego pessoal aos
bens terrenos? Admitamos, porém, que o amor paternal é o seu
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único motivo. Será que esse motivo justifica o esquecimento de
seus irmãos perante Deus? Quando esse pai já tem até o supérfluo,
deixará seus filhos na miséria, por lhes ficar um pouco menos desse
excesso que tem? Não estará ensinando, esse pai, uma lição de
egoísmo a seus filhos e endurecendo-lhes o coração contra os deveres
da caridade? Não estará, com isso, afogando neles o amor ao
próximo?
Pais e mães, cometeis um grande erro, se acreditais que, por
amontoar bens, fareis crescer o afeto de vossos filhos por vós. Estais,
isto sim, a ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros e, também,
estais a ensiná-los a ser egoístas com vós mesmos.
Quando um homem trabalha muito e com o suor de seu
rosto acumulou bens, é comum ouvires dizer que “quando o
dinheiro é ganho com o suor do rosto, conhece-se mais o seu valor”.
Nada é mais verdadeiro que isso! Pois bem! Que esse homem que
declara conhecer todo o valor do dinheiro, faça a caridade segundo
as suas posses. Ele terá mais merecimento do que aquele que, nascido
na abundância, desconhece as duras fadigas do trabalho para ter
bens. Mas, também, se esse mesmo homem que se recorda de suas
dificuldades, de seus esforços, se fizer egoísta, impiedoso para com
os pobres, ele é muito mais culpado do que os outros. É que quanto
mais cada um conhece as dores ocultas da miséria, mais deveremos
interessar-nos em socorrer aos outros que vivem o que já vivemos.
Infelizmente sempre há no homem que possui bens um outro
sentimento, tão forte quanto o apego à fortuna, e esse sentimento
é o orgulho. Não é raro ver-se o novo rico atordoar o infeliz que
implora a sua assistência com a narrativa de seus trabalhos e das suas
habilidades, ao invés de ajudá-lo. E termina por lhe dizer: “Faça o
que eu fiz”. De acordo com o modo de ele ver, a bondade de Deus
não influiu em nada para ele obter seus bens. Somente a ele cabe
todo o mérito! Seu orgulho lhe coloca uma venda sobre os olhos e
ensurdece-lhe os ouvidos. Ele não compreende, apesar de toda a
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sua inteligência e de sua capacidade, que a Justiça Divina pode
despojá-lo de tudo num só minuto.
Esbanjar a riqueza não é desapego aos bens terrenos. Quase
sempre é pouco caso e indiferença. O homem, como depositário
desses bens, não tem o direito de os dissipar ou de apossar-se deles
apenas para seu proveito pessoal.
Ser pródigo não é ser generoso. Esta é, freqüentemente, uma
forma de egoísmo. Um que gasta muito dinheiro para satisfazer
uma mera fantasia, talvez não dê um centavo para quem lhe presta
um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste em saber avaliar
a fortuna no seu justo valor, em saber servir-se dela para beneficiar
outras pessoas e não utilizá-la apenas para si próprio. Consiste o
desapego em não sacrificar os interesses da vida futura em troca da
fortuna; em saber perdê-la sem queixar-se, se a Justiça Divina vem
retirá-la de sua posse.
Se, por reveses imprevistos, vos tornardes um outro Jó, dizei,
então, como ele: “Senhor, vós me havíeis doado, vós me tirastes;
que a vossa vontade seja feita!”. Eis, aí, o verdadeiro desprendimento.
Sede, antes de tudo, submissos às manifestações da Justiça Divina.
Tende fé naquele que vos tendo dado e tirado, pode vos restituir.
Resisti com coragem ao desânimo, ao desespero, que paralisariam
as vossas forças.
Não esqueçais nunca, quando a Justiça Divina vos despojar,
que ao lado de uma grande provação ela coloca sempre uma
consolação. Mas pensai, sobretudo, que há bens infinitamente mais
preciosos que os da Terra. Este pensamento vos ajudará a desprendervos destes últimos que perdestes. O pouco apreço que damos a
uma coisa faz com que sejamos menos sensíveis à sua perda.
O homem que se aprisiona aos bens da Terra é semelhante a
uma criança que só vê o momento presente. Aquele, porém, que
deles se desapega, é semelhante a um adulto que vê as coisas mais
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importantes, porque ele compreende estas palavras proféticas do
Salvador: “Meu reino não é deste mundo”.
O Senhor não ordena que alguém se despoje dos bens que
possui, para reduzir-se a uma miséria voluntária. Aquele que assim o
fizesse, se tornaria uma carga para a sociedade. Despojar-se dessa forma
seria não compreender o desapego dos bens terrenos. Este é um
egoísmo de um outro gênero. Corresponde a uma fuga da
responsabilidade que a fortuna faz pesar sobre aquele que a possui.
Deus a dá a quem lhe parece bom para gerenciá-la em proveito de
todos.
O rico tem, portanto, uma missão, missão que ele pode tornar
bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a fortuna, quando Deus
vos dá, é renunciar aos benefícios do bem que poderíeis fazer, em a
administrando com sabedoria.
Saber passar sem a fortuna, quando não a temos; saber
empregá-la utilmente, quando a recebemos; saber sacrificá-la,
quando seja necessário, isso é agir segundo os desígnios do Senhor.
Assim, aquele que receba o que o mundo chama de boa fortuna,
que de pronto diga: “Meu Deus, vós me enviastes a um novo
encargo; dai-me forças de desempenhá-lo segundo a vossa santa
vontade”.
Eis, meus amigos, o que eu vos queria ensinar sobre o
desprendimento dos bens terrenos. Em resumo, direi: Sabei
contentar-vos com o pouco. Se sois pobres, não invejeis os ricos,
porque a riqueza não é necessária para a felicidade. Se sois ricos, não
vos esqueçais de que esses bens vos são confiados e que deveis
justificar o seu emprego, como uma prestação de contas de
administração de bens que vos foram conferidos para proteger os
que vos são menores.
Não sejais depositários infiéis.
Não utilizeis tais bens a serviço da satisfação de vosso orgulho
e da vossa sensualidade. Não vos julgueis no direito de dispô-los
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para vós unicamente, pois os recebestes como empréstimo e não
como doação. Se não sabeis pagar, não tendes o direito de pedir.
Lembrai-vos de que aquele que doa aos pobres está pagando a dívida
que contraiu com Deus. (Lacordaire, Constantina, 1863.)
TRANSMISSÃO DA RIQUEZA
15. O princípio segundo o qual o homem é apenas depositário
da fortuna de que Deus lhe permite gozar durante a sua vida, tiralhe o direito de transmiti-la a seus descendentes?
O homem pode perfeitamente transmitir, após a sua morte,
aquilo que gozou durante a vida. Porém, o efeito desse direito de
transmissão será sempre subordinado aos desígnios divinos. E a
Justiça Divina pode, quando necessário, impedir os herdeiros de
gozá-los. É por isso que vemos desmoronar fortunas que pareciam
muito solidamente firmes. A vontade do homem de conservar sua
fortuna na sua família é, portanto, impotente. Isso, no entanto,
não lhe retira o direito de transmitir o empréstimo que recebeu,
uma vez que a Justiça Divina o retirará quando julgar conveniente,
do ponto de vista espiritual e de provas e expiações. (Luís, Paris,
1860.)
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CARACTERÍSTICAS DA PERFEIÇÃO
1. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que
vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos
maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos de vosso Pai que está
nos céus, porque Ele faz que o seu Sol se levante sobre bons e maus e a
chuva desça sobre justos e injustos. Se amardes apenas os que vos amam,
que glória tereis nisso? Não fazem os publicanos o mesmo? E, se saudardes
unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os
publicanos também assim? Sede vós, pois, perfeitos como perfeito é o
vosso Pai que está nos céus. (Mateus, capítulo 5, versículos 44 a 48.)
2. Sabendo-se que Deus é a perfeição infinita em todas as
coisas, esta máxima: “Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é
perfeito”, se tomada ao pé da letra, levaria a supor existir a
possibilidade de o homem alcançar a perfeição total.
Se fosse dado à criatura ser assim tão perfeita quanto o Criador,
ela deveria igualar-se a Ele, o que não é admissível. Mas, os homens
aos quais Jesus se dirigia, não poderiam compreender essas tonalidades
da idéia. Jesus, portanto, limitou-se a lhes apresentar um modelo e
lhes disse que se esforçassem por copiá-lo.
Devemos, portanto, entender por essas palavras do Mestre
que Ele se referia à perfeição relativa de que o homem é capaz. É o
que mais pode aproximá-lo da perfeição da Divindade.
Em que consiste essa perfeição?
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CAPITULO
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,
Jesus a indicou, dizendo: “Amar seus inimigos, fazer todo o
bem aos que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem”. Ele
mostra, indicando esse comportamento, que a essência da perfeição
está na caridade no seu mais amplo sentido, porque a caridade implica
a prática de todas as outras virtudes.
Com efeito, se observarmos as reações de todos os vícios, e
mesmo as de simples falhas de conduta, reconheceremos que não
há um só que não altere mais ou menos o sentimento da caridade.
Todos os erros têm o seu princípio no egoísmo e no orgulho, que
são a negação da caridade. Tudo o que exalta o sentimento da
personalidade destrói ou, pelo menos, enfraquece os elementos da
verdadeira caridade que são: a benevolência, a indulgência, a
abnegação e o devotamento.
O amor ao próximo, elevado até ao amor aos inimigos, não
pode aliar-se com nenhum defeito contrário à caridade. É sempre,
por si mesmo, o indício de uma maior ou menor superioridade
moral da alma. Daí resulta que o grau de evolução do espírito está
na razão direta da extensão do amor ao próximo. Foi isso que Jesus,
após haver dado a seus discípulos as regras da caridade, no que tem
de mais sublime, lhes disse: “Sede perfeitos quanto perfeito é o
vosso Pai Celestial”.
O HOMEM DE BEM
3. O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei da
justiça, do amor e da caridade na sua maior pureza. Se interroga a
sua própria consciência sobre seus próprios atos, ele se pergunta se
não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia,
se deixou escapar por vontade própria alguma ocasião de ser útil, se
ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se ele fez aos outros
tudo o que queria que os outros fizessem por ele.
300
SEDE PERFEITOS
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Ele tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua
sabedoria. Sabe que nada acontece sem a permissão Divina.
Submete-se em todas as coisas aos desígnios do Pai Celestial.
Ele tem fé na vida futura e, por isso, coloca os bens espirituais
acima dos bens materiais passageiros.
Ele sabe que todas as dificuldades da vida, todas as dores,
todas as desilusões, são provas e expiações. E a todas aceita sem
queixar-se.
Esse homem, repleto do sentimento de caridade e de amor
ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar recompensas. Retribui
o mal com o bem. Toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica
sempre os seus interesses ao que seja justo.
Ele encontra a sua satisfação nos benefícios que espalha, nos
serviços que presta, na felicidade que leva aos outros, nas lágrimas
que enxuga, na consolação que dá aos aflitos. Seu primeiro impulso
é o de pensar nos outros, antes de pensar em si. É de cuidar dos
interesses dos outros antes de cuidar de seus próprios interesses. O
egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de toda ação
generosa.
Ele é bom, humano e benevolente para com todas as pessoas,
sem distinção de raças e nem crenças, porque ele vê todos os homens
como irmãos.
Ele respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança
nenhuma condenação contra os que não pensam como ele.
Em todas as situações, a caridade é o que orienta as suas ações.
Ele considera que todo aquele que prejudica os outros com palavras
maldosas, que fere a sensibilidade de alguém com o seu orgulho e
seu desdém, que não desiste da idéia de causar um sofrimento ao
próximo, uma contrariedade mesmo que pequena, quando poderia
evitá-la, que esse alguém está faltando com o dever do amor ao
próximo e não merece a clemência da Justiça Divina.
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CAPÍTULO XVII
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Ele não tem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança. A
exemplo de Jesus, ele perdoa e esquece as ofensas. E apenas se lembra
dos benefícios que lhe fazem, porque ele sabe que será perdoado
assim como ele próprio tenha perdoado aos outros.
Ele é indulgente com as fraquezas dos outros, porque sabe
que ele mesmo necessita de indulgência. E lembra destas palavras
do Cristo: “Aquele que estiver sem pecado, atire a primeira pedra”.
Ele não se alegra em procurar os defeitos dos outros e nem
em colocá-los em evidência. Se a necessidade o obriga a conhecêlos, ele procura sempre o bem que pode atenuar o mal.
Ele estuda as suas próprias imperfeições morais e trabalha
sem cessar para combatê-las. Todo o seu empenho tende a que ele
possa dizer, no dia seguinte, que traz alguma coisa de melhor, dentro
de si, do que tinha na véspera.
Ele não procura dar valor à sua inteligência, nem a seus
talentos, com sacrifício de outras pessoas. Aproveita, pelo contrário,
todas as oportunidades de destacar as qualidades de seu próximo.
Ele não se envaidece de sua tarefa, nem de seus predicados
pessoais, porque sabe que tudo o que lhe foi dado poderá ser lhe
retirado.
Ele usa, mas não abusa, dos bens que lhe são concedidos.
porque sabe que são um depósito de que deverá prestar contas. E
sabe que o emprego mais prejudicial que lhes poderia dar, será o de
utilizá-los para a satisfação de suas paixões.
Se a ordem social coloca homens sob a sua dependência, ele
os trata com bondade e benevolência. É que sabe que todos são
iguais aos olhos de Deus. Ele usa de sua autoridade para lhes levantar
o ânimo e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo o
que lhes possa tornar mais sofrida a posição de subalternos.
Ele, quando ocupa a posição de subordinado, por sua vez
compreende os deveres de sua situação e se empenha em cumprilos conscientemente. (Ver, neste mesmo capítulo, o item 9.)
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O homem de bem, enfim, respeita nos seus semelhantes
todos os direitos que lhes deu a lei da Natureza, como desejaria que
fossem respeitados os dele.
Não estão enumeradas, aqui, todas as qualidades que revelam
o homem de bem. Mas, todos aqueles que se esforcem para adquirir
aquelas que mencionamos, estarão no caminho que conduz a todas
as outras.
OS BONS ESPÍRITAS
4. O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem
sentido, conduz forçosamente aos resultados acima expostos. As
qualidades do homem de bem é que caracterizam o verdadeiro
Espírita como o verdadeiro cristão, pois que um é o mesmo que o
outro. O Espiritismo não cria nenhuma nova moral. Ele facilita
aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, ao dar
uma fé sólida e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.
Muitos, no entanto, daqueles que crêem nos fatos das
manifestações mediúnicas não compreendem nem as conseqüências
nem o seu conteúdo moral ou, se os compreendem, não os aplicam
a si mesmos!
A que atribuir isso?
Seria por uma falta de clareza da Doutrina Espírita?
Não! Não é falta de precisão ou clareza, porque a Doutrina
Espírita não contém alegorias, nem imagens que pudessem levar a
falsas ou fantasiosas interpretações. A clareza é mesmo de sua própria
essência. E este fato é que faz a sua força, porque ela vai direto para
a inteligência. Ela nada tem de misterioso e seus iniciados não estão
na posse de nenhum segredo que seja oculto ao homem comum.
Para compreendê-la é necessário uma super-inteligência?
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De modo algum isso é necessário. Há homens de grande
inteligência que não a compreendem. Mas, por outro lado, há
inteligências comuns, até mesmo de jovens saídos da adolescência,
que lhe apreendem com uma admirável precisão as suas mais
delicadas nuanças.
Ocorre que a parte, por assim dizer, material da ciência não
pede mais que olhos para observar, enquanto que a parte essencial
exige um certo grau de sensibilidade a que poderemos chamar de
maturidade do senso moral. Essa maturidade independe da idade e
do grau de instrução. Ela é conseqüência da evolução, em sentido
particularmente moral, do Espírito encarnado.
Em algumas pessoas, os laços da matéria ainda são muito
fortes, dificultando ao espírito ter uma compreensão das coisas acima
da Terra. Aprisionadas a uma névoa, não têm uma visão do infinito.
Eis porque não se desligam facilmente nem de seus gostos e nem
dos seus hábitos, não compreendendo que possa haver qualquer
coisa melhor do que aquilo que são os seus princípios pessoais. A
crença nos Espíritos, para essas pessoas, é um simples fato, mas que
nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa
palavra, elas não vêem mais do que um raio de luz espiritual,
insuficiente para conduzi-las e dar-lhes uma vigorosa aspiração, capaz
de modificar-lhes os pendores.
Essas pessoas se prendem mais aos fenômenos mediúnicos
do que à moral de suas mensagens, a qual lhes parece banal e
cansativa. Pedem sempre aos Espíritos para iniciá-las sem cessar em
novos segredos espirituais, sem procurar saber se já se tornaram
dignas de penetrar nos segredos do Criador.
Esses são os Espíritas imperfeitos, alguns dos quais param no
meio do caminho ou se distanciam de seus irmãos de crença, porque
recuam ante a obrigação de reformarem-se a si mesmos ou, então,
guardam as suas simpatias pessoais para aqueles que partilham de
suas fraquezas ou de suas prevenções contra a moral Espírita.
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Contudo, o fato de terem aceito os princípios da Doutrina, é
um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, na
próxima reencarnação.
Aquele que se pode, com razão, qualificar de verdadeiro e
sincero Espírita, é o que se encontra num grau superior de
desenvolvimento moral. O Espírito, que nele domina mais
completamente a matéria, dá-lhe uma visão mais clara da vida
espiritual. Os princípios da Doutrina fazem vibrar as fibras da alma
que nos outros permanecem adormecidas. Numa palavra, ele foi
tocado no coração pela essência da Doutrina.
A sua fé é inabalável.
Ele é como o músico que se sensibiliza com alguns acordes,
enquanto aquele, que será tocado no coração em reencarnações
futuras, ao ouvir alguns acordes, apenas lhes ouve os sons.
Reconhece-se o verdadeiro Espírita pela sua transformação moral
e pelos esforços que faça para dominar as suas más inclinações.
O Espírita imperfeito se contenta com o seu horizonte
limitado. O verdadeiro Espírita, que compreende existir alguma
coisa melhor que a vida terrena, esforça-se por libertar-se de seu
próprio horizonte. E sempre o consegue quando tem uma firme
vontade.
PARÁBOLA DO SEMEADOR
5. Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava assentado junto
ao mar. E ajuntou-se muita gente ao seu redor, de sorte que, entrando
num barco, se assentou e toda a multidão estava em pé na praia. E
falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador
saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu no
leito do caminho, e vieram as aves e as comeram. E outra parte caiu
entre pedras, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque
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não tinha terra funda, mas vindo o Sol, queimou-se e se secou, pois
não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos e os espinhos cresceram e a
sufocaram. E outra caiu em terra boa e deu frutos que rendiam a cem
por um, outro a sessenta por um e outro a trinta por um.
Quem tiver ouvidos para ouvir ouça. (Mateus, capítulo 13,
versículos 1 a 9.)
Escutai vós, pois, a parábola do semeador.
Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem
o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; esta é a semente
que foi semeada no leito do caminho. O que foi semeado entre pedras
é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria, mas não tem raiz
em si mesmo, antes é de pouca duração. E chegada a angústia e a
perseguição, por causa da palavra, logo se ofende. E a que foi semeada
entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e
a sedução das riquezas sufocam a palavra e fica infrutífera.
Mas, a que foi semeada em boa terra é o que ouve e compreende
a palavra e dá fruto e um produz cem por uma semente, outro sessenta
por uma e outro trinta por uma. (Mateus, capítulo 13, versículos 18 a
23. )
6. A parábola do semeador reproduz, de um modo perfeito,
as nuanças que existem nas diversas maneiras de utilizar os
ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas há, realmente, para
as quais os ensinamentos de Jesus são letra morta, semelhantes à
semente caída sobre as pedras e que não produzem nenhum fruto!
Esta parábola do semeador encontra uma outra aplicação,
não menos justa, nas diferentes categorias de Espíritas. Não está aí
o retrato daqueles que se apegam apenas aos fenômenos mediúnicos
e desses fenômenos não extraem nenhuma conseqüência moral,
porque neles só vêem fatos curiosos? Não está aí o retrato daqueles
que só buscam o brilho das mensagens dos Espíritos e que por elas
só se interessam enquanto satisfazem a sua imaginação, mas que,
depois de tê-las ouvido, continuam tão frios e indiferentes quanto
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eram? Não está aí o retrato daqueles que acham que as mensagens
espirituais trazem muitos conselhos bons e os admiram, mas para
serem aplicados aos outros e não a si mesmos?
Não está aí o retrato daqueles, finalmente, para os quais essas
mensagens educativas são como a semente que caiu em terreno fértil
e que produzirão frutos?
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
O DEVER
7. O dever é a obrigação moral, primeiramente consigo
mesmo e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida.
Encontramo-lo nas menores ações e, também, nos atos mais
elevados.
Venho falar, aqui, do dever moral e não daqueles deveres
impostos pelas diversas profissões.
No campo dos sentimentos, o dever moral é difícil de ser
cumprido, porque, quase sempre, se encontra em choque com as
seduções dos interesses próprios e do coração desajustado. As suas
vitórias não têm testemunhas e as suas derrotas não têm repressão
na justiça da Terra.
O dever íntimo do homem está entregue a seu livre-arbítrio.
O estímulo da consciência, essa guardiã da sua honra íntima, o
adverte e o sustenta na linha do dever moral. Mas ele, freqüentemente,
se mostra sem forças diante das falsidades brilhantes da paixão. O
dever do coração, que se move na lei do amor, se for fielmente
observado, eleva espiritualmente o homem.
Mas, como definir esse dever?
Onde ele começa? Onde termina?
O dever do coração começa exatamente no ponto em que você
ameaça a felicidade ou a tranqüilidade de seu próximo, e termina no
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limite que você não desejaria ver ninguém transpor em relação a você
mesmo.
Deus criou todos os homens iguais diante da dor. Pequenos
ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, todos sofrem pelas mesmas
coisas, a fim de que cada um examine o mal que pode ou não fazer.
O mesmo critério de exame não existe para o bem porque este é
muito mais variado nas suas manifestações. A igualdade diante da
dor é uma sublime providência de Deus que quer que os seus filhos,
instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando
desconhecer os seus efeitos dolorosos.
O dever moral é o resumo prático de todas as indagações
sobre o bem e o mal. O dever é um empenho total da alma que
enfrenta as agonias da luta interior entre fazer o bem ou se deixar
arrastar para o mal. Ele é, por isso, severo e brando, pronto a dobrarse diante das diversas complicações, mas indobrável diante das
tentações nascidas do interior do próprio homem.
O homem que cumpre o seu dever, ama a Deus mais do que
as criaturas e ama as criaturas mais do que a si mesmo. Ele é, ao
mesmo tempo, juiz e réu, julgando as suas próprias ações e se
condenando naquelas em que agiu mal.
O dever moral é a mais bela conquista da razão. Ele nasce da
razão, como o filho nasce da mãe. O homem deve amar o dever,
não porque ele o preserva dos males da vida, males esses dos quais
os homens não podem excluir-se, mas deve amá-lo porque ele lhe
dará à alma o vigor necessário para a sua evolução.
O dever moral cresce e ganha luzes sob uma forma mais
elevada, em cada um dos estágios superiores da humanidade. A
obrigação moral da criatura para com Deus não termina jamais,
porque o homem deve espelhar em si as virtudes divinas. O Criador
não aceita as criaturas como rascunho imperfeito, pois quer que a
grandeza de sua obra seja como um sol diante de si. (Lázaro, Paris,
1863.)
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A VIRTUDE
8. A virtude, no seu mais alto grau, abrange o conjunto de
todas as qualidades essenciais que revelam o homem de bem. Ser
bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do
homem virtuoso. Infelizmente, essas qualidades são acompanhadas
de pequeninas enfermidades morais que lhes tiram o brilho e as
enfraquecem.
Aquele que faz alarde de sua virtude, não é virtuoso. Faltalhe a qualidade principal: a modéstia. E sobra-lhe o vício mais
contrário a todas as virtudes: o orgulho. A virtude, realmente digna
desse nome, não gosta de fazer alaridos. Temos de adivinhá-la, pois
ela se esconde dos olhos humanos e foge da admiração das
multidões.
Vicente de Paulo era virtuoso.
O digno cura D’Ars era virtuoso.
Assim também eram virtuosos outros poucos conhecidos do
mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem
ignoravam que eles mesmos fossem virtuosos. Eles se deixavam ir
na corrente mental de suas santas inspirações e praticavam o bem
com um completo desinteresse pessoal e com um inteiro
esquecimento de si mesmos.
É para esta virtude, assim compreendida e praticada, que eu
vos convido, meus filhos. É para esta virtude realmente cristã e
verdadeiramente Espírita, que eu vos convido a consagrar-vos.
Mas, afastai de vossos corações a idéia do orgulho, da vaidade,
do amor-próprio que sempre tiram a luz das mais belas qualidades.
Não imiteis a esse homem que faz a pose de um modelo e anuncia
ele mesmo as suas próprias qualidade a todos os ouvidos
complacentes. A virtude assim alardeada quase sempre esconde uma
infinidade de pequenas desonestidades e de dolorosas covardias.
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O homem que se engrandece a si mesmo, que ergue uma
estátua para a sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo
o mérito que efetivamente poderia ter.
E que não direi eu, no entanto, sobre aquele cujo valor é
parecer o que não é? Admito que o homem que faz o bem sinta, no
fundo do coração, uma satisfação íntima. Mas, desde que essa
satisfação se exteriorize para que ele receba elogios dos outros, ela
degenera em amor-próprio.
Oh! Vós todos, a quem a fé Espírita aqueceu novamente
para o bem, e que sabeis com certeza que o homem está longe da
perfeição, jamais penetreis por esses caminhos tão perigosos da
vaidade. A virtude é uma graça que eu desejo para todos os Espíritas
sinceros, mas eu lhes direi: “Mais valem poucas virtudes com
modéstia, do que muitas virtudes com orgulho”.
Foi pelo orgulho que os homens sucessivamente se perderam
e é pela humildade que eles alcançarão a sua redenção um dia.
(François-Nicolas-Madaleine, Paris, 1863.)
OS SUPERIORES E OS INFERIORES
9. A autoridade, igualmente como ocorre com a riqueza, é
uma delegação de que terá de prestar contas aquele que dela está
investido. Não creia, porém, que ela seja dada para lhe proporcionar
o inútil prazer de dar ordens para os outros. Nem lhe foi concedida,
como crê falsamente a maioria dos poderosos da Terra, como um
direito ou uma propriedade de sua alma. A Justiça Divina, aliás,
tem provado que não é nem uma coisa e nem outra, uma vez que
desses poderosos retira a autoridade, quando isso se mostra necessário
para a correção de seu caminho e de sua aprendizagem espiritual.
Se a autoridade fosse um privilégio que fizesse parte da
personalidade de quem a exerce, ela não lhe poderia ser retirada.
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Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence, quando essa coisa
lhe pode ser tirada sem o seu consentimento.
A autoridade é concedida a título de missão ou de prova,
quando se torne conveniente para as experiências evolutivas da alma
e pela mesma causa poderá ser retirada.
Quem quer que seja depositário de autoridade, de qualquer
grau ou abrangências que essa autoridade seja, desde a do patrão
sobre o empregado, até a do governador sobre o povo, – esse que
tem alguma autoridade não deve esquecer que tem almas sob a sua
responsabilidade. Ele responderá pela boa ou pela má direção que
der aos que lhe estão subordinados. As faltas que os subordinados
possam cometer por serem mal dirigidos, os vícios a que forem
arrastados em conseqüência dessa má diretriz ou dos maus exemplos
dados pelos que os dirigem, recairão sobre o próprio dirigente. Por
outro lado, esse dirigente recolherá os frutos de seu zelo em direcionálos para o bem.
Todo homem tem, sobre a Terra, uma missão pequena ou
grande. Qualquer que seja a sua missão, ela sempre lhe é concedida
para o bem. Desviá-la do bem é, portanto, fracassar no seu
desempenho.
Deus pergunta ao rico: “Que fizeste da fortuna que deveria
ser nas tuas mãos a fonte de muita felicidade à tua volta?”. E
perguntará a quem foi concedida alguma autoridade: “Que uso
fizeste dessa autoridade? Que males evitaste? Que evolução
produziste? Se eu te confiei almas que necessitavam de direção, não
foi para torná-las escravas de tua vontade, nem instrumentos passivos
de teus caprichos ou de tua cobiça. Eu te fiz forte e te confiei os
fracos para que os amparasses e os ajudasses a subir até mim”.
O superior que esteja compenetrado das palavras do Cristo,
não menospreza a nenhum daqueles que estejam submetidos a si,
porque sabe que as diferenças sociais e profissionais não existem
diante de Deus. O Espiritismo lhe ensina que os que hoje lhe
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obedecem, talvez já tenham sido seus dirigentes ou poderão dirigilo futuramente. O superior de hoje poderá ser tratado, mais tarde,
assim como tem tratado hoje a seus subordinados.
Se o superior tem deveres morais a cumprir, o subordinado,
por seu lado, também os tem e não menos sagrados. Se o
subordinado for Espírita, sua consciência lhe dirá, ainda mais
fortemente, que não está dispensado de cumpri-los, ainda mesmo
que o seu dirigente não cumpra com os deveres dele. É que o Espírita
sabe que não deve retribuir o mal com o mal e que as faltas de uns
não justificam as faltas de outros.
Se ele sofre na sua posição de dirigido, dirá que sem dúvida o
merece, porque ele mesmo, talvez, terá abusado outrora de sua
autoridade e que deve sentir, agora, as dificuldades que fez outros
sofrerem. Se está forçado a suportar essa posição, por não encontrar
outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignação a essa
circunstância como sendo uma prova para a sua humildade, prova
essa necessária para a sua evolução espiritual.
A sua fé Espírita orienta a sua conduta.
Ele deve agir como desejaria que os seus subordinados agissem
com ele, se ele fosse o superior. Por isso mesmo, ele se faz mais
atencioso no cumprimento de suas obrigações, porque compreende
que todo relaxamento no trabalho que lhe é confiado é um prejuízo
para aquele que lhe paga o salário e a quem ele deve o seu tempo e
os seus cuidados.
Em outras palavras, o Espírita, quando subordinado ou
encarregado, está requisitado pelo sentimento do dever moral que
nasce de sua fé e pela certeza de que todo desvio do caminho reto
será uma dívida que ele terá de resgatar cedo ou tarde. (FrançoisNicolas-Madaleine, Cardeal Morlot, Paris, 1863.)
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O HOMEM NO MUNDO
10. Um sentimento de piedade sempre deve animar o coração
daqueles que se reúnem sob os olhos do Senhor, implorando a
assistência dos bons Espíritos. Purifiquem, pois, os seus corações.
Não deixem que nos seus corações permaneça nenhum pensamento
mundano ou tolo.
Elevem seu espírito ao encontro daqueles a quem vocês
chamam, a fim de que, encontrando eles as condições necessárias,
possam semear em boa quantidade as sementes do bem que devem
germinar nos seus corações e produzir os frutos da caridade e da
justiça.
Não creiam, portanto, que ao estimulá-los constantemente
para a prece e à evocação mental, queiramos conduzi-los a uma
vida mística, que os traga para fora das leis da sociedade, onde vocês
estão obrigados a viver. Não! Vivam com os homens de seu tempo,
como devem viver os homens. Sacrifiquem-se às necessidades da
vida, até mesmo às coisas sem importância de cada dia. Mas dêemse a essas coisas com um sentimento de pureza, capaz de santificálas.
Vocês foram chamados a estar em relacionamento com
Espíritos de naturezas diferentes das suas, de características até
opostas e, por isso, não choquem nenhum daqueles com os quais
vocês convivem. Sejam alegres, sejam felizes, mas com a alegria de
uma consciência tranqüila pelo dever cumprido e uma felicidade
própria do herdeiro do céu, que conta os dias que lhe faltam para
entrar na posse de sua herança celestial.
A virtude não consiste em vocês se revestirem de uma
aparência severa e fúnebre e nem em vocês rejeitaram os prazeres
que a sua condição humana lhes permite. Será suficiente que vocês
elevem todos os atos de sua vida ao Criador que lhes concedeu a
vida. Bastará que, ao começar ou terminar uma obra, vocês elevem
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o seu pensamento ao Criador e lhe peçam, num impulso da alma,
a Proteção Celestial para fazê-la bem ou lhe ofereçam a sua gratidão
por tê-la feito bem. Ao fazerem qualquer coisa, nada façam sem
pensar em Deus. Nada façam sem que a lembrança de Deus venha
purificar e santificar as suas ações.
A perfeição está toda inteiramente, como disse o Cristo, na
prática da caridade sem limites. Mas os deveres da caridade alcançam
todas as posições sociais, desde aqueles que estão abaixo quanto os
que estão no topo dessas posições. O homem que vivesse isolado
da sociedade não poderia praticar nenhuma caridade. Somente no
contato com os seus semelhantes, nas lutas e nos sofrimentos, é
que ele encontrará ocasião de pô-la em prática. Aquele que se isola,
portanto, se priva voluntariamente de utilizar esse meio de evolução
espiritual e, por não pensar em ninguém a ser em si próprio, a sua
vida é a de um egoísta. (Ver capítulo V, item 26, desta mesma
obra.)
Não imaginem, portanto, que para viver constantemente em
comunicação conosco, para viver sob os olhos do Senhor, seja
necessário que vocês se torturem voluntariamente e que vocês se
revistam de farrapos. Não! Não, ainda mais uma vez lhes dizemos!
Sejam felizes, segundo as possibilidades da humanidade. Mas que,
na sua felicidade, não entre jamais um pensamento, nem um ato,
que possa ofender ou fazer que se entristeça a fisionomia daqueles
que os amam e que os dirigem. Deus é amor e abençoa a todos
aqueles que amam santamente. (Um Espírito Protetor, Bordéus,
1863.)
CUIDAR DO CORPO E DO ESPÍRITO
11. A perfeição moral consiste em torturar o corpo físico?
Para resolver esta questão, eu me basearei sobre princípios
elementares da Natureza. Começarei por demonstrar a necessidade
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de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas da saúde e de
enfermidade, influi de uma maneira muito decisiva sobre a alma,
que se deve considerar como prisioneira da carne.
Para que essa prisioneira, a alma, sinta a vida, movimente-se
e até conceba mesmo a sensação de liberdade, o corpo deverá estar
sadio, disposto, vigoroso.
Façamos uma comparação: Eis que se acham ambos, corpo e
alma, em bom estado. Que devem fazer para manter o equilíbrio
recíproco entre as suas aptidões e necessidades tão diferentes? A luta
entre os dois parece inevitável e difícil é chegar-se ao segredo do
equilíbrio entre ambos.
Dois sistemas se conflitam sobre o segredo do equilíbrio corpo
e alma: o dos ascetas que querem aniquilar o corpo e o dos
materialistas que querem rebaixar a alma. Estas são duas violências,
uma tão insensata quanto a outra.
Ao lado dessas duas grandes correntes de pensamentos fervilha
uma numerosa tribo de pessoas indiferentes que, sem nenhuma
idéia sobre a questão e sem nenhum paixão, restringem-se a amar
com indolência e a desfrutar com moderação.
Onde, pois, está a sabedoria?
Onde, pois, está a ciência de viver?
Em nenhuma dessas correntes. E esse grande problema ficaria
sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos
pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o
corpo e a alma e a dizer-lhes que, desde que eles são necessários um
para o outro, é indispensável cuidar de ambos.
Amem, pois, a sua alma, mas cuidem igualmente de seu corpo,
que é o instrumento de evolução de sua alma. Desatender as
necessidades que são indicadas pela natureza do próprio corpo é
desconhecer as leis de Deus.
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Não castiguem o seu corpo pelas faltas que o seu livre-arbítrio
o induziu a cometer e pelas quais ele é tão responsável quanto o
veículo mal dirigido o é pelos acidentes que causa.
Vocês seriam, por acaso, mais perfeitos se torturassem o corpo,
sem que vocês se tornassem menos egoístas, menos orgulhosos e
mais caridosos para com o seu próximo? Não! A perfeição não será
alcançada pela tortura de seu corpo físico. A perfeição está toda, e
por inteiro, nas reformas de hábitos que vocês impuserem a seus
próprios espíritos.
Dobrem-se, humilhem-se, mortifiquem-se a si próprios
moralmente, pela reforma interior de sua alma, porque esse é o
meio de vocês se tornarem mais dóceis aos desígnios Divinos e o
único de vocês alcançarem a perfeição. (Georges, Espírito Protetor,
Paris, 1863.)
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PARÁBOLA DO FESTIM DAS BODAS
1. Então Jesus, tomando a palavra, tornou a falar-lhes. em
parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um certo rei que
celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar os
convidados para as bodas, e estes não quiseram vir. Depois enviou
outros servos, dizendo: Dizei aos convidados: Eis que tenho o meu
jantar preparado, os meus bois e cevados já mortos, e tudo já pronto;
vinde às bodas. – Eles, porém, não fazendo caso, foram um para o seu
campo, outro para o seu negócio e outros, apoderando-se dos servos, os
ultrajaram e mataram. – E o rei, tendo notícia disto, encolerizou-se e
enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a
sua cidade. Então disse aos servos: As bodas, na verdade, estão
preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas
dos caminhos, e convidai para as bodas a todos os que encontrardes. –
E os servos, saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quantos
encontraram, tanto maus como bons e a festa nupcial foi cheia de
convidados. E o rei, entrando para ver os convidados, viu ali um homem
que não estava trajado com o vestido de núpcias e disse-lhe: Amigo,
como entraste aqui, não tendo vestido nupcial? – E ele emudeceu.
Disse, então, o rei aos servos: Amarrai-o de pés e mãos, levai-o e lançaio nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes. Porque
muitos são chamados, mas poucos os escolhidos. (Mateus, capítulo 22,
versículos 1 a 14.)
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CAPITULO
CAPÍTULO XVIII
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2. O incrédulo sorri diante desta parábola, que lhe parece de
uma pueril ingenuidade. Ele não compreende que possa haver tantas
dificuldades para participar de um banquete. E, ainda mais, que os
convidados possam opor-lhe tanta resistência, a ponto de massacrar
os portadores dos convites do dono da mansão.
“As parábolas – dizem os incrédulos – são sem dúvida
representações de uma idéia, mas não podem de modo algum
ultrapassar os limites de fatos possíveis.”
O mesmo se poderá dizer de todas as alegorias, das fábulas
mais engenhosas se não as despojarmos de seu modo de apresentação,
para descobrir-lhes o sentido oculto. Jesus compunha as suas
parábolas com o que era mais usual e comum na vida do povo com
o qual falava e as adaptava ao meio e às características daquelas pessoas
que o ouviam.
A maioria das parábolas tinha por finalidade fazer penetrar nas
pessoas que o ouviam a idéia da vida espiritual. O sentido do que Jesus
dizia, por essas imagens, portanto, só não se torna compreensível para
aqueles que não se colocam sob esse ponto de vista.
Na parábola das bodas, Jesus compara o reino do céu, onde
tudo é alegria e felicidade, a uma festa de casamento. Por primeiros
convidados, refere-se aos hebreus, que Deus convocou como os
chamados em primeiro lugar para conhecerem as suas leis. Os
enviados do rei são os profetas que vieram convidar os judeus para
seguirem o caminho da verdadeira felicidade. Mas as suas palavras
eram pouco escutadas. Suas advertências foram desprezadas. Muitos
desses profetas foram mesmo massacrados, como os servos da
parábola.
Os convidados que deixavam de comparecer, alegando que
tinham de cuidar de seus campos e de seus negócios, são a
representação das pessoas comuns do mundo que estão concentradas
sobre os bens terrenos, indiferentes às coisas celestiais.
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Era uma crença comum, entre os judeus daquele tempo, que
a sua nação deveria alcançar um poder supremo sobre todos os outros
povos. Deus, efetivamente, não prometera a Abraão que os seus
descendentes cobririam toda a Terra? Mas, como sempre,
aprisionados à forma da promessa, sem compreenderem a sua
significação, os judeus julgavam que alcançariam um domínio efetivo
e material obre outras nações.
Antes da vinda do Cristo, com exclusão dos hebreus, todos
os povos adoravam ídolos e acreditavam em muitos deuses. Se alguns
homens mais sábios conceberam a idéia de existir um Deus único,
essa idéia permanecia como um sistema pessoal. Em nenhuma parte
era aceita como verdade fundamental, a não ser por alguns iniciados
que escondiam seus conhecimentos debaixo de um véu misterioso
e impenetrável para os homens comuns.
Os hebreus foram os primeiros que praticaram publicamente
o monoteísmo. É a eles, pois, que o Senhor transmite a sua lei,
inicialmente através de Moisés e, mais tarde, através de Jesus. Foi
desse pequeno agrupamento de homens que partiu a luz que deveria
expandir-se pelo mundo inteiro, superando o paganismo, e dando
a Abraão uma posteridade espiritual “tão numerosa quanto as estrelas
do firmamento”.
Os judeus, porém, embora abandonando a idolatria, haviam
descuidado da lei moral. Inclinaram-se para a prática mais fácil do
culto exterior. Este mal chegou ao extremo! A nação judaica, além
de dominada pelos romanos, passou a ser dividida por partidos
religiosos, nascidos das muitas seitas criadas entre os judeus com
fundamento em práticas exteriores. A incredulidade cresceu tanto
que penetrou mesmo no próprio santuário.
Foi nesse momento de esfacelamento da nação e da fé que
Jesus surgiu enviado por Deus para chamar os judeus para a
observação da lei divina e para lhes abrir os novos horizontes da
vida futura. Apesar de serem os primeiros convidados ao grande
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banquete da fé universal, eles rejeitaram a palavra do celeste Messias
e o sacrificaram. Foi assim que eles perderam o fruto que deveriam
ter colhido da sementeira do monoteísmo e da lei que haviam feito.
Seria injusto, todavia, acusar o povo todo daquele estado de
coisas. A responsabilidade dos acontecimentos coube principalmente
aos fariseus e aos saduceus. Estes é que puseram a perder a nação
judaica pelo orgulho e fanatismo dos fariseus, por um lado, e pela
incredulidade dos saduceus do outro lado. É neles, sobretudo, que
Jesus identifica os convidados que se negaram a comparecer à festa
do casamento. E, depois, Jesus acrescenta: “O Senhor, vendo isso,
mandou convidar todos aqueles que fossem encontrados nos
caminhos, bons e maus”. Ele fazia entender, por isso, que a sua
Palavra iria ser pregada a todos os outros povos, pagãos e idólatras.
E que estes, ao aceitá-la, seriam admitidos no festim no lugar dos
primeiros convidados.
Mas não basta ser convidado. Não basta carregar o rótulo de
cristão, nem mesmo basta sentar-se à mesa para fazer parte do
banquete celestial. É necessário, antes de tudo e como condição
expressa, estar revestido da roupa nupcial, ou seja, trazer a pureza
do coração e cumprir a lei segundo o seu sentido moral. Ora, esta
lei está inteiramente nestas palavras: Fora da caridade não há salvação.
Porém, entre todos aqueles que ouvem a Palavra Divina, quão
poucos são aqueles que a guardam e a vivem realmente! Quão poucos
se fazem dignos de entrar no reino dos céus! Eis porque Jesus disse:
“Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.”
A PORTA ESTREITA
3. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é
o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela.
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E porque estreita é a porta, e apertado é o caminho que leva à vida,
poucos há que a encontrem. (Mateus, capítulo 7, versículos 13 e 14. )
4. E disse-lhe um dos presentes: Senhor, são poucos os que se
salvam? E Ele lhes respondeu: Trabalhai por entrar pela porta estreita,
porque eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão. Quando
o pai de família se levantar e fechar a porta e começardes a estar de
fora e a bater à porta dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos, respondendo
ele vos dirá: Não sei de onde vós sois. Então começareis a dizer: Temos
comido e bebido na tua presença e tu tens ensinado nas nossas ruas. –
E ele vos responderá: Digo-vos que não sei de onde vós sois; apartai-vos
de mim, vós todos os que praticais a iniqüidade. – Ali haverá choro e
ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaque, Jacó e todos os profetas
do reino de Deus e vós lançados fora. E virão do Oriente e do Ocidente,
do norte e do sul, e assentar-se-ão no reino de Deus. – E eis que últimos
há que serão os primeiros e primeiros há que serão os últimos. (Lucas,
capítulo 13, versículos 23 a 30.)
5. A porta da queda moral é larga, porque as más paixões são
numerosas e porque o mau caminho é freqüentado por uma
multidão de pessoas. A porta da salvação é estreita, porque o homem
que desejar atravessá-la deve fazer um grande esforço sobre si mesmo
para vencer as suas más tendências e poucos se entregam à tarefa de
reformarem-se a si mesmos. Este é o complemento da máxima:
“São muitos os chamados e poucos os escolhidos”.
Descreve-se, aí, o estado atual da humanidade terrena. A Terra,
sendo um mundo de expiação, o mal nela predomina. Quando ela
se transformar num mundo melhor, o caminho do bem será o
mais freqüentado. Estas palavras, no entanto, devem ser entendidas
no sentido relativo e não no absoluto. Se devesse ser esse o estado
permanente da humanidade terrena, Deus teria condenado à perdição
a maioria das criaturas encarnadas nesse mundo. E essa é uma
suposição absurda, desde que se reconheça que Deus é todo justiça
e todo bondade.
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Mas de quais faltas a humanidade seria culpada para merecer
um destino tão sombrio, no presente e no futuro? Estaria toda a
humanidade na terra e a alma não teria outras existências? Por que
tantas dificuldades semeadas no caminho do homem? Por que essa
porta estreita, que a tão poucas pessoas é dado passar? Por que a
sorte da alma estaria determinada para sempre após a morte?
Observa-se que, admitindo apenas uma existência para cada
criatura, estamos sempre em contradição conosco mesmos e com a
Justiça Divina. Já quando admitimos a existência anterior da alma
e a pluralidade dos mundos habitados, o nosso horizonte se alarga.
A luz se faz sobre as questões mais obscuras da fé. O presente e o
futuro se integram com o passado do homem. Somente, então,
poderemos compreender toda a verdade e toda a sabedoria dos
princípios de vida ensinados pelo Cristo.
OS QUE DIZEM: SENHOR! SENHOR!
6. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino
dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos
nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu
nome não fizemos muitas maravilhas? – E, então, lhes direi
abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticastes a iniqüidade. (Mateus, capítulo 7, versículos 21 a 23.)
7. Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as
pratica, eu os assemelharei ao homem prudente, que edificou a sua
casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram
ventos, e combateram aquela casa e ela não caiu, porque estava
edificada sobre a rocha. – E aquele que ouve estas minhas palavras, e
não as cumpre, eu o compararei ao homem insensato, que edificou a
sua casa sobre a areia. E desceu a chuva, e correram os rios, e assopraram
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os ventos e combateram aquela casa e ela caiu e foi grande a sua ruína
(Mateus, capítulo 7, versículos 24 a 27.)
8. Qualquer um, pois, que violar um destes pequenos
mandamentos, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no
reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar aos homens
será chamado grande no reino dos céus. (Mateus, capítulo 5, versículo
19.)
9. Todos os que reconhecem a missão de Jesus, dizem:
“Senhor! Senhor!”. Mas que vale chamá-lo de Mestre ou Senhor, se
não seguem os seus preceitos? Serão cristãos os que o honram através
de atos exteriores de devoção e, ao mesmo tempo, fazem suas
oferendas nos altares que erguem para os deuses do orgulho, do
egoísmo, da cobiça e de todas as suas paixões? Serão seus discípulos
aqueles que passam os dias em orações, mas que não se tornam
nem melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes para
com os seus semelhantes? Não! Não são, porque, do mesmo modo
que faziam os fariseus, esses têm as preces nos lábios e não no coração.
Com a aparência, eles podem enganar aos homens, mas não
enganarão a Deus.
Inutilmente esses falsos cristãos dirão a Jesus: “Senhor, nós
profetizamos em vosso nome; expulsamos os demônios em vosso
nome; comemos e bebemos convosco”. Então, Jesus lhes responderá:
“Não sei quem sois. Retirai-vos de mim, vós que cometeis perversidades,
vós que desmentis as vossas palavras com os vossos maus atos, que
caluniais o vosso próximo, que empobreceis as viúvas e cometeis
adultérios. Afastai-vos de mim, vós que tendes o coração destilando
ódio e amargores, vós que derramais o sangue de vossos irmãos
usando o meu nome, vós que provocais lágrimas ao invés de enxugálas. Para vós, haverá choro e ranger de dentes, porque o reino do
céu é para os que são brandos, humildes e caridosos. Não espereis
dobrar a Justiça Divina a vosso favor, pela quantidade de vossas
palavras e pelo número de vezes que dobrais os joelhos e orais. A
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única porta que vos está aberta, para alcançardes graça diante de
Deus, é aquela que conduz à prática sincera da lei do amor e da
caridade”.
As palavras de Jesus são eternas!
Elas são a verdade!
Elas não são somente a segurança para obterdes a vida celeste,
mas também a garantia da paz, da serenidade e do equilíbrio do
homem na vida terrena. Eis porque todas as instituições humanas,
políticas, sociais e religiosas, que fundarem os seus alicerces sobre as
palavras de Jesus, serão permanentes como a casa construída sobre a
rocha. Os homens as conservarão, porque nelas encontrarão a sua
felicidade. Mas aquelas instituições que sejam uma violação dos
princípios cristãos, essas serão como a casa construída sobre a areia:
o vento das renovações e o rio da evolução as arrasta para o mar do
esquecimento.
A QUEM MUITO FOI DADO
10. E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se
aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos
açoites. Mas o que não a soube, e fez coisas dignas de açoites, com
poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito
se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá.
(Lucas, capítulo 12, versículos 47 e 48.)
11. E disse-lhes Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim
de que os que não vêem, vejam, e os que vêem sejam cegos. – Aqueles
dos fariseus que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe: Também
nós somos cegos? – Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado;
mas como agora dizeis: Vemos, por isso o vosso pecado permanece. (João,
capítulo 9, versículos 39 a 41.)
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12. Estas máximas encontram a sua aplicação, sobretudo, nos
ensinamentos dos Espíritos. Alguém que conheça os preceitos do
Cristo é, seguramente, culpado se não colocá-los em prática.
Onde estão esses ensinamentos?
Estão no Evangelho!
O Evangelho, contudo, não é amplamente divulgado, a não
ser nas seitas cristãs. E mesmo dentro desses ramos do cristianismo,
poucas pessoas o lêem. E entre as pessoas que o lêem, muitas não o
compreendem! Dessa falta de leitura e de entendimento, as próprias
palavras de Jesus ficam perdidas para uma grande maioria de cristãos
e não cristãos.
Os ensinamentos dos Espíritos reproduzem as máximas do
Cristo. Dão-lhes diversas formas; ao desenvolvê-las e comentá-las.
Com isso, eles colocam os princípios do cristianismo ao alcance de
todos. Trazem a particularidade de não os deixarem só ao alcance
de algumas pessoas. Assim é que todos, alfabetizados ou analfabetos,
crentes ou incrédulos, cristãos ou não cristãos, podem conhecer
esses princípios de Vida, porque os Espíritos se comunicam por
todas as partes de nosso mundo.
Nenhum daqueles que recebam as mensagens dos Espíritos,
diretamente ou por intermédio de outras pessoas, pode alegar ignorar
os princípios ensinados por Jesus. Não se pode, sequer, alegar que
os desconhece por falta de instrução, nem dizer que não os entende
por estarem difíceis em razão de seu sentido figurado ou alegórico.
Aquele, portanto, que não pratica esses ensinamentos para a
sua própria evolução espiritual, que apenas os admira como uma
coisa interessante e curiosa, sem que se deixe tocar no coração, que
não se torne menos inútil, nem menos orgulhoso, nem menos
egoísta, nem menos apegado aos bens materiais, nem melhor para
com o seu próximo, esse mais culpado é, por ter mais meios de
conhecer a verdade.
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Os médiuns que obtêm boas comunicações são ainda mais
repreensíveis se persistirem no mal. É que, muitas vezes, o que eles
escrevem ou transmitem psicofonicamente condena os seus próprios
hábitos viciosos. Se não estivessem cegos pelo orgulho,
reconheceriam que é para eles mesmos que os Espíritos se dirigem.
Mas, ao invés de tomarem para si as lições que transmitem, ou que
são transmitidas por outros médiuns, o seu único pensamento é de
aplicá-las a outras pessoas. Com essa transferência das lições para
terceiros, eles realizam estas palavras de Jesus: “Vós vedes um grão
de poeira no olho de vosso vizinho e não vedes a viga que está no
vosso”. (Ver o capítulo X, item 9, nesta obra.)
Por estas outras palavras: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa”,
Jesus confirma que o tamanho da culpa é determinado pela
quantidade de conhecimentos que a criatura tenha. Tomemos os
fariseus para exemplo. Eles que tinham a pretensão de ser, e realmente
eram, a parte mais esclarecida da nação judaica, tornavam-se mais
censuráveis diante da Justiça Divina do que o povo ignorante. O
mesmo acontece hoje, em relação aos médiuns e aos Espíritas
estudiosos em geral.
Aos Espíritas, portanto, muito será pedido de conduta reta,
porque eles têm muito recebido. Mas, por outro lado, para os que
souberem praticar os ensinamentos, muito lhes será dado de
felicidade.
O primeiro pensamento de todo Espírita sincero deve ser
procurar saber se, nos conselhos dados pelos Espíritos, não há alguns
que lhe digam sobre si mesmo.
O Espiritismo vem multiplicar o número dos chamados. Pela
fé que desperta em cada um, multiplicará, também, o número dos
escolhidos.
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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
DÁ-SE AO QUE JÁ TEM
13. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que
lhes fala por parábolas? – E ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós
é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é
dado. Porque para aquele que tem, se lhe dará, e terá em abundância,
mas para aquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por
isso lhes falo por parábolas, porque eles vendo, não vêem e ouvindo
não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías
que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis,
mas não percebereis. (Mateus, capítulo 13, versículos 10 a 14.)
14. E Jesus lhes disse: Atentai ao que ides ouvir. Com a medida
com que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda acrescentada.
Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem
lhe será tirado. (Marcos, capítulo 4, versículos 24 e 25. )
15. “Dá-se ao que já tem e retira-se ao que não tem.” Meditem
neste grande ensinamento, que algumas vezes lhes parece
contraditório com a Justiça Divina.
Aquele que já recebeu é o que compreendeu a palavra divina.
Ele recebeu mais, porque se empenhou em tornar-se digno dela. É
que o Senhor, no seu amor misericordioso, encoraja-lhe os esforços
que se inclinam para a prática do bem. Esses esforços resignados,
perseverantes, atraem as graças do Senhor. São um ímã que atrai
para si o melhor da evolução moral, as graças abundantes, que lhe
dão forças para subir a montanha sagrada, em cujo cume está a paz
após o trabalho.
“Tira-se ao que não tem ou que tem pouco.” Tomem esta
afirmação como um ensino apenas figurado. A Justiça Divina não
retira das criaturas o bem que se dignou conceder-lhes. Homens
cegos e surdos: abram o entendimento e os corações! Vejam pelo
seu espírito e entendam pela alma! Não interpretem de um modo
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tão grosseiro e injusto as palavras de Jesus, que fez resplandecer nos
olhos de vocês a Justiça Divina. Não é Deus que retira coisa alguma
daquele que pouco recebeu. É a própria criatura que, por ser
dispersiva e descuidada, não sabe conservar o que recebeu de
conhecimentos espirituais e, por não praticar esses princípios, não
aumenta e nem faz germinar a dádiva divina que lhe caiu no coração.
Aquele que não cultiva o campo de trabalho que seu Pai lhe
confiou, e que lhe coube por herança, verá esse campo cobrir-se de
ervas daninhas. Será o seu Pai que lhe retira as colheitas que ele não
preparou? Se, por falta de cuidados com as sementes destinadas à
produção nesse campo, a sementeira morrer, poderá ele acusar o
seu Pai se elas nada produzirem?
Não! Não! Ao invés de acusar aquele que tudo preparou para
si de retomar os seus dons, ele deve acusar o verdadeiro autor de
suas misérias: ele mesmo! Deverá, arrependido de seu desleixo e
mais ativo, empenhar-se na obra de sua redenção com coragem.
Que cultive o solo ingrato de seu coração com todo o empenho de
sua vontade. Que aprofunde os princípios divinos em si mesmo,
com a ajuda do arrependimento e da esperança. Que semeie com
confiança as sementes que separou como boas, entre as más. Que as
irrigue com a água do amor e da caridade. E Deus, o Deus do amor
e da caridade, lhe dará ainda mais do que ele já recebeu. Então, ele
verá os seus esforços coroados de sucessos e cada semente do bem
produzir cem e outras mil.
Coragem, trabalhadores do bem! Tomem as suas grades e os
seus arados! Trabalhem os seus próprios sentimentos! Livrem-nos
das tendências más. Neles semeiem as sementes generosas que o
Senhor lhes confia no seu Evangelho e o orvalho do amor as
acalentará e as fará produzir os frutos da caridade. (Um Espírito
Amigo, Bordéus, 1862.)
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O CRISTÃO E AS OBRAS
16. “Nem todos os que me dizem: Senhor, Senhor! entrarão
no reino dos céus, mas somente os que fazem a vontade de meu Pai
que está nos céus.”
Escutem estas palavras do Mestre, vocês todos que rejeitam a
Doutrina Espírita como se fosse obra do demônio! Abram os seus
ouvidos, que é chegado ao momento de ouvir!
Bastará trazer a aparência do Evangelho para ser um fiel
servidor do Senhor? Bastará dizer: “Eu sou cristão”, para seguir o
Cristo? Procurem os verdadeiros cristãos e vocês os reconhecerão
pelas suas obras no campo do bem.
“Uma árvore boa não dará maus frutos, nem uma árvore má
dará bons frutos. Toda árvore que não dá bons frutos, será arrancada
e lançada ao fogo.” – Eis as palavras do Mestre! Discípulos do Cristo,
procurem compreendê-las corretamente!
Quais são os frutos que deve dar a árvore do cristianismo,
árvore dadivosa, cujos ramos frondosos abrigam uma parte do
mundo, mas ainda não todos aqueles que devem abrigar-se em torno
do Evangelho? Os frutos dessa árvore da Vida são os frutos da Vida,
da esperança e da fé. O cristianismo, tal como tem feito depois de
muitos séculos, prega sempre essas virtudes divinas. Ele se empenha
em espalhar seus frutos, mas quão poucos os recolhem! A árvore é
sempre boa, mas os seus fruticultores são maus. Os que deveriam
cuidar dela, querem moldá-la segundo as suas próprias idéias,
violentando-lhe a natureza. Querem modelá-la de acordo com as
suas necessidades de bens materiais. Por isso, eles a cortaram, a
diminuíram, a mutilaram! Agora, seus ramos estéreis não dão maus
frutos, porque já não dão nenhum fruto!
O viajor faminto, que se acolhe à sua sombra, procurando o
fruto da esperança, que deve lhe restabelecer a força e a coragem,
encontra apenas ramos áridos, que o fazem pressentir os ventos da
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renovação necessária. Inutilmente ele procura o fruto da Vida na
árvore da Vida: as suas folhas caem secas, pois que a mão do homem
de tal maneira as remexeu que as secou!
Abram, pois, os seus ouvidos e os seus corações, meus bemamados! Cultivem essa árvore da Vida cujos frutos dão a vida eterna.
Aquele que a plantou, convida-os a cultivá-la com amor. Vocês a
verão, ainda, produzir com fartura os seus frutos divinos.
Conservem-na, porém, assim como o Cristo as deu a vocês.
Não mais a mutilem!
A sua sombra imensa deve estender-se sobre o Universo. Não
lhe cortem os galhos. Seus frutos generosos caem com fartura para
alimentar o viajante da evolução que, faminto, deseja alcançar a sua
destinação divina. Não guardem os seus frutos, porque eles perecerão
e não servirão a ninguém.
“Muitos os chamados e poucos os escolhidos.” É que há os
que trazem apenas para si mesmo o pão da Vida, querendo privar
as outras pessoas de partilhá-lo, da mesma forma que alguns fazem
com o pão material. Não se somem a esses infelizes. A árvore que
dá bons frutos deve dá-los para todos. Vão, pois, procurar os
necessitados desses frutos do Evangelho. Tragam-nos para debaixo
dos ramos dessa árvore e repartam com eles o abrigo que ela lhes
oferece a seus próprios corações.
“Não se colhem uvas nos espinheiros”, e, por isso, meus
irmãos, afastem-se daqueles que os chamam para apresentar-lhes os
tropeços do caminho divino e sigam com aqueles que os conduzirão
à sombra da árvore da Vida.
O Divino Salvador, o Justo por excelência, disse, e as suas
palavras não passarão sem que sejam cumpridas: “Aqueles que me
dizem: Senhor, Senhor! não entrarão no reino dos céus, mas somente aqueles que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus,
esses entrarão”.
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Que o Senhor das bênçãos os abençoe. Que o Deus da luz os
ilumine. Que a árvore da Vida derrame sobre vocês os seus frutos
com fartura! Creiam e orem. (Simeão, Bordéus, 1863.)
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O PODER DA FÉ
1. E, quando chegaram à multidão, aproximou-se-lhe um
homem, pondo-se de joelhos diante de Jesus, dizendo: Senhor, tem
misericórdia de meu filho, que é lunático e sofre muito, pois muitas
vezes cai no fogo e muitas vezes na água e trouxe-o aos teus discípulos
e não puderam curá-lo.
E Jesus, respondendo, disse: Ó geração incrédula e perversa! até
quando estarei eu convosco e até quando vos suportarei? Trazei-o aqui.
– E repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele, e desde aquela hora o
menino sarou.
Então, os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular,
disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? – E Jesus lhes disse:
Por causa da vossa pouca fé. Porque em verdade vos digo que, se tiverdes
fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a este monte: Passa
daqui para acolá, e há de passar e nada vos será impossível. (Mateus,
capítulo 17, versículos 14 a 20.)
2. No sentido próprio, é certo que a confiança nas suas
próprias forças torna o homem capaz de realizar as coisas materiais,
que não pode fazer quando ele duvida de si mesmo. Mas aqui é
unicamente no sentido moral que se devem entender essas palavras
ditas por Jesus.
As montanhas que a fé remove são as dificuldades, as
resistências ao bem, a má vontade, em suma, que se encontram
entre os homens, ainda mesmo quando se trate das melhores coisas.
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A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
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Os preconceitos da rotina, os interesses materiais, o egoísmo, a
cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas
montanhas que atravancam o caminho daqueles que trabalham pela
evolução da humanidade. A fé robusta transmite a perseverança, as
energias e os recursos que permitirão vencer esses obstáculos, tanto
nos pequenos como nos grandes atravancamentos do caminho do
bem. A fé vacilante produz a incerteza, a hesitação de que se
aproveitam os adversários que devemos combater. Essa fé vacilante
nem procura os meios de vencer, porque não crê na possibilidade
da vitória.
3. Num outro sentido, entende-se a fé como sendo a
confiança que se tem na realização de um determinada coisa, a certeza
de atingir um determinado objetivo. Neste caso, a fé daria uma
espécie de lucidez que permitiria ver, em pensamento, a meta que
se quer alcançar e os meios de alcançá-la, de modo que aquele que a
possui avança, por assim dizer, com total segurança. Num e noutro
desses casos, a fé pode fazer que se realizem grandes coisas.
A fé sincera e verdadeira é sempre calma. Ela traz a paciência
que sabe esperar o momento e as circunstâncias certas. Porque tem
o seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas,
tem a certeza de chegar ao objetivo visado. A fé vacilante já traz em
si a sua própria fraqueza. Quando é estimulada por interesses, ela se
torna devastadora, por crer que pode suprir, com a violência, a força
que lhe falta. A calma na luta é sempre um sinal de energia e
confiança. A violência na luta, ao contrário, é sempre uma prova de
fraqueza e de falta de confiança em seus propósitos.
4. Não podemos confundir a fé com a vaidade do homem.
A verdadeira fé está aliada à humildade. Aquele que a possui deposita
mais confiança em Deus do que em si próprio. É que sabe que,
sendo um simples instrumento dos desígnios divinos, ele nada pode
sem o amparo da misericórdia. Eis por que os bons Espíritos vêm
ajudá-la. A vaidade, a presunção, é menos fé e mais orgulho. E o
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orgulho é sempre visitado, cedo ou tarde, pela decepção e pelos
fracassos que lhe são impostos.
5. O poder da fé tem uma aplicação direta e especial na ação
magnética. Através dela, o homem age sobre o fluido, agente
universal. Ele modifica as suas qualidades e lhe dá uma impulsão
por assim dizer irresistível. Eis porque aquele que, a um grande
poder fluídico normal, ajunta uma fé calorosa, pode, pela sua
vontade dirigida ao bem, operar esses singulares fenômenos de curas
e outros mais que, antigamente, eram considerados prodígios,
milagres, mas que não passam de reações operadas por uma lei
natural. Por essa razão natural, base da ação fluídica, é que Jesus
disse a seus Apóstolos: “Se vós não o curastes, é que não tendes fé”.
Não admitindo ter de apresentar provas, a fé cega deixa no
espírito um vazio, que gerará a dúvida. A fé raciocinada, que é aquela
que se baseia sobre fatos e na lógica, não deixa nada obscuro. O
homem crê, porque tem a certeza e só tem certeza quando se
compreendeu. Eis porque esse fé não se abala, pois fé inabalável só
é a que pode encarar a razão, frente a frente, em todas as épocas da
humanidade.
Esse é o resultado a que conduz o Espiritismo, assim
triunfando sobre a incredulidade todas as vezes que não encontra
oposição sistemática e interessada em fazer prevalecer um dogma.
CONDIÇÃO DA FÉ INABALÁVEL
6. Do ponto de vista religioso, a fé é a crença em dogmas
especiais que constituem as diferentes religiões. Todas as religiões
têm os seus artigos de fé. Sob esse aspecto, a fé pode ser raciocinada
ou cega. A fé cega nada examina, aceitando sem controle tanto o
falso como o verdadeiro e, a cada momento, choca-se contra a
evidência e a razão. Levada ao extremo, essa fé produz o fanatismo.
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Quando a fé se assenta sobre o erro, ela desmorona, cedo ou
tarde. Aquela, porém, que tem por base a verdade é a única que se
consolida com o passar do tempo. É que nada tem a temer do
progresso das luzes do conhecimento humano, uma vez que o que
é verdade durante as sombras, é igualmente verdade à luz do dia.
Cada religião pretende estar na posse exclusiva da verdade,
mas preconizar a fé cega sobre uma questão de crença, é confessar a
incapacidade de se demonstrar que está com a razão.
7. Diz-se, comumente, que a fé não se prescreve, o que leva
muitas pessoas a dizerem que não lhes cabe a culpa de não ter fé.
Sem dúvida, a fé não se doa e, o que é ainda mais justo: a fé não
pode ser imposta. Não! Ela não é imposta, mas se adquire e ninguém
está impedido de possuí-la, mesmo entre os que se recusam a
submeter-se a essa lei divina.
Falamos das verdades espirituais fundamentais e não desta
ou daquela crença particular. Não é a fé que deve procurar as pessoas.
As pessoas é que devem buscar a fé e, se buscarem com sinceridade,
elas a encontrarão. Tenham, pois, como certo que os que dizem:
“Não queremos nada melhor do que crer, mas não o podemos
fazer”, esses dizem isso da boca para fora e não do coração, pois isto
dizendo eles fecham os seus ouvidos para a verdade espiritual da
vida.
As provas contrárias ao que eles dizem são abundantes ao
redor deles mesmos. Por que, pois, se recusam a vê-las? Da parte de
uns é pela indiferença, da parte de outros é pelo temor de serem
forçados a mudar seus hábitos. A maioria, contudo, é por esse
orgulho de não aceitar um Poder Superior ao seu, porque teriam de
render-se diante dele.
Em algumas pessoas, até parece de algum modo ter nascido
juntamente com elas. Uma faísca é bastante para desenvolvê-la. Essa
facilidade de assimilar as verdades espirituais é um sinal evidente de
evolução já realizada ao longo de reencarnações anteriores. Em outras
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pessoas, ao contrário, essas verdades penetram com muita
dificuldade, o que é sinal, não menos evidente, de um natural
retardamento evolutivo. As primeiras dessas pessoas já creram e
compreenderam em existências anteriores e elas trazem, ao renascer,
a intuição de suas conquistas e, por isso, estão com a educação feita.
As segundas dessas pessoas ainda têm tudo para aprender, por isso a
sua educação espiritual está por fazer-se. Essa educação se fará e, se
não ficar completa nesta existência, ela se completará numa outra
reencarnação.
A resistência do incrédulo, convenhamos, muitas vezes não
nasce muito dele mesmo. Quase sempre tem origem na maneira
pela qual lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base e essa
base é a compreensão perfeita daquilo em que se deve crer. Para
crer, não basta ver. É necessário, sobretudo, compreender.
A fé cega não é mais deste século. E é precisamente o dogma
da fé cega que hoje produz o maior número de incrédulos. Eles não
aceitam a fé imposta, que lhes exige o abandono de uma das mais
preciosas qualidades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. É
contra essa fé cega que se levanta o incrédulo e dela é que se pode
verdadeiramente dizer que fé não se impõe.
Não admitindo ter de apresentar provas, a fé cega deixa no
espírito um vazio, que gerará a dúvida. A fé raciocinada, que é aquela
que se baseia sobre fatos e na lógica, não deixa nada obscuro. O
homem crê, porque tem a certeza e só tem certeza quando se
compreendeu. Eis porque essa fé não se abala, pois fé inabalável só
é a que pode encarar a razão, frente a frente, em todas as épocas da
humanidade.
Esse é o resultado a que conduz o Espiritismo, assim
triunfando sobre a incredulidade todas as vezes que não encontra
oposição sistemática e interessada em fazer prevalecer um dogma.
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PARÁBOLA DA FIGUEIRA
QUE SECOU
8. E, no dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome. E,
vendo de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se nela acharia
algum fruto. E, chegando a ela, não achou senão folhas, porque não
era tempo de figos. E Jesus, falando, disse à figueira: Nunca mais
coma alguém frutos de ti. E os seus discípulos ouviram isso.
E eles, passando pela manhã, viram que a figueira tinha secado
desde as raízes. E Pedro, lembrando-se, disse-lhe: Mestre, eis que a
figueira, que tu amaldiçoaste, secou. E Jesus, respondendo, disse-lhes:
Tende fé em Deus, porque em verdade vos digo que qualquer que
disser a este monte: Ergue-te e lança-te ao mar, e não duvidar em seu
coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será
feito. (Marcos, capítulo 11, versículos de 12 a 14 e de 20 a 23.)
9. A figueira seca é o símbolo das pessoas que só têm as
aparências do bem, mas que na realidade nada produzem de bom.
Representa esses oradores que têm mais brilho que base sólida, cujas
palavras trazem só um verniz na superfície. Essas palavras são
agradáveis aos ouvidos, mas quando o que dizem é examinado, elas
não trazem nada de substancial ao coração. É de perguntar-se aos
que as ouviram, que proveito poderão tirar delas para a sua vida.
É, também, o símbolo de todas as pessoas que têm meios de
serem úteis e não o são. De todas as fantasias, de todos os sistemas
vazios, de todas a doutrinas sem base sólida. O que lhes falta, na
maior parte do tempo, é a verdadeira fé, a fé fecunda, a fé que abala
as fibras do coração. Em suma, falta-lhes a fé que remove
montanhas.
São quais árvores cobertas de folhas, mas sem frutos. É por
isso que Jesus reconhece que são estéreis, pois um dia virá em que
ficarão secas até a raiz.
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Isto quer dizer que todos os sistemas, todas as doutrinas que
não produzem nenhum bem para os homens, cairão reduzidas ao
nada. Que todas as criaturas deliberadamente inúteis, por não terem
utilizado os recursos que traziam consigo, serão tratadas como a
figueira que secou.
10. Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos. Eles suprem
os Espíritos com os órgãos materiais que faltam a estes para nos
transmitirem os seus ensinamentos. É que os médiuns são dotados
de faculdades próprias para esse efeito. Nestes tempos de renovação
moral, os médiuns desempenham uma missão especial que é a de
serem árvores que devem fornecer o alimento espiritual a seus irmãos
da Terra. Os médiuns se multiplicam, para que o alimento espiritual
seja abundante. Estão, portanto, por toda parte, em todos os países,
em todas as raças e em todas as classes sociais. Estão entre os ricos e
os pobres, entre os grandes e os pequenos, a fim de que em parte
alguma haja deserdados desses ensinamentos e para provar aos
homens que todos são chamados pelo Senhor.
Mas, se os médiuns se desviam da finalidade providencial a
faculdade preciosa que lhes foi concedida, se a colocam a serviço
dos interesses mundanos, se, ao invés de frutos salutares, eles dão
maus frutos, se recusam a torná-la proveitosa espiritualmente para
os outros, se dela tiram eles proveito para si mesmos e não para a
sua evolução moral, eles serão como a figueira estéril. Então a Justiça
Divina os privará dos Bons Espíritos que não mais utilizarão o dom
que se tornou inútil nesses médiuns. Por ser a árvore que eles não
sabem fazer dar bons frutos, eles se tornarão, a partir daí, presas
fáceis de Espíritos tão desajustados quanto eles próprios.
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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
A FÉ, MÃE DA ESPERANÇA E DA CARIDADE
11. A fé, para ser útil, deve ser ativa. Ela não pode adormecer
no coração. Mãe de todas as virtudes que conduzem a Deus, ela
deve desdobrar-se ativamente para desenvolver as suas próprias filhas.
A esperança e a caridade são frutos da fé. Elas, juntas, formam
uma trindade inseparável. Não é a fé que nos alimenta a esperança
de vermos cumpridas as promessas do Senhor? Se não tivermos fé,
o que nos dará o amor? Se não tivermos a fé, que gratidão seria a
nossa e, por conseqüência, qual seria o nosso amor?
A fé, divina inspiração de Deus, desperta todos os sentimentos
nobres que induzem o homem ao bem. Ela é a base da regeneração
humana. É necessário, portanto, que essa base seja sólida e durável,
pois se a menor dúvida a abalar, que será do edifício de princípios
que construiremos sobre ela? Levantem, portanto, esse edifício sobre
fundações que não sofram mudanças. Que a sua fé seja mais sólida
do que os argumentos falsos e as zombarias dos incrédulos, pois a
fé que vacila diante do ridículo dos homens não é a verdadeira fé.
A fé sincera é empolgante, contagiosa. Ela se transmite aos
que não a tenham ou, mesmo, aos que não desejariam tê-la. Ela
encontra palavras persuasivas que vão ao fundo da alma, enquanto
a fé aparente apenas se serve de palavra com sons e sem espírito, que
deixam frios e indiferentes aqueles que estejam à sua volta.
Preguem pelo exemplo de sua fé, para transmiti-la aos
homens. Preguem pelo exemplo de suas obras, para que vejam o
mérito de fé. Preguem pela sua esperança inabalável para que vejam
a confiança que lhes dá energias e, ao mesmo tempo, que lhes dá
estímulo para que vocês enfrentem todas as dificuldades da vida.
Tenham, portanto, a fé com tudo o que ela contém de belo
e de bom, na sua pureza, com a força de seu raciocínio. Não admitam
a fé sem comprovação, essa cega filha da cegueira da verdade
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espiritual. Amem a Deus, mas sabendo por que vocês amam. Creiam
nas promessas divinas, mas sabendo por que vocês crêem. Sigam os
nossos conselhos, mas compenetrados dos fins que lhes propomos
e dos meios que lhes indicamos para alcançá-los.
Creiam e esperem sem jamais enfraquecer na sua fé: os
milagres são obras da fé.(José, Espírito Protetor, Bordéus, 1862.)
A FÉ DIVINA E A FÉ HUMANA
12. A fé é o sentimento, inato ao homem, de sua destinação
futura. É a consciência que o homem tem das imensas faculdades
que, em germe, estão depositadas em seu íntimo. Essas faculdades,
a princípio em estado latente, o homem deverá fazer que germinem
e cresçam, por ação e cuidado de sua vontade.
Até aqui, a fé só foi interpretada no seu sentido religioso,
porque o Cristo a indicou como a alavanca com o poder para
remover montanhas e porque em Jesus somente viram o chefe de
uma religião. Mas o Cristo, que realizou milagres materiais, nos
mostrou, através desses mesmos fenômenos naturais, o que pode o
homem fazer, quando ele tem a fé, isto é, quando ele tem a vontade
de querer e a certeza de que esse vontade pode ser realizada.
Os Apóstolos de Jesus, seguindo o exemplo do Mestre não
fizeram milagres também? Ora, que eram esses milagres? Esses
milagres eram os efeitos de leis da Natureza, cujas causas eram
desconhecidas dos homens daquela época, mas que são explicados,
em grande parte, atualmente, e que serão compreendidos inteiramente
pelo estudo do Espiritismo e do magnetismo.
A fé é humana ou divina, segundo a aplicação que o homem
der às suas faculdades: na satisfação de suas necessidades terrenas ou
na realização de suas aspirações celestes visando a vida futura. O
homem de gênio, que se empenha na realização de um grande
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empreendimento, triunfa se tem fé, porque ele sente em si mesmo
que o pode e deve realizar, e esta certeza lhe dá uma imensa força de
realizar seu projeto. O homem de bem que, crendo no seu futuro
celeste, deseja preencher a sua vida de nobres e belas ações, vai buscar
na sua fé, na certeza da felicidade que o espera, a força necessária
para realizar-se espiritualmente. E é aqui que se operam os milagres
da caridade, do devotamento e da abnegação.
Com a fé você supera todas as más inclinações.
O magnetismo é uma das grandes provas do poder da fé
operante. É pela fé que o magnetismo cura e produz esses fenômenos
estranhos que, antigamente, eram qualificados de milagres.
Se todos os encarnados estivessem bem convencidos da
energia que trazem em si próprios, e quisessem pôr a sua vontade a
serviço dessa energia, seriam capazes de realizar o que, até este
momento, alguns chamam de prodígios e que é simplesmente o
desenvolvimento das faculdades humanas que, em germe, estão
depositadas em seu íntimo. (Um Espírito Protetor, Paris, 1863.)
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1. Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de
família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua
vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia,
mandou-os à sua vinha. E saindo perto da hora terceira, viu outros
que estavam ociosos na praça e lhes disse: Ide também vós para a
vinha e vos darei o que for justo. E eles foram. E saindo outra vez
perto da hora sexta e nona, fez o mesmo. E saindo perto da hora
undécima, encontrou outros que estavam ociosos e lhes perguntou: Por
que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhes eles: Porque ninguém nos
assalariou. Disse-lhes ele: Ide vós também para a vinha e recebereis o
que for justo.
Aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha a seu mordomo:
Chama os trabalhadores e paga-lhes o dia de trabalho, começando
pelos últimos até os primeiros. E, chegando os que tinham ido perto da
hora undécima, receberam um dinheiro cada um. Vindo, porém, os
primeiros, cuidaram que haviam de receber mais. Porém, do mesmo
modo receberam um dinheiro cada um. E, recebendo-o, murmuravam
contra o pai de família, dizendo: Estes últimos trabalharam apenas
uma hora e tu os igualaste conosco que suportamos a fadiga e a tarefa
de um dia inteiro.
Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço
agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu e
retira-te. Eu quero dar a este último tanto quanto a ti. Ou não me é
lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou mau é o teu olho, porque eu
sou bom?
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Assim os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos,
porque muitos são chamados mas poucos os escolhidos. (Mateus, capítulo
20, versículos 1 a 16.) (Ver também a Parábola do Festim das Bodas,
capítulo XVIII, item 1, desta mesma obra.)
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
OS ÚLTIMOS SERÃO OS PRIMEIROS
2. O trabalhador da última hora tem direito a seu salário.
Para isso, porém, é necessário que a sua boa vontade o tenha
conservado à disposição do Senhor que devia empregá-lo. Que o
seu atraso, por isso, não seja o fruto de sua preguiça ou de sua má
vontade.
Ele tem direito ao salário porque, desde o início do dia, ele
aguardava com impaciência aquele que, enfim, o chamaria para a
obra a ser realizada. Ele é trabalhador, apenas que lhe faltava a
atividade em que se empregasse.
Mas, se ele tivesse se recusado ao trabalho, a qualquer
momento do dia; se ele tivesse dito: “Tenham paciência! Eu gosto
é de não fazer nada! Quando chegar a minha última hora, pensarei
no que fazer e no salário que quero! Vou me importar eu por um
senhor que não conheço e que não estimo? Quanto mais tarde eu
começar, melhor para as minhas paixões mundanas!” – este obreiro,
meus amigos, não receberia o salário de uma jornada, mas receberia
o pagamento de sua preguiça.
Que dizer, então, daquele que, ao invés de ficar simplesmente
na inatividade, tivesse empregado as horas destinadas ao trabalho
do dia, para praticar atos culposos? Se ele tivesse blasfemado contra
Deus, se tivesse derramado o sangue de seus irmãos, se tivesse lançado
a perturbação nas famílias, arruinado os homens de boa-fé, abusado
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da inocência? Este teria, enfim, se enlameado em todas as desonras
da humanidade!
O que será dele?
Bastará que ele diga, na última hora de vida nesta existência:
“Senhor, empreguei mal o meu tempo de vida. Toma-me até o fim
deste meu dia, para que eu faça um pouco, um pouquinho que
seja, de minha tarefa e dê-me a recompensa do obreiro de boa
vontade!”. Bastará isso? Não, não! O Senhor lhe dirá: “Não tenho
agora nenhuma obra para ti! Atiraste fora o teu tempo de vida.
Esqueceste o que tu havias aprendido! Não mais sabes trabalhar na
minha vinha! Recomeça, portanto, a aprender de novo e, quando
estiveres mais disposto ao bem, vem ter comigo e te abrirei meu
vasto campo de atividades nobres, onde poderás trabalhar a todas
as horas de teu novo dia”.
Bons Espíritas, meus bem-amados, vocês todos são obreiros
de última hora! Muito orgulhoso seria aquele, entre vocês, que
dissesse: “Comecei o trabalho no romper do dia e vou terminá-lo
ao anoitecer”. Todos vocês vieram quando foram chamados, uns
mais cedo e outros mais tarde, nesta encarnação, arrastando as suas
dificuldades. Mas há quantos séculos de séculos o Mestre os chamava
para a sua vinha, sem que vocês aceitassem o convite? Eis chegado,
agora, o momento de receber a recompensa. Empreguem bem esta
hora que lhes resta na existência. Não esqueçam jamais que a sua
existência, por longa que lhes pareça, não é mais que um segundo
muito breve na imensidade das horas que formam para vocês a
eternidade. (Constantino, Espírito Protetor, Bordéus, 1863.)
3. Jesus tinha particular preferência pelos símbolos simples.
Na sua vigorosa linguagem, os obreiros que chegaram na primeira
hora do conhecimento das leis divinas, eram os Profetas. Entre eles
Moisés e todos os iniciadores que demarcaram as etapas da evolução
espiritual, continuadas, através dos séculos, pelos Apóstolos, pelos
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Mártires e pelos Padres da Igreja, pelos sábios, pelos filósofos e,
finalmente, pelos Espíritas.
Os Espíritas, que vieram por último, foram anunciados e
preditos desde o advento do Messias. Eles receberão a mesma
recompensa que foi dada aos que chegaram primeiro. Que digo eu?
Digo que receberão até recompensa maior. Últimos a chegar, os
Espíritas aproveitam a experiência acumulada das atividades
intelectuais dos seus antecessores, porque o homem deve herdar a
experiência do homem e porque os trabalhos e seus resultados são
conquistas coletivas. Deus abençoa a solidariedade entre as gerações.
Muitos dos iniciadores de ontem, revivem hoje ou reviverão
amanhã, entre vocês, para terminarem a obra que eles começaram
no passado. Mais de um patriarca, mais de um profeta, mais de um
discípulo do Cristo, mais de um divulgador da fé cristã se
reencontram no meio de vocês. Estão eles, porém, mais esclarecidos,
mais evoluídos, trabalhando, não mais nos fundamentos, porém,
complementando o edifício da redenção humana. A recompensa
deles será proporcional ao mérito de sua obra.
A reencarnação, esse ponto fundamental e indiscutível da
Doutrina Espírita, eterniza e esclarece a filiação espiritual. O espírito,
chamado a prestar contas de sua missão na Terra, compreende a
continuidade da tarefa interrompida, mas sempre retomada para
dar-lhe acabamento. Ele vê e sente que apanhou, de súbito, a essência
das idéias de seus antecessores. Ele, então, entra de novo no trabalho,
amadurecido pela experiência anterior, para evoluir mais. E todos,
obreiros da primeira ou da última hora, de olhos bem abertos sobre
a profunda Justiça Divina, não se queixam mais dos espinhos das
tarefas, mas adoram a Deus.
Este é um dos verdadeiros sentidos da parábola dos
trabalhadores da última hora. Essa parábola encerra, como todas as
outras que Jesus endereçou ao povo, a semente do futuro espiritual.
E, também, contém sob todas as formas e sob todas as imagens, a
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revelação da extraordinária unidade da vida através de sucessivas
reencarnações, que harmoniza e explica todas as coisas do Universo.
É essa solidariedade que liga todos os seres encarnados às existências
passadas e às existências futuras. (Henri Heine, Paris, 1863.)
MISSÃO DOS ESPÍRITAS
4. Vocês não entendem que já está fermentada a agitação moral
que deve levar o mundo moral antigo a reduzir a nada o conjunto
das injustiças humanas? Ah! Bendigam o Senhor, todos vocês que
puseram a sua fé na sua soberana Justiça. Quais novos apóstolos da
crença revelada pelas superiores vozes proféticas, avancem para pregar
o novo princípio da reencarnação e o novo princípio da evolução
dos espíritos, os quais poderão alcançar estágios superiores conforme
o bom ou o mau desempenho de suas missões pessoais e pelo modo
que suportarem com resignação as suas provações terrenas.
Não mais se assustem! As línguas de fogo estão sobre as suas
cabeças (1)! Oh! Verdadeiros adeptos do Espiritismo, vocês são os
escolhidos de Deus para o trabalho de redenção dos homens! Sigam
adiante e preguem a palavra divina do bem e da esperança. É chegada
a hora em que vocês devem sacrificar os seus hábitos, os seus
trabalhos, as suas futilidade, para a propagação da palavra divina.
Vão adiante e preguem, que os Espíritos elevados estão com vocês.
Vocês falarão com pessoas que não querem escutar a voz de
Deus, porque essa voz os convida incessantemente para a abnegação.
1. Nota do Tradutor — “Línguas de fogo” é alusão do Espírito de Erasto sobre o prometido
fenômeno mediúnico, coletivo, que serviu de introdução dos Apóstolos do Cristo na
mediunidade, conforme você verificará no capítulo 2, de Atos dos Apóstolos, no Novo
Testamento.
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Vocês pregarão o desinteresse aos avarentos, a abstinência aos
dissolutos, a mansidão aos tiranos domésticos e aos déspotas.
Palavras perdidas, eu sei! Mas, que importa isso?! É necessário irrigar
os corações áridos com o suor que vocês vertam, porque eles não
frutificarão e nem produzirão, senão sob os repetidos golpes da
enxada e da charrua evangélicas.
Sigam adiante e preguem!
Sim, vocês todos, homens de boa-fé, que aceitam a sua
inferioridade diante dos mundos espalhados no Infinito, partam
em campanha contra a injustiça e a iniqüidade. Vão em frente e
anulem o culto ao deus do ouro, que dia a dia mais se alastra. Sigam
adiante que Deus os conduzirá! Homens simples e ignorantes, as
suas línguas se soltarão e vocês falarão como nenhum orador sabe
falar. Sigam adiante e preguem, porque as multidões atentas recolherão
com alegria as suas palavras de consolação, de fraternidade, de esperança
e de paz.
Que importam as armadilhas que lançarem em seu caminho!
Os lobos só caem nas armadilhas de lobo, mas o Pastor Divino
saberá defender as suas ovelhas do fogo sacrificial.
Sigam, homens que, grandes diante de Deus, mais felizes que
Tomé, crêem sem fazer questão de ver e aceitam os fatos da
mediunidade, mesmo quando vocês nenhuma comunicação
espiritual conseguiram obter por vocês mesmos.
Sigam, que o Espírito de Deus os conduz!
Segue, pois, adiante, extraordinária falange da fé! E os grandes
grupos de incrédulos se dissiparão diante de vocês, como as sombras
da manhã aos primeiros raios do Sol.
A fé é a virtude que transporta as montanhas, disse-lhes Jesus.
No entanto, mais pesados que as maiores montanhas, são os montes
de todos os vícios da impureza que se encontram no coração dos
homens impuros. Sigam, então, com muita coragem espiritual,
para remover essa montanha de iniqüidade, que as gerações futuras
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deverão conhecer apenas como pertencentes ao tempo das lendas,
do mesmo modo que vocês só conhecem de uma maneira imperfeita
os acontecimentos anteriores da civilização pagã.
Sim, as transformações morais e filosóficas vão produzir-se
em todos os pontos da Terra. Aproxima-se a hora em que a Luz
Divina brilhará sobre esses dois universos da evolução humana.
Sigam, portanto, levando a palavra divina aos grandes, que a
desprezarão; aos sábios, que exigirão provas materiais; aos simples e
pequeninos, que a aceitarão, porque principalmente entre os mártires
do trabalho, nesta expiação terrena, vocês encontrarão dedicação e
fé. Caminhem com estes, pois que eles receberão com alegria,
agradecendo e louvando a Deus, a consolação divina que vocês lhes
levarem e, baixando a cabeça, renderão graças pelas aflições que na
Terra encontraram.
Encha-se de decisão e coragem essa falange! Mãos à obra! O
arado está pronto, o solo está à sua espera: arem-no!
Sigam adiante e agradeçam a Deus a gloriosa tarefa que lhes
foi confiada. Mas muito cuidado, porque entre os chamados para
o Espiritismo, muitos se desviaram desse caminho! Guardem-se,
portanto, nesse caminho e sigam com a verdade.
Vocês perguntarão: se entre os chamados para o Espiritismo
muitos se desviaram, como reconhecer os que estão no bom
caminho?
Responderemos que vocês podem reconhecê-los pelos
princípios da caridade que eles ensinarão e praticarão. Vocês os
reconhecerão pelo número de aflitos que consolarem, pelo seu amor
ao próximo, pela sua abnegação, pelo seu desinteresse pessoal.
Poderão reconhecê-los, finalmente, pela vitória de seus princípios,
porque Deus quer que a sua lei triunfe. E os que seguem essa lei são
os escolhidos e o Senhor lhes dará a vitória. Aqueles, porém, que
falseiam o sentido dessa lei e fazem do Espiritismo um degrau para
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satisfazer sua vaidade e sua ambição, esses serão visitados pela Justiça
Divina que os corrigirá pela dor. (Erasto, Paris, 1863.)
OS OBREIROS DO SENHOR
5. Vós chegastes no tempo em que se cumprirão as coisas
anunciadas para a transformação moral de todos os homens. Felizes
serão aqueles que trabalharem no campo do Senhor com desinteresse
pessoal e sem outro motivo que não seja a própria caridade! Seus
dias de trabalho serão recompensados mais de cem vezes do que
esperam.
Felizes serão os que disseram a seus irmãos: “Irmãos,
trabalhemos juntos. Unamos os nossos esforços, a fim de que o
Senhor, ao chegar, encontre a obra realizada”, porque o Mestre lhes
dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes
calar vossos ciúmes e vossas discórdias, para que a obra não sofresse
dano algum”.
Mas, infelizes aqueles que, por suas divergências de opiniões
ou de interesses pessoais, houverem retardado a hora da colheita. A
agitação moral virá e eles serão levados no turbilhão dos maus
obreiros. Nessa hora clamarão: “Graça! Graça!”. Mas o Senhor lhes
dirá: “Por que pedis graça, vós que não tivestes piedade de vossos
irmãos, que vos recusastes a estender-lhes as mãos, vós que
esmagastes o fraco ao invés de socorrê-lo? Por que pedis graça, vós
que buscastes a vossa recompensa na alegria da Terra e na satisfação
de vosso orgulho? Já recebestes a recompensa segundo a vossa
vontade. Nada mais tendes a pedir. As recompensas celestes são
para aqueles que não houverem pedido as recompensas da Terra”.
A Justiça Divina faz, neste momento, a contagem dos
servidores fiéis. Ela assinala aqueles que só têm aparência de
devotamento ao Espiritismo, a fim de que eles não se apossem
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CAPÍTULO XX
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violentamente da recompensa dos servidores corajosos. É para esses,
que não recuaram diante das suas tarefas, que serão confiados os
encargos mais difíceis na grande obra de regeneração dos homens
pelo Espiritismo. E é, aí, que se cumprirá esta palavra: Os primeiros
serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos céus!
(O Espírito de Verdade, Paris, 1862.)
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CONHECE-SE A ÁRVORE PELO FRUTO
1. Por que não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore
que dê bom fruto. Por que cada árvore se conhece pelo seu próprio
fruto, pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se colhem uvas dos
abrolhos. O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem,
porque da abundância do seu coração fala a boca. (Lucas, capítulo 6,
versículos 43 a 45.)
2. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós
vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por
seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros,
ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e
toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus
frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá
bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os
conhecereis. (Mateus, capítulo 7, versículos 15 a 20.)
3. E Jesus, respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém
vos engane, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o
Cristo e enganarão a muitos. E surgirão muitos falsos profetas e
enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de
muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim será salvo.
E se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe
deis crédito, porque surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão
grandes sinais e prodígios que, se possível fosse, enganariam até os
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escolhidos. (Mateus, capítulo 24, versículos 4 e 5, 11 a 13 e 23 e 24.)
(Marcos, capítulo 13, versículos 5 e 6, 21 e 22.)
MISSÃO DOS PROFETAS
4. Atribui-se comumente aos profetas o dom de revelar o
futuro. Em decorrência, as palavras profecia e predição se tornaram
sinônimas. No sentido evangélico a palavra profeta tem uma
significação mais ampla. Ela se aplica a todo enviado de Deus com
missão de instruir os homens e de lhes revelar as coisas ocultas e os
mistérios da vida espiritual.
Um homem pode, no entanto, ser profeta sem fazer predições.
Essa era a idéia dos judeus, no tempo de Jesus. Por tal razão é que,
ao ser Jesus levado perante o sumo sacerdote Caifás, os escribas e os
anciãos que ali estavam reunidos lhe cuspiram no rosto, lhe deram
socos e bofetadas, dizendo: “Cristo, profetiza para nós, e dize quem
é este que te bateu”.
Houve, no entanto, profetas que tiveram a presciência do
futuro, quer por intuição, quer por revelação providencial, a fim de
transmitirem avisos aos homens. Como os acontecimentos preditos
se realizaram, o dom de predizer o futuro foi considerado como
um dos atributos da qualidade dos profetas.
PRODÍGIOS DOS FALSOS PROFETAS
5. “Levantar-se-ão falsos cristos e falsos profetas que farão
grandes prodígios e maravilhas tais que seduziriam até os próprios
escolhidos.” Estas palavras dão o verdadeiro sentido do termo
prodígio. Na sua significação teológica, os prodígios e os milagres
são fenômenos excepcionais, que fogem das leis da Natureza. As
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leis da Natureza, sendo obras de Deus exclusivamente, poderiam
ser por Ele anuladas, se fosse de sua vontade. Mas, o simples bom
senso nos diz que Ele não pode ter dado a seres inferiores e perversos
um poder igual ao seu e, menos ainda, o direito de desfazerem o
que Ele fez.
Jesus não poderia consagrar a existência de uma concessão
dessa ordem. De acordo com o sentido que atribuem a estas palavras,
um espírito mal-intencionado teria o poder de fazer prodígios, que
poderiam enganar até os próprios escolhidos. Isso nos levaria a
admitir que, podendo eles fazer o que Deus faz, os prodígios e os
milagres não seriam um privilégio exclusivo dos enviados de Deus.
E tais prodígios nada provariam, pois que nada distingue os
fenômenos provocados por Espíritos santificados dos fenômenos
provocados pelas criaturas perversas. É necessário, portanto, que se
procure um sentido mais inteligente para essas palavras.
Aos olhos do homem do povo, todo fenômeno, cuja causa
seja desconhecida, passa por sobrenatural, maravilhoso e miraculoso.
A causa do fenômeno, quando se torna conhecida, faz com que o
aparente prodígio, por extraordinário que pareça, não seja outra
coisa que a manifestação de uma lei da Natureza. É assim que a área
dos fatos sobrenaturais diminui à medida que se amplia a área da
Ciência.
Em todos os tempos, os homens têm explorado, em proveito
de sua ambição, de seu interesse pessoal e de seu desejo de poder,
certos conhecimentos que possuíam, a fim de ganharem o prestígio
de um poder supostamente sobre-humano ou de uma pretensa
missão divina.
São esses os falsos cristos e falsos profetas.
A difusão de conhecimentos mais amplos vem trazer-lhes o
descrédito. É por isso que o número de falsos profetas diminui à
medida que o homem comum se esclarece. O fato de realizarem
aquilo que, aos olhos de certas pessoas, se considera como um
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CAPÍTULO XXI
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prodígio, não é, portanto, um sinal de missão divina. Isso que fazem
pode ser o produto de conhecimentos que qualquer um pode
adquirir, ou de faculdades orgânicas próprias, que tanto o mais
indigno como o mais digno dos homens pode possuir.
O verdadeiro profeta se reconhece por características mais
sérias que essas dos falsos profetas e tais características são
exclusivamente morais.
NÃO CREIAM EM TODOS OS ESPÍRITOS
6. Amados, não acrediteis em todos os espíritos, mas provai se os
espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado
no mundo. (João, Epístola 1, capítulo 4, versículo l.)
7. Os fenômenos mediúnicos, longe de confirmar os falsos
cristos e os falsos profetas, como algumas pessoas dizem, vêm, ao
contrário, dar-lhes um golpe mortal.
Não peça ao Espiritismo nem milagres e nem prodígios,
porque ele declara de modo expresso que não os produz. Assim
como a física, a química, a astronomia, a geologia vieram revelar as
leis do mundo material, o Espiritismo vem revelar outras leis
desconhecidas, que regem as relações do mundo corporal com o
mundo espiritual. Essas leis, tanto quanto aquelas do domínio da
Ciência, não são mais que leis da Natureza. Permitindo a explicação
de uma certa ordem de fenômenos, incompreendidos até agora,
essas leis acabam com o que restava ainda nos domínios do
maravilhoso.
Aquele, portanto, que se sentisse tentado a explorar os
fenômenos mediúnicos em proveito próprio, em se fazendo passar
por um messias de Deus, não poderia abusar por longo tempo da
credulidade dos outros homens e muito rapidamente seria
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desmascarado. Aliás, como já se disse, esses fenômenos aparentemente
maravilhosos, não provam coisa alguma por si mesmos. A verdadeira
missão se prova por efeitos morais, que não é qualquer um que
pode produzir.
Este é um dos resultados do desenvolvimento da ciência
Espírita. Examinando a causa de certos fenômenos, essa ciência
levanta o véu que envolvia muitos mistérios, tornando conhecidas
as suas causas.
Os que preferem a obscuridade, temendo a luz, são os únicos
interessados em combater a ciência Espírita. Mas a verdade é como
o Sol: dissipa os mais densos nevoeiros.
O Espiritismo vem revelar uma outra categoria, bem mais
perigosa, de falsos cristos e falsos profetas, e que não se encontra
entre os homens, mas entre os desencarnados. Essa categoria é a dos
espíritos enganadores, dos hipócritas, dos orgulhosos e dos falsos
sábios da espiritualidade, que passaram da Terra para o mundo
espiritual e tomam nomes respeitáveis para, debaixo dessa máscara
que usam, tornarem aceitáveis as idéias mais extravagantes e absurdas.
Antes que as relações mediúnicas fossem conhecidas, esses
espíritos agiam de uma maneira menos evidente, através da
inspiração, da mediunidade inconsciente, auditiva ou psicofônica.
O número desses espíritos que, em diversas épocas, mas sobretudo
nestes últimos tempos, se apresentaram como alguns dos antigos
profetas, como o Cristo, como Maria, mãe de Jesus, e mesmo como
se fossem o próprio Deus – esse número hoje é considerável!
João, o Evangelista, nos põe em alerta contra tais espíritos,
quando diz: “Meus bem-amados, não creiais em todos os espíritos,
mas experimentai se esses espíritos são de Deus, porque muitos
falsos profetas se têm levantado no mundo”. O Espiritismo nos
oferece os meios de experimentar esses espíritos, indicando-nos as
características pelas quais se conhecem os bons espíritos,
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características sempre morais e jamais materiais (1). É para esse
discernimento dos bons e dos maus espíritos que podemos utilizar
estas palavras de Jesus: “Reconhece-se a qualidade da árvore pelos
seus frutos. Uma boa árvore não pode produzir frutos maus e uma
árvore má não pode produzir bons frutos”.
Julgam-se os espíritos pela qualidade de suas obras, assim
como se conhece a árvore pela qualidade de seus frutos.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
OS FALSOS PROFETAS
8. Se lhe disserem: “O Cristo está aqui”, não o procure onde
lhe indicaram. Mas, ao invés disso, ponha-se em estado de alerta,
porque os falsos profetas são em grande quantidade.
Você não vê as folhas da figueira embranquecerem? Não vê
os brotos que surgem na época da florada? Não lhe disse o Cristo
que “reconhece-se a árvore pelos seus frutos”? Se os frutos não são
bons, você considerará a árvore como má. Se, porém, os frutos
forem bons e saudáveis, você dirá: “Nada de tão puro poderia sair
de um galho enfermo”.
É assim, meu irmão, que você deve examinar o que fazem os
espíritos. São as obras deles que devem ser examinadas. Se aquele
que se diz revestido de um poder, se faz acompanhado de todos os
sinais morais próprios de semelhantes missões, ou seja, se ele revela
no mais alto grau as eternas virtudes cristãs: a caridade, o amor, a
indulgência, a bondade que concilia todos os corações; se,
confirmando as suas palavras, ele junta os atos a que essas palavras
1. Ver, para a distinção dos espíritos, a 2ª parte, capítulo XXIV e seguintes de O Livro
dos Médiuns.
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conduzem, então você poderá dizer: “Este aqui é, realmente, um
enviado de Deus”.
Desconfie, porém, das palavras muito doces e suaves.
Desconfie daqueles escribas e fariseus que pregam virtudes que não
praticam, mas trazem a aparência falsa de praticá-las. Desconfie
daqueles que pretendem estar na posse exclusiva e única da verdade!
Não! Não! O Cristo não está entre esses, porque os que Ele
envia para propagar a sua santa doutrina, e ajudar a regeneração do
homem, serão, a exemplo do próprio Mestre, brandos e humildes
de coração, acima de todas as coisas. São esses os que devem, por
seus exemplos e por seus conselhos, salvar as criaturas humanas que
correm para a perdição e que levam uma vida ociosa nos caminhos
tortuosos da existência. Os que servem com Jesus são modestos e
humildes.
Diante de todo aquele que revela um grão que seja de orgulho,
fuja desse assim como quem foge de uma doença contagiosa, porque
ele torna enfermo tudo o que toca. Lembre-se de que cada criatura
traz sob a sua cabeça, mas sobretudo no que faz, o sinal de sua grandeza
ou de sua inferioridade espiritual.
Vá, pois, meu filho bem-amado, seguindo para a frente sem
vacilações e sem segundas intenções, no caminho bendito que você
tomou. Vá, vá sempre sem temor. Afaste corajosamente tudo o
que possa embaraçar a sua caminhada para o objetivo eterno. Você
está como um viajante que só por curto tempo está nas trevas e nas
dores das provações. Se você abrir o seu coração para essa suave
doutrina, que lhe vem revelar as leis eternas, você verá realizadas
todas as aspirações de sua alma diante do Infinito.
Desde já você poderá vivenciar essas paisagens celestiais vistas
nos seus sonhos e que, por serem passageiras, alegravam o seu
espírito, mas não moravam no seu coração! Agora, meu amado, a
morte desapareceu, dando lugar aos Espíritos de Luz, que você
conhece. Esse é o espírito da luz do novo encontro e da reunião
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com o Plano Espiritual Superior. Agora, você que bem cumpriu a
tarefa que o Senhor lhe concedeu, você nada mais tem a temer da
Justiça Divina. É que o Pai perdoa os filhos que se desgarraram e
que rogam por misericórdia. Que a sua divisa seja, portanto, a da
evolução, da evolução contínua de todas as coisas, até que você
chegue ao final feliz, em que o esperam todos aqueles que chegaram
antes de você aos Campos da Paz. (Luís, Bordéus, 1861.)
CARACTERÍSTICAS DO VERDADEIRO PROFETA
9. Desconfiem dos falsos profetas. Esta recordação é útil em
todos os tempos. É mais útil ainda nos momentos de transição de
valores em que, como no atual, se elabora uma transformação moral de todos os homens. É que, nestes momentos, uma multidão
de ambiciosos e intrigantes se levantam como se fossem
reformadores e messias. É contra esses impostores que devemos
estar prevenidos. E é um dever de todos os homens honestos
desmascará-los.
Vocês perguntarão, sem dúvida, como reconhecê-los.
Vou dar-lhes os sinais de identificação.
Só se confia a direção de uma grande empresa a um administrador hábil, capaz de dirigi-la. Vocês julgam que Deus seja menos
prudente que os homens? Estejam certos de que Ele só confia missões importantes aos que sabem que são capazes de realizá-las. É
que as grandes missões são pesados encargos que esmagariam o
homem necessitado de sabedoria para cumpri-las.
Como em todas as coisas, o mestre deve saber mais do que
os aprendizes. Para fazer os homens avançarem moral e intelectualmente
há necessidade de homens superiores em inteligência e em moralidade.
Por isso, para essas missões, são sempre escolhidos os Espíritos já
muito evoluídos, que fizeram as suas provas em outras existências,
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e que reencarnam com esse objetivo. Se esses Espíritos não fossem
superiores ao meio em que eles devem atuar, a sua atividade seria
nula.
Pelo exposto, vocês deverão concluir que o verdadeiro
missionário de Deus deve provar a sua missão pela sua superioridade
espiritual, pelas suas virtudes, pela sua grandeza de alma, pelo
resultado e influência moralizadora de sua obra. Tirem, também,
esta outra conseqüência: se ele estiver por seu caráter, por suas
virtudes, por sua inteligência abaixo do papel que se atribuiu, ou
do personagem sob o nome de quem ele se apresenta, ele não passa
de um farsante de má qualidade que não sabe nem ao menos imitar
o modelo divino que escolheu.
Outra consideração a fazer é que a maior parte dos verdadeiros
missionários de Deus ignoram-se a si mesmos como tais. Eles
realizam aquilo para o que foram chamados por força de sua
determinação, secundados pelo poder oculto que os inspira e os
dirige à sua revelia, sem que premeditem o que a missão lhes pede.
Em resumo, os verdadeiros missionários se revelam pelos seus atos e
são identificados pelas outras pessoas, enquanto que os falsos missionários
se apresentam a si mesmos como os enviados de Deus.
Os verdadeiros missionários são humildes e modestos. Os
falsos missionários são orgulhosos e cheios de si, falando com
arrogância e, como todos os mentirosos, parecem sempre temerosos
de não serem reconhecidos como missionários.
Já foram vistos desses impostores, alguns querendo passar
por apóstolos do Cristo e outros querendo passar pelo próprio Cristo.
E, para vergonha da raça humana, eles encontraram pessoas bastante
crédulas para se ajuntarem nas suas indignidades. Uma ponderação
bastante simples, no entanto, deveria abrir os olhos dos mais cegos
dos homens: se o Cristo voltasse a encarnar sobre a Terra, viria com
todo o seu poder e todas as suas virtudes, a menos que se admita, o
que seria um absurdo, que Ele houvesse regredido de suas conquistas.
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Ora, do mesmo modo que se vocês tirarem de Deus um só de seus
atributos vocês já não teriam mais Deus, se vocês tirarem uma só
das virtudes do Cristo, vocês não teriam o Cristo.
Esses que se apresentam por Cristo, têm todas as virtudes do
Senhor? Eis a questão! Observem-nos, examinem as suas idéias e os
seus atos, e vocês reconhecerão que, acima de tudo, lhes faltam as
qualidades que distinguem o Cristo: a humildade e a caridade,
enquanto que lhes sobram as que Jesus não tinha: a ambição e o
orgulho.
Notem, também, que neste momento existem, em diferentes
cidades do mundo, muitos pretensos apóstolos do Cristo como
também muitos pretensos Elias, João Batista ou Simão Pedro e
que, necessariamente, eles não podem ser todos verdadeiros. Tenham
por certo que essas são pessoas que exploram a credulidade dos
mais ingênuos e que querem viver às custas daqueles que lhes dão
ouvidos.
Desconfiem, portanto, dos falsos profetas e falsos missionários,
sobretudo nestes tempos de renovação moral. É que muitos desses
impostores se dirão enviados de Deus. Eles buscam uma vaidosa
satisfação na Terra mas a Justiça Divina os espera, podem estar certos.
(Erasto, Paris, 1862.)
OS FALSOS PROFETAS DA ESPIRITUALIDADE
10. Os falsos profetas não estão somente entre os encarnados.
Eles existem, e em maior número, entre os Espíritos orgulhosos
que, aparentando amor e caridade, semeiam a desunião e retardam
a obra de emancipação dos homens dos vícios morais. Para isso,
levam muitas pessoas a acreditar em princípios fantasiosos e
absurdos, através dos médiuns que lhes dão guarida. E para melhor
fascinar os que eles desejam enganar, para dar maior importância às
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suas teorias, eles se disfarçam sob nomes exóticos ou que os homens
só pronunciam com muito respeito.
São eles que semeiam os fermentos das discórdias entre
agrupamentos Espíritas. São eles que sugerem que esses agrupamentos
se isolem uns dos outros e que conflitem entre si e se olhem como
concorrentes de uma missão que não existe. Bastaria isso que fazem,
de fermentar a desunião, para os desmascarar. É que, agindo assim,
eles mesmos dão o mais completo desmentido do que dizem ser.
Cegos, portanto, são os homens que se deixam prender em tão
grosseiro embuste.
Mas há, ainda, muitos outros meios de os reconhecer como
falsos profetas. Os Espíritos da ordem a que eles dizem pertencer,
devem ser não somente bons, mas, também, muito racionais. Pois
bem! Pensem no que eles dizem, os princípios que pregam, pela
peneira da razão e do bom senso e vocês verão o que restará de joio.
Admitam, então, comigo, que todas as vezes que um Espírito
recomenda como remédio para os males morais dos homens, ou
como meio de alcançar a sua transformação moral, coisas fantasiosas,
que não sejam meios para alcançar esse objetivo, e coisas pueris e
ridículas, ou quando formula um sistema de princípios contraditório
com as mais rudimentares noções da Ciência, esse não pode ser
mais que um Espírito ignorante e mentiroso.
Por outro lado, lembrem-se bem de que se a verdade não é
entendida por uma pessoa, ela será sempre entendida pelo bom
senso da maioria dos Espíritas. Este entendimento se constitui,
também, em mais um meio de examinar a verdade. Se dois
princípios se contradizem, vocês terão a medida do valor de cada
um desses princípios, verificando qual dos dois encontra mais
simpatia entre os Espíritas de bom senso doutrinário. Seria falta de
lógica, realmente, admitir que princípios que vêm diminuir o número
de seus participantes sejam mais verdadeiros do que aqueles princípios
que vêm aumentar o número de seus adeptos.
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Deus, querendo que a verdade espiritual alcance a todos, não
iria limitá-la a um círculo restrito. Ele a faz surgir em diferentes
pontos, a fim de que, por toda a parte, a luz dos conhecimentos
divinos esteja ao lado das trevas da mentira.
Repilam, sem piedade, todos esses Espíritos que se apresentam
como conselheiros exclusivos, sugerindo a divisão e o isolamento.
Esses são, quase sempre, Espíritos vaidosos e medíocres, que tentam
insinuar-se e impor-se a homens fracos de conhecimentos e de
vontade e, também, muito crédulos. Ao derramarem-lhes exagerados
elogios, querem fasciná-los e terem-nos sob o seu domínio.
Esses são, geralmente, Espíritos desejosos de poder que, tendo
sido tiranos do povo ou da família, quando encarnados, ainda
querem vítimas para tiranizar após a sua desencarnação. De um
modo geral, portanto, desconfiem das comunicações mediúnicas que
trazem uma característica de misticismo e de coisas extravagantes ou
que prescrevem cerimônias e práticas estranhas aos princípios do
cristianismo.
Há, nesses casos, motivo legítimo de suspeitas.
Lembrem-se de que quando uma verdade deve ser revelada
aos homens, ela será transmitida, ao mesmo tempo, em todos os
grupos sérios que contem com médiuns igualmente sérios. Ela não
será comunicada apenas a este ou àquele agrupamento, com exclusão
dos outros. Nenhum médium é perfeito se estiver obsidiado. E há
obsessão clara quando um médium é apto somente para receber
mensagens de um determinado Espírito, por mais importante que
esse Espírito queira se fazer.
Por conseqüência, todo médium e todo agrupamento Espírita
que se julguem privilegiados pelas comunicações que somente eles
podem receber e que, por outro lado, se sujeitam a práticas que
inclinam para as superstições e soluções mágicas – esses todos estão,
sem dúvida aprisionados a uma obsessão muito bem evidenciada.
E, mais ainda, a obsessão se evidência quando o Espírito que domina
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o médium ou o grupo se pavoneia com um nome que todos,
encarnados e desencarnados, devemos honrar e respeitar e não
permitir que seja pronunciado sem um propósito nobre.
É incontestável que, passando pela peneira da razão e da lógica,
todos os conselhos e todas as mensagens dos Espíritos, será fácil
rejeitar o absurdo e o erro.
Um médium pode ser fascinado, um grupo pode ser
enganado. Mas o exame rigoroso de outros grupos, o conhecimento
Espírita já adquirido, a alta autoridade moral dos dirigentes ativos
dos agrupamentos Espíritas, as comunicações que os principais
médiuns de todos os lugares recebam, com sinais de lógica e da
autenticidade dos melhores Espíritos, desmascararão essas mensagens
mentirosas e astuciosas, emanadas de uma turba de Espíritos
mistificadores e maldosos. (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso,
Paris, 1862. )
(Ver, nesta mesma obra, na Introdução, o item II, sob o título
“Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos” .Veja, também,
O Livro dos Médiuns, o capítulo XXIII, sob o título “Da obsessão”.)
JEREMIAS E OS FALSOS PROFETAS
11. Assim diz o Senhor Todo-Poderoso: Não ouçais os palavras
dos profetas que vos profetizam! Eles vos enganam, anunciando visões
que provêm de seu coração e não da boca do Senhor. Ousam dizer aos
que desprezam a palavra do Senhor: “A paz está convosco!” e a todos
que seguem com obstinação de seu coração: “Não vos acontecerá
nenhuma desgraça” . – Quem esteve presente no conselho do Senhor
para ver e ouvir a sua palavra? Quem prestou atenção à sua palavra e
a ouviu? Eu não enviei os profetas, e eles correram! Eu não lhes falei,
e eles profetizaram! – Ouvi o que dizem os profetas que profetizam
mentiras em meu nome, dizendo: “Tive um sonho! Tive um sonho.”
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Até quando haverá entre os profetas os que profetizam mentiras e os
que profetizam os enganos de seu coração? – E quando este povo, ou
um profeta ou sacerdote, te perguntar: “Qual é o fardo do Senhor?” tu
lhes dirás: “Vós sois o fardo e eu vos rejeitarei”. (Jeremias, capítulo 23,
versículos 16 a 18; 21; 25 e 26 e 33, no Antigo Testamento.)
É sobre essa passagem do profeta Jeremias que eu vou lhes
centralizar a atenção, meus amigos. Deus, falando pela boca do
profeta, disse: “É a visão do coração deles que os faz falar”. Essas
palavras indicam claramente que, desde aquela época até esta, os
charlatães e os vaidosos abusavam do dom das profecias e exploravam
esse dom em seu proveito próprio.
Eles abusavam, por conseqüência, da fé simples e quase cega
do povo, predizendo, por dinheiro, as coisas boas e agradáveis a
seus consulentes. Esta forma de fraude era bastante comum na nação
judaica. É fácil compreender que o pobre povo, na sua ignorância,
não tinha nenhum meio de distinguir os bons dos maus profetas. E
era sempre mais ou menos enganado pelos impostores ou fanáticos
que se diziam profetas.
Nada mais significativo que estas palavras: “Eu não enviei
esses profetas e eles se fizeram por si mesmos. Eu não lhes falava e
eles profetizavam!”. Mais adiante encontramos: “Eu ouvi esses
profetas profetizarem a mentira em meu nome, dizendo: ‘Sonhei,
sonhei!’. Jeremias indicava, assim, os meios empregados para explorar
a confiança do povo.
A multidão, sempre crédula, não pensava em lhes contestar a
veracidade de seus sonhos ou de suas visões. Ela achava tudo muito
natural e convidava sempre os profetas a falar.
Após as palavras do profeta Jeremias, escutem os sábios conselhos do Apóstolo João, quando diz: “Não acrediteis em todos os
espíritos, mas experimentai se os espíritos são de Deus”. É que,
entre os desencarnados, há também os que gostam de enganar,
quando deparam com ocasião favorável para isso.
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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
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Os enganados são, bem entendido, os médiuns que não se
cuidam doutrinária e moralmente o bastante para não serem presas
desses espíritos. Aí se encontra, sem contradição, uma das grandes
dificuldades contra as quais muitos médiuns vêm esbarrar, sobretudo quando são novatos no Espiritismo. Esta é, para esses novatos,
uma prova de que não podem triunfar, a não ser quando tenham
muita prudência.
Aprendam, pois, antes de tudo, a distinguir os bons Espíritos
daqueles que são falsos e mentirosos, para não virem vocês mesmos
a se tornarem outros falsos profetas. (Luís, Espírito Protetor,
Carlsruhe, 1861.)
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CAPÍTULO XXI
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INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO
1. E chegaram-se a Jesus os fariseus, tentando-o e dizendo: É
lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? – Ele,
porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que criou
o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea? Portanto, deixará o
homem pai e mãe, e se unirá com a sua mulher, e serão dois numa só
carne? Assim já não são dois, mas uma só carne. Por isso o que Deus
juntou não o separe o homem. – Disseram-lhe eles: Então, por que
Moisés mandou dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la? – Disse-lhes
ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu
repudiar vossas mulheres, mas no princípio não foi assim. Eu vos digo,
porém, que qualquer um que repudiar sua mulher, se não for por
causa de adultério, e casar com outra, comete adultério, e o que se
casar com a que o outro repudiou, comete adultério. (Mateus, capítulo
19, versículos 3 a 9.)
2. Nada é imutável, a não ser o que vem de Deus. Por
conseqüência, tudo o que seja obra dos homens está sujeito a
mudanças. As leis da Natureza são as mesmas em todos os tempos
e em todos os lugares. As leis humanas, porém, sofrem modificações
segundo a época e em cada lugar em que são elaboradas e aplicadas,
e segundo a evolução da compreensão dos homens.
No casamento, o que é de ordenação divina, é a união dos
sexos para que se realize, através da reencarnação, a renovação dos
seres que morreram. Mas, as condições que regulam essa união são
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de ordem exclusivamente humana. Não há no mundo inteiro, nem
mesmo na cristandade, dois países onde as leis humanas sejam
totalmente as mesmas. E em nenhum desses países há um só em
que essas leis não tenham sofrido mudanças com o tempo.
Daí resulta que, diante da lei civil que regula o casamento, o
que é legítimo num país e em certa época, é adultério num outro
país e noutro tempo. Isso ocorre porque a lei civil tem por objetivo
regular os interesses das famílias. E esses interesses sofrem mudanças
segundo os costumes e as necessidades locais. É assim, por exemplo,
que em alguns países o casamento religioso é o único legítimo,
enquanto em outros países bastará o casamento civil para legitimar
a união do casal.
3. A união dos sexos é uma lei divina material, comum a
todos os seres vivos. Mas, há uma outra lei divina, imutável como
todas as leis de Deus, e exclusivamente moral: a lei do amor. Deus
quer que os seres se unam não somente pelos laços da carne, mas
também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos
envolva os filhos do casal, para que sejam dois, e não apenas um,
para amar os filhos, cuidar deles, e fazê-los evoluir espiritualmente.
Nas condições comuns do casamento, é tida em conta a
importância da lei do amor? De modo algum! Não se examina,
antes de decidir-se pelo casamento, a afeição dos dois seres que, por
sentimentos mútuos se atraem entre si. Na maioria das vezes essa
afeição é ignorada. O que se procura não é a satisfação do coração,
mas a do orgulho, da vaidade, da cobiça – numa palavra, o que se
procura é a realização de todos os interesses materiais.
Nessas uniões, quando tudo corre bem, segundo os interesses
materiais, diz-se que o casamento é feliz. E quando os bens materiais
são suficientes para que o casal realize os seus caprichos, diz-se que
os esposos são ajustados e que devem ser bem felizes!
Mas, nem a lei civil, nem os compromissos que por essa lei
são contratados, podem substituir a lei do amor, se esta não for a lei
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que oriente essa união de seres. Na falta da lei do amor, o que
resulta do casamento, freqüentemente, é que aqueles que se uniram
por força de interesses, por si mesmos se separam. O juramento
pronunciado no ato do matrimônio se torna um juramento falso,
se foi tomado como uma fórmula banal.
Dessa atitude é que nascem as uniões infelizes, que findam
por tornarem-se culposas por resultarem da imprudência. Dupla
infelicidade que se evitaria se, entre as condições para o casamento,
não se esquecesse de incluir a única condição que consagra a união
dos esposos aos olhos de Deus: a lei do amor.
Quando Deus disse: “Não sereis mais que uma só carne” e
quando Jesus falou: “Não separeis o que Deus uniu”, essas palavras
devem ser compreendidas com referência à união consagrada
segundo a lei imutável de Deus, a lei do amor, e não segundo a lei
inconstante dos homens.
4. A lei civil, que rege o casamento, seria tão superficial que
deveríamos voltar aos casamentos segundo a Natureza? Não,
certamente! A lei civil tem por objetivo regular as relações sociais e
os interesses das famílias, de acordo com as exigências da civilização.
Por isso ela é útil, necessária e variável segundo as épocas e países.
Essa lei deve conter a sabedoria da época e dos costumes, para que o
homem civilizado não viva como o selvagem. Mas nada,
absolutamente nada se opõe a que ela seja uma conseqüência da lei
de Deus.
Os obstáculos ao cumprimento da lei divina se originam dos
preconceitos e não da lei civil. Esses preconceitos, embora ainda
muito vivos nos casamentos por interesse, já se dissolveram em
pessoas mais. esclarecidas. Eles desaparecerão com a evolução moral
dos homens, abrindo, finalmente, os olhos das criaturas para os
males incontáveis, para os erros, para os próprios crimes que resultam
dessas uniões contraídas com a atenção voltada apenas para os
interesses materiais.
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Um dia o homem se perguntará se é mais humano, mais
caridoso, mais moral que se anulem mutuamente os seres que não
podem viver juntos ou se é mais justo restituir-lhes a liberdade. O
homem se indagará, também, se a expectativa de um casamento
que não pode ser dissolvido, não é o que aumenta o número de
uniões irregulares.
O DIVÓRCIO
5. O divórcio é uma lei humana que tem por finalidade separar
legalmente o que já estava separado de fato. Se já houver a separação
de fato o divórcio não é contrário à lei de Deus. É que, neste caso,
ele apenas confirma o que as criaturas já fizeram. Ele só é aplicável
nos casos em que a divina lei do amor não foi observada.
Se o divórcio fosse contrário à lei do amor, a própria Igreja
seria obrigada a considerar que teriam faltado com os seus deveres
morais alguns de seus chefes que, por autoridade própria e em nome
de sua religião, têm, em muitas ocasiões, aplicado a lei do divórcio.
Essa falta de dever moral é dupla, aliás, porque nesses casos o divórcio
tem em vista apenas atender aos interesses materiais dos divorciados,
sem cogitar de cumprir a lei do amor.
Mas, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade
absoluta do casamento. Não disse ele: “Foi por causa da dureza de
vossos corações que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres”?
Isso significa que, desde os tempos de Moisés, não sendo o amor
mútuo a base única do casamento, a separação dos cônjuges poderia
fazer-se necessária. Jesus, porém, acrescenta: “No princípio não foi
assim”, ou seja, na origem da humanidade, quando os homens não
estavam ainda pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho, e viviam
segundo a lei de Deus, as uniões nasciam da simpatia e não da vaidade
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ou da ambição e, por isso, não davam causa ao repúdio entre os
casais.
Jesus vai ainda mais longe, estabelecendo o único caso em
que o repúdio pode ser dado: o adultério. Ora, o adultério não
existe onde reina uma afeição recíproca e sincera. Ele proíbe, é
verdade, a todo homem desposar uma mulher repudiada. Mas é
necessário considerar os costumes e o caráter dos homens daquela
época. A lei mosaica, no caso de adultério, determinava matar-se a
mulher a pedradas! Querendo abolir esse costume bárbaro, Jesus
necessitava estabelecer uma outra penalidade e essa penalidade estava
na desonra conseqüente da proibição de um segundo casamento.
Esta era, certamente, uma lei igualmente civil, substituindo a outra
lei civil que prescrevia a lapidação. Mas, assim como todas as leis
civis, esta deveria submeter-se à prova do tempo e dos costumes.
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QUEM NÃO ODEIA SEU PAI E SUA MÃE
1. Ia com Jesus uma grande multidão e, voltando-se, disse-lhe:
Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e mãe e mulher e filhos e
irmãos e irmãs, também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.
E qualquer que não leva a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser
meu discípulo. Assim, pois, qualquer de vós que não renuncia a tudo
quanto tem, não pode ser meu discípulo. (Lucas, capítulo 14, versículos
25 a 27 e 33).
2. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno
de mim. E quem ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é
digno de mim. (Mateus. capítulo 10, versículo 37.)
3. Certas palavras, aliás muito raras, formam um contraste
tão estranho com o modo de ser do Cristo que, instintivamente,
repelimos o sentido que elas apresentam em suas letras. E, com
isso, a sublimidade da doutrina do Cristo não sofre qualquer
desfiguração.
O que Jesus disse foi escrito após a sua crucificação. Nenhum
Evangelho foi escrito enquanto Ele vivia entre os homens. Podemos,
assim, supor que, em alguns casos como os versículos transcritos do
Evangelho de Lucas, acima, o verdadeiro pensamento de Jesus não
foi bem reproduzido. Ou, talvez, o que não é menos provável, o
sentido original de seu pensamento sofreu alteração, quando foi
traduzido de uma língua para outra. Nas traduções, basta que um
erro seja cometido uma primeira vez, para que os copistas venham
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CAPÍTULO XXIII
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a reproduzi-lo nas cópias seguintes, como se vê freqüentemente
nos fatos históricos.
O termo odiar, nesta frase de Lucas: “Se alguém quer vir a
mim e não odeia a seu pai e a sua mãe...”, está num desses casos de
má tradução. Ninguém teria a idéia de atribuí-lo a Jesus. Será, então,
supérfluo discuti-lo e mesmo ainda querer justificá-lo. Seria
necessário, primeiro, saber se Ele pronunciou o termo odiar e, no
caso afirmativo, saber se, na língua em que Jesus se exprimia, não
teria esse termo um outro significado, diferente do que tem na
nossa língua.
Anote nesta passagem de João, o Evangelista: “Aquele que
odeia a sua vida, neste mundo, a conserva para a vida eterna”, onde
é evidente que a palavra odeia não significa ter raiva, rancor por
alguém, que é o sentido que atribuímos ao termo odiar.
A língua hebraica não era rica. Algumas de suas palavras
tinham vários sentidos diferentes entre si. É o que ocorre, por
exemplo com aquelas palavras que no livro Gênese (1), designavam
as fases da criação divina e que serviam, ao mesmo tempo, para
exprimir um período qualquer de tempo e qualquer período do
dia. Disso resultou, mais tarde, a sua tradução pela palavra dia e a
crença de que o mundo fora feito em seis dias de vinte e quatro
horas cada um. É isso também que ocorre com a palavra com que
se nomeava um camelo e um cabo, porque os cabos eram feitos de
pêlos de camelo, e que foi traduzido por camelo, na alegoria do
fundo da agulha e do rico. (Veja o capítulo XVI, item 2, nessa obra,
onde essa parábola está reproduzida.)
É necessário, ainda, considerar os costumes e as características
dos povos que influenciam, em alto grau, as peculiaridades de sua
linguagem. Sem esse conhecimento o sentido real de certas palavras
foge do entendimento. De uma língua para outra, o mesmo termo
1. N.T.— Primeiro livro da Bíblia, que se ocupa das origens da Terra.
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tem um sentido menos enérgico ou mais enérgico. Aquela palavra
que numa região ou povo pode ser uma ofensa ou uma blasfêmia,
pode não ser nem ofensa e nem blasfêmia numa outra região ou
num outro povo, conforme a idéia que essa palavra exprima. Numa
mesma língua, certos termos perdem a sua significação com o passar
dos séculos. É por isso que uma tradução rigorosamente literal, ou
seja, feita palavra por palavra, nem sempre exprime corretamente a
idéia inicial. E é por isso que, para a tradução ser fiel, faz-se necessário
empregar não as palavras contidas no texto, mas outras que
reproduzam o pensamento, acrescidas, algumas vezes, de outras
palavras explicativas ou complementares.
Estas observações têm uma especial aplicação na interpretação
da Bíblia e mais particularmente, na interpretação dos Evangelhos.
Se não se considerarem os costumes e as características dominantes
no meio em que Jesus vivia, ficaremos sujeitos aos enganos da
significação de algumas expressões e de alguns fatos, pelo hábito
que temos de transferir para os outros aquilo que somos. Diante
disso, é necessário que despojemos do termo odiar, a sua significação
comum entre nós, correspondente a ter rancor, desprezo, desejo de
vingança, porque isso é contrário ao sentido do ensinamento de
Jesus. (Veja, também o capítulo XIV, item 5 e seguintes, desta mesma
obra.)
ABANDONAR PAI, MÃE E FILHOS
4. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos ou irmãs ou
pai ou mãe ou mulher ou filhos ou terras, por amor de meu nome,
receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna. (Mateus, capítulo
19, versículo 29.)
5. E disse Pedro: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. – E
Jesus lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha
deixado casa, ou pais ou irmãos ou mulher ou filhos, pelo reino de
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Deus, que não haja de receber muito mais neste mundo e no futuro a
vida eterna. (Lucas, capítulo 18, versículos 28 a 30.)
6. Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me
despedir primeiro dos que estão em minha casa. – E Jesus lhe disse:
Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é digno do reino
de Deus. (Lucas, capítulo 9, versículos 61 e 62.)
Sem discutir a significação das palavras, é necessário que, nestas
passagens evangélicas, busquemos compreender o sentido desse
pensamento de Jesus, que era evidentemente o seguinte: “Os
interesses da vida futura têm uma importância maior do que todos
os interesses e toda a importância atribuída às coisas humanas”,
porque isso é o que está de acordo com a essência da doutrina de
Jesus. A idéia do abandono da família seria a negação de sua doutrina
de amor.
Não temos, aliás, sob os nossos olhos, a aplicação desses
princípios, no sacrifício dos interesses materiais e das afeições
familiares, naqueles que se entregam a uma causa nobre? Condenase o filho por abandona seu pai, sua mãe e seus irmãos, sua mulher
e seus próprios filhos, para entregar-se a pesquisas científicas
perigosas, mas que resultam na saúde de muitos enfermos? Não lhe
reconhecemos, ao contrário, o mérito de deixar as doçuras do lar e
o valor das amizades, para realizar uma missão assim tão arriscada?
Há deveres que superam a outros deveres.
Não impõe a lei a obrigação de uma filha deixar os seus pais,
para seguir com o seu marido a vida conjugal?
O nosso mundo está repleto de casos em que as separações
mais dolorosas são necessárias. Mas as afeições não se interrompem
por isso. O afastamento não diminui nem o respeito e nem as
atenções devidas aos pais, nem a ternura dos pais para com esses
filhos que se afastam. Vê-se, portanto, que mesmo aprisionado ao
sentido das palavras de Jesus, com exceção do termo odiar, esses
ensinamentos não são a negação do mandamento que determina
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ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem são a negação da
ternura dos pais. E, com mais fortes razões, não são negação desse
mandamento, se as examinarmos no seu sentido espiritual.
Estas expressões do Cristo tinham por finalidade demonstrar,
por meio de uma figura que exagerasse a verdade das coisas, como
era importante o dever de ocupar-se da vida espiritual futura. Elas
deveriam, aliás, ser menos chocantes do que são hoje. É que foram
ditas a um povo e numa época em que, por força dos costumes, os
laços de família eram menos fortes que os existentes numa civilização
mais avançada moralmente. Esses laços de família, mais fracos nos
povos primitivos, tornam-se mais acentuados com o
desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral.
A própria separação da família é necessária para o progresso.
E isso tanto para o progresso das famílias como das raças. As
famílias e as raças degeneram se elas não se misturarem entre si. Esta
é uma lei da Natureza, de interesse da evolução moral e do
aprimoramento físico do homem.
Esses fatos não são, aqui, encarados apenas do ponto de vista
terreno. O Espiritismo nos faz vê-los de um plano mais alto. Mostranos que os verdadeiros laços de afeição são os do Espírito e não os
do corpo físico. Esses laços não se rompem nem pela separação,
nem mesmo pela morte do corpo. Eles se tornam mais fortes na
vida espiritual, pela depuração do próprio Espírito.
Essa é uma verdade consoladora que nos dá uma grande força
para suportar as contrariedades da vida. (Veja o capítulo IV, item
18 e o capítulo XIV item, 8, nesta mesma obra.)
DEIXAI AOS MORTOS O CUIDADO
DE ENTERRAR SEUS MORTOS
7. E disse a outro: Segue-me. – Mas o outro respondeu a Jesus:
Senhor, deixa primeiro que eu vá enterrar o meu pai. – Mas Jesus
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observou: Deixa aos mortos os cuidados de enterrar os seus mortos.
Porém, vai e anuncia o reino de Deus. (Lucas, capítulo 9, versículos
59 e 60.)
8. O que podem significar estas palavras: “Deixai aos mortos
o cuidado de enterrar os seus mortos”? O que já estudamos, neste
capítulo, mostra que, antes de tudo, nas circunstâncias em que foram
pronunciadas estas palavras por Jesus, elas não continham uma
censura contra aquele que considerava como um dever de piedade
filial, ir sepultar o seu pai. Elas encerram, no entanto, um sentido
profundo que só o conhecimento mais completo da vida espiritual
pode tornar compreensível.
A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida. Essa é a vida
normal do Espírito. A existência terrena é transitória e passageira.
Essa existência é uma espécie de morte do espírito, se comparada
com o esplendor e com a atividade da vida espiritual. O corpo é
uma vestimenta grosseira de que se reveste temporariamente o
Espírito, uma verdadeira prisão que o imanta ao mundo terreno.
Desta prisão o Espírito se sente feliz em libertar-se.
O respeito que temos pelos corpos mortos não é inspirado
pela matéria. É inspirado pela lembrança do Espírito que se ausenta
daquele corpo. É um respeito igual ao que temos pelos objetos que
pertenceram ao desencarnado, nos que ele tocou, e que as pessoas
que lhe eram afeiçoadas guardam como lembranças.
Essa situação é a que aquele homem, o que queria sepultar o
corpo do pai, da passagem evangélica acima, não podia compreender
por si mesmo. E, para que pudesse compreendê-la, Jesus lhe ensina,
dizendo-lhe: “Não vos inquieteis com o corpo mas pensai, antes,
no Espírito. Ide, pois, ensinar o reino de Deus. Ide dizer aos homens
que a pátria deles não está sobre a Terra mas no céu, porque somente
lá está a verdadeira vida”.
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NÃO VIM TRAZER A PAZ
9. Não cuideis que vim trazer a paz à Terra. Não vim trazer a
paz, mas a espada, porque vim trazer a divisão do homem contra seu
pai, e da filha contra a sua mãe, da nora contra sua sogra. E assim os
inimigos do homem serão os seus familiares. (Mateus, capítulo 10,
versículos 34 a 36.)
10. Vim lançar fogo na Terra e o que mais quero, se já está
aceso? Importa, porém, que seja batizado por um certo batismo, e como
me angustio que venha a cumprir-se! Cuidais vós que vim trazer paz
à Terra? Não, vos digo, mas antes dissensão, porque daqui em diante
estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três.
O pai estará dividido contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe
contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora e a nora
contra sua sogra. (Lucas, capítulo 12, versículos 49 a 53.)
11. Será que foi Jesus, a pessoa que representou a doçura e a
bondade, que exemplificou e pregou o amor ao próximo, quem
terá dito: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada; eu vim separar os
filhos do pai, o esposo da esposa; eu vim lançar o fogo sobre a
Tema e tenho pressa que ele se acenda”?
Essas palavras não contradizem os seus ensinamentos?
Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um
conquistador sanguinário e devastador?
Não! Essas palavras não são uma blasfêmia e nem estão em
contradição com os seus ensinamentos, porque foi Ele mesmo quem
as pronunciou. Elas, ao contrário, dão um testemunho de sua alta
sabedoria. Convém notar, no entanto, que somente a forma em
que essas palavras foram colocada contém um engano. E, por isso,
não exprimem corretamente o seu pensamento. E esse fato é que
provocou alguns enganos sobre o seu verdadeiro sentido. Se tomadas
ao pé da letra, tenderiam a transformar a missão de Jesus, toda
pacificadora, em uma tarefa de perturbações e discórdias. E esta
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seria uma conseqüência absurda que o bom senso nos faz afastar,
porque Jesus não poderia se desmentir. (Veja o capítulo XIV, item
6, nesta mesma obra.)
12. Toda idéia nova encontra forçosamente oposição. Não
houve uma só que não se estabelecesse sem lutas. A resistência
oferecida à idéia nova, em todos os casos, é sempre proporcional à
importância dos efeitos conseqüentes dela. Quanto maiores forem
os seus efeitos, tantos mais interesses serão abalados. Se a idéia nova
é notoriamente falsa, se for julgada como sem efeitos, ninguém se
atemoriza com ela e a deixam passar. É que ficam certos de sua falta
de vitalidade. Mas se ela é verdadeira, se ela está assentada em bases
sólidas, se for possível entrever o seu futuro entre os homens, um
secreto pressentimento adverte seus antagonistas de que ela é um
perigo para eles e para a ordem de coisas por cuja manutenção eles
se interessam. Eis porque eles se atiram contra a idéia e contra os
seus adeptos, visando a defesa de seus interesses pessoais.
A medida da importância e dos efeitos de uma idéia nova se
encontra, portanto, na emoção que ela causa no seu aparecimento,
na violência da oposição que ela provoca e no grau e na persistência
da cólera de seus adversários.
13. Jesus vinha anunciar uma doutrina que solapava, na base,
os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes de
seu tempo. Por isso, estes O fizeram morrer, julgando matar aquelas
idéias com a morte de quem as propagava. Mas as idéias de Jesus
sobreviveram, porque elas são verdadeiras. Elas se engrandeceram
com a Cruz, porque elas estão nos desígnios de Deus. E essas idéias,
anunciadas a partir de uma apagada cidadezinha da Judéia, foram
plantar a sua bandeira na própria Roma dos césares, a capital do
mundo pagão. Colocaram-se entre os seus inimigos mais ferozes,
aqueles que tinham o maior interesse em combatê-las. É que essas
idéias de Jesus rejeitavam as crenças seculares a que os pagãos se
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apegavam muito mais por interesses materiais do que por convicção
religiosa.
As lutas mais terríveis esperavam, na capital do paganismo,
os Apóstolos de Jesus. As vítimas foram numerosas, mas a idéia
grandiosa cresceu sempre e saiu triunfante, porque ela superava,
como verdade, todas as idéias do paganismo.
14. É de notar-se que o cristianismo surgiu quando o
paganismo já entrara em decadência e se debatia contra as luzes da
razão. O paganismo era praticado por tradição, mas a crença nele
desaparecera. Somente o interesse pessoal o sustentava. Ora, o
interesse segura com firmeza as suas coisas e não cede jamais nem
diante dos fatos. O interesse irrita-se tanto mais, quanto mais
razoáveis são as idéias que se lhe opõem e que melhor demonstram
os seus erros. Ele sabe muito bem que está errado, mas isso pouco
lhe importa, porque a verdadeira fé não está em sua alma. O que o
interesse mais teme é a luz que abre os olhos dos cegos e dos
incrédulos. A falta de conhecimento lhe é proveitosa e, por isso, ele
se aferra à ignorância e a patrocina.
Sócrates, o filósofo grego, não ensinava também uma doutrina
quase igual, até certo ponto, à doutrina do Cristo? Por que, então,
a sua doutrina não se implantou naquela época, no meio de um
dos povos mais inteligentes da Terra? É porque o tempo não era
chegado para isso. Sócrates semeou aquela doutrina num campo
não preparado para receber aquela sementeira. O paganismo não
estava ainda bastante desgastado.
O Cristo desempenhou a sua missão no tempo certo. Nem
todos os homens estavam, no seu tempo, à altura de recolher as
idéias cristãs. Mas havia entre eles um clima espiritual mais geral
que os favorecia para assimilar essas idéias, porque eles já começavam
a sentir o vazio que as crenças tradicionais deixavam na alma.
Sócrates e Platão abriram o caminho e criaram essa predisposição
nos espíritos cansados das religiões moldadas pelos homens. (Ver em
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“Introdução” , o parágrafo IV, intitulado “Sócrates e Platão, precursores da
idéia cristã e do Espiritismo”, nesta mesma obra.)
15. Infelizmente os adeptos da nova doutrina do Cristo não
se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre Jesus,
as quais estavam, na maioria das vezes, veladas por alegorias e
deturpações de linguagem. Daí surgiram, desde o princípio de suas
interpretações, as numerosas seitas cristãs que pretendiam, cada uma
delas, ser a dona exclusiva da verdade e, desde então e até agora, não
se puseram de acordo com o Evangelho.
Esqueceram o mais importante dos divinos preceitos, aquele
que Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício moral e a
condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor
ao próximo. E, por isso, essa seitas se condenaram umas às outras,
e se atiraram umas sobre as outras, com as mais fortes esmagando
as mais fracas, afogando-as em sangue, em torturas e nas chamas
das fogueiras.
Os cristãos, vencedores do paganismo, de perseguidos
passaram a perseguidores. Foi com ferro e fogo que passaram a
impor a Cruz do Cordeiro Divino sem mácula, nos dois mundos.
É um fato indiscutível que as guerras de religião sempre foram as
mais cruéis e as que fizeram mais vítimas que as guerras políticas e
que em nenhuma outra foram praticados tantos atos de atrocidade
e de terror!
Cabe culpa à doutrina do Cristo?
Não! Certamente não lhe cabe a culpa, porque Ele condena
formalmente toda violência. Disse Jesus, alguma vez, a seus discípulos:
“Ide, matai, massacrai, queimai todos aqueles que não creiam como
vós”? – Não, não disse isso, pois lhes disse o contrário: “Todos os
homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai
o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem para todos
aqueles que vos perseguem”. E lhes disse ainda: “Quem matar com
a espada, pela espada perecerá”.
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A responsabilidade pelas guerras religiosas e pelas perseguições
infamantes movidas por algumas seitas cristãs não pode ser atribuída
à doutrina de Jesus. Os culpados, porém, são aqueles que falsamente
interpretaram a doutrina cristã, dela fazendo um instrumento para
servir as suas paixões pessoais. Esses são os que fizeram por
desconhecer estas palavras de Jesus: “O meu reino não é deste
mundo”.
Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que deveria
acontecer. Mas essas coisas eram inevitáveis, porque nasciam da
inferioridade dos homens, que não poderiam transformar-se
moralmente num repente. Era necessário que o cristianismo passasse
por essa prova longa e cruel de dezoito séculos, para mostrar toda a
força de sua verdade. É que, apesar de todo o mal praticado em seu
nome, o cristianismo saiu puro. O cristianismo, em si, jamais esteve
nessas questões das seitas e dos homens. As acusações do mal sempre
caíram sobre aqueles que do cristianismo abusaram. A cada ato de
intolerância, sempre se disse: “Se o cristianismo fosse melhor
compreendido e mais praticado, isso não teria acontecido”.
16. Quando Jesus disse: – Não creiais que eu tenha vindo
trazer a paz, mas a divisão” – o seu pensamento era o seguinte:
“Não pensem que a minha doutrina se estabeleça de modo
pacifico. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome será a
desculpa para desencadeá-las. É que os homens não me terão
compreendido ou não terão querido me compreender.
“Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada uns
contra os outros, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma
família, que não partilhem da mesma crença. Eu vim lançar o fogo
sobre a Terra, para fazê-la consumir os erros e os preconceitos, do mesmo
modo que se põe fogo num campo para queimar as ervas daninhas. E
tenho pressa para que o fogo se acenda, para que a depuração seja mais
rápida. Desse conflito a verdade sairá triunfante.
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“À guerra sucederá a paz. Aos ódios dos partidos religiosos sucederá
a fraternidade universal. Às trevas do fanatismo sucederá a luz da fé
esclarecida.
“Então, quando o campo dos corações humanos estiver preparado
para a verdade, eu lhes enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade,
que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que os fará conhecer o
verdadeiro sentido de minhas palavras.
“Os homens, passando a ser mais esclarecidos, poderão
compreendê-las e, com isso, colocarão um final na luta em que irmãos
matam seus próprios irmãos, por estarem divididos esses irmãos como
se fossem inimigos, quando são filhos do mesmo Deus.
“Cansados, enfim, de um combate sem solução, que só resulta
em desolação e perturbação no seio das famílias, os homens reconhecerão
onde se encontram os seus verdadeiros interesses, no que se refere a este
mundo e ao mundo espiritual. Eles verão de que lado estão os amigos
e os inimigos de sua tranqüilidade. Todos, então, virão abrigar-se sob a
mesma bandeira: a da caridade. E as coisas serão restabelecidas sobre
a Terra, segundo a verdade e os princípios que eu, aí, lhes ensinei”.
17. O Espiritismo vem realizar, no tempo predito, as
promessas do Cristo. No entanto, não pode realizá-las sem destruir
os abusos. Do mesmo modo que ocorreu com Jesus, o Espiritismo
enfrenta o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cobiça, o fanatismo
religioso cego que, cercados em seus últimos refúgios, tentam barrarlhe o caminho e levantam contra ele os entraves e perseguições. Por
isso ele também tem de lutar.
A época, porém, das lutas e perseguições sanguinolentas já
passou. As lutas que o Espiritismo tem de suportar são de ordem
moral e o final dessas lutas está próximo. As lutas do cristianismo
duraram séculos. As do Espiritismo durarão apenas alguns anos,
porque a luz, ao invés de partir de um só foco, agora surge em
todos os pontos da Terra e abrirá mais rápido os olhos aos cegos.
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18. Aquelas palavras de Jesus devem, portanto, ser entendidas
como as cóleras que, segundo o próprio Mestre previa, a sua doutrina
provocaria, os conflitos temporários que surgiriam pelas conseqüências
morais, as lutas que teria que sustentar até se estabilizar, do mesmo
modo que aconteceu com os hebreus antes de entrarem na Terra da
Promissão.
Não há, conseqüentemente, nesses conflitos, nenhum desejo
premeditado de semear desordens e confusões. O mal deveria vir
dos homens e não d’Ele. Jesus estava na posição de médico das
almas, que vem para curar, mas cujos remédios provocam uma crise
salutar, agitando o discernimento dos enfermos morais.
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LUZ SOB O VELADOR.
JESUS FALAVA POR PARÁBOLAS
1. Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire,
mas no velador, e dá luz a todos os que estão em casa. (Mateus, capítulo
5, versículo 15.)
2. E ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com algum
vaso, ou a põe debaixo da cama, mas põe-na no velador, para que os
que entram vejam a luz. Porque não há coisa oculta que não haja de
manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz.
(Lucas, capítulo 8, versículos 16 e 17.)
3. E acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que falas
por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer
os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; porque
àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes
falo por parábolas, porque eles, vendo, não vêem, e ouvindo não ouvem
nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías que diz:
Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não
percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de
mau grado com os seus ouvidos, e fecharam seus olhos, para que não
vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos e compreendam com o
coração e se convertam e os cure. (Mateus, capítulo 13, versículos 10 a
15.)
4. Jesus diz que não se deve colocar a luz debaixo de qualquer
coisa que possa esconder-lhe o brilho. No entanto, Ele mesmo
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esconde, a todo momento, o sentido de suas palavras sob o véu de
alegorias, que não podem ser compreendidas por todas as pessoas.
Jesus, contudo, se explica, dizendo a seus discípulos: “Eu lhes
falo por parábolas (1), porque eles não estão no estágio de
compreender algumas coisas. Eles vêem, olham, ouvem e não
compreendem. Assim, dizer-lhes tudo seria inútil neste momento.
Mas, a vós eu vo-lo digo, porque a vós é dado compreender estes
mistérios”. Jesus procedia, portanto, com o povo como se faz com
as crianças, cujas idéias ainda não são muito desenvolvidas. Por esse
seu modo de agir, Jesus revela o verdadeiro sentido da máxima:
“Não se deve pôr a candeia debaixo do alqueire, mas sobre o
candeeiro, a fim de que todos os que entram possam vê-la”. Esta
máxima não significa que Jesus deveria revelar todas as coisas sem
examinar a capacidade de entendimento dos que o ouviam. Todo
ensinamento deve ser proporcional à inteligência daquele a quem
se quer ensinar, porque há pessoas que, com uma luz muito forte,
ficariam deslumbradas, mas não esclarecidas.
Essa ocorrência alcança os homens, no seu conjunto, assim
como os indivíduos isoladamente considerados. O conjunto de
homens nascidos na mesma época também tem a sua fase de infância
espiritual, a sua fase de juventude e a sua fase de maturidade. Por
isso é que cada coisa lhes deve vir na fase certa em que se encontram.
A semente, quando semeada fora de seu tempo certo, não germina
e não dá frutos. Mas os ensinamentos que a prudência manda
silenciar num momento, cedo ou tarde serão descobertos. É que,
chegando a um certo grau de desenvolvimento da inteligência e do
senso moral, os homens procuram por si mesmos a luz viva. A
obscuridade, então, lhes é incômoda.
1. Nota do Tradutor: parábolas são pequenas histórias criadas para fazerem uma
comparação entre duas situações. Desse confronto é que se deve tirar o ensinamento.
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Deus concedeu aos homens a inteligência para compreenderem
e para se orientarem entre as coisas da Terra e as coisas do céu e, por
isso, os homens querem uma fé que raciocine. É nessa fase do
raciocínio que não se deve pôr a luz do conhecimento moral debaixo
do velador, porque sem a luz da razão, a fé se enfraquece. (Ver o
capítulo XIX, item 7, nesta mesma obra.)
5. Se, pois, na sua cautelosa sabedoria, a Providência Divina
somente revela as verdades gradualmente, é porque sempre retirará
o véu que as cobre à medida que os homens amadurecerem para
recebê-las. A Sabedoria Divina mantém as verdades em reserva e
não debaixo do velador.
Há homens, porém, que estão na posse das verdades divinas,
mas as ocultam do povo, na maior parte do tempo, com a intenção
de dominá-lo. São esses, portanto, os que verdadeiramente escondem
a luz debaixo do velador. É por isso que todas as religiões tiveram
os seus mistérios, cujo estudo minucioso proíbem. Mas, enquanto
essas religiões de mistérios impenetráveis a seus crentes iam ficando
para trás, a Ciência e a inteligência avançavam e romperam o véu
dos mistérios da Natureza. Os homens, que se tornaram adultos
espirituais, entenderam de penetrar no sentido das coisas e rejeitaram
de sua fé tudo aquilo que estivesse em oposição ao que puderam
observar das leis divinas.
Não podem existir mistérios absolutos para que se
mantenha a fé.
Jesus está com a razão quando diz que não há nada secreto
que não deva ser conhecido. Tudo o que está oculto será posto a
descoberto um dia. O que o homem não pode, agora, compreender
sobre a Terra lhe será progressivamente revelado nos mundos mais
adiantados, à medida que ele se purificar. Aqui na Terra, o homem
ainda se encontra em pleno nevoeiro.
6. Pergunta-se: que proveito o povo pode extrair dessa
multidão de parábolas, cujo sentido está oculto para ele?
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Observe-se que Jesus somente utilizou parábola sobre
questões que eram de difícil compreensão para a época em que
ensinava a sua doutrina. Mas, tendo feito da caridade para com o
próximo e da humildade, a condição básica da salvação, tudo o que
Ele disse a esse respeito é perfeitamente claro, explícito e sem nenhum
duplo sentido. Assim devia ser, porque se tratava de regras de conduta
moral, regras que todos os homens deveriam compreender, para
poderem vivê-las. Isso era essencial para a multidão pouco esclarecida,
para a qual Ele se limitava a dizer: “Eis o que é necessário que se
faça, para ganhar o reino dos céus”.
Sobre as outras partes de sua doutrina, Jesus só as expunha a
seus discípulos, em reuniões mais íntimas. Por serem os seus discípulos
mais evoluídos moral e intelectualmente, Jesus podia iniciá-los nas
verdades que o povo ainda não podia entender. Eis porque Jesus
disse: “Aos que já têm, ainda mais se lhes dará e terão em abundância”.
(Ver o capítulo XVIII, item 15, desta mesma obra.)
Entretanto, mesmo com os seus Apóstolos, Jesus tratou de
modo vago alguns pontos de sua doutrina, cuja compreensão ficava
reservada para tempos futuros. Foram essas questões que deram
lugar a interpretações diversificadas, até que a Ciência, de um lado,
e o Espiritismo, do outro lado, vieram revelar as novas leis da Natureza, cujo verdadeiro sentido tornaram compreensível.
7. O Espiritismo, hoje, vem projetar luz sobre uma porção
de pontos obscuros da doutrina de Jesus. Mas não a lança de uma
maneira imprudente. Os Espíritos procedem, nas suas instruções,
com uma admirável prudência. É de modo contínuo e gradual que
eles têm abordado as diversas partes já conhecidas da doutrina cristã
e as demais partes serão reveladas no futuro, à medida que chegue o
momento certo para que elas possam sair da obscuridade para a luz
do dia. Se os Espíritos houvessem apresentado por completo, desde
o início, esses pontos da doutrina cristã, eles poderiam ser acessíveis
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somente a um pequeno número de pessoas. Talvez, até, essas
revelações tivessem assustado aqueles que não estivessem preparados moral e intelectualmente para recebê-las, o que seria prejudicial
para a sua propagação.
Se os Espíritos, portanto, não dizem tudo abertamente, não
é porque a doutrina tenha mistérios reservados aos privilegiados,
nem que os Espíritos estejam pondo a luz debaixo do velador. É
que cada coisa deve vir no tempo certo. Os Espíritos dão a cada
idéia o tempo de amadurecer e de se tornar conhecida, antes de
apresentarem outras e deixam aos acontecimentos, o tempo de preparar
a aceitação das novas idéias.
NÃO IR AOS GENTIOS
8. Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis
pelo caminho dos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos.
Mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; e indo, pregai,
dizendo: É chegado o reino dos céus. (Mateus, capítulo 10, versículos
5 a 7.)
9. Jesus demonstra, em muitas circunstâncias, que a sua
doutrina não se limitava apenas ao povo judeu, mas que ela se
destinava para toda a humanidade.
Se, portanto, Jesus diz a seus Apóstolos que não fossem ter
com os pagãos, não foi por desdenhar da conversão deles. E isso
seria até pouco caridoso de sua parte. Mas era porque os judeus,
que aceitavam a idéia do Deus único e aguardavam a vinda do
Messias, é que estavam preparados, pela lei de Moisés e dos profetas,
para receberem a sua palavra. Entre os pagãos, faltava até mesmo
essa base, e tudo ainda estava por fazer-se. Por outro lado, os
Apóstolos não estavam suficientemente esclarecidos para uma tarefa
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assim tão pesada. Por isso é que Jesus lhes disse: “Ide às ovelhas
desgarradas de Israel”, ou seja, “Ide semear no terreno já preparado”.
Jesus sabia que a conversão dos gentios viria a seu tempo.
Mais tarde, com efeito, em Roma, no centro do próprio paganismo,
os Apóstolos foram plantar a Cruz do cristianismo.
10. Essas palavras podem ser aplicadas, também, aos adeptos
e propagadores do Espiritismo. Os incrédulos sistemáticos, os
zombadores obstinados, os adversários que defendem interesses
pessoais, são para os Espíritas ativos o mesmo que os gentios foram
para os Apóstolos. Que, portanto, a exemplo do que fizeram os
Apóstolos, os Espíritas procurem prosélitos entre pessoas de boa
vontade, aquelas que desejam a luz, nas quais se encontra uma
semente já germinada e que são em grande número. Não se perca
tempo com aqueles que não querem ver, nem ouvir, e tanto se
prendem mais no orgulho, quanto mais se pareça importante a sua
conversão.
Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver com
clareza as coisas espirituais, que a uma só pessoa que se satisfaça
com as trevas. É que, agindo com essa prudência, o Espírita fará
aumentar o número dos que sustentam a causa. Deixar os outros
tranqüilos não é ser-lhes indiferentes, mas é uma boa medida. A
vez deles chegará, quando forem influenciados pela opinião da
maioria, por ouvirem a mesma coisa repetida por muitos à sua
volta. Eles julgarão, então, que aceitam a idéia voluntariamente,
por si mesmos e não sob a pressão de outros.
Em verdade, as idéias são como as sementes: não podem
germinar fora da época que lhes é própria e exigem terreno preparado.
Por isso é melhor esperar o tempo propício e cultivar primeiro
aquelas que estão em condições de germinar, a fim de evitar abortar
as outras pela precipitação.
Na época de Jesus, e em conseqüência da visão acanhada e
material das pessoas daquele tempo, tudo era limitado e localizado:
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a casa de Israel era um pequenino povoado; os gentios eram pequenos
povos vizinhos. Hoje as idéias ganham todo o Universo e levam a
espiritualização aos povos. A nova luz não é privilégio de nenhuma
nação. Para ela não existem mais fronteiras. O seu foco se distribui
por toda parte e todos os homens são irmãos. Mas, também, os
gentios não são mais um povo localizado numa pequena região da
Terra, porém são uma opinião que se encontra em toda parte e
sobre a qual a verdade triunfa pouco a pouco, da mesma maneira
que o cristianismo triunfou do paganismo. E não é mais com armas
de guerra que se combate o paganismo, mas é com o poder da idéia
Espírita cristã.
OS QUE PRECISAM DE MÉDICO
11. E aconteceu que, estando Jesus em casa sentado à mesa,
chegaram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se juntamente
com Ele e com seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos
discípulos do Mestre: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e
pecadores? – Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Os sãos não têm
necessidade de médico e, sim, os doentes. (Mateus, capítulo 9, versículos
10 a 12.)
12. Jesus buscava, sobretudo, os pobres e os deserdados,
porque são os que mais necessitam de consolações. Buscava os cegos
dóceis e de boa-fé, porque eles pedem que lhes abram os olhos
espirituais. Porém, não buscava os orgulhosos, que julgam possuir
toda a luz e que julgam não necessitar de nada. (Veja na,
“Introdução”, o artigo: Publicanos, Portageiros.)
Estas palavras, transcritas de Mateus, como tantas outras,
encontram a sua aplicação no Espiritismo. Há quem se admire, por
vezes, que a mediunidade seja concedida a pessoas indignas e capazes
de fazer mau uso dessa faculdade. Costumam algumas pessoas dizer
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que uma faculdade tão preciosa deveria ser atribuída exclusivamente
aos que tivessem mais qualidades morais.
Digamos, inicialmente, que a mediunidade é inerente a uma
disposição orgânica, de que todos os homens podem ser dotados,
como a faculdade de ver, de ouvir, de falar. Não há, porém, nenhuma
faculdade de que o homem, em razão de seu livre-arbítrio, não
possa abusar. E se Deus não tivesse concedido a faculdade de falar,
por exemplo, a não ser para os que não dirão más coisas, teríamos
mais mudos do que falantes. Deus, no entanto, concede as faculdades
ao homem, dando-lhe a liberdade de usá-las, mas a Justiça Divina
cobra sempre o mau uso que dela fizer a criatura humana.
Se a faculdade de comunicar-se com os Espíritos só fosse
concedida aos mais dignos, quem ousaria pretendê-la? E onde está
o limite entre a dignidade e a indignidade? A mediunidade é
concedida sem distinção de inferioridade ou superioridade moral, a
fim de que os Espíritos possam trazer a luz a todas as camadas, a
todas as classes sociais, alcançando o pobre e o rico.
A luz para os virtuosos há de fortalecê-los no bem. A luz para
os viciosos há de corrigi-los. Não são os viciosos os doentes morais
que mais necessitam do Médico das Almas? Por que Deus, que não
quer a morte do pecador, os privaria do socorro que os pode tirar
da lama? Os bons Espíritos vêm, assim, em auxílio dos viciosos e
os seus conselhos, que eles recebem diretamente, são de natureza a
impressioná-los mais vivamente do que se os recebessem de maneira
indireta. Deus, na sua bondade, para poupá-los do sacrifício de irem
buscar a luz mais longe, a coloca em suas próprias mãos!
Não serão os viciosos bem mais culpados se não quiserem
ver a luz que recebem em si mesmos? Eles, antes dessa ocorrência
mediúnica, poderiam desculpar-se com o fato de ignorá-la. Mas
quando a verdade é transmitida por eles mesmos, vista com seus
próprios olhos, ouvida pelos seus próprios ouvidos, não estariam
pronunciando a censura que deverá despertá-los para o bem, através
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de suas próprias bocas? Se eles não as aproveitarem para si mesmos,
sofrerão com a perda e a perversão da faculdade mediúnica que lhes
foi concedida. Então, os Espíritos inferiores se apoderarão dessa
mediunidade para obsidiá-los e os enganar. E assim será, sem prejuízo
das aflições comuns com que a Justiça Divina procura despertar os
servidores indignos e os corações endurecidos pelo orgulho e pelo
egoísmo.
A mediunidade não implica, necessariamente, relações
habituais apenas com os Espíritos Superiores. Ela é, apenas, uma
aptidão para servir de intermediário, mais ou menos fácil de
manejar, aos Espíritos de qualquer categoria. O bom médium não
é, portanto, aquele que tem facilidade para as comunicações. Bom
médium é aquele que é simpático aos bons Espíritos e que é por
esses bons Espíritos assistido em sua mediunidade. É nesse sentido
de relacionamento com os Espíritos Superiores, que as altas
qualidades morais ganham importância para a mediunidade.
CORAGEM DA FÉ
13. Portanto, qualquer um que me confessar diante dos homens
eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus. Mas qualquer
um que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante
de meu Pai que está nos céus. (Mateus, capítulo 10, versículos 32 e
33.)
14. Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se
envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier
na sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lucas, capítulo 9, versículo
26.)
15. A coragem da opinião sempre mereceu o respeito entre
os homens. É uma expressão de dignidade enfrentar os perigos, as
perseguições, as contradições e mesmo o simples sarcasmo, aos quais
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se expõe aquele que não teme expor abertamente as idéias que não
são aceitas por todas as pessoas. Aqui, como em tudo, o mérito está
na razão das circunstâncias em que as idéias são expostas e nas
conseqüências que resultam dessa atitude de sua propagação. Há
sempre fraqueza moral quando alguém recua diante das conseqüências
de sustentar a sua opinião e de renegá-la. Há casos em que essa
omissão ou recuo equivale a uma covardia tão grande, quanto a de
fugir no momento dos desafios da vida.
Jesus censura essa covardia, no que se refere especialmente a
sua doutrina, ao dizer que, se alguém se envergonhar de suas palavras,
Ele se envergonhará também dessa pessoa; que renegará aquele que
O houver renegado; que aquele que o confessar diante dos homens,
Ele o reconhecerá diante de seu Pai que está nos céus. Em outros
termos, Jesus disse: Aqueles que tiverem receio de se confessarem
discípulos da verdade, não são dignos de serem admitidos no mundo
da verdade. Eles perderão o beneficio de sua fé, porque esta é uma
fé egoísta, que eles guardam para si próprios, ocultando-a, com
medo do que possa prejudicá-los em seus interesses pessoais neste
mundo.
Ganharão os benefícios de sua fé, todos aqueles que colocam
a idade acima de seus interesses materiais e a proclamam
abertamente, trabalhando ao mesmo tempo para o seu futuro
espiritual e pelo futuro espiritual dos outros.
16. Assim será, também, com os adeptos do Espiritismo. É
que a doutrina Espírita não é nenhuma doutrina nova, mas é tãosomente o desenvolvimento e a aplicação da doutrina do Evangelho.
E, por isso, aos Espíritas, também, se dirigem as palavras do Cristo.
Eles semeiam sobre a Terra o que recolherão na vida espiritual. Lá,
na vida espiritual, os Espíritas colherão os frutos da sua coragem ou
da sua fraqueza moral.
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CARREGAR A CRUZ.
SALVAR A VIDA
17. Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem e
quando vos separarem e vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome
como mau, por causa do Filho do homem. Alegrai-vos nesse dia,
exultai, porque eis que grande é o vosso galardão no céu, pois assim
faziam os seus pais aos profetas. (Lucas, capítulo 6, versículos 22 e
23.)
18.E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disselhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a
sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, a
perderá e qualquer que perder a sua vida por amor a mim e do
Evangelho, esse a salvará, pois que aproveitaria ao homem ganhar
todo o mundo e perder a sua alma? (Marcos, capítulo 8, versículos 34
a 36; Lucas, capítulo 9, versículos 23 a 25; Mateus, capítulo 10,
versículo 39 e João, capítulo 12, versículos 24 e 25.)
19. Alegrai-vos muito, disse Jesus, quando os homens vos
odiarem e vos perseguirem por minha causa, porque sereis
recompensados no céu. Estas palavras podem ser traduzidas do
seguinte modo: “Sede felizes quando os homens, pela má vontade
que vos demonstrarem, vos derem oportunidade de provar a
sinceridade de vossa fé. O mal que eles vos façam resultará em
estímulo para a vossa evolução espiritual. Lamentai a cegueira dos
que vos perseguem, mas não os condeneis”.
Após isso, Jesus acrescenta: “Aquele que quiser me seguir,
tome a sua cruz”, ou seja, que suporte corajosamente as contrariedades
que a sua fé provocar. E que aquele que quiser salvar a sua vida e os
seus bens materiais, em me renunciando, perderá as vantagens do
reino dos céus, enquanto que aqueles que houverem tudo perdido
neste mundo, mesmo a própria vida física, para a vitória da verdade,
receberão na vida espiritual o prêmio de sua coragem, de sua
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NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
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perseverança e de sua abnegação. Mas aos que sacrificam os bens
celestiais aos prazeres terrenos, Deus lhes dirá: “Já recebestes a vossa
recompensa”.
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CAPÍTULO XXIV
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AJUDA-TE E O CÉU TE AJUDARÁ
1. Pedi e vos será dado; buscai e encontrareis; batei e se abrirá
para vós. Porque todo aquele que pede, recebe; e o que busca encontra,
e ao que bate, se abre. E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe
pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E pedindo-lhe peixe, lhe dará
uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos
filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe
pedirem? (Mateus, capítulo 7, versículos 7 a 11.)
2. Segundo a visão terrena do homem, a máxima: Buscai e
achareis é semelhante a esta outra: Ajuda-te que o céu te ajudará.
Este é o princípio da lei do trabalho e, por conseqüência, da lei do
progresso, porque a evolução é filha do trabalho, uma vez que o
trabalho desperta as forças da inteligência.
Na infância espiritual da humanidade, o homem emprega a
sua inteligência na busca do alimento, dos meios de preservar-se do
mau tempo e de se defender de tudo o que ameace a sua
sobrevivência. Mas Deus lhe deu, mais que aos animais irracionais,
o desejo constante do melhor. E esse desejo do melhor é o que o leva
a estudar os meios de melhorar a sua situação. É o que o conduz às
descobertas, às invenções, ao aperfeiçoamento das Ciências, porque
a Ciência é que lhe proporciona o que lhe falta.
É por efeito das pesquisas a que se obriga, que a inteligência
do homem se desenvolve e que a sua evolução moral se processa.
Após as necessidades do corpo físico, surgem as necessidades do
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espírito. Após a busca dos bens e do conforto materiais, torna-se
necessária a busca dos bens e do conforto espirituais. E é por esses
ciclos de desenvolvimento, que o homem transita da selvageria para
a civilização.
Mas a evolução que cada homem realiza individualmente
durante a sua existência terrena é quase insignificante. É quase nem
percebida em grande número de homens. De que modo, então, a
humanidade poderia evoluir, sem a preexistência e a sobrevivência
da alma? Se as almas todos os dias deixassem a Terra, para não mais
voltarem a viver aqui as que passaram pela Terra, a humanidade
seria permanentemente formada com seres primitivos. Esses seres
teriam tudo por fazer em si mesmos, teriam tudo a aprender a
partir de suas necessidades rudimentares.
Se assim fosse, não haveria justificativa para que o homem
estivesse, hoje, mais adiantado que os homens das primeiras eras
deste nosso mundo. É que a cada nascimento de uma criatura, todo
o trabalho intelectual teria de ser recomeçado.
A alma, porém, adquirindo experiências numa existência e,
após a desencarnação, voltando para uma nova existência no corpo
físico, com o progresso que realizou na encarnação anterior, e adquirindo nesta nova existência alguma experiência a mais, vai
permitindo que, gradativamente, se passe do estágio primitivo para
o de uma civilização material e desta para a civilização moral. (Veja o
capítulo IV, item 17, desta mesma obra.)
3. Se Deus tivesse liberado o homem do trabalho físico, seus
membros se atrofiariam. Se Ele o tivesse liberado do trabalho da
inteligência, o espírito do homem permaneceria na infância, nas
condições próprias dos instintos animais. Por isso é que Deus fez
do trabalho uma necessidade e disse ao homem: “Busca e acharás;
trabalha e produzirás. De algum modo, tu serás o produto de tuas
obras. Terás o mérito de teu trabalho. Serás recompensado segundo
o que hajas feito”.
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CAPÍTULO XXV
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4. É pela necessidade da vivência desses princípios da lei do
trabalho, que os Espíritos Superiores não vêm poupar o homem de
suas atividades de pesquisas, trazendo-lhe descobertas e invenções
todas já feitas e prontas para serem utilizadas. Se fizessem o contrário,
os homens só teriam de tomá-las nas sua mãos, sem nem sequer o
incômodo de um leve esforço, nem mesmo o esforço de pensar. E,
se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer-se e o mais
ignorante poderia tornar-se sábio ao preço de nada, e ambos se
atribuiriam o mérito daquilo que nenhum deles fez.
Não! Os Espíritos Superiores não vêm liberar o homem da lei
do trabalho, mas lhe demonstrar a meta que ele deve atingir e o
caminho que a ela conduz, dizendo-lhe: Siga adiante e chegarás.
Encontrarás pedras na tua caminhada. Afasta-as por teu próprio esforço.
Nós te daremos a energia necessária, se quiseres empregá-la para a tua
própria realização”. (Veja em O Livro dos Médiuns, cap. XXVI,
questão 291 e seguintes.)
5. Segundo a interpretação moral, estas palavras de Jesus
significam: Peça a luz que deverá iluminar o seu caminho e ela lhe
será dada; peça a força para resistir ao mal e você a terá; peça o
amparo dos bons Espíritos e eles virão acompanhá-lo e, como se
fossem os protetores espirituais de Tobias, eles lhe servirão de
orientadores morais; peça-lhes os bons conselhos e eles jamais lhe
serão recusados. Bata à nossa porta e ela lhe será aberta.
Mas, sempre que pedir, peça sinceramente, com fé, com fervor
e confiança. Apresente-se, no seu pedido, com humildade e não
com arrogância, sem o que você será abandonado às suas próprias
forças. E as próprias quedas que você sofrer serão a conseqüência de
seu orgulho.
Este é o sentido dessas palavras: “Buscai e achareis, batei e se
abrirá para vós”.
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OLHAI AS AVES DO CÉU
6. Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida,
pelo que haveis de beber, nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis
de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que
a roupa? Olhai as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem
ajuntam em celeiros e vosso Pai Celestial as alimenta. Não tendes vós
muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus
cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto às
vestimentas, por que andais aflitos? Olhai para os lírios do campo,
como eles crescem: não trabalham nem fiam. E eu vos digo que nem
mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer um
deles. Pois se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e
amanhã será lançada ao fogo, não vos vestirá muito mais a vós, homens
de pouca fé? Não andeis inquietos, dizendo: ‘O que comeremos, ou
‘O que beberemos ou com que nos vestiremos?’ Porque estas coisas os
gentios procuram. Decerto que vosso Pai celestial bem sabe que
necessitais de todas estas coisas, mas, buscai primeiramente o reino de
Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não
vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã
trará seu cuidado. Basta para cada dia a sua própria aflição. (Mateus,
capítulo 6, versículos 25 a 34.)
7. Estas palavras de Jesus, interpretadas somente nas letras,
seriam a negação de toda previdência, de todo trabalho e, por
conseqüência, a negação de todo progresso. Se aceitasse um princípio
como esse, o homem se reduziria a uma passividade improdutiva.
Suas forças físicas e intelectuais não entrariam em funcionamento.
Se essa tivesse sido a sua condição normal na Terra, ele não emergiria
jamais de seu estágio de um ser primitivo e, se dessa condição o
homem fizesse a sua lei atual, a ele só caberia viver sem fazer coisa
alguma.
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Esse não poderia ter sido o pensamento de Jesus, porque tal
princípio seria uma contradição com o que Ele disse outras vezes e
uma negação das próprias leis da Natureza.
Deus criou o homem sem roupas e sem abrigo mas lhe deu a
inteligência para que as produzisse, a fim de atender as suas
necessidades naturais. (Veja capítulo XIV, item 6 e o item 2 deste
capítulo.)
Não se deve, portanto, ver nestas palavras mais que uma
alegoria poética da Providência Divina, que não abandona nunca
aqueles que nela confiam. Quer a Providência Divina, no entanto,
que os que nela confiem, também cumpram com a lei do trabalho.
E por isso é que a Providência, se nem sempre os socorre com uma
direta ajuda material, inspira-lhes as idéias com as quais eles
encontram os meios de eles mesmos saírem de suas dificuldades.
(Veja o capítulo XXVII, item 8, nesta mesma obra.)
Deus conhece as nossas necessidades.
O Pai nos atende, segundo aquilo que nos é necessário, tendo
em vista a nossa destinação espiritual.
O homem, porém, insaciável nos seus desejos, nem sempre
sabe contentar-se com o que tem. O necessário não lhe basta. Ele
quer também o supérfluo, que diz ser necessário. É, então, que a
Justiça Divina o leva a sofrer as conseqüências de seus caprichos, a
fim de que isso lhe sirva de lição para o futuro. (Ver capítulo V,
item 4, nesta mesma obra.)
8. A Terra produzirá o suficiente para alimentar todos os seus
habitantes quando os homens souberem administrar os bens que a
Terra lhes dá, segundo as leis da justiça, da caridade e do amor ao
próximo. Quando a fraternidade governar os diversos povos, como
se fossem cidades de um mesmo país, o excesso de produção de
alimentos num desses povos suprirá a falta de alimentos num outro
desses povos. E, assim, a ninguém faltará o necessário.
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O homem rico, então, se considerará como alguém que tem
uma grande quantidade de sementes. Se ele as distribuir em outras
mãos, essas sementes produzirão o cêntuplo, tanto para ele quanto
para os outros. Mas, se ele comer sozinho essas sementes, se as
desperdiçar e deixar que se perca o excedente do que haja comido,
elas não produzirão coisa alguma e todos ficarão em necessidade.
Se esse rico trancar as sementes em seu armazém, os vermes as
devorarão.
Eis porque Jesus disse: “Não amontoeis tesouros na Terra,
pois que são perecíveis, mas ajuntai os vossos tesouros no céu, porque
são eternos”. Em outros termos, Jesus disse: “Não deis aos bens
materiais mais valor que aos bens espirituais e sabei sacrificar os
primeiros em favor dos segundos”. (Veja capítulo XVI, item 7 e
seguintes, nesta mesma obra.)
Não é com leis humanas que se decretam a caridade e a
fraternidade. Se essas virtudes não estiverem nos corações dos
homens, o egoísmo dominará sempre os sentimentos. Fazer essas
virtudes penetrar nos corações dos homens, eis o que é a obra do
Espiritismo.
FADIGA PELO OURO
9. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos.
Nem leveis alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alpargatas,
nem bordão, porque digno é o trabalhador do seu alimento (Mateus,
capítulo 10, versículos 9 e 10.)
10. E, em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai
saber quem nela seja digno, e hospedai-vos aí, até que vos retireis. E,
quando entrardes em alguma casa, saudai-a. E se a casa for digna,
desça sobre ela a vossa paz, mas, se não for digna, torne para vós a
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vossa paz. E se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras,
saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó de vossos pés.
Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor
para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade. (Mateus,
capítulo 10, versículos 11 a 15. )
11. Estas palavras que Jesus dirigiu a seus Apóstolos, ao enviálos, pela primeira vez, para anunciar a Boa-Nova, nada continham
de estranho naquela época. Estavam dentro dos costumes patriarcais
do Oriente, onde os viajantes eram bem recebidos nas suas moradias.
Os viajantes, então, eram poucos.
Entre os povos modernos, o aumento das viagens criou novos
costumes de hospedagem. Só encontramos, agora, aqueles hábitos
de hospedagem dos tempos antigos, em países distantes, onde o
grande movimento de viajores ainda não penetrou. Se Jesus voltasse
hoje à Terra, não poderia mais dizer a seus Apóstolos: “Ponde-vos a
caminho sem provisões”.
Ao lado do sentido próprio, estas palavras de Jesus têm um
sentido moral muito profundo. Com elas Jesus ensinava seus
discípulos a se entregarem à ação da Providência Divina. É que eles,
nada tendo, não despertariam a cobiça daqueles que os acolhessem.
Esse era um meio de distinguir, entre os que os receberiam, os
caridosos dos egoístas. Por isso Jesus lhes disse: “Procurai saber quem
é digno de vos acolher”, ou seja, procurem distinguir quem é bastante
humano para albergar o viajor que não lhe poderá pagar. Será por
essa qualidade da alma que vocês conhecerão quais estão em
condições espirituais de ouvir as palavras da Boa Nova. É pela
caridade que vocês os reconhecerão.
Quanto aos que não os quisessem receber, nem os escutar,
recomendou Jesus a seus Apóstolos que os amaldiçoassem? Teria
recomendado que os constrangessem com a Boa-Nova, que usassem
de violência moral para os converter? Não! Jesus recomendou-lhes,
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pura e simplesmente, que se retirassem e fossem à procura de pessoas
de boa vontade.
O mesmo diz, hoje, o Espiritismo a seus adeptos: “Não
violentem a consciência religiosa de ninguém. Não constranjam
ninguém a deixar a crença que abraça para adotar a de vocês. Não
lancem nenhuma condenação sobre aquele que não pensa como
vocês e deixem em serenidade aqueles que os repelem. Lembrem-se
destas palavras do Cristo: ‘Antes da Boa-Nova, o céu era tomado
pela violência, mas hoje o será pela brandura’”. (Veja capítulo IV,
itens 10 e 11, nesta mesma obra.)
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DOM DE CURAR
1. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos,
expulsai os demônios, mas dai de graça o que de graça recebestes.
(Mateus, capítulo 10, versículo 8.)
2. “Dai de graça o que haveis recebido de graça”, diz Jesus a
seus discípulos. Por esse ensinamento, Ele ordena de maneira expressa que nenhuma pessoa deve receber pagamento por aquilo que
ela mesma não pagou. Ora, o que os discípulos haviam recebido de
graça, sem nenhum pagamento, era a faculdade de curar os doentes
e de afastar os Espíritos perturbadores, ou seja, de afastar dos
obsidiados os Espíritos obsessores.
Esse dom lhes fora dado gratuitamente por Deus para aliviar
os que sofriam e para ajudar a propagação da fé cristã. Jesus lhes diz
que não façam dessa faculdade um comércio, nem se valham dela
para tirar vantagens pessoais e que nem a transformem num meio
de vida.
PRECES PAGAS
3. E, ouvindo-o todo o povo, disse Jesus aos seus discípulos:
Guardai-vos dos escribas, que querem andar com trajes compridos e
amam as saudações nas praças e querem os principais assentos nas
sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Eles devoram a casa
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das viúvas, fazendo, como pretexto, longas orações. Estes receberão maior
condenação. (Lucas, capítulo 20, versículos 45 a 47; Marcos 12,
versículos 38 a 40 e Mateus 23 versículo 14.)
4. Jesus também disse: “Não façais que paguem pelas vossas
preces; não façais como os escribas que, sob a desculpa de longas preces,
devoram as casas das viúvas”, ou seja, apoderam-se astuciosamente dos
bens dos que sofrem.
A prece é um ato de caridade, um impulso do coração. Cobrar
pelas preces que dirigimos a Deus, a pedido de outras pessoas, seria
nos transformarmos em intermediários assalariados. A prece, então,
passa a ser uma espécie de requerimento que será cobrado de acordo
com o seu tamanho.
Ora, de duas coisas, apenas uma é certa: Deus mede ou não
mede as suas graças pelo número de palavras contadas em cada
oração. Se fossem necessárias muitas palavras para obter uma graça
divina, por que dizê-la com um pequeno número, ou quase
nenhuma palavra, para aqueles que não podem pagá-la? Isso é uma
falta de caridade! E se uma só palavra basta para uma prece, as demais
serão inúteis e, então, por que cobrá-las? Isso é faltar com o dever
da caridade por má-fé.
Deus não vende os benefícios que concede.
Por que, então, aquele que nem é mesmo o distribuidor dos
benefícios, que nem pode garantir que esses benefícios serão
concedidos, cobra um preço por um pedido que pode não ter
nenhum efeito? Deus não pode estabelecer a dependência de um
ato de clemência, de bondade ou de justiça, que se pede de sua
misericórdia, a um valor em dinheiro.
Se Deus assim o fizesse, isso resultaria em que, se não houvesse
pagamento pela prece ou se o valor pago fosse pouco, a justiça, a
bondade e a clemência de Deus ficariam em suspenso! A razão, o
bom senso, a lógica dizem que Deus, a perfeição absoluta, não pode
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transmitir poderes a criaturas imperfeitas, para que estas tenham o
direito de criar uma tabela de preços para a Justiça Divina!
A Justiça Divina é como o Sol. Ela se estende sobre todas as
pessoas, tanto sobre os pobres, quanto sobre os ricos, sem fazer
distinção de nenhuma natureza.
Se consideramos imoral fazer negócios fraudulentos com as
autoridades públicas que governam a Terra, seria moral negociar
com as graças que podem vir do Soberano do Universo?
As preces pagas têm um outro inconveniente.
Aquele que as compra se julga, muitas vezes, dispensado de
ele próprio fazer a sua oração. Ele se considera livre dessa obrigação,
desde que já fez o pagamento da prece. Sabe-se, no entanto, que os
Espíritos são sensibilizados pelo fervor do pensamento daquele que
se interessa por eles. E qual pode ser o fervor daquele que paga a um
terceiro para orar por ele? E que fervor tem esse terceiro que vendeu
a oração? E que fervor terá esse terceiro, quando transferir para um
outro a obrigação de orar, no lugar de quem pagou a prece, e esse
terceiro ainda transfere essa obrigação a um outro? Não será isso
reduzir a prece a uma espécie de dinheiro falso sem nenhum valor?
VENDILHÕES EXPULSOS DO TEMPLO
5. E vieram a Jerusalém. E Jesus, entrando no templo, começou a
expulsar os que vendiam e compravam no templo. E derrubou as mesas
dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E não consentia
que ninguém levasse algum vaso pelo templo. E os ensinava dizendo:
Não está escrito: A minha casa será chamada por todas as nações de
casa de oração? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões. E os escribas
e sacerdotes, tendo ouvido isto, buscavam ocasião para o matar, pois
eles o temiam, porque toda a multidão admirava a sua doutrina.
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(Marcos, capítulo 11, versículos 13 a 18; Mateus, capítulo 21, versículos
12 e 13.)
6. Jesus expulsou os vendilhões do templo. Por esse fato, o
Mestre condena a comercialização das coisas santas sob qualquer
forma que seja feita. Deus não vende nem a sua bênção, nem o seu
perdão, nem o ingresso para entrar no reino dos céus. O homem,
por conseguinte, não tem o direito de cobrar coisa alguma pelo que
é concessão divina.
MEDIUNIDADE GRATUITA
7. Os médiuns de hoje em dia – uma vez que os Apóstolos
do Cristo também tinham mediunidade –, como os discípulos de
Jesus, receberam de Deus um dom gratuito. É o de serem intérpretes
dos Espíritos, a fim de instruírem os homens, para demonstrarlhes o caminho do bem e levá-los à consolação da fé. Não foi, para
esses médiuns, concedido o dom para que vendam a palavra que
não lhes pertence. As mensagens que os médiuns intermedeiam
não se originam nem de suas pesquisas, nem de seu trabalho pessoal.
Deus quer que a luz seja para todos.
O Pai não quer que o mais pobre seja deserdado de sua luz e
possa dizer: “Eu não tenho fé, porque não tive dinheiro para comprála. Eu não tive a consolação de receber o encorajamento e as
demonstrações de afeto daqueles por quem choro, porque eu sou
pobre”.
Eis porque a mediunidade não é privilégio de alguns e se
encontra entre todos os homens. Cobrar pelo exercício da mediunidade
seria, portanto, desviá-la de seus fins providenciais.
8. Quem conhece as condições em que os bons Espíritos se
comunicam, sabe a aversão que eles sentem por todo e qualquer
interesse egoístico. Sabe, também, que pouca coisa é suficiente para
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que eles se afastem. E, tudo isso sabendo, não poderá jamais admitir
que os Espíritos Superiores estejam à disposição da primeira pessoa
que apareça e os convoque às comunicações com uma tabela de
preços na mão.
O simples bom senso rejeita essa idéia.
Não seria, também, um desrespeito querermos chamar para
comunicações, a um preço determinado, os seres que respeitamos e
que são amados pelos nossos corações? Não há dúvida de que, assim,
poderemos obter as manifestações dos Espíritos, mas quem, nos
poderia garantir a autenticidade do comunicante? Os Espíritos
levianos, mentirosos, brincalhões e toda a multidão de Espíritos
infelizes, e que são de pouco escrúpulo, atendem sempre. Estes é que
estão sempre prontos a responder a tudo o que lhes perguntarem,
sem se preocuparem com a verdade.
Aquele, portanto, que deseja comunicações espirituais sérias,
deve primeiramente procurá-las com seriedade. Deverá instruir-se
sobre a natureza das ligações do médium com os seres do mundo
espiritual, uma vez que a primeira condição para se conseguir o
afeto dos bons Espíritos é a humildade, o devotamento, a abnegação
e o mais completo desinteresse moral e material do médium.
9. Ao lado da questão moral, apresenta-se uma outra consideração
não menos importante. E a que se refere à própria natureza da
faculdade mediúnica. A mediunidade séria não pode ser e nem jamais
será uma profissão. Profissionalizá-la seria desacreditá-la moralmente
e levá-la a confundir os médiuns com os que lêem a sorte. Mas,
existe, contra isso, ainda uma outra dificuldade material. É que a
mediunidade é uma faculdade essencialmente instável, fugidia,
variável, com a qual ninguém pode contar na certa.
A mediunidade será, portanto, para quem pretenda explorála profissionalmente, um campo feito de incertezas, que lhe poderá
faltar no momento em que lhe seria o mais necessário. Ela é bem
diferente dos talentos adquiridos pelo estudo e pelo trabalho e que,
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pela sua própria origem, é um patrimônio do qual é lícito tirar-se
proveito pessoal. Mas a mediunidade, em si, não é uma arte, nem
um talento do médium e, por isso, não pode tornar-se uma profissão.
Ela não existe sem a participação dos Espíritos. Se os Espíritos se
fizerem ausentes, não há mais fenômeno mediúnico. Poderá, então,
a aptidão mediúnica continuar existindo, mas o seu exercício estará
anulado.
Não há um único médium no mundo que possa garantir a
obtenção de um fenômeno mediúnico no momento em que ele
quiser. Explorar a mediunidade é, por conseqüência, querer dispor
de uma coisa que realmente não pertence ao médium.
Afirmar o contrário é enganar os que pagam. E, ainda, há
mais: não é de si mesmo que o explorador necessitará para o
fenômeno. Ele precisará contar com os Espíritos, com as almas dos
desencarnados, cuja colaboração é posta numa tabela de preços.
Esta idéia causa uma repugnância instintiva!
Foi esse comércio, degenerado em abuso, explorado pelo
charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela superstição,
que levou Moisés a proibi-lo. O Espiritismo atual, compreendendo
o lado sério dessas questões, para desacreditar aqueles que se lançam
a este tipo de exploração dos incautos, elevou a mediunidade à
categoria de missão. (Ver em O Livro dos Médiuns, o capítulo XXVIII
e na obra O Céu e o Inferno, o capítulo XI.)
10. A mediunidade é um dom sagrado, que deve ser praticado
sagradamente, religiosamente. Se há um gênero de mediunidade
que requer esta condição de um modo ainda mais total, essa é a
mediunidade de cura.
O médico humano dá o produto de seus estudos, que são
feitos ao peso de sacrifícios por vezes penosos. O magnetizador doa
seu próprio fluido e, não raro, a sua própria saúde.
Estes dois podem pôr preços em seus serviços.
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Já o médium de cura transmite o fluido salutar dos bons
Espíritos. Isto ele não tem o direito de vender. Jesus e seus Apóstolos,
embora fossem pobres, nada cobravam das curas que operavam.
Que aquele, pois, que não tem do que viver, procure os recursos
que necessita no campo do trabalho, mas nunca na mediunidade.
Que ele consagre à mediunidade, se assim for preciso, apenas o
tempo de que possa dispor materialmente. Os Espíritos levarão em
conta o seu devotamento e os seus sacrifícios pessoais, mas se
afastarão daqueles que esperam fazer deles degraus de uma escada
para alcançar os seus objetivos comerciais.
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QUALIDADES DA PRECE
1. E, quando orares, não sejas como os hipócritas, pois se
comprazem em orar em pé nas sinagogas, e nas esquinas das ruas, para
serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o
seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e fechando
a tua porta, ora a teu Pai que está em oculto. E teu Pai, que te vê
secretamente, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições,
como os gentios, que pensam que, por muito falarem, serão ouvidos.
Não te assemelhes a eles, porque o teu Pai sabe o que te é necessário,
antes de lhe pedires. (Mateus, capítulo 6, versículos 5 a 8.)
2. E, quando estiverdes orando, perdoai, se tiverdes alguma
coisa contra alguém, para que o vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe
as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também o vosso Pai não
vos perdoará as vossas ofensas. (Marcos, capítulo 11, versículos 25 e
26.)
3. E disse Jesus também esta parábola a uns que confiavam em
si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois
homens subiram ao templo para orar, um fariseu e o outro um
publicano. O fariseu, estando de pé, orava consigo desta maneira: Ó
Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens ladrões,
injustos, adúlteros, nem sou como este publicano. Jejuo duas vezes por
semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. – O publicano, porém,
estando em pé, de longe nem ainda queria levantar os olhos ao céu,
mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim,
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pecador! – Digo-vos que o publicano desceu justificado para sua casa e
não o fariseu, porque qualquer um que a si se exalta será humilhado
e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado. (Lucas, capítulo
18, versículos 9 a 14.)
4. As condições da prece são claramente definidas por Jesus.
Quando você orar – diz Jesus –, não se coloque onde todos o vejam,
mas ore no silêncio de seu coração. Não finja orar muito, porque
não será pela quantidade de palavras que você se fará ouvido. Você
será ouvido pela sua sinceridade. Antes de orar, se você tiver alguma
coisa contra alguém, perdoe-lhe, porque a prece não pode ser
agradável a Deus, se ela não nascer de um coração despojado de
todo sentimento contrário à caridade. Ore, enfim, com a humildade
do publicano e não com o orgulho do fariseu. Analise os seus
próprios defeitos, sem querer destacar as suas qualidades e, se você
se comparar com alguma pessoa, procure o que existe de mau em
você mesmo. (Veja o capítulo X, itens 7 e 8, nesta mesma obra.)
EFICÁCIA DA PRECE
5. Por isso vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que
o recebereis, e tê-lo-eis. (Marcos, capítulo 11, versículo 24.)
6. Há pessoas que contestam a eficácia da prece. Para isso,
elas se fundamentam no princípio de que Deus, conhecendo nossas
necessidades, faz inútil que as exponhamos. Acrescentam, ainda,
que tudo estando regido no Universo por leis eternas, os nossos
pedidos não podem mudar os desígnios de Deus.
Sem dúvida alguma que há leis naturais e imutáveis que Deus
não pode mudar segundo os caprichos de cada um. Mas, daí a julgar
que todas as circunstâncias da vida estão sujeitas a uma fatalidade, a
distância é grande. Se fosse dessa forma, o homem seria um simples
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instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem direito a ter iniciativas
diante de acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis.
Neste caso, ao homem nada mais caberia do que curvar a
cabeça diante dos acontecimentos, sem procurar evitá-los. Não
deveria procurar desviar-se dos perigos.
Deus não deu ao homem o entendimento e a inteligência,
para que não se servisse dessas qualidades. Deus não lhe deu a vontade
para o não querer e nem a atividade para cair na inanição.
O homem, estando livre para agir, tomará resoluções boas
ou más. E seus atos têm, para ele mesmo e para as outras pessoas, as
conseqüências boas ou más do que ele faz ou deixa de fazer. Por
decorrência de sua iniciativa, há acontecimentos que escapam
forçosamente da fatalidade. Essa ocorrência, no entanto, não quebra
a harmonia das leis universais, da mesma maneira que fazer avançar
ou retardar os ponteiros de um relógio não anula a lei do movimento
sobre o qual foi criado o seu mecanismo.
Deus pode, portanto, concordar com certos pedidos sem
alterar a imutabilidade das leis que regem o conjunto da vida. Mas
o atendimento dependerá sempre dos fundamentos da Justiça
Divina.
7. Seria, portanto, falta de juízo concluir desta máxima:
“Aquilo que pedirdes pela prece, vos será concedido”, que basta
pedir para receber. E injusto é acusar a Providência Divina se não
são concedidos todos os pedidos que se fazem, porque ela sabe,
melhor do que nós, o que é necessário para o nosso bem espiritual.
A Providência Divina procede como um pai sábio que nega a
seus filhos aquilo que seja contrário a seus verdadeiros interesses.
O homem, geralmente, só vê o momento presente.
Se o sofrimento, porém, é útil para a criatura, tendo em vista
a sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, assim como faz um
cirurgião que deixa um doente sofrer com uma operação que deve
trazer-lhe a cura.
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O que Deus concederá, se o homem pedir com confiança é a
coragem, a paciência e a resignação. Também lhe concederá os meios
de ele mesmo sair das dificuldades, com a ajuda de idéias que fará
que os bons Espíritos lhe sugiram intuitivamente, deixando-lhe o
mérito de colocá-las em prática.
A Providência Divina ampara aqueles que se ajudam a si
mesmos, segundo esta máxima: “Ajuda-te e o céu te ajudará”. A
Providência Divina não poderá, portanto, ajudar aqueles que tudo
esperam de um socorro alheio, sem usarem as suas próprias faculdades.
Mas, na maioria das vezes, preferimos ser atendidos por um milagre,
sem empregarmos o mínimo esforço para fazermos que as leis
divinas funcionem em nosso próprio benefício. (Veja o capítulo
XXV, item 1 e seguintes, desta mesma obra.)
8. Tomemos um exemplo, para esclarecer esses princípios.
Um homem se perdeu num deserto.
Ele sofre uma terrível sede. Sente-se desfalecer e se deixa cair
na areia escaldante.
Ele pede a Deus que o socorra e espera.
Porém, nenhum anjo do céu lhe vem dar água para beber.
No entanto, um bom Espírito lhe sugere a idéia de levantar-se tomar
um dos rumos que tem diante de si. Então, por um movimento
instintivo, reúne todas as suas forças, soergue-se e avança aparentemente
sem rumo certo.
Alcançando uma elevação, descobre ao longe um regato. Ao
vê-lo ganha coragem. Se ele tem fé, exclamará: “Obrigado, meu
Deus, pela idéia que me inspiraste!”. Se, porém, ele não tiver fé,
dirá para si mesmo: “Que boa idéia eu tive! Que sorte a minha de
tomar o rumo à direita, ao invés da esquerda! O acaso, algumas
vezes, nos socorre muito bem! Quanto me felicito pela minha
coragem e por não me haver deixado abater”.
Mas – dirão alguns –, por que o bom Espírito não lhe disse
claramente: “Siga nessa direção e, no fim, encontrarás o de que
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necessitas”? Por que não se materializou para guiá-lo e sustentá-lo
no seu abatimento? Dessa maneira – concluirão alguns – ele ficaria
convencido do socorro da Providência Divina!
Reflitamos com mais profundidade!
Agindo através da inspiração, a Providência Divina estava a
ensinar-lhe que é necessário ajudar a si mesmo para superar as
adversidades e a fazer uso de suas próprias forças. Além disso, ele,
pela incerteza de receber o socorro pedido, submete-se à prova de
confiança e de submissão aos desígnios divinos.
Esse homem está na situação da criança que caiu e que, vendo
aproximar-se alguma pessoa, põe-se a gritar e fica à espera de que a
venham levantar e, se não vê pessoa alguma por perto, faz esforços
por si mesma e se levanta sozinha.
Se o Espírito de Luz que acompanhou Tobias lhe tivesse dito:
“Fui enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te preservar de
todo perigo”, Tobias não teria nenhum mérito. Confiando-se ao
seu companheiro, não necessitaria nem mesmo pensar. Por isso é
que o Espírito de Luz só se deu a conhecer no regresso.
AÇÃO DA PRECE.
TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO
9. A prece é uma invocação. Através dela o homem se põe
em comunhão de pensamento com o ser a quem se dirige. Ela
pode ter por finalidade fazer um pedido, um agradecimento ou
uma homenagem. A criatura pode orar por si mesma ou por outras
pessoas, pelos que estão encarnados e pelos desencarnados.
As orações endereçadas a Deus são ouvidas pelos Espíritos
encarregados da execução da vontade do Pai Celestial. Aquelas que
são endereçadas aos bons Espíritos são transferidas para a Justiça
Divina. Quando oramos para outros seres e não para Deus, os seres
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a quem nos dirigimos servem de intermediários, de intercessores,
porque nada pode ser feito sem a vontade de Deus.
10. O Espiritismo nos faz compreender a ação da prece, ao
revelar o mecanismo da transmissão do pensamento, quer quando
o ser a quem oramos venha a nosso socorro, quer quando apenas o
nosso pensamento se eleva a esse ser.
Para se compreender o que ocorre nessas situações, é necessário
imaginar todos os seres encarnados e desencarnados mergulhados
no fluido universal que toma todo o espaço, assim como na Terra
estamos todos mergulhados na atmosfera. Esse fluido universal
recebe um estímulo da vontade. Esse fluido é o condutor do pensamento,
assim como o ar é condutor do som. Há, porém, uma variante, uma
vez que as vibrações do ar são limitadas, enquanto que as vibrações
do fluido universal se propagam ao infinito. Quando, portanto, o
pensamento é dirigido a qualquer ser, na Terra ou no espaço, seja de
encarnado para desencarnado, seja de desencarnado para encarnado,
uma onda fluídica se irradia de um para outro, transmitindo o
pensamento, como o ar transmite o som.
A energia dessa onda fluídica está na intensidade do pensamento
e da vontade de quem pensa. É assim que a prece é ouvida pelos
Espíritos, qualquer seja o lugar em que se encontrem. É assim,
também, que os Espíritos se comunicam entre si e que nos
transmitem as suas inspirações. E pelo mesmo mecanismo, é que se
estabelecem as relações de pensamentos entre encarnados que estão
distantes entre si.
Esta explicação se dirige, sobretudo, aos que não compreendem
a utilidade da prece exclusivamente mística. Não temos por
finalidade materializar a prece, mas tornar os seus efeitos
compreensíveis, ao evidenciar que ela pode exercer uma ação direta
e positiva. Nem por isso estará menos subordinada aos desígnios
Divinos, juiz supremo de todas as coisas, e que é o único que pode
tornar a ação da prece eficaz.
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11. Pela prece, o homem atrai o amparo dos bons Espíritos
que o vêm sustentar nos seus bons propósitos e lhe inspirar bons
pensamentos. Ele ganha, assim, a força moral necessária para vencer
as dificuldades e retornar ao caminho reto, se dele se afastou.
Pela prece, o homem pode afastar de si os males que atrairia
por suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê a sua saúde
arruinada pelos excessos que praticou e arrasta, até o fim de seus
dias, uma vida de sofrimentos. Terá ele o direito de queixar-se, se
não obtiver a sua cura? Não, porque poderia ter encontrado na
prece a força para resistir às tentações que o levaram ao excesso.
12. Divida em duas partes os males da vida: uma, com os
males que o homem não pode evitar e outra com as atribulações
que ele mesmo provoca por sua falta de cuidados e pelos seus
excessos. (Veja capítulo V, item 4, nesta mesma obra.) Você verá
que os males da segunda parte são muito mais numerosos que os
males que o homem não pode evitar.
Fica bastante evidente que o homem é o autor da maior parte
de suas aflições e que ele as evitaria se agisse com sabedoria e
prudência.
O estado deplorável do homem é a conseqüência do desrespeito
às leis divinas. Se cumpríssemos rigorosamente essas leis, seríamos
inteiramente felizes. Se não desejássemos além do limite do que é
necessário para a satisfação de nossas necessidades, não teríamos as
doenças que são provocadas pelos excessos de nossos desejos, nem
sentiríamos as alterações que as doenças determinam em nossas vidas.
Se impuséssemos um limite à nossa ambição, não temeríamos a
ruína. Se não quiséssemos subir mais alto do que podem as nossas
forças, não temeríamos a queda. Se fôssemos humildes, não
sofreríamos as decepções do orgulho abatido. Se praticássemos a lei
da caridade, não seríamos maledicentes, nem invejosos, nem
ciumentos e, assim, evitaríamos as discussões e os desentendimentos.
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Se não fizéssemos nenhum mal a ninguém, não teríamos de temer
as vinganças.
Os males da vida são conseqüência do desrespeito às leis divinas
que governam as nossas vidas.
Admitamos que o homem nada pudesse fazer em relação aos
males que não dependam de sua conduta atual. Admitamos, ainda,
que todas as orações que faça, sejam inúteis para livrar-se desses
males. Não seria muito desejável orar, para ficar liberado das
conseqüências que decorrem de sua própria conduta? Neste caso, a
ação da prece pode ser entendida facilmente. É que ela tem por
efeito atrair a inspiração salutar dos bons Espíritos, quando lhe
pedirmos a força para resistir às más inclinações, a fim de evitarmos
de praticá-las por nos serem prejudiciais. Estaremos, então, pedindo
não que afastem o mal de nós, mas para que eles nos afastem dos
maus pensamentos que nos podem levar ao mal. Com isso, eles não
embaraçam em nada os desígnios de Deus e nem alteram o curso das
leis da Natureza, mas evitam que desrespeitemos essas leis, orientando
o nosso livre-arbítrio.
Os bons Espíritos, porém, agem sem que os percebamos,
duma maneira oculta, para não interferirem em nossa vontade. O
homem se encontra, então, na mesma posição daquele que pede
bons conselhos e os coloca em prática, mas que está sempre livre de
segui-los ou não. Deus quer que seja assim, para que cada um seja
responsável por seus atos e tenha o mérito de escolha entre o bem e
o mal. É isso que o homem poderá estar certo de que sempre
receberá, se ele o pedir com fervor, e ao que se pode, sobretudo,
aplicar estas palavras: “Pedi e obtereis”.
A eficácia da prece, mesmo reduzida a essas proporções, não
daria para o homem um resultado benéfico? Estava reservado ao
Espiritismo demonstrar a ação da prece, pela revelação das relações
que existem entre o mundo corporal e o mundo espiritual. Mas
não se limitam somente a isso os seus efeitos.
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A prece é recomendada por todos os Espíritos.
Renunciar à prece é desconhecer a bondade de Deus. É
renunciar para si mesmo à assistência da Providência Divina. E não
orar pelas outras pessoas é renunciar ao bem que se lhes pode fazer.
13. Ao atender ao pedido que lhe é dirigido, Deus tem
normalmente em vista recompensar a intenção, o devotamento e a
fé daquele que ora. Eis porque a prece do homem de bem tem mais
mérito aos olhos de Deus, e sempre é mais eficaz, porque o homem
vicioso e mau não pode orar com o fervor e a confiança que nascem
do sentimento da verdadeira piedade.
Do coração do homem egoísta, daquele que ora só com os
lábios, não poderiam sair senão palavras. Não saem desse coração as
radiações da caridade que dinamizam a prece em toda a sua intensidade.
Compreende-se isso tão bem que, por um movimento intuitivo, os
que querem que outras pessoas orem por eles, procuram, de
preferência, as pessoas que tenham uma conduta que seja mais
agradável a Deus, porque as preces deles serão melhor ouvidas.
14. Se a prece exerce uma espécie de ação magnética,
poderíamos supor que o seu efeito estivesse condicionado à qualidade
dos fluidos emanados do homem que ora. Entretanto, não é assim.
Desde que os Espíritos exercem essa influência fluídica sobre os
homens, eles podem suprir, quando for necessário, a insuficiência
daquele que ora, seja por substituírem diretamente o que ora, seja
por dar-lhe momentaneamente uma força excepcional, quando
julgarem que a pessoa que ora é digna desse benefício ou quando
julgam que isso lhe possa ser útil.
O homem que não se considera bom para exercer uma influência
benéfica, não deve renunciar a orar pelas outras pessoas, por alimentarse com a idéia de que não é digno de ser ouvido em seus pedidos. A
própria consciência que tem de sua inferioridade é uma demonstração
de humildade sempre agradável a Deus, que levará em consideração a
intenção caridosa que o anima. O seu fervor e a sua confiança em Deus
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são os seus primeiros passos para o seu retorno ao bem, retorno esse
que os bons Espíritos se sentem felizes de incentivar.
A prece que não se libera do homem é aquela dos orgulhosos,
que só têm fé no seu poder e nas suas qualidades pessoais e que julgam
poder substituir os desígnios do Eterno.
15. O poder da prece está no pensamento. Esse poder não
depende nem das palavras, nem do lugar e nem do momento em
que a prece é feita. Pode-se, portanto, orar em qualquer lugar, a
qualquer hora, sozinho ou junto com outras pessoas. A influência
do lugar e do momento em que se ora é exclusivamente em relação
ao que possa facilitar o recolhimento interior daquele que faz a
prece. A prece em conjunto com outras pessoas tem uma ação mais
poderosa somente quando todos aqueles que oram estão unidos de
coração a um mesmo pensamento e a uma mesma finalidade nobre,
porque, então, é como se muitos clamassem juntos e numa só súplica.
Mas, que adiantaria se as pessoas estivessem reunidas em grande
número, e cada uma delas agisse isoladamente e por interesse só
pessoal? Uma centena de pessoas reunidas pode orar como egoístas,
enquanto que duas ou três, unidas numa mesma aspiração, orarão
como verdadeiros irmãos em Deus, e a sua prece terá mais força do
que a prece daqueles cem egoístas. (Ver capítulo XVIII, itens 4 e 5,
desta mesma obra.)
PRECES COMPREENSÍVEIS
16. Se eu, portanto, não entender o que significam as palavras,
serei como um bárbaro para aquele a quem falo e o que fala sê-lo-á
para mim do mesmo modo. Porque se eu orar numa língua estrangeira,
verdade é que o meu espírito ora, mas o meu entendimento fica sem
fruto. Mas se louvares com o espírito, o que ocupa o lugar do simples
povo dirá Assim Seja, sobre a sua bênção, visto não entender ele o que
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dizes? Verdade é que tu dás bens as graças, mas o outro não é
edificado.(Paulo de Tarso, I Coríntios, capítulo 14, versículos 11, 14,
16 e 17.)
17. A prece só tem valor pelo pensamento de onde ela nasce.
Ora, é impossível fazer nascer uma idéia qualquer daquilo que não
se compreende, pois o que não se compreende, não pode sensibilizar
o coração.
Para a grande maioria das pessoas, as preces com palavras
desconhecidas não passam de uma mistura de coisas que não lhes
dizem nada para o espírito. Para que a prece toque o coração, é
necessário que cada palavra desperte uma idéia. Mas se não
compreendermos o que quer dizer cada palavra, a palavra não pode
despertar em nós nenhuma idéia. Poderemos repetir as palavras de
uma oração, como se fosse uma simples maneira de pedir e como
se a qualidade do pedido estivesse apenas no menor ou maior
número de vezes que o repitamos.
Muitos são os que oram por mero dever. Outros, apenas para
seguir os costumes. Por isso eles se julgam desobrigados dessa
obrigação de orar, já que recitaram uma prece um determinado
número de vezes e numa determinada ordem.
Deus lê o íntimo dos corações.
Ele nos lê os pensamentos e examina a nossa sinceridade. Julgar
que Deus seja mais sensível à nossa forma de orar do que à essência
íntima da fé, seria desconsiderar a Justiça Divina. (Veja capítulo
XVIII, item 2, nesta mesma obra.)
A PRECE PELOS DESENCARNADOS
E PELOS ESPÍRITOS EM SOFRIMENTO
18. A prece é solicitada pelos Espíritos que sofrem após a
desencarnação. Toda prece lhes é um alívio, porque ao verem que
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são lembrados, eles se sentem menos infelizes. A prece tem, para
eles, uma ação mais direta: dá-lhes novo ânimo, estimulando-lhes
o desejo de se elevarem pelo arrependimento de suas faltas e pelo
desejo de repará-las, e pode desviá-los da idéia do mal.
É nesse sentido que a prece pode não somente aliviar, mas
também abrandar os seus sofrimentos. (Veja em O Céu e o Inferno,
a parte: “Exemplos”.)
19. Algumas pessoas não admitem as preces pelos desencarnados,
porque, segundo a crença dessas pessoas, não há para a alma mais
que duas alternativas: ser salva ou ser condenada às penas eternas! E,
para essas pessoas, qualquer que seja a alternativa, a prece será inútil.
Sem discutir o valor dessa crença, admitamos, por alguns
instantes, que as penas eternas fossem reais e sem apelação, e que as
nossas preces fossem incapazes de interrompê-las. Perguntamos se,
nessa situação, é lógico, é caridoso, é cristão recusar orar pelos
condenados? Essas preces, mesmo que incapazes de libertá-los, não
seriam para eles um sinal de piedade, que poderia abrandar seus
sofrimentos?
Na Terra, quando um homem é condenado à prisão perpétua,
mesmo que não haja nenhuma esperança de obter-se a graça da
libertação para ele, é proibido a uma pessoa caridosa dar-lhe alguma
consolação para que ele carregue a cruz de seus enganos mais aliviado?
Quando alguém contrai um mal incurável, se não houver para esse
doente alguma esperança de cura, deve-se abandoná-lo sem nenhum
alívio?
Lembrem-se de que, entre os condenados, pode haver uma
pessoa que lhes foi cara. Pode haver um amigo, talvez um pai, uma
mãe ou um filho. E só porque, segundo vocês que aceitam as penas
eternas, essa pessoa não pode esperar o perdão, vocês poderiam
recusar-lhe um copo d’água para mitigar-lhe a sede? Um bálsamo
que lhe seque as chagas? Vocês não fariam por esse ser amado, o que
fariam por um prisioneiro? Não lhe dariam uma prova de amor,
uma consolação?
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Não! Recusar-se a ampará-la não seria de um cristão!
Uma crença que endurece o coração, não pode ser a mesma
que se fundamenta num Deus que coloca em primeiro lugar os
deveres do amor ao próximo!
A não-eternidade das penas não implica a negação de uma
dolorosa conseqüência temporária para as transgressões das leis
divinas. A Justiça Divina não confunde o bem com o mal. Negar,
neste caso, a eficácia da prece seria negar a eficácia da consolação, do
levantar do ânimo e dos bons conselhos. Seria negar mesmo a energia
que haurimos da assistência moral dos que nos querem bem.
20. Outros não admitem a prece, fundando-se num motivo
que, com aparência de verdade, induz ao erro: a imutabilidade dos
desígnios divinos. Deus – dizem esses outros – não pode mudar as
suas decisões a pedido de suas criaturas. Se não fosse assim, nada
seria estável no mundo, alegam eles. E o homem, portanto, nada
tem de pedir a Deus e lhe cabe apenas submeter-se às leis divinas e
adorar o Senhor.
Há nessa idéia uma falsa colocação do princípio da imutabilidade
da lei divina, ou melhor, há falta de conhecimento da lei, no que se
refere à penalidade futura. Essa lei é revelada pelos Espíritos do
Senhor, a partir do momento em que o homem esteja amadurecido
espiritualmente para compreender o que, na fé religiosa, é conforme
ou contrário aos atributos divinos.
Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, não são
considerados a favor do culpado nem os seus remorsos e nem os
seus arrependimentos! Para o que errou, qualquer desejo de melhorar
é inútil. Ele está condenado a permanecer no mal eternamente. Se
ele estiver condenado por um prazo determinado, a pena se
extinguirá no final desse tempo. Mas quem poderá afirmar que, no
final de suas penas, ele melhorou seus sentimentos? Quem poderá
dizer que, a exemplo de muitos condenados da Terra, ao saírem da
prisão, ele não será tão mau quanto antes? No primeiro caso, seria
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manter na dor do castigo um homem que se voltou para o bem. E
no segundo caso, seria agraciar aquele que continua se alimentando
do desejo do mal.
A Justiça Divina é mais previdente. Sempre justa, equitativa
e misericordiosa, ela não estabelece nenhum prazo de sofrimento
para quem transgride as leis divinas.
A Justiça Divina se resume assim:
21. O homem sempre sofre a conseqüência de seus erros. Não
há uma só infração da lei de Deus, que não resulte em conseqüências
amargas.
A intensidade do sofrimento é proporcional à gravidade do erro
moral.
A duração do sofrimento, para qualquer erro moral, é não
determinada. Ficará subordinada ao arrependimento daquele que
errou e ao seu retorno ao campo do bem. O sofrimento, por isso,
durará tanto quanto seja a sua obstinação no mal. Parecerá um
sofrimento eterno, se a obstinação no mal parecer eterna. Será, porém,
de curta duração se a criatura se arrepender logo.
Assim que o sofredor rogue por misericórdia, ele será ouvido e
receberá a luz da esperança. Mas, para que se liberte das dores morais,
o simples remorso não basta: é necessário a reparação dos males causados
para os outros. Eis porque o que errou moralmente se vê submetido a
novas provações, nas quais ele pode, sempre por sua livre vontade,
fazer o bem a quem fez o mal, reparando assim os seus erros.
O homem é, assim, constantemente o autor de seu próprio
destino. Ele pode abreviar os seus sofrimentos ou prolongá-los por um
tempo indefinido. A sua felicidade ou o seu sofrimento dependem da
sua vontade de fazer o bem.
Tal é a lei!
É lei imutável e reflete inteiramente a bondade e a justiça de
Deus.
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O Espírito culpado e infeliz, ajustado a essa lei magnânima,
pode sempre salvar-se a si mesmo. A Justiça Divina lhe revela quais
são as condições em que ele poderá fazer com que os seus sofrimentos
se abrandem. O que lhe falta, no mais das vezes, é a vontade, a
força, a coragem. Se, pelas nossas preces, lhe inspiramos essa
vontade, se o ampararmos e o encorajarmos; se, pelos nossos
conselhos, lhe dermos as luzes que lhe são necessárias, ao invés de
solicitar a Deus que revogue a sua lei, nós nos tornaremos os instrumentos
para a execução da lei do amor e da caridade, da qual a Justiça Divina
nos torna seus participantes, para que doemos de nós mesmos uma
prova da caridade. (Veja O Céu e o Inferno, 1ª parte, capítulos IV,
VII e VIII.)
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:
MODO DE ORAR
22. O primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro
ato que deve marcar para ela o retorno à vida ativa de cada novo
dia, é o dever da prece.
Quase todos vocês oram, mas quão poucos sabem orar! Que
importam ao Senhor as palavras que vocês pronunciam, sem saber
o que dizem, porque vocês já se habituaram a repeti-las assim como
quem cumpre uma obrigação e que, como toda obrigação, é um
peso incômodo!
A prece do cristão, do Espírita, ou do adepto de qualquer
outro culto religioso, deve ser feita no momento em que o Espírito
retorna ao corpo físico. Ele deve elevar-se aos pés da Majestade
Divina com humildade, com todas as forças de seu coração, com
uma expressão de gratidão por todos os benefícios recebidos até
aquela hora. Agradecer, também, pela noite transcorrida e durante
a qual lhe foi permitido, embora disso não se lembre, retornar junto
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de seus amigos, de seus orientadores espirituais, para haurir, no
contato com eles, mais energia e perseverança no campo do bem.
A prece deve elevar-se humilde aos pés do Senhor,
reconhecendo as fraquezas morais de quem ora e rogando o amparo,
a indulgência, a misericórdia divinas. A prece deve sair do interior
do coração porque é a alma que deve elevar-se para o Criador. É
você que deve se transfigurar como fez Jesus, orando, no Tabor, a
fim de você chegar até Ele com a alma branca e radiosa de esperança
e de amor.
A sua prece deve conter o pedido de graças de que você
necessita realmente. Inútil, portanto, pedir ao Senhor que lhe abrevie
as suas provas, que lhe dê alegrias e a riqueza. Peça-lhe, antes, que
lhe conceda os bens mais preciosos da paciência, da resignação e da
fé. Não diga, como fazem muitos: “Não vale a pena orar, porque
Deus não me atende”.
O que você pede a Deus, na maioria das vezes? Já se lembrou
de pedir-lhe o seu aprimoramento moral? Oh! Não! poucas vezes
você pede pela sua evolução espiritual! O que mais você se lembra
de pedir é o sucesso nos seus empreendimentos materiais e, depois,
você reclama: “Deus não me olha! Se tivesse preocupação comigo,
não existiriam tantas injustiças em minha vida”.
Insensato! Ingrato! Se você examinar o fundo de sua consciência, quase sempre ali você encontrará as causas dos males de que
você se queixa. Peça, então, acima de todos os seus interesses
materiais, o seu aprimoramento moral, e você verá que torrente de
graças e de consolações se derramará sobre você. (Veja o capítulo V,
item 4, desta mesma obra.)
Você deve orar incessantemente, sem que, para isso, você
precise recolher-se num lugar especial e nem que você caia de joelhos
pelas ruas. A prece diária é o cumprimento de seus deveres, mas
sem excluir os outros deveres de sua vida diária, qualquer seja a
natureza desses deveres.
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PEDI E OBTEREIS
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Não é, também, um ato de amor ao Senhor, quando você
cumpre o dever de assistir seus irmãos numa necessidade qualquer,
seja moral ou física? Não é um ato de gratidão ao Senhor elevar-lhe
o pensamento quando uma felicidade chega a você, quando um
acidente é evitado, quando mesmo uma simples contrariedade o
toca e você diz: “Graças a Deus!”? Não é um gesto de arrependimento
você se humilhar diante do Juiz Supremo, quando sente que caiu
moralmente, mesmo que seja tão só por um desejo infeliz, e você
lhe diz: “Desculpe-me, meu Deus, porque errei! (por orgulho, por
egoísmo ou por faltar com a caridade)? Ajude-me a não errar mais
e me dê, forças para corrigir meu erro”?
Esses fatos independem de suas orações regulares da manhã,
da noite e dos dias consagrados a Deus. Como você observa, a prece
pode ser de todos os minutos de sua vida comum, sem necessidade
de nenhuma interrupção de seus trabalhos diários. O pensamentooração, no curso de seu dia, santifica as suas atividades. Tenha certeza
de que um só desses pensamentos, partido do coração, é mais ouvido
pelo seu Pai Celestial do que as longas orações recitadas por hábito,
quase sempre sem motivação espiritual, apenas porque a hora
convencional chama para rezar, dizendo palavras que não saem do
seu coração. (V. Momod, Bordéus, 1862.)
FELICIDADE DA PRECE
23. Venham, todos vocês que desejam crer. Os Espíritos Celestiais
chegam e vêm lhes anunciar grandes coisas!
Deus, meus, filhos, abre as suas riquezas espirituais, para lhes
distribuir todos os benefícios.
Homens incrédulos! Se vocês soubessem quanto a fé faz bem
ao coração e quando induz a alma ao arrependimento de seus erros
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CAPÍTULO XXVII
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e induz, também, à oração! A prece! Ah! Como são tocantes as
palavras que saem da boca e do coração no momento da prece!
A prece é o orvalho divino que abranda o grande fogo das
paixões. Filha dileta da fé, a prece nos ajusta no caminho que conduz
a Deus. No recolhimento e na solidão da oração, vocês se encontram
com Deus. Para vocês, então, já não há mais mistérios, uma vez
que os mistérios lhes são revelados.
Apóstolos desta idéia, para vocês a verdadeira vida se abre. A
sua alma se despoja do jugo das paixões e cresce para esses mundos
infinitos e etéreos que os homens comuns desconhecem.
Avancem, avancem pelos caminhos da prece e vocês ouvirão
as Vozes dos Céus. Que harmonia! Já não são os sons confusos e
primários e estridentes da Terra. É a harmonia celestial. São as vozes
suaves e doces dos que amam, mais leves que as brisas matinais que
roçam as folhagens de seus arvoredos.
Com que brandura, então, vocês caminharão!
A linguagem da Terra não poderia exprimir essa ventura, que
os envolve por todos os poros, tão viva e repousante é a energia que
recolhemos na fonte das orações! Doces vozes, inebriantes perfumes
que a alma ouve e aspira quando, pela prece, ela se eleva a regiões
celestiais, habitadas por Seres de Luz!
Sem a mistura dos desejos carnais, todas as aspirações são
divinas.
E vocês, também, orem como o Cristo. Orem carregando a
sua cruz para o seu Calvário. Carreguem a sua cruz e vocês sentirão
as doces emoções que banhavam a alma de Jesus, embora Ele
carregasse o madeiro infamante.
Ele, o Mestre, seguia para morrer na Terra, mas para da Cruz
viver na vida celestial, na morada de seu Pai. (Agostinho, Paris, II
1861.)
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PEDI E OBTEREIS
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PREÂMBULO
1. Os Espíritos têm sempre dito: “A forma da prece nada
vale. O pensamento é tudo. Ore cada um segundo as suas convicções
religiosas, desde que essa oração toque muito o coração. Um bom
pensamento vale mais que mil palavras que não saiam do coração”.
Os Espíritos não estabelecem nenhuma fórmula exata para
as preces. Quando sugerem alguma prece, eles têm por finalidade
orientar as idéias de quem ora e, sobretudo, assim fazem para chamar
a atenção sobre certos princípios da Doutrina Espírita.
Fazem-no, pois, com a finalidade de ajudar as pessoas que
sentem dificuldades para exprimir suas idéias, porque essas pessoas
têm a sensação de não terem orado realmente, porque os seus
pensamentos não estavam ordenados e claros.
A coleção de preces, que constam desta parte da obra, é uma
escolha feita entre muitas daquelas preces que foram transmitidas
pelos Espíritos em diferentes ocasiões. Os Espíritos podem ter
transmitido outras, e com outras palavras, apropriadas a certas idéias
ou a casos especiais. Mas pouco ou nada importa a forma das orações,
se o pensamento fundamental é o mesmo.
A finalidade da prece é elevar a nossa alma a Deus.
A diversidade das fórmulas não deve estabelecer nenhuma
diferença entre aqueles que crêem em Deus e, menos ainda, nenhuma
diferença entre os Espíritas, porque Deus aceita todas as preces que
sejam sinceras.
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CAPITULO
CAPÍTULO XXVIII
XXVII
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Não se deve, portanto; considerar esta coleção de preces como
uma espécie de formulário único, mas, tão-somente, como uma
variedade de orações recolhidas das mensagens transmitidas pelos
Espíritos. É um meio de aplicação dos princípios da moral evangélica
desenvolvida neste livro, um complemento às suas comunicações
sobre os deveres para com Deus e com o próximo e no qual serão
lembrados todos os princípios da Doutrina Espírita.
O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os
cultos religiosos, quando elas saem do coração e não sejam ditas
apenas pelos lábios. O Espiritismo não impõe nenhuma e não
condena nenhuma oração. Deus é sumamente grande, segundo a
Doutrina Espírita, para repelir a voz que implora ou que lhe cante
louvores, não fazendo distinção entre as criaturas que oram de uma
ou de outra maneira. Quem quer que condene as preces que não
constem de seu formulário, demonstrará que desconhece a grandeza
de Deus. Acreditar que Deus esteja preso a uma fórmula de prece, é
emprestar-lhe a pequenez e as paixões características do homem.
Uma condição essencial para a prece, segundo Paulo de Tarso
(Cap. XXVII, item 16), é a oração ser compreensível, a fim de que
ela possa falar ao nosso coração. Para que a prece seja entendida
pelo coração, não basta que seja proferida em uma língua que aquele
que ora compreenda. Há preces em linguagem popular que não
dizem ao nosso pensamento muito mais do que uma oração feita
numa língua que nos seja estranha e que, por isso mesmo, não
chegam ao coração. As raras idéias que elas contêm são, em geral,
sufocadas pelo excesso de palavras e pelo misticismo da linguagem.
A principal qualidade da prece é ser clara, simples e resumida,
sem frases inúteis ou falsas idéias, que são apenas coisas vazias e sem
significação. Cada palavra deve ter o seu valor, revelar uma idéia,
tocar fundo no coração.
Em resumo, a prece deve levar à meditação serena. É somente
assim que a prece pode alcançar a sua finalidade. De outro modo,
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não passa de sons sem sentido. Notem, entretanto, com que ar de
distração e com que descaso as orações são proferidas na maioria
das vezes. Movem-se os lábios e há um surdo e rápido sussurro.
Mas pela expressão do rosto, que acompanha o sussurro dos lábios,
reconhece-se um ato mecânico, puramente exterior, que não sai do
coração.
As preces reunidas nesta coleção estão divididas em cinco
categorias:
1) Preces gerais;
2) Preces pela própria pessoa que ora;
3) Preces pelos encarnados;
4) Preces pelos desencarnados e
5) Preces pelos doentes e pelos obsidiados.
Com a finalidade de chamar mais particularmente a atenção
sobre o objetivo de cada prece, e para fazer mais compreensível o
conteúdo de cada uma delas, todas as categorias de preces são
precedidas de uma mensagem de abertura, uma espécie de exposição
de motivos, sob o título de prefácio.
I – PRECES GERAIS
ORAÇÃO DO SENHOR
(Pai-Nosso)
2. Prefácio. Os Espíritos recomendaram colocar a Oração do
Senhor (Pai-Nosso), na abertura desta coleção, não somente como
prece, mas também como símbolo. De todas as preces, esta é a que
eles colocam em primeiro lugar, seja porque vem do próprio Jesus
(Mateus, 5: 9 a 13), seja porque ela pode substituir todas as outras,
conforme os pensamentos que a ela unam os que oram.
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CAPÍTULO XXVIII
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Esta oração é o mais perfeito modelo de síntese, verdadeira
obra-prima da sublimidade na sua simplicidade. Com efeito, sob a
forma mais reduzida, ela resume todos os deveres do homem para
com Deus, para com o próprio que ora, para com o próximo. Ela
corresponde a uma confissão de fé, um ato de adoração e de
submissão a Deus. Ela traz o pedido das coisas necessárias para a
vida e o princípio da caridade. Quem a diga, em intenção de alguém,
está pedindo para esse alguém o que pediria para si mesmo.
Todavia, por causa mesmo de essa oração ser curta, o sentido
profundo encerrado em algumas das palavras de que ela se compõe,
não é entendido pela maior parte das pessoas. Por isso, essas palavras
são repetidas, por algumas pessoas, de um modo muito vago e
geral, sem que elas compreendam o sentido de cada uma de suas
frases. Recitam-na como uma fórmula mística, cuja eficácia é
proporcional ao número de vezes que seja repetida. É esse número
de vezes, quase sempre, é cabalístico: três, sete ou nove vezes. Esses
números foram retirados de antiga crença supersticiosa, alimentada
sobre o poder mágico dos números e do uso desses números nos
rituais de magia.
Para preencher o vazio que a brevidade dessa prece deixa no
pensamento de alguns, ajuntamos a cada uma de suas proposições,
seguindo o conselho e com a assistência dos bons Espíritos, um
comentário que lhe esclarece o sentido e mostra as suas aplicações
na vida diária.
De acordo, portanto, com a situação e o tempo disponível,
aquele que ore poderá dizer a Oração do Senhor ou na sua forma
original ou na forma comentada que aqui apresentamos.
3. PRECE – I. Pai-nosso, que estais no céu, santificado seja o
vosso nome!
Cremos em vós, Senhor, porque tudo nos revela o vosso poder
e a vossa bondade. A harmonia do Universo é a demonstração de
uma sabedoria, de uma prudência, de uma previdência, que estão
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acima de todas as faculdades dos homens. O nome de um Ser
Soberanamente grandioso e sábio está inscrito em todas as obras da
Criação, desde o raminho da pequenina erva e do menor dos insetos
até aqueles astros que se movem no infinito do espaço. Por toda
parte vemos a prova de vossa atenção paternal. Por isso cego é aquele
que não vos reconhece pelas vossas obras. Orgulhoso é aquele que
não vos glorifica e ingrato é aquele que não vos rende graças.
II. Venha a nós o vosso Reino!
Senhor, destes aos homens leis repletas de sabedoria e que
fariam a felicidade deles, se eles se ajustassem a essas leis divinas.
Com essas leis, eles fariam reinar, entre eles, a paz e a justiça. Eles se
ajudariam uns aos outros, ao invés de se prejudicarem, como o
fazem. O forte ampararia o fraco, ao invés de esmagá-lo. Eles
evitariam os males que geram os abusos e os excessos de toda
natureza. Todos os sofrimentos deste mundo nascem do desrespeito
às vossas leis, Senhor, porque não há um só desrespeito a essas leis
que não traga conseqüências dolorosas.
Destes ao animal irracional o conjunto de instintos que lhe
mostra o limite do que lhe é necessário para a existência, e ele a isso
se ajusta. Ao homem, porém, além desses instintos, destes a inteligência e a razão. Destes-lhe, também, a liberdade de cumprir ou
desrespeitar aquelas de vossas leis que pessoalmente dizem respeito
à sua evolução, ou seja, a liberdade de escolher entre o bem e o mal,
a fim de que seja dele o mérito e a responsabilidade de suas ações.
Ninguém pode alegar ignorância de vossas leis, pois, na vossa
previdência paternal, quisestes que essas leis fossem gravadas na
consciência de cada homem, sem distinção de culto religioso ou de
nacionalidade. Aqueles que violam essas leis é porque querem
desrespeitá-las, mas não porque não as conheçam.
Dia virá em que, segundo a vossa promessa, todos as
praticarão. A própria incredulidade, então, desaparecerá nesse dia.
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CAPÍTULO XXVIII
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Todos vos reconhecerão por soberano Mestre de todas as coisas e o
reinado de vossas leis estabelecerá o vosso Reino na Terra.
Dignai-vos, Senhor, de apressar a vinda desse Reino para a
Terra, dando aos homens a luz necessária para conduzi-los ao
caminho da verdade.
III. Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu!
Se a submissão é um dever do filho para com o pai, do
subordinado para com o seu superior hierárquico, quanto maior
não devem ser os deveres da criatura para com o Criador! Fazer a
vossa vontade, Senhor, é praticar as vossas leis e se submeter, sem
queixas, aos vossos desígnios divinos. O homem se submeterá às
disposições da Justiça Divina, quando compreender que sois a fonte
de toda a sabedoria e que sem vós ele nada pode fazer. Então, ele
cumprirá a vossa vontade na Terra, como a cumprem os eleitos,
que estão no Céu.
IV. Dai-nos o nosso pão de cada dia.
Dai-nos o alimento necessário para a sustentação das forças
de nosso corpo físico. Dai-nos, também, o alimento espiritual
necessário para a evolução moral de nosso espírito.
O animal selvagem encontra o seu alimento, mas o homem
deverá obtê-lo através de suas próprias atividades e utilizando os
recursos de sua inteligência, porque o criastes livre para escolher os
meios de sua existência.
Vós lhe dissestes: “Tu tirarás o alimento da terra, com o suor
de teu rosto”. Com isto, fizestes do trabalho uma obrigação, a fim
de que se desenvolva a inteligência na busca dos meios de atender as
próprias necessidades vitais e o bem-estar da criatura humana, uns
pelo trabalho manual e outros pelo trabalho intelectual. Sem o
trabalho o homem se manteria estacionado na escalada evolutiva e
não poderia aspirar à felicidade dos Espíritos Superiores.
Ajudais o homem de boa vontade que se confia a vós para ter
o necessário para a existência. Não ajudais, porém, àquele que se
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contenta com a ociosidade e que gostaria de tudo obter sem nenhum
trabalho, nem àquele que busca o supérfluo. (Cap. XXV.)
Quantos não são os que caem por seus próprios erros, pelo
seu descuido, pela sua imprevidência ou pela sua ambição e por não
quererem contentar-se com o que lhes destes! São esses os artesões
do seu próprio infortúnio e que não têm o direito de se queixarem.
Eles sofrem naquilo que fizeram sofrer os outros. Porém, a esses
mesmos vós não os abandonais, porque sois infinitamente
misericordioso. Estendei-lhes as mãos para socorrê-los desde que,
como filhos pródigos, eles retornem sinceramente à vossa presença
paternal. (Cap. V, item 4.)
Antes de queixar-nos do nosso destino, indaguemo-nos se o
destino não é o resultado de nossas próprias obras. A cada infelicidade
que nos chegue, indaguemo-nos se não dependeu de nossas decisões
tê-la evitado. Digamos a nós mesmos, também, que Deus nos
concedeu a inteligência para sairmos das dificuldades, mas que isso
dependerá do uso que fizemos de nosso livre-arbítrio.
Já que da lei do trabalho depende o estado do homem sobre
a Terra, dai-nos a coragem e a força de cumprir essa lei. Dai-nos,
também, a prudência, a previdência e a moderação das nossas
necessidades, a fim de não perdermos o fruto de nossas obras.
Dai-nos, pois, Senhor, nosso pão de cada dia, ou seja, os meios
de adquirir, pelo trabalho, as coisas necessárias para a vida, porque
ninguém deve pedir o supérfluo.
Se estivermos impossibilitados de trabalhar, nós nos entregamos
ao socorro da Providência Divina.
Se está nos desígnios da Justiça nos provar pelas mais duras
privações, apesar de nossos esforços no bem, nós as aceitaremos
como uma justa expiação dos erros que cometemos nesta vida ou
em reencarnações passadas, porque as leis divinas são justas. Sabemos
que não há expiação não merecida e que não sofremos senão as
conseqüências de nossos próprios enganos.
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Livrai-nos, ó Senhor, de invejarmos aquilo que os outros têm
e que nós não temos ou mesmo as coisas que os outros tenham
acima de suas necessidades, ainda que a nós nos falte o necessário
para a vida. E perdoai-lhes, Senhor, se eles esquecem a lei da caridade
e a do amor ao próximo, que lhes ensinastes. (Cap. XVI, item 8.)
Afastai também, de nosso espírito a idéia de negar a vossa
Justiça quando vemos a prosperidade dos maus e a infelicidade que
cai, por vezes, sobre os homens que trabalham no campo do bem.
Já sabemos, graças às novas luzes espirituais, que nos destes sobre as
vossas leis, que a vossa justiça sempre se cumpre e não exclui
nenhuma pessoa. Assim é que sabemos que a prosperidade material
do maldoso é tão passageira quanto a sua existência corporal, e que
ele experimentará dolorosas decepções, enquanto que a alegria
reservada ao que sofre com resignação será eterna. (Cap. V, itens 7,
9, 12 e 18.)
V. Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos que nos
devem. – Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aos que nos
ofenderam.
Cada uma de nossas infrações à vossa lei, Senhor, é uma ofensa
contra a nossa própria natureza divina. É um dívida contraída com
a lei de amor que, cedo ou tarde, teremos de resgatar. Rogamos que
nos perdoeis com a vossa infinita misericórdia, sob a promessa de
fazermos esforços para não contrair novos compromissos por
desrespeito às vossas leis.
Fizestes, para todos nós, a lei decisiva da caridade. Mas, a
caridade não está somente em amparar o semelhante nas suas
necessidades. Ela está, também no esquecimento e no perdão das
ofensas. Com que direito suplicaremos por vossa indulgência, se
faltarmos com a indulgência para com aqueles de quem nos
queixamos?
Dai-nos, Senhor, a força de sufocar em nossa alma todo o
ressentimento, todo o ódio e todo o rancor. Fazei com que a
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desencarnação não nos surpreenda com um desejo de vingança no
coração. Se for de vossa vontade retirar-nos hoje mesmo deste
mundo, fazei que possamos apresentar-nos diante de Vós despojados
de toda má vontade, de todo o rancor, a exemplo do Cristo, cujas
últimas palavras foram em benefício de seus algozes. (Cap. X.)
As perseguições que os maus promovem contra nós fazem
parte de nossas provações terrenas. Devemos aceitá-las sem
murmurar, assim como devemos aceitar todas as outras provas sem
maldizer aqueles que, por suas maldades, nos abrem, assim, o caminho da felicidade eterna. É que nos dissestes, através de Jesus:
“Bem-aventurados os que sofrem pela justiça!”. Bendizemos,
portanto, a mão que nos fere e nos humilha, porque os sofrimentos
impostos ao corpo nos fortalecem a alma e seremos elevados com a
humildade que assim conquistarmos. (Cap. XII, 4.)
Bendito seja o vosso nome, Senhor, por nos ter revelado que
o nosso destino não está irrevogavelmente fixado após a desencarnação. Por nos ter revelado que teremos, numa outra existência, os
meios de resgatar e de reparar os nossos erros morais passados. De
realizar numa nova reencarnação o que não pudermos fazer nesta
para a nossa evolução espiritual. (Cap. IV e Cap. V, item 5.)
Essas revelações, afinal, esclarecem todas as aparentes anomalias da vida. Essa é a luz que se faz sobre o nosso passado e sobre
o nosso futuro eterno. É um sinal luminoso de vossa soberana justiça
e de vossa bondade infinita.
VI. Não nos deixeis cair na tentação, mas livrai-nos do mal! (1)
1. Algumas traduções trazem: “Não nos induzais às tentações (et ne nos inducas in
tentationem). Essa expressão daria a entender que a tentação vem de Deus, que Deus
impeliria voluntariamente o homem para o mal. Essa idéia é um ultraje e nem poderia ter
sido de Jesus. Essa idéia é da doutrina vulgar sobre o papel dos demônios. (Ver em O Céu
e o Inferno, capítulo X, “Os demônios”.)
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Dai-nos, Senhor, a força de resistir às más sugestões de alguns
Espíritos que tentarão desviar-nos da senda do bem, inspirandonos pensamentos infelizes.
Mas, nós mesmos, somos Espíritos imperfeitos, reencarnados
neste mundo para resgatar nossas dívidas morais e evoluirmos. A
causa primeira do mal, por isso, está em nós mesmos. Os Espíritos
que nos queiram induzir às más inclinações que trazemos em nós
mesmos nada mais fazem que ampliar as nossas tendências viciosas,
nas quais buscam conservar-nos, para que nos arrojemos a novas
quedas morais.
Cada imperfeição é porta aberta para essas influências, tanto
que eles são impotentes e renunciam a qualquer tentativa de perturbar
as almas perfeitas. Tudo o que fizermos para distanciar-nos deles
será inútil, se não lhes opusermos uma vontade inabalável de
permanecermos no campo do bem e uma total renúncia do mal. É,
pois, contra as nossas próprias inclinações infelizes que devemos
dirigir todos os nossos esforços para dominá-las e reformá-las.
Somente com isso é que os Espíritos maldosos se distanciarão,
porque o mal que está em nós é que os atrai, enquanto que o bem
os distancia de nós. (Ver, adiante, “Preces pelos Obsidiados”.)
Senhor, amparai-nos em nossas fraquezas morais. Inspirainos, pelo voz de nossos mentores Espirituais e de todos os bons
Espíritos a vontade de nos corrigir em nossas imperfeições, a fim
de impedirmos aos Espíritos inferiores o acesso à intimidade de
nosso coração. (Veja-se, adiante, o item 11.)
O mal não é obra vossa, Senhor, porque a fonte de todo o
bem não poderia gerar o mal. Somos nós mesmos os criadores do
mal, ao desrespeitarmos as vossas leis e pelo mau uso que fazemos
da liberdade que nos concedestes. Quando os homens respeitarem
as vossas leis, o mal desaparecerá da Terra, como já desapareceu dos
mundos mais evoluídos.
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O mal não é uma necessidade fatal para nenhuma pessoa. Ele
só parece irresistível para aqueles que se abandonaram com agrado
pessoal ao próprio mal. Se é por nossa própria vontade que fazemos
o mal, então será pela nossa própria vontade que poderemos fazer o
bem. Eis porque, ó meu Deus, nós solicitamos a vossa assistência e
a amparo dos bons Espíritos para resistir às nossas próprias tentações.
VII. Assim seja.
Determinai, Senhor, que os nossos bons desejos se realizem!
Curvamo-nos, porém, diante de vossa sabedoria infinita. Que todas
as coisas que não possamos compreender sejam feitas segundo a
vossa santa vontade, e não segundo a nossa. É que sabeis, mais do
que nós, o que nos convém espiritualmente.
Nós vos dirigimos esta prece, ó meu Deus! por nós mesmos,
mas também a dirigimos por todas as almas sofredoras, encarnadas
ou desencarnadas; por todos os nossos amigos e inimigos, por todos
aqueles que solicitam a nossa assistência e, em particular por .....
(diz o nome da pessoa por quem se ora).
Suplicamos para todos a vossa misericórdia e as vossas bênçãos.
Nota – Aqui podem ser feitos os agradecimentos a Deus pelas graças recebidas,
e o que se deseja pedir para si e para as outras pessoas. (Veja as preces dos
itens 26 e 27.)
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CAPÍTULO XXVIII
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REUNIÕES ESPÍRITAS
4. Onde quer que se encontrem duas ou três pessoas reunidas
em meu nome, eu estarei no meio delas. (Mateus, capítulo 18,
versículo 20.)
5. Prefácio. Para estarem reunidas em nome de Jesus, não
basta que as pessoas estejam fisicamente de corpo presente. É
necessário estarem reunidas espiritualmente, pela comunhão de
intenções e de pensamentos, voltadas para o bem. Jesus, então, se
encontrará no meio dessa reunião, Ele mesmo ou os Espíritos Puros
que O representam.
O Espiritismo nos faz compreender a maneira pela qual os
Espíritos podem estar entre nós. Eles comparecem com o seu corpo
fluídico ou espiritual e com as características pessoais que nos fariam
reconhecê-los, se eles se tornassem visíveis. Quanto mais elevados
na hierarquia moral e intelectual, maior é o seu poder de radiação.
É assim que, dominando o dom da ubiqüidade, podem estar em
muitos lugares ao mesmo tempo. Basta, para isso, que enviem uma
onda de seus pensamentos para cada lugar em que queiram estar ou
em que os chamem.
Pelas palavras de Jesus, anotadas por Mateus, o Mestre quis
demonstrar o efeito da união dos bons pensamentos e a força da
fraternidade. Veja-se que não é a reunião de muitas ou de poucas
pessoas que o atrairá, porque, ao invés de dizer duas ou três pessoas
Ele poderia ter dito dez ou vinte. Mas o que atrai os Espíritos Puros
e o próprio Senhor é o sentimento de caridade que anima os que se
reúnem. Ora, para alimentar esse sentimento de caridade recíproca,
bastará que sejam duas as pessoas reunidas.
Mas, se essas duas pessoas, embora fisicamente juntas, orarem
cada uma em separado, mesmo se dirigindo a Jesus, elas não estarão
em comunhão de idéias. E não estarão, em comunhão de idéias se,
principalmente, não estiverem movidas de um sentimento de mútuo
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afeto. Se ambas se olharem com prevenção, com ódio, inveja ou
ciúmes, as ondas fluídicas de seus pensamentos se repelem ao invés
de se unirem por um impulso de mútua simpatia. Então, não estão
reunidas em nome de Jesus. Jesus aí não é mais que uma desculpa
para a reunião, não sendo o Mestre o verdadeiro objetivo. (Cap.
XXVII, item 9.)
Isso não quer dizer que Jesus se faça surdo ao chamado de
uma pessoa só. Se ele não disse: “Eu atenderei a qualquer um que
me chamar”, é porque Jesus quer, antes de tudo, o amor ao próximo.
E desse amor, podem ser dadas mais provas quando vários se reúnem
e comungam entre si os mesmos sentimentos nobres. Aquele que
se isola está cultuando um sentimento pessoal, que nega seu amor
ao próximo. Por conseqüência se, numa reunião de muitas pessoas,
duas ou três estiverem ligadas pelo coração, com o sentimento da
verdadeira caridade fraternal, enquanto que as muitas outras estejam
cultuando idéias egoísticas ou mundanas, Jesus estaria com aquelas
duas ou três pessoas e não com as demais.
Jesus está onde estiver o amor fraternal.
Não é, portanto, pelas palavras recitadas juntamente por todos
ou pelos hinos cantados em conjunto ou pelos atos ritualísticos
que se constitui uma reunião em nome de Jesus. A reunião em seu
nome tem os sinais da comunhão de pensamentos dentro do
sentimento de caridade, tão bem vivida pelo próprio Mestre. (Cap.
X, itens 7 e 8; Cap. XXVII, itens 2 e 4.)
Essa deve ser a característica das reuniões Espíritas sérias, ou
seja, daquelas reuniões em que se deseja sinceramente a contribuição
dos bons Espíritos.
6. PRECE (no começo da reunião) – Suplicamos ao Senhor
Deus, todo-poderoso, enviar-nos os bons Espíritos para nos amparar,
afastando aqueles que poderiam induzir-nos ao erro. Suplicamos para
nos dar o conhecimento necessário para distinguir a verdade da mentira.
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Afastai, também os Espíritos maldosos, encarnados e
desencarnados que poderiam tentar lançar a desunião entre nós e nos
desviar da caridade e do amor ao próximo. Se alguns deles procurarem
introduzir-se aqui, fazei que eles não encontrem acesso no coração de
nenhum de nós.
Bons Espíritos, que vos dignais de vir nos instruir, tornai-nos
dóceis aos vossos conselhos. Libertai-nos de toda idéia de egoísmo, de
inveja e de ciúmes, inspirando-nos a indulgência e a benevolência
para com todos os nossos semelhantes, presentes ou ausentes, para com
os nossos amigos ou inimigos. Fazei, enfim, que pelos sentimentos de
que somos animados, reconheçamos a vossa salutar influência.
Dai aos médiuns que encarregardes de nos transmitir os vossos
ensinamentos a consciência da santidade do mandato que lhes é
confiado e a gravidade do ato que vão praticar, a fim de que eles o
façam com o fervor e o recolhimento necessários.
Se, em nossa reunião, estiverem pessoas movidas por outros
sentimentos que não sejam os do bem, abri os seus olhos à luz da
revelação e perdoai-lhes, como nós as perdoamos, se elas vieram com
más intenções.
Pedimos especialmente ao Espírito... (diz o nome do Espírito
que é o orientador das reuniões), nosso mentor Espiritual, de nos assistir
e velar por nós.
7. PRECE (para o fim da reunião) – Agradecemos aos bons
Espíritos que se dignaram vir comunicarem-se conosco. Pedimos que
nos ajudem a colocar em prática as instruções que nos deram e façam
que, ao sair daqui, cada um de nós se sinta fortalecido para a prática
do bem e do amor ao próximo.
Desejamos, igualmente, que essas instruções sejam proveitosas
aos Espíritos sofredores, ignorantes ou viciosos, que puderam assistir a
esta reunião e para os quais imploramos a misericórdia de Deus.
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PARA OS MÉDIUNS
8. Nos últimos tempos, diz o Senhor, eu derramarei do meu
Espírito sobre toda a carne; e os vossos filhos e vossas filhas
profetizarão, os vossos jovens terão visões e os vossos anciãos sonharão
sonhos. – E também do meu Espírito derramarei sobre os meus
servos e as minhas servas, naqueles dias, e profetizarão. (Atos dos
Apóstolos, Cap. 2, versículos 17 e 18.)
9. Prefácio. O Senhor quis que a luz se fizesse por sobre todos
os homens e penetrasse por todas as partes pela voz dos Espíritos.
Assim, cada um poderia adquirir a prova da imortalidade da alma.
Com essa finalidade é que os Espíritos se manifestam hoje em todos
os lugares da Terra e, por isso, é que a mediunidade desponta em
pessoas de todas as idades e de todas as condições, nos homens e nas
mulheres, nas crianças e nos velhos. É um dos sinais de que chegaram
os tempos anunciados pelos profetas da Antigüidade.
Para conhecer as coisas do mundo visível e descobrir os
segredos da natureza material, Deus concede ao homem a vida do
corpo físico, os sentidos e os instrumentos próprios para pesquisas.
Com o telescópio, o homem mergulha o seu olhar nas profundezas
do espaço celestial e, com o microscópio, o homem descobre o
mundo dos infinitamente pequenos.
E, para que o homem penetre na pesquisa do mundo
espiritual, invisível e inacessível a seus sentidos comuns, Deus lhe
concedeu a mediunidade.
Os médiuns são os intérpretes encarregados de transmitir aos
homens os ensinamentos dos Espíritos. Poderemos dizer que os
médiuns são os órgãos materiais pelos quais se exprimem os Espíritos,
para se expressarem de maneira inteligível aos homens. A missão
desempenhada pelos médiuns é santa, porque ela tem por finalidade
abrir os horizontes da vida eterna para todos os encarnados.
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Os Espíritos vêm instruir os homens sobre o seu destino
futuro, a fim de reconduzi-los à senda do bem e não para liberá-los
do trabalho material, que o homem deve executar neste mundo
para desenvolver a sua inteligência e não para favorecê-lo na sua
ambição ou cobiça.
Eis aí do que os médiuns devem compenetrar-se bem, para
não fazerem mau uso de sua faculdade. Aquele que se compenetra
da gravidade do mandato de que está investido, deverá realizá-lo
religiosamente. Sua consciência o condenaria, como um ato
verdadeiramente condenável, se transformasse a sua faculdade em
divertimento ou distração para si ou para outras pessoas, uma vez
que ela lhe foi concedida para uma finalidade bastante séria e que o
coloca em comunicação com os seres do mundo espiritual.
Como intérpretes dos ensinamentos dos Espíritos, os médiuns
devem desempenhar um papel importante na transformação moral
dos homens, que se opera neste momento. Os serviços que os
médiuns podem prestar guardam relação com a boa orientação que
derem à sua faculdade. É que aqueles médiuns que seguem o mau
caminho são mais prejudiciais que úteis para a causa do Espiritismo.
Pelas más impressões que estes médiuns produzem, eles retardam
mais de uma conversão. Eis por que eles terão de prestar contas do
mau uso que fizeram das faculdades que lhes foram concedidas
para o bem de seus semelhantes.
O médium que quer conservar a assistência dos bons Espíritos
deve trabalhar pela sua própria melhoria moral e intelectual. Aquele
que deseja ver tornar-se útil e desenvolvida a sua faculdade deve, ele
mesmo, crescer moralmente e abster-se de tudo o que possa desviála de seu fim providencial.
Se os bons Espíritos se servem às vezes, de médiuns imperfeitos
moralmente, é para dar-lhes bons conselhos e procurar levá-los ao
campo do bem. Mas se esses Espíritos se encontram com corações
endurecidos no mal, e se os seus conselhos não são seguidos, eles se
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retiram e os Espíritos maldosos têm, então, o campo livre para a
sua influência infeliz. (Cap. XXIV, itens 11 e 12.)
A experiência demonstra que entre os que não aproveitam os
bons conselhos que recebem dos bons Espíritos, as comunicações,
após trazerem alguns clarões da verdade durante um certo tempo,
degeneram, pouco a pouco, e terminam caindo no erro, no palavreado sem muito sentido e no ridículo, sinais indiscutíveis do
afastamento dos bons Espíritos.
Obter a assistência dos bons Espíritos e despojar-se dos
Espíritos levianos e mentirosos, esse deve ser o objetivo dos esforços
constantes de todos os médiuns sérios. Sem isso, a mediunidade
será uma faculdade estéril que pode mesmo tornar-se em prejuízo
daquele a quem foi concedida, porque ela pode degenerar em uma
obsessão perigosa.
O médium que compreende o seu dever, ao invés de orgulharse de uma faculdade que não lhe pertence, desde que lhe pode ser
retirada, atribui a Deus as boas coisas que obtém através dela. Se as
mensagens que recebe merecem elogios, que o médium não se
envaideça com isso, porque ele sabe que essas comunicações não
dependem de suas qualidades pessoais. Antes, agradeça a Deus por
ter permitido que bons Espíritos viessem se manifestar através dele.
Se as mensagens que transmite são passivas de crítica, que o médium
não se ofenda, porque a comunicação não é obra de seu próprio
espírito. Antes reconheça não ter sido um bom intermediário e que
não possui todas as qualidades necessárias para impedir a intromissão
dos Espíritos maldosos. Eis por que esse médium deve tratar de
adquirir as qualidades que lhe faltam e pedir, em prece, a força
moral que lhe falta para atrair os bons Espíritos.
10. Prece – Deus Todo-Poderoso, permiti que os bons
Espíritos me assistam na comunicação que eu solicito. Preservaime da presunção de me julgar livre dos Espíritos sofredores; do
orgulho que me induza a enganar-me sobre o valor do que eu
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obtenha, e de todo sentimento contrário à caridade para com os
outros médiuns.
Se eu for induzido ao erro, inspirai a alguém a idéia de me
alertar sobre o erro e inspirai a mim a humildade que me faça aceitar
a crítica com gratidão e aceitar para mim mesmo, e não para os
outros, os conselhos que os bons Espíritos transmitirem por meu
intermédio.
Se eu me sentir tentado a enganar, seja no que for, ou se me
envaidecer da faculdade mediúnica que vos agradou conceder-me,
eu vos peço que a retireis de mim, o que é preferível do que vê-la
desviada de sua finalidade providencial, que é a do bem de todos e da
minha própria evolução moral.
II – PRECES PELA PRÓPRIA PESSOA QUE ORA
AOS ESPÍRITOS PROTETORES
E AOS MENTORES ESPIRITUAIS
11. Prefácio. Todos nós temos um bom Espírito que está
ligado a nós desde o nosso nascimento e que nos tomou sob a sua
guarda e proteção. Ele desempenha, junto de nós, a missão de um
pai diante de um seu filho, que é a de induzir-nos ao caminho do
bem e da evolução moral através das provas da vida. Ele se sente
feliz quando nós correspondemos aos seus cuidados e sofre quando
nos vê cair em erros.
O nome dele pouco importa porque pode ocorrer que ele
não tenha um nome que nos seja de alguém conhecido na Terra.
Poderemos invocá-lo, então, como nosso Espírito Protetor, nosso
bom gênio. Poderemos mesmo invocá-lo sob o nome de um
Espírito Superior, pelo qual sintamos simpatia.
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Além de nosso Espírito Protetor, que é sempre um Espírito
superior a nós mesmos, temos os mentores Espirituais que, por
serem de categoria menos elevada, não são menos bons e benevolentes.
Os Mentores Espirituais são parentes ou amigos ou, algumas vezes,
são pessoas que conhecemos em reencarnações anteriores. Eles nos
amparam com os seus conselhos e, com freqüência, com a sua
intervenção nos acontecimentos de nossa vida.
Os Espíritos familiares são aqueles que se ligam a nós pela
afinidade de gostos e de pendores. Os Espíritos familiares podem
ser bons ou maldosos segundo a natureza de nossos inclinações, as
quais serviram como foco de atração deles para nós.
Os Espíritos infelizes se esforçam para nos desviar do campo
do bem, sugerindo-nos pensamentos infelizes. Aproveitam-se de
todas as nossas fraquezas morais para acentuá-las, como de muitas
outras tantas portas abertas, que lhes dão entrada em nossa
intimidade. Há, entre eles, alguns que se imantam a nós como
parasitas em plantas, mas que se afastam quando reconhecem a sua
falta de força para lutar contra a nossa vontade decidida de manternos no campo do bem.
Deus nos deu um orientador principal e superior em nosso
Espírito Protetor. Como orientadores complementares, Deus nos
concedeu os Mentores Espirituais e os Espíritos familiares. É, porém,
um erro julgarmos que Deus nos tenha dado um Espírito maldoso
para que vivamos no clima do bem e do mal, entre as boas e as más
influências espirituais.
Os Espíritos maldosos que nos procuram, para realizar os
seus objetivos pessoais e infelizes, são atraídos pelas nossas próprias
fraquezas morais ou pela nossa desatenção em seguir as inspirações
dos bons Espíritos. Isso é que lhes dá os meios de dominar ou
influir sobre a nossa vontade. Somos nós mesmos, portanto, que
os atraímos. Por conseqüência desse fato, devemos saber que jamais
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estaremos sem o amparo dos bons Espíritos e que é de nós que
dependerá o distanciamento dos Espíritos maldosos.
Pelas suas imperfeições morais, o homem é o principal criador
de seus próprios sofrimentos e é, quase sempre, ele mesmo o espírito
que o perturba. (Cap. V, item 4.)
A prece aos Espíritos Protetores e aos Mentores Espirituais
deve ter por finalidade solicitar a intercessão deles junto de Deus,
pedindo-lhes as forças que nos são necessárias para resistir às más
sugestões e para que nos amparem nas necessidades da vida.
12. PRECE – Espíritos sábios e benevolentes, mensageiros de
Deus, cuja missão é amparar os homens e conduzi-los ao bom caminho,
sustentai-me nas provações desta vida. Dai-me a força de suportá-las,
sem queixas. Desviai de mim os maus pensamentos e fazei que eu não
dê acesso a nenhum dos Espíritos maldosos que tentariam induzir-me
ao mal. Esclarecei a minha consciência sobre os meus próprios defeitos.
Tirai-me de sobre meus olhos o véu do orgulho que poderia impedirme de perceber os meus erros e meu orgulho e de admiti-los em mim
mesmo.
Vós, sobretudo.....( diz o nome dado ao Espírito Protetor), meu
Espírito Protetor, que mais particularmente cuidais de mim, e vós
outros, Espíritos amigos que vos interessais por mim, fazei que eu me
torne digno de vossa benevolência. Vós conheceis minhas necessidades
espirituais e que elas sejam atendidas, segundo a vontade de Deus.
13. PRECE (outra) – Meu Deus, permiti que os bons Espíritos
que me cercam venham ajudar-me, quando eu me achar em sofrimento
e que me amparem se eu desfalecer. Fazei, Senhor, que eles me inspirem
a fé, a esperança e a caridade. Que eles sejam para mim um apoio,
uma esperança e uma demonstração da vossa misericórdia. Fazei,
enfim, que eu neles encontre a força que me faltar nas provas da vida
e, para resistir as sugestões do mal, que eu encontre neles a fé que salva
e o amor que consola.
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14. PRECE (outra) – Espíritos bem-amados, Espíritos Protetores,
vós a quem Deus, na infinita misericórdia, permite velarem pelos
homens, sede o nosso amparo nas provas da vida terrena. Dai-nos a
força, a coragem e a resignação. Inspirai-nos com tudo o que é bom,
freando-nos na descida para o mal. Que a vossa doce influência nos
penetre na alma. Fazei que sintamos que um amigo devotado está ao
nosso lado, que vê os nossos sofrimentos e que participa de nossas alegrias.
E vós, meu bom Espírito Protetor, não me abandoneis nunca.
Eu necessito de toda a vossa proteção para suportar com fé e amor as
provas que a Justiça Divina me enviar.
PARA AFASTAR
OS ESPÍRITOS MALFAZEJOS
15. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! pois que limpais
o exterior do copo e do prato, mas que trazem o interior cheio de
rapina e de iniqüidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do
copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. Ai de
vós, escribas e fariseus hipócritas! pois que sois semelhantes aos
sepulcros caiados que, por fora, realmente parecem formosos, mas
interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundície.
Assim vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente
estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. (Mateus, capítulo 23,
versículos 25 e 28.)
16. Prefácio. Os Espíritos maldosos somente estão onde
possam encontrar a satisfação de suas maldades. Para distanciá-los
de sua vida, não basta pedir, nem mesmo ordenar que se afastem. É
necessário eliminar em você mesmo aquilo que os atrai. Os Espíritos
maldosos pressentem as chagas da alma, como as moscas pressentem
as chagas do corpo. Assim como você limpa o corpo para evitar
infecções, limpe também a sua alma de todas as impurezas morais,
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para evitar a influência dos Espíritos maldosos. Como vivemos num
mundo onde existem muitos Espíritos desequilibrados moralmente,
as boas qualidades do coração nem sempre bastam para resguardarnos de suas tentativas de dominar-nos, mas essas qualidades são a
força para resistir às influências doentias.
17. PRECE – Em nome de Deus Todo-Poderoso, convido a que
os Espíritos infelizes se afastem de mim, e que os bons Espíritos me
sirvam de resguardo contra eles!
Espíritos malfazejos, que inspirais maus pensamentos aos homens;
Espíritos enganadores e mentirosos, que os enganais; Espíritos
zombeteiros, que vos divertis com a credulidade dos homens, eu vos
convido a afastar-vos com todas as, forças morais de minha alma e
fecho meus ouvidos às vossas sugestões infelizes, mas imploro por vós a
misericórdia de Deus.
Bons Espíritos que me assistis, dai-me, força de resistir à influência
menos feliz desses Espíritos malfazejos e dai-me as luzes necessárias
para eu não cair em suas intrigas. Preservai-me do orgulho e da
presunção. Afastai de meu coração o ciúme, o ódio, a maldade e todo
sentimento contrário à caridade, que são outras tantas portas abertas
para a influência do espírito do mal.
PARA CORRIGIR UM ERRO
18. Prefácio. As nossas más tendências são uma conseqüência
da nossa própria imperfeição moral, e não do nosso organismo
físico. Se assim não fosse, o homem não teria nenhuma espécie de
responsabilidade por seus erros pessoais. A nossa evolução espiritual, por isso, depende de nós mesmos, uma vez que todo homem
que se acha na posse de suas faculdades morais tem, perante todos
os acontecimentos, a liberdade de fazer ou não fazer o bem. Para
fazer o bem só lhe falta a vontade de fazê-lo.
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19. PRECE – Destes-me, ó meu Deus, a inteligência necessária
para discernir o que é bem e o que é mal. Assim, a partir do momento
em que reconheço que uma coisa é má, eu sou culpado se não me
esforçar para resistir a praticá-la.
Preservai-me do orgulho que poderia impedir-me de ver os meus
próprios erros e dos Espíritos malfazejos que poderiam induzir-me a
perseverar nos meus defeitos pessoais.
Entre as minhas imperfeições, eu reconheço que eu sou
particularmente inclinado a ..... (diz a principal má inclinação que
compromete a sua vida moral) e se não resisto à sua influência é por
causa do costume que adquiri de por ela me deixar atrair.
Vós não me criastes para o erro, porque sois justo, mas me criastes
com igual aptidão para o bem e para o mal. Se eu preferi o mau
caminho, foi por efeito de meu livre-arbítrio. Mas, se pelo livre-arbítrio
eu tive a liberdade de fazer o mal, pelo próprio livre-arbítrio tenho a
liberdade de fazer o bem e, por efeito do bem que eu faça, poderei
mudar do caminho do mal para o campo do bem.
Meus atuais defeitos são o que resta das imperfeições espirituais
que conservo de reencarnações anteriores. São elas os pecados que se
originam de mim mesmo e dos quais posso libertar-me por um esforço
decidido de minha vontade e com o amparo dos bons Espíritos.
Bons Espíritos que me protegeis, e principalmente vós, meu
Espírito Protetor, dai-me a força de resistir às más sugestões e para sair
vitorioso da luta que travo comigo mesmo.
Os defeitos são abismos que nos separam de Deus e cada defeito
que eu supere é uma ponte que construo para aproximar-me do Criador.
O Senhor, na sua infinita misericórdia, concedeu-me a
reencarnação atual para que dela me sirva, a fim de evoluir moralmente.
Bons Espíritos, ajudai-me a aproveitar esta reencarnação, para que eu
não perca esta nova oportunidade de regeneração e para que, quando o
Senhor dela me retirar, eu possa sair melhor do que quando aqui cheguei.
(Cap. V, item 5 e Cap. XVII, item 3.)
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PARA RESISTIR A UMA TENTAÇÃO
20. Prefácio. Todo mau pensamento pode ter duas fontes de
origem: a própria imperfeição de nossa alma ou uma prejudicial
influência que se exerce sobre a nossa vida íntima. Neste último
caso, há sempre o indício de uma fraqueza moral que nos torna
sujeitos a recolher essa influência perniciosa e, por conseqüência,
também é o indício de nossas imperfeições. Por isso é que aquele
que praticar um erro, não deverá desculpar-se querendo atribuí-lo à
influência de um Espírito estranho, porque esse Espírito não poderia
arrastá-lo ao mal, se o julgasse inacessível à sedução.
Quando um mau pensamento surge em nós, poderemos supor
que ele represente a presença de um Espírito malfazejo a solicitarnos para o mal, ao qual nós somos livres para ceder ou resistir,
como se estivéssemos diante de sugestões de uma pessoa encarnada.
Devemos, portanto, ao mesmo tempo em que supomos a presença
desse Espírito, supor também a presença de nosso Espírito Protetor
que, por sua vez, combate em nós a má influência e espera com
ansiedade a decisão que vamos tomar.
A nossa hesitação em praticar o mal é a voz do bom Espírito
que se faz ouvir pela voz de nossa consciência.
Reconhece-se que um pensamento é mau, quando ele nos
afasta da caridade, que está na base de toda verdadeira moral. É,
também, mau todo pensamento que possa ocasionar algum dano
para as outras pessoas. É mau o pensamento, finalmente, quando
ele nos induz a fazer aos outros o que não quereríamos que os outros
nos fizessem. (Item 15 desta parte e Cap. XV, item 10.)
21. PRECE – Deus Todo-Poderoso, não me deixeis cair na
tentação que me impele ao erro moral. Espíritos benevolentes, que me
protegeis, afastai de mim este mau pensamento e dai-me força para
resistir às sugestões do mal. Se eu sucumbir a essas tentações, merecerei
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a expiação de meu erro nesta vida e na outra, porque eu tenho a
liberdade de escolher entre fazer o mal e fazer o bem.
NA VITÓRIA SOBRE UMA TENTAÇÃO
22. Prefácio. Aquele que resistiu a uma tentação, deve esse
fato à assistência dos bons Espíritos, a cuja voz escutou. Ele, portanto,
deve agradecer a Deus e a seu Espírito Protetor.
23. PRECE – Meu Deus, eu vos agradeço de me haverdes
permitido sair vitorioso nesta luta que tive de sustentar contra a atração
do mal. Fazei que esta vitória me dê forças para resistir a novas
tentações.
E a vós, meu Espírito Protetor, eu vos agradeço o amparo que
me haveis dado. Possa a minha submissão aos vossos conselhos me fazer
credor de vossa proteção!
PARA PEDIR CONSELHOS
24. Prefácio. Quando estamos indecisos em fazer ou deixar
de fazer alguma coisa, devemos, antes de tudo, propor a nós mesmos
as seguintes questões:
1) A coisa que eu hesito fazer, pode ser prejudicial a qualquer
outra pessoa?
2) Essa coisa poderá ser proveitosa para alguém?
3) Se alguém fizesse essa coisa comigo, eu ficaria satisfeito?
Se o que temos de fazer só interessa a nós mesmos, é nos
permitido pesar as vantagens e desvantagens e os inconvenientes
pessoais que daí resultariam.
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Se interessa a outras pessoas, e se fizer o bem a um e o mal a
outro, é igualmente necessário pesar a soma de bem e a soma do
mal para abster-nos de fazê-la, ou, então, para fazê-la.
Afinal, mesmo para as melhores coisas, é necessário que
consideremos a oportunidade de fazê-la e as circunstâncias
complementares. É que uma coisa boa, em si mesma, pode dar
maus resultados em mãos não habilitadas para realizá-la e se não se
conduzir com prudência e com um exame demorado. Antes de
empreendê-la, convém consultar friamente as próprias forças e os
seus meios de execução.
Em todos os casos, pode-se sempre pedir o amparo de seus
Espíritos Protetores, lembrando-se deste sábio conselho: Na dúvida,
abstenha-se. (Veja o item 38 desta parte.)
25. PRECE – Em nome de Deus Todo-Poderoso, Bons Espíritos
que me protegem, inspirai-me a melhor decisão a tomar, na incerteza
em que me encontro. Dirigi o meu pensamento para o bem e desviai
a influência daqueles que tentarem me desviar do bom caminho.
NAS AFLIÇÕES DA VIDA
26. Prefácio. Podemos pedir a Deus benefícios materiais. E
Deus pode atender-nos naqueles que tenham um fim útil e sério.
Mas como julgamos as utilidades das coisas dentro de uma visão
acanhada e imediatista, e só vemos o momento presente, nem sempre
vemos o lado mau daquilo que desejamos. Deus, que vê mais do
que nós, e que só vê o nosso bem espiritual, pode recusar o que
peçamos, como um bom pai recusa ao filho o que lhe poderia ser
prejudicial. Se aquilo que pedimos não nos é concedido, não
devemos por isso entregar-nos ao desânimo. Devemos pensar, pelo
contrário, que a privação do que desejamos nos é imposta como
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prova ou como expiação, e que a nossa recompensa será proporcional
à resignação com que a houvermos suportado. (Cap. XXVII, item
6 e, nesta parte, itens 5, 6 e 7.)
27. PRECE – Deus Todo-Poderoso, que vedes os nossos
sofrimentos, dignai-vos ouvir, favoravelmente, a súplica que vos dirijo
neste momento. Se meu pedido é inconveniente, perdoai-me. Se ele é
justo e útil aos vossos olhos, que os bons Espíritos que executam os vossos
desígnios me venham em ajuda para a sua realização.
Seja como for, meu Deus, que se faça a vossa vontade e não a
minha. Se os meus desejos não forem atendidos, é que está em vossos
desígnios o querer experimentar-me e eu a eles me submeto sem
queixar-me. Fazei que de modo algum eu desanime e que nem a
minha fé, nem a minha resignação sejam abaladas.
(apresentar o que queira pedir)
FAVOR OBTIDO
28. Prefácio. Não se deve considerar somente como sucessos
felizes os acontecimentos de grande importância. Os fatos de
aparência pequena são, muitas vezes, aqueles que têm mais influência
sobre o nosso destino. O homem esquece facilmente o bem e se
lembra, de preferência, do mal que o aflige. Se anotássemos, todos
os dias, os benefícios que recebemos, sem havê-los pedido,
ficaríamos muitas vezes admirados de ter recebido tantos que nem
constam mais de nossa memória. E, pelo esquecimento, nos
sentiríamos humilhados com a nossa ingratidão para com a
Providência Divina.
Cada noite, ao elevar a nossa alma a Deus, devemos recordar
em nosso íntimo os favores que nos foram concedidos durante o
dia e agradecê-los.
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É sobretudo, no momento mesmo em que experimentamos
os efeitos da bondade e da proteção divinas que, num ato espontâneo,
devemos lhe demonstrar a nossa gratidão. Basta, para isso, que lhe
ergamos um pensamento, atribuindo-lhe o benefício, sem que nos
seja necessário interromper o nosso trabalho.
Os benefícios vindos de Deus não consistem apenas em coisas materiais. Devemos agradecer-lhe, também, as boas idéias, as
inspirações felizes que nos foram sugeridas. Enquanto o orgulhoso
tudo atribui às suas próprias qualidades e o incrédulo as atribui ao
acaso, aquele que tem fé rende graças a Deus e aos bons Espíritos
pelo que recebeu. Para isso, são inúteis as grandes frases. “Obrigado,
meu Deus, pelo bom pensamento que me inspirastes”, fala mais que
muitas palavras. O impulso espontâneo, que nos leva a atribuir a
Deus tudo o que nos sucede de bom, revela em nós mesmos um
hábito de reconhecimento e de humildade, que nos traz a simpatia
dos bons Espíritos (Cap. XXVII, itens 7 e 8.)
29. PRECE – Deus infinitamente bom, que o vosso nome seja
bendito pelos benefícios que me haveis concedido. Eu seria indigno se
os atribuísse ao acaso dos acontecimentos ou a meus próprios méritos.
Bons Espíritos que fostes os executores da vontade de Deus, e vós,
sobretudo, meu Espírito Protetor, aceitai meus agradecimentos. Afastai
de mim a idéia de orgulhar-me do que recebi e de não fazer dessa
concessão um uso que não seja para o bem.
Agradeço-vos, em particular..... (citar o benefício recebido).
SUBMISSÃO E RESIGNAÇÃO
30. Prefácio. Quando uma aflição nos chega, se lhe procurarmos
a causa, vamos encontrá-la, quase sempre, em nossa imprudência
ou em nossa imprevidência ou numa ação anterior que desencadeou
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a conseqüência infeliz. Em qualquer desses casos, só de nós mesmos
teremos de nos queixar. Se a causa de um infortúnio não se origina
de um nosso ato atual, trata-se, por certo, de uma prova para esta
existência, ou será a expiação por atos de existências passadas. E,
neste último caso, a natureza da expiação nos permitirá conhecer a
natureza do erro praticado. E que nós sempre sofremos aquilo que
fizemos os outros sofrerem. (Cap. V, itens 4, 6 e seguintes.)
No que nos aflige, vemos em geral apenas o mal presente e
não os efeitos favoráveis futuros que nos poderão vir daí. O bem é,
muitas vezes, a conseqüência de um mal passageiro, como a cura de
uma enfermidade é o resultado dos meios dolorosos que foram
empregados para alcançá-la. Em todos os casos de aflição, devemos
nos render aos desígnios de Deus, suportando com resignação as
atribulações da vida, se quisermos aproveitá-las para a nossa
regeneração. É a nós que se aplicam estas palavras do Cristo:
“Bem-aventurados os que sofrem.” (Cap. V, item 18.)
31. PRECE – Meu Deus, vós sois soberanamente justo. Todo
sofrimento neste mundo deve, portanto, ter uma causa justa e uma
utilidade igualmente justa. Aceito a aflição que eu estou sofrendo
como uma expiação de meus erros passados e como uma prova para o
meu futuro espiritual.
Bons Espíritos que me protegeis, dai-me forças para suportar as
aflições sem queixas. Fazei que elas sejam, para mim, um aviso salutar.
Que elas se somem com as minhas experiências anteriores. Que elas
abatam o meu orgulho, a minha ambição, a minha tola vaidade e o
meu egoísmo, e que contribuam, assim, para a minha evolução moral.
32. PRECE (outra) – Eu sinto, ó meu Deus, a necessidade de
vos pedir que me deis força para suportar as provações a que me
submeteis. Permiti que a luz se faça intensamente viva em minha
alma, a fim de que eu possa valorizar toda a grandeza do vosso amor
que me permite a aflição, por querer salvar-me do mal. Eu me submeto
com resignação, ó meu Deus, mas, como criatura fraca e falível, se não
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me amparardes, temo sucumbir. Não me abandoneis, Senhor, porque
sem vós eu nada posso.
33. PRECE (outra) – Eu elevei o meu olhar para Ti, ó Eterno,
e me senti fortalecido. Tu és minha força, não me abandones jamais.
Ó meu Deus! Sinto-me esmagado sob o peso de minhas injustiças!
Ajuda-me! Tu conheces a fraqueza de minha carne e não desvies de
mim o teu olhar!
Eu sou devorado por urna sede ardente. Faz brotar a fonte da
água viva e me dessedentarei. Que a minha boca se abra para te
cantar louvores e não para queixar-me das aflições de minha vida.
Sou fraco moralmente, Senhor, mas teu amor me sustentará.
O Eterno! só tu és grande, só tu és o motivo e a finalidade de
minha vida. Bendito seja o teu nome, se me fazes sofrer, pois tu és o
Senhor e eu o teu servidor infiel. Curvarei a fronte e sem me queixar,
porque só tu és grande, só tu és a meta de nossas vidas!
DIANTE DE UM PERIGO
34. Prefácio. Pelos perigos que corremos, Deus nos alerta sobre
a fraqueza e a fragilidade de nossa existência. Ele nos mostra que
nossa vida está nas mãos d’Ele e que essa vida se acha ligada por um
fio que se pode romper a qualquer hora, num momento que menos
esperarmos. Sob esse aspecto, não existe privilégio para ninguém.
Os poderosos e os pequenos estão submetidos às mesmos leis
divinas.
Se examinarmos a natureza e as conseqüências do perigo que
nos ameaça, veremos que, muitas vezes, essas conseqüências caso se
verificassem, seriam os efeitos de erros praticados ou de um dever
não cumprido.
35. PRECE – Deus Todo-Poderoso, e vós, meu Espírito Protetor,
socorrei-me! Se devo sucumbir, que se faça a vontade de Deus. Se for
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salvo, que no restante de minha vida eu repare o mal que eu fiz e do
qual me arrependo.
POR ESCAPAR DE UM PERIGO
36. Prefácio. Pelo perigo que tenhamos corrido, Deus nos
revela que, de um momento para outro, podemos ser chamados a
prestar contas à Justiça Divina sobre o emprego que demos para a
nossa vida. Avisa-nos, assim, que devemos examinar a nós mesmos
e emendar-nos, corrigindo os nossos erros e reparando os males
que tenhamos praticado.
37. PRECE – Meu Deus, e vós, meu Espírito Protetor, eu vos
agradeço o socorro que me enviastes no perigo que me ameaçou. Que
esse perigo me seja um aviso e que me esclareça sobre os erros que o
atraíram para meu caminho. Compreendo, Senhor, que a minha vida
está em vossas mãos e que podeis retirá-la quando quiserdes. Inspiraime, através dos bons Espíritos que me assistem, a idéia de empregar
de modo útil o tempo que me concedestes de vida neste mundo.
Meu Espírito Protetor, sustentai-me na decisão que tomo de
reparar os meus erros e de fazer todo o bem que estiver ao meu alcance,
a fim de chegar com menos imperfeições no mundo dos espíritos, quando
Deus quiser me chamar desta existência.
AO DEITAR PARA DORMIR
38. Prefácio. O sono é feito para o repouso do corpo. O
Espírito, porém, não tem necessidade de repousar. Enquanto os
sentidos físicos entram em dormência, a alma se libera parcialmente
do invólucro corporal e desperta as faculdades do Espírito. O sono
foi dado ao homem para a reposição das energias orgânicas e,
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também, para retemperar as forças morais. Enquanto o corpo se
recupera dos elementos desgastados pela atividade da vigília, o
Espírito se vai retemperar entre os outros Espíritos. É, então, que
ele haure no que vê, no que ouve e nos conselhos que lhe são dados,
as idéias que, ao despertar, lhe ocorrem na forma de intuição. Esse
é o retorno temporário do exilado para a sua verdadeira pátria, o
mundo dos espíritos. Esse é o prisioneiro momentaneamente
restituído à liberdade.
Mas acontece, como se dá com o condenado reincidente nos
erros, que o Espírito nem sempre aproveita o momento de liberdade
para a sua evolução. Se ele conserva inclinações más, ao invés de
buscar a companhia dos bons Espíritos, ele busca a companhia dos
seus iguais e vai visitar os lugares onde ele pode liberar as suas más
paixões.
Aquele que se acha compenetrado desta verdade, eleve seu
pensamento a Deus, no momento em que sente a aproximação do
sono. Solicite os conselhos dos bons Espíritos e de todos aqueles
Espíritos que sejam caros ao seu coração, a fim de que venham
encontrar-se com ele, nos curtos instantes em que ele estiver desperto
na espiritualidade. E, assim, ao acordar, ele se sentirá fortalecido
contra o mal, mais corajoso para enfrentar as adversidades da
existência.
39. PRECE – Eu vou estar, em Espírito, por alguns instantes
entre outros Espíritos. Que aqueles que são bons venham me ajudar
com os seus conselhos. Meu Espírito Protetor, fazei que, ao acordar, eu
possa conservar uma impressão durável e salutar desse encontro.
PREVENDO A MORTE
40. Prefácio. A fé no futuro espiritual, a elevação do
pensamento a Deus, durante a vida, na direção dos destinos superiores
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da alma, ajudam a liberação do Espírito, afrouxando o laço fluídico
que o retém no corpo físico. É muito freqüente que a vida corporal
ainda não se extinguiu de todo e a alma, impaciente, já o abandona
e parte na direção do Infinito.
No homem que, pelo contrário, concentra todos os seus
pensamentos sobre as coisas e valores do mundo material, o laço
fluídico que o retém no corpo físico é muito forte e a separação do
corpo é sofrida e dolorosa, seguida de um despertar no além-túmulo
repleto de perturbação e ansiedade.
41. PRECE – Meu Deus, eu creio em vós e na vossa bondade
infinita. Eis porque não creio que haveis concedido ao homem a
inteligência de vos conhecer e a aspiração na direção do futuro, para
depois mergulhá-lo no nada.
Eu creio que meu corpo não é mais que um envoltório perecível
de minha alma e que, quando o corpo tenha deixado de viver,
despertarei no mundo espiritual.
Deus Todo-Poderoso, sinto que se rompem os laços que me unem
a meu corpo físico e bem logo eu prestarei contas à Justiça Divina da
vida que levei e de tudo o que fiz e que deixei de fazer.
Vou experimentar as conseqüências do bem e do mal que
pratiquei. No mundo espiritual não haverá mais ilusões, nem mais
desculpismos possíveis. Todo o meu passado se erguerá diante de mim
e a minha consciência me julgará segundo as minhas obras.
Não levarei nenhum dos bens da Terra. Honrarias, riquezas,
satisfações da vaidade e do orgulho, tudo enfim, que se refere à vida
do corpo permanecerá neste mundo. Nem a menor parcela de tudo o
que eu possuía me valerá e nem será de utilidade no Mundo Espiritual.
Só levarei as boas e as más qualidades que serão pesadas pela Justiça
Divina, no campo de minha própria consciência. Serei cobrado, com
tanto mais severidade, quanto mais a minha posição na existência me
favoreceu com oportunidades de fazer o bem e que eu não o fiz. (Cap.
XVI, item 9.)
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Deus de misericórdia, que o meu arrependimento suba até vós!
Dignai-vos estender sobre mim a vossa indulgência.
Se for de vossos desígnios alongar a minha existência, que o
tempo que me restar seja empregado em reparar, quanto me seja
possível, o mal que eu tenha feito! Se minha hora chegou, sem mais
outras oportunidades, que eu leve comigo a idéia consoladora de que
me será permitido resgatar meus erros através de novas provas, a fim
de que eu possa conquistar um dia a felicidade dos eleitos.
Se não me é permitido gozar imediatamente dessa felicidade
sem manchas de sofrimentos, de que só participam os verdadeiramente
justos, eu sei que a esperança de tê-la não me é proibida para sempre.
Pelo trabalho alcançarei essa meta, mais cedo ou mais tarde, de acordo
com a minha dedicação ao campo do bem.
Sei que os bons Espíritos, e meu Espírito Protetor, estão perto de
mim e me receberão no mundo espiritual. Em breve os verei, como
eles me vêem. Sei que reencontrarei aqueles a quem amei na Terra, se
eu o merecer, e que aqueles que aqui deixo irão juntar-se a mim e
para sempre estaremos juntos. E sei que, enquanto esperar por esse
momento de união, poderei vir visitá-los neste mundo.
Sei, também, que vou rever aqueles a quem ofendi. Possam eles
me perdoar o que lhes fiz. Meu orgulho, minha dureza, minhas
injustiças, que sejam esquecidas, para que a minha vergonha não me
abata na presença deles.
Perdôo aos que me tenham feito ou tenham querido fazer o
mal na Terra. Eu não levo nenhum ódio contra eles e peço a Deus que
os perdoe.
Senhor, dai-me a força de deixar sem pena as alegrias grosseiras
deste mundo, que nada são diante das alegrias puras do mundo em
que vou entrar!
Nesse mundo espiritual, para os justos não há mais tormentos,
nem mais sofrimentos, nem mais misérias. Nesse mundo, somente o
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culpado sofre, mas para ele resta o consolo da esperança de redenção e
vida nova.
Bons Espíritos, e vós, meu Espírito Protetor, não me deixeis
falir neste momento supremo! Fazei brilhar, diante de meus olhos,
a Divina Luz, a fim de que se reanime a minha fé, se a minha fé
vacilar.
(Nota – Ver adiante, no subcapítulo V: “Preces pelos doentes e pelos obsidiados.” )
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III - PRECES PELOS ENCARNADOS
POR QUEM ESTÁ AFLITO
42. Prefácio. Se é benéfico espiritualmente para o aflito que
as provações sigam o seu curso, elas não serão abreviadas com o
nosso pedido. Mas será um ato de impiedade perdermos o ânimo
pela prece a seu favor, tão-somente porque o nosso pedido não foi
atendido por inteiro. Lembremos que se a provação não for
interrompida, o aflito poderá obter uma consolação que lhe abrande
as amarguras. O que é verdadeiramente útil, para quem está em
aflição, é a coragem e a resignação, sem as quais as lições de vida que
ele recebe não serão apreendidas e ele será obrigado a passar
novamente por elas.
É nessa direção, portanto, que devemos encaminhar os nossos
esforços, quer pedindo aos bons Espíritos que o ajudem, quer
levantando o ânimo do aflito através de nossos conselhos e
encorajamento, quer, enfim, dando-lhe assistência material, se isso
for necessário e possível. A prece, neste caso, pode ter ainda um
outro efeito direto, por envolver a pessoa por quem se ora num
clima fluídico que lhe fortalece o ânimo. (Cap. V, itens 5 e 27;
Cap. XXVII, itens 6 e 10.)
43. PRECE – Meu Deus, de infinita bondade, dignai-vos
suavizar o sofrimento de ..... (diz o nome da pessoa por quem se
ora), se assim for de vossa vontade.
Bons Espíritos, em nome de Deus Todo-Poderoso, eu vos suplico
para ampará-lo em suas aflições. Se, para o seu benefício espiritual,
essas provas não possam ser diminuídas, fazei-lhe compreender que
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elas lhe são necessárias para a sua evolução espiritual. Dai-lhe, então,
a confiança em Deus e no futuro, o que tornará essas provas menos
amargas. Dai-lhe, assim, a energia espiritual para não cair no desespero,
o que o faria perder o fruto de seus sofrimentos e tornaria a sua situação
futura ainda mais dolorosa. Envolvei-o no meu pensamento de ânimo
e de fraternidade e que, assim, eu possa ajudá-lo a sustentar a coragem
de que necessita para esta hora de aflição.
AGRADECENDO POR BENEFÍCIOS
CONCEDIDOS A OUTRA PESSOA
44. Prefácio. Quem não se encontra dominado pelo egoísmo,
alegra-se com o bem que beneficia a seu próximo, mesmo que ele
não o tenha solicitado pela prece.
45. PRECE – Meu Deus, sejais bendito pela felicidade
concedida a ..... (diz o nome de quem recebeu o benefício).
Bons Espíritos, fazei que ele veja nesse benefício um efeito da
bondade de Deus. Se o bem que lhe é concedido é uma prova, inspirailhe a idéia de bem aplicá-lo e de não se envaidecer, a fim de que esse
bem não se transforme em prejuízo espiritual para o seu futuro. Vós,
meu bom Espírito que me protegeis e que desejais a minha felicidade,
afastai de meu pensamento todo sentimento de inveja e de ciúmes.
PELOS INIMIGOS E AOS QUE NOS QUEREM MAL
46. Prefácio. Jesus disse: Amai os vossos próprios inimigos. Esta
máxima é sublimação da caridade cristã. Mas, por ela, Jesus não
queria dizer que devemos ter pelos nossos inimigos a mesma ternura
que temos pelos nossos amigos. Ele nos diz, por essas palavras, para
esquecer as ofensas, para perdoá-los do mal que nos tenham feito,
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para retribuir o mal com o bem. Além do merecimento que o
amor aos inimigos tem aos olhos de Deus, ele serve para mostrar
aos olhos dos homens o que é a verdadeira superioridade espiritual.
(Cap. XII itens 3 e 4.)
47. PRECE – Meu Deus, eu perdôo a ..... (diz o nome de
ofensor), o mal que ele me fez e aquele que ele venha a fazer-me,
como eu desejo que me perdoeis e que ele, por sua vez, me perdoe as
faltas que eu tenha cometido. Se o pusestes em meu caminho como
prova, que seja feita a vossa vontade.
Afastai de mim, ó meu Deus, a idéia de maldizê-lo e todo
desejo malévolo meu contra ele. Fazei que eu não me alegre com os
males que possam atingi-lo e nem qualquer pesar pelos bens que lhe
sejam concedidos, a fim de eu não macular a minha alma com
pensamentos indignos de um cristão.
Que possa a vossa bondade, Senhor, estender-se sobre ele e
induzi-lo a ter melhores sentimentos para comigo!
Bons Espíritos, inspirai-me o esquecimento do mal e a lembrança
do bem. Que nem o ódio, nem o rancor, nem o desejo de lhe retribuir
o mal com o mal, não se abriguem em meu coração. O ódio e a vingança
são próprios unicamente dos Espíritos malevolentes, encarnados e
desencarnados! Que eu esteja pronto, pelo contrário, a lhe estender a
mão fraternal, a lhe retribuir o mal com o bem e a ir-lhe em ajuda, se
isso estiver ao meu alcance.
Eu desejo, para mostrar a sinceridade de minhas palavras, que
se me apresente uma oportunidade de ser-lhe útil. Mas, acima de
tudo, ó meu Deus, preservai-me de agir por orgulho ou ostentação,
abatendo-o com uma generosidade humilhante. Isso me fará perder o
fruto de minha ação fraternal. Neste caso, eu mereceria que me fosse
aplicada esta palavra do Cristo: Já recebestes a vossa recompensa. (Cap.
XIII, item 1 e seguintes.)
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AGRADECENDO PELO BEM
CONCEDIDO AOS INIMIGOS
48. Prefácio. Não desejar o mal aos seus inimigos é ser caridoso
apenas pela metade. A verdadeira caridade quer que lhes desejemos
o bem e que sejamos felizes com o bem que lhes seja concedido.
(Cap. XII, itens 7 e 8.)
49. PRECE – Meu Deus, na vossa Justiça decidistes dar alegrias
ao coração de ..... (diz o nome do inimigo). Eu vos agradeço por isso,
apesar do mal que ele me fez e do que me poderá fazer. Se desse bem
ele se aproveitar para humilhar-me, eu aceitarei a humilhação como
uma prova para a minha caridade.
Bons Espíritos que me protegeis, não permitais que eu sinta
nenhum pesar por isso. Livrai-me da inveja e do ciúme que rebaixam
o sentimento fraternal. Inspirai-me, pelo contrário, o sentimento de
generosidade que eleva a alma acima das coisas e da Terra. A
humilhação está no mal e não no bem, e nós sabemos que, cedo ou
tarde, a Justiça será feita a cada um segundo as suas obras.
PELOS INIMIGOS DO ESPIRITISMO
50. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão fartos. Bem-aventurados os que sofrem perseguição
por causa da Justiça, porque deles é o reino dos céus. Bemaventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem, e,
mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai
e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus, porque
assim perseguiram os profetas que vieram antes que vós. (Mateus,
capítulo 5, versículos 6, 10 a 12.)
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E não temais os que matam o corpo e não podem matar a
alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma
e o corpo. (Mateus, capítulo 10, versículo 28.)
51. Prefácio. De todas as liberdades, a mais inviolável é a de
pensar, que envolve a liberdade de consciência. Lançar condenação
aos que não pensam como nós, é querer essa liberdade de consciência
para si e recusá-la para os outros. E com essa conduta, viola-se o
maior mandamento de Jesus: a caridade e o amor ao próximo.
Perseguir os outros pela crença que abraçam é ferir o direito
mais sagrado do homem que é o de crer no que mais convém para
a sua consciência e de adorar a Deus como lhe pareça melhor.
Obrigá-los à prática de atos exteriores que sejam semelhantes aos
nossos, é mostrar que damos mais importância à forma externa do
culto do que para a essência dos princípios religiosos, mais
importância às aparências que à convicção da fé.
A renúncia forçada da crença que se abraça jamais deu uma
outra fé a quem quer que seja. Ela não pode produzir mais que
homens com falsos sentimentos. É um abuso da força material,
que não revela nenhuma verdade. A verdade é senhora de si mesma:
ela convence e não persegue, porque não tem necessidade de perseguir
para impor-se.
O Espiritismo é uma opinião, uma crença. Sendo mesmo
uma religião, por que não teriam os seus adeptos a liberdade de se
dizerem Espíritas, como os outros têm de se dizerem católicos,
judeus ou evangélicos, por serem adeptos desta ou daquela doutrina
religiosa, deste ou daquela sistema econômico?
A alternativa proposta para a razão é: ou a crença Espírita é
falsa ou ela é verdadeira. Se ela é falsa, cairá por si mesma, porque o
erro não sobrevive à verdade quando o seu conhecimento real se faz
nas inteligências. Mas se ela é verdadeira, a perseguição não a
transformará em crença falsa.
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A perseguição é a iniciação de toda idéia nova, grande e justa.
Essa perseguição cresce com a grandeza e o valor da idéia. O furor e
a cólera de seus inimigos, equivalem ao temor que ela lhes inspira,
por contrariar-lhes os interesses profissionais. Pelo mesmo motivo
o cristianismo foi perseguido na época de seu advento e o Espiritismo
é hoje perseguido, apenas que com a diferença de que o cristianismo
foi perseguido pelos pagãos, enquanto que o Espiritismo o é pelos
cristãos.
O tempo das perseguições sanguinolentas já passou, esta é a
verdade. Mas se hoje não matam o corpo, torturam a alma. Feremna nos seus sentimentos mais íntimos, nas suas afeições mais caras.
As famílias são divididas, jogando-se a mãe contra a filha, a mulher
contra o marido. E mesmo a agressão física não falta, ferindo-se as
necessidades materiais, ao tirarem das pessoas o trabalho que lhes
permite o ganha-pão, para reduzi-las à fome. (Cap. XXIII, itens 9 e
seguintes.)
Espíritas, não se aflijam com os golpes que lhes desferem,
pois eles revelam que vocês estão com a verdade. Se vocês estivessem
com a mentira, eles os deixariam tranqüilos e não os agrediriam.
Essa é uma prova para a sua fé, porque é pela sua coragem, pela sua
resignação, pela sua perseverança que Deus os recolherá entre seus
fiéis servidores, os quais já são conhecidos até hoje, para dar a cada
um a parte que lhe cabe no reino dos céus, segundo as suas obras.
A exemplo dos primeiros cristãos, carreguem com altivez a
sua Cruz. Creiam na palavra do Cristo, que disse: “Bem-aventurados
os que sofrem perseguição por amor à Justiça, porque deles é o
reino dos céus. Não temais os que matam o corpo, mas não podem
matar a alma”. E Jesus ainda acrescentou: – “Amai os vossos
inimigos; fazei o bem aos que vos fazem o mal e orai pelos que vos
perseguem”. Mostrem, pois, que vocês são os verdadeiros discípulos
do Cristo, e que a doutrina que vocês abraçam é boa, fazendo o que
Jesus disse e Ele próprio exemplificou.
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A perseguição pouco durará.
Aguardem com paciência o dia seguinte das realizações
Espíritas, porque os primeiros sinais desse novo dia já se apresentam
na agitação moral que prenuncia a regeneração do homem. (Cap.
XXIV, item 13 e seguintes.)
52. PRECE – Senhor, vós nos dissestes pelos lábios de Jesus,
vosso Messias: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor
à Justiça; perdoai a vossos inimigos; orai pelos que vos perseguem”, e do
que Ele mesmo nos deu o exemplo, orando pelos seus algozes.
A exemplo de Jesus, meu Deus, nós imploramos vossa misericórdia
para aqueles que desprezam os vossos divinos preceitos, os únicos que
podem assegurar a paz neste mundo e no mundo espiritual. Como o
Cristo, nós vos dizemos: “Perdoai-lhes, meu Pai, porque eles não sabem
o que fazem”.
Dai-nos a força de suportar com paciência e resignação, como
provas para a nossa fé e nossa humildade, as zombarias, as injúrias, as
calúnias e as perseguições que nos movem.
Livrai-nos de toda idéia de represálias, porque a hora de vossa
Justiça chegará para todos e nós a esperaremos, submissos à vossa santa
vontade.
POR UMA CRIANÇA QUE NASCE
53. Prefácio. Os Espíritos somente alcançam a perfeição,
depois de haverem passado pelas lições da vida física. Os que estão
no mundo espiritual próximo da Terra aguardam que a Justiça
Divina lhes permita retomar um corpo, para terem uma existência
que deverá fornecer-lhes os meios de evoluírem. Reencarnados, a
evolução se fará, seja pela expiação de seus erros passados mediante
as vicissitudes a que estiverem sujeitos por efeito de suas quedas
morais, seja pelo desempenho de uma missão útil aos demais
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homens. A sua evolução e a sua felicidade futura serão proporcionais
ao modo pelo qual empregarem o tempo que deverão passar sobre
a Terra.
O encargo de guiar-lhes os primeiros passos, na nova
reencarnação, e de encaminhá-los ao campo do bem, está confiado
a seus pais. E os pais responderão diante da Justiça Divina pela
maneira como desempenharam esse mandato. É para facilitar-lhes
o cumprimento desse encargo que Deus fez do amor paternal e do
amor filial uma lei da Natureza, lei que jamais será violada sem
amargas conseqüências.
54. PRECE (para ser dita pelos pais) – Espírito que reencarnastes
no corpo de nosso filho, sede bem-vindo entre todos nós. Deus TodoPoderoso que o enviastes, sede bendito.
Este é um depósito divino que nos é confiado e pelo qual
responderemos a todo tempo. Se este filho pertence à geração dos bons
Espíritos que povoarão a Terra, obrigado, ó meu Deus, por esse favor!
Se ele, porém, é uma alma imperfeita, nosso dever é ajudá-lo a evoluir
no caminho do bem, pelos nossos bons exemplos. Se ele cair no mal, por
falha nossa, seremos responsáveis por isso diante de Vós, porque não
teremos cumprido com a nossa missão junto dele.
Senhor, amparai-nos em nossa tarefa e dai-nos a força e a
vontade de realizá-la a contento. Se este filho deve ser um motivo de
provas para nós, que seja feita a vossa vontade!
Bons Espíritos, que viestes organizar o nascimento desta alma e
que deveis acompanhá-la durante esta existência, não a abandoneis.
Livrai-a da influência dos Espíritos compromissados com o mal. Dailhe a força de resistir às tentações e a coragem de sofrer com paciência
e resignação as provas que a esperam na Terra. (Cap. XIV, item 9.)
55. PRECE (outra) – Meu Deus, vós me confiastes o destino de
um de vossos Espíritos. Fazei, Senhor, que eu seja digno da tarefa que
me concedestes. Concedei-me vossa proteção. Esclarecei a minha
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compreensão, a fim de que eu possa discernir, na hora certa, as tendências
deste Espírito que devo preparar para a vossa paz.
56. PRECE (outra) – Deus de infinita bondade, pois já que
permitiste ao Espírito que anima esta criança vir novamente sofrer as
provas terrenas, destinadas a fazê-lo evoluir, dá-lhe a luz necessária, a
fim de que aprenda a te conhecer, a te adorar. Faz, pela tua onipotência,
que esta alma se regenere na fonte divina de teus ensinamentos. Faz
que, sob o amparo de seu Espírito Protetor, a sua inteligência cresça,
que se desenvolva e que o faça aspirar a se aproximar, mais e mais, de
ti. Faz que o Espiritismo seja a luz brilhante que o esclareça diante dos
desafios da vida. Faz que ele saiba, enfim, apreciar toda a grandiosidade
de teu amor, que nos submete a provas para nos purificar.
Senhor, lança o teu olhar paternal sobre esta família, a que confiaste
esta alma! Possa esta família compreender a importância dessa missão e
faz germinar nesta criança as boas sementes, até o dia que ela possa buscar,
por suas próprias aspirações, elevar-se sozinha para ti.
Digna-te, ó meu Deus, acolher favoravelmente esta humilde
prece em nome e pelas qualidades de Jesus que disse: “Deixai que
venham a mim as crianças, porque o reino dos céus é daqueles que se
lhes assemelhem”.
POR UM AGONIZANTE
57. Prefácio. A agonia são os primeiros passos da separação
entre a alma e o corpo. Poderemos dizer que, nesse momento, o
homem tem um pé nesse mundo e o outro pé no mundo espiritual.
Essa transferência de um para o outro mundo é, algumas vezes,
penosa para as pessoas que se apegam à matéria e que viveram mais
para os bens deste mundo do que para os bens do mundo espiritual.
Também é penosa para os que tenham a consciência agitada por
mágoas e remorsos. Para os que, no entanto, alimentaram os seus
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pensamentos e os seus atos com a aspiração do Infinito e se
desprenderam dos bens materiais, os laços que os trazem cativos ao
corpo físico são mais facilmente desatados. Para estes, os derradeiros
momentos não são nada dolorosos. Nestes, a alma se encontra ligada
ao corpo por um fio, enquanto que naqueles outros a alma tem
profundas raízes com tudo o que é da Terra. Para qualquer um
destes casos, a prece exerce uma influência poderosa no processo de
separação entre a alma e o corpo. (Ver O Céu e o Inferno, 2ª parte,
Cap. I, “A Passagem”.)
58. PRECE – Deus Onipotente e Misericordioso, aqui está uma
alma que deixa o corpo físico para retornar ao mundo espiritual, a sua
verdadeira pátria! Que ela possa libertar-se em paz e que sobre ela se
estenda a vossa misericórdia.
Bons Espíritos que a acompanhastes na Terra, não a abandoneis
neste momento supremo. Dai-lhe força de suportar os últimos
sofrimentos pelos quais deve passar neste mundo, para a sua evolução
futura. Inspirai-a para que ela consagre ao arrependimento de suas
faltas as últimas luzes da inteligência que lhe restem, ou as últimas
luzes que lhe possam ocorrer.
Utilizai as minhas radiações desta hora, a fim de que a sua ação
torne para ela menos penosa a atividade de separação e que leve na
sua alma, no momento de deixar a Terra, as consolações da esperança.
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IV – PRECES PELOS DESENCARNADOS
PELO QUE ACABA DE DESENCARNAR
59. Prefácio. As preces pelas pessoas que acabam de desencarnar
não têm somente por finalidade dar-lhes uma prova de simpatia.
Essas preces têm o efeito de ajudá-las no seu desligamento do corpo
físico e, desse modo, abreviar-lhes a perturbação que sempre se segue
após a separação do corpo. E tornam o seu despertar mais calmo.
Neste caso, porém, como em todos os outros em que se recorra à
oração, a eficácia da prece está na sinceridade do pensamento e não na
quantidade de palavras ditas com mais ou menos solenidade e em
que, no mais das vezes, o coração não participa.
As preces que nascem do coração envolvem agradavelmente
os desencarnados a que se dirijam, e cujas idéias ainda estão confusas,
como se fossem vozes amigas que nos vêm despertar do sono (Cap.
XXVII, item 10.)
60. PRECE – Deus Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia se
estenda sobre a alma de ..... (diz o nome do desencarnado), que
acabais de chamar para vós. Possam ser contadas a seu favor as provas
pelas quais passou na Terra. E que as nossas preces abrandem e aliviem
os sofrimentos que ainda possa sentir como Espírito!
Bons Espíritos que o viestes receber, e vós, sobretudo, seu Espírito
Protetor, assisti-o, ajudando-o a despojar-se das coisas materiais. Dailhe a luz e a consciência de si mesmo, a fim de livrar-se da perturbação
dos sentidos que acompanha a passagem desta vida corporal para a vida
espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento dos erros que possa ter cometido
e o desejo de obter permissão de repará-los, para acelerar a sua evolução
rumo à vida eterna bem-aventurada .....(diz o nome do desencarnado),
acabas de entrar no mundo espiritual e, no entanto, estás aqui presente
entre nós. Tu nos vês e nos ouves, porque deixaste entre nós o teu corpo
perecível que, em breve, se reduzirá a pó.
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Deixaste o envoltório grosseiro da carne, sujeito às vicissitudes e
à morte e conservaste o envoltório fluídico imperecível e inacessível aos
sofrimentos. Se já não vives mais pelo corpo, vives a vida dos Espíritos
e essa vida está livre das misérias que afligem a humanidade.
Já não tens mais o véu que oculta de nossas vistas os esplendores
da vida futura. Podes agora contemplar novas maravilhas, enquanto
que nós continuamos mergulhados nas sombras.
Vais percorrer o espaço e visitar os mundos em total liberdade,
enquanto nós rastejamos penosamente sobre a Terra, presos ao nosso
corpo material, qual se estivéssemos a carregar um pesado fardo.
Os horizontes do infinito se desdobrarão diante de ti e,
contemplando tanta grandeza, compreenderás a vaidade de nossos
desejos terrestres, das nossas ambições mundanas e das alegrias fúteis,
das quais os homens fazem os seus prazeres.
A morte, para os homens, é apenas uma separação material que
dura uns poucos instantes. Do exílio, onde ainda nos retém a vontade
de Deus e também os deveres que nos tocam neste mundo, nós te
seguiremos pelos pensamentos. E assim estaremos até o momento em
que nos seja permitido juntar-nos novamente contigo, como agora te
juntas com aqueles que partiram antes de ti.
Não podemos ir até onde estás, mas podes vir a nós. Venha pois,
aos que te amam e que tu amaste. Ampara-os nas provas da vida.
Vela pelos que te são caros. Protege-os, conforme puderes e abranda
seus pesares, sugerindo-lhes o pensamento que és mais feliz agora e o
da consoladora certeza de que um dia todos estaremos reunidos contigo
num mundo melhor.
No mundo em que estás, todos os ressentimentos terrenos devem
ser extintos. Que possas, para tua felicidade futura, permanecer
inacessível a esses ressentimentos! Perdoa, portanto, aos que te hajam
ofendido, como aqueles contra os quais erraste te perdoam também.
Nota – Podem juntar-se a esta prece, que se aplica a todos, algumas palavras
escolhidas, segundo as circunstâncias particulares da família ou das relações ou
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61. PRECE (1) – Senhor Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia seja
sobre os nossos irmãos que acabam de deixar a Terra! Que a vossa luz
brilhe sobre eles! Tirai-os das sombras. Abri os seus olhos e os seus ouvidos!
Que os bons Espíritos os envolvam e os façam entender as vossas palavras
de paz e de esperança!
Senhor, por mais indignos que sejamos, ousamos implorar vossa
misericordiosa indulgência em favor deste nosso irmão que acabais de
chamar do exílio. Fazei que o seu retorno seja o de um filho pródigo.
Esquecei, ó meu Deus, as faltas que ele possa ter cometido para vos
lembrar do bem que ele fez. Vossa Justiça é imutável, bem o sabemos,
mas o vosso amor é imenso. Nós vos suplicamos que abrandeis a vossa
justiça na fonte da bondade que nasce de vós.
Que a luz se faça para ti, meu irmão, que vens de deixar a
Terra! Que os bons Espíritos do Senhor se aproximem de ti, que te
cerquem de cuidados e te ajudem a desligar-te de tudo o que te prenda
na Terra. Vê e compreenda a grandeza de nosso Senhor. Submete-te,
sem queixas, à sua Justiça, mas não desesperes jamais de sua
misericórdia!
Irmão! Que dediques atenção muito grande aos atos de tua
última existência que retornam diante de teus olhos, para que isso te
abra as portas do teu futuro espiritual. Que percebas os erros que deixas
para trás e o trabalho a que te deves dedicar para os reparar! Que
Deus te perdoe e que os bons Espíritos te amparem e te animem! Os
teus irmãos da Terra orarão por ti e te pedem para que ores por eles.
posição social do desencarnado.
Quando se trata de uma criança, o Espiritismo nos ensina que não está ali um espírito
recém-criado, mas um que já viveu outras vidas e que pode ser até muito evoluído. Se
a sua última existência foi curta, é que necessitava só um complemento de provas ou
que deveria ser uma provação para os seus pais. (Cap. V, item 21.)
1. Esta prece foi ditada a um médium de Bordéus, no momento em que passava diante
de sua janela o enterro de um desconhecido.
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POR QUEM TEMOS AMIZADE
62. Prefácio. Como é horrível a idéia do nada! Quanto são
lastimáveis aquelas pessoas que acreditam que a voz do amigo, que
chora a separação de seu amigo, se perde no vazio, sem encontrar a
resposta daquele que se foi! Essas pessoas jamais conheceram as puras
e santas amizades, porque pensam que tudo morre com o corpo.
Elas julgam que o homem de gênio que iluminou o mundo com a
sua ampla sabedoria é uma organização da matéria que se extingue
como um sopro. Elas pensam que do ser mais querido, de um pai,
de uma mãe, de um filho muito amado não restará mais que um
pouco de pó que o vento dissipará, sem sobreviver o amor.
Como pode um homem que tem sentimentos ficar indiferente
a essa idéia de extinção da amizade e do amor? Como a idéia de um
final absoluto dos seres que ama não o gera de horror e não o faz, ao
menos, desejar que não seja assim após a morte? Se até hoje a sua
razão não foi suficiente para afastar as suas dúvidas sobre a imortalidade
da alma, eis que o Espiritismo vem dissipar toda incerteza sobre o
futuro espiritual, através das provas positivas que fornece da
sobrevivência da alma e da existência dos seres do mundo espiritual.
Por toda parte essas provas são colhidas, também, com satisfação.
Com elas, a confiança no futuro espiritual renasce, porque então o
homem sabe, a partir dessa demonstração, que a vida terrena não é
mais que uma curta experiência que abre os horizontes de uma vida
melhor. Seus trabalhos, neste mundo, não ficam perdidos para ele e
as suas mais santas afeições não são interrompidas sem a esperança de
um futuro reencontro. (Cap. IV, item 18 e Cap. V, item 21.)
63. PRECE – Dignai-vos, ó meu Deus de acolher favoravelmente
a prece que vos dirijo pelo Espírito de .... (diz o nome do desencarnado).
Fazei-lhe entrever a vossa divina claridade e tornai-lhe fácil o caminho
da eterna felicidade. Permiti que os bons Espíritos lhe levem estas
palavras e meu pensamento.
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E tu, que me eras tão querido neste mundo, ouve a minha voz
que te chama para te dar uma nova prova de minha afeição. Deus
permitiu que fosses libertado antes de mim. Eu não poderia queixarme dessa resolução do Pai, sem egoísmo, porque isso seria querer ver-te
sujeito ainda aos sofrimentos da vida de todos os encarnados. Aguardo,
pois, com resignação, o dia de nosso reencontro no mundo mais feliz,
onde chegaste antes de mim.
Sei que a nossa separação é temporária e que, por mais longa
que ela possa me parecer, a sua duração é um nada diante da
eternidade de ventura que Deus promete a seus eleitos. Que a bondade
divina me livre de fazer qualquer coisa que possa retardar o desejado
momento de nossa união no mundo espiritual e que, assim, me poupe
da dor de não te reencontrar ao sair de meu cativeiro terreno.
Oh! Quanto é doce e consoladora a certeza de que, entre nós,
não há mais que um véu material, que te esconde de minhas vistas,
de que tu podes estar aqui ao meu lado, a ver-me e a ouvir-me como
nos outros momentos de nossas vidas, de que não me esqueces, da
mesma maneira que eu não me esqueço de ti, de que os nossos
pensamentos se visitam e de que os teus pensamentos me seguem e me
amparam sempre!
Que a paz do Senhor seja contigo.
PELOS SOFREDORES QUE PEDEM PRECES
64. Prefácio. Para compreender o alívio que a prece pode levar
aos Espíritos sofredores, é necessário lembrar o mecanismo da ação
das orações, que ficou explicado páginas atrás. (Cap. XXVII, itens 9,
18 e seguintes.) Quem se compenetrar dessa verdade, faz a sua oração
com muito fervor, pela certeza que tem de não orar em vão.
65. PRECE – Deus clemente e misericordioso, que a vossa
bondade se estenda por sobre todos os Espíritos que recorrem às nossas
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orações e particularmente sobre a alma de .... (diz o nome do Espírito
que pediu preces).
Bons Espíritos, que tendes a vossa maior missão no fazer o bem,
intercedei comigo para alívio dos sofrimentos dessas almas. Fazei brilhar
diante de seus olhos uma luz de esperança e que a divina luz os esclareça
sobre as imperfeições morais que os mantêm distantes dos bemaventurados. Abri-lhes o coração ao arrependimento de seus erros e ao
desejo de se depurarem, para acelerar a sua evolução. Fazei-lhes
compreender que, pelos seus esforços no reajustamento de suas
inclinações, eles poderão abreviar o tempo de suas provas.
Que Deus, na sua bondade, lhes conceda a força de perseverarem
nas suas boas decisões!
Possam estas palavras benevolentes suavizar seus sofrimentos,
por mostrar-lhes que há sobre a Terra criaturas que deles se compadecem
e lhes desejam toda a felicidade.
66. PRECE (outra) – Nós vos pedimos, Senhor, que derrameis
sobre todos aqueles que sofrem, seja no mundo espiritual, seja entre os
encarnados, a bênção do vosso amor e de vossa misericórdia. Tende
piedade de nossas fraquezas morais. Fizeste-nos falíveis, mas nos destes
a força de resistir ao mal e vencê-lo. Que a vossa misericórdia se estenda
sobre todos os que não podem resistir às suas más tendências e que se
deixam ainda arrastar pelos maus caminhos das quedas morais. Que
vós, bons Espíritos, os envolvam. Que as vossas luzes brilhem aos seus
olhos e que, atraídos pelo calor vivificante dessas luzes, eles venham
oferecerem-se aos vossos pés, arrependidos e submissos.
Nós vos pedimos, igualmente, Pai de misericórdia por aqueles
irmãos que não tiveram forças para suportar as suas provas terrenas.
Vós nos dais um fardo para carregar, Senhor, e só devemos depositá-lo
aos vossos pés. A nossa fraqueza espiritual, porém, é grande e o ânimo
nos falta, algumas vezes, numa das etapas de nossa caminhada até
vós. Tende piedade destes vossos servidores indolentes que abandonam
a obra antes da hora de terminá-la. Que a vossa Justiça os poupe e
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permiti que os bons Espíritos lhes levem o alívio, as consolações e as
esperanças no futuro. A esperança do perdão fortalece a alma. Mostraia, Senhor, aos culpados que se desesperam e, renovados por essa
esperança, eles haurirão energias na própria extensão de suas faltas e
de seus sofrimentos, a fim de resgatarem seu passado e de se prepararem
para a conquista do futuro espiritual que os aguarda.
POR UM INIMIGO DESENCARNADO
67. Prefácio. A caridade para com os nossos inimigos deve
ultrapassar a fronteira do túmulo e envolvê-los na vida espiritual.
Devemos saber que o mal que eles nos fizeram foi para nós uma
prova, que poderá ser útil ao desenvolvimento de nossas qualidades
espirituais, se nós soubermos aproveitá-la como lições de vida. Ela
nos pode ser mais aproveitável que as aflições puramente de ordem
material, porque à coragem e à resignação, que haurimos nas aflições
comuns da existência, a prova da inimizade nos permitirá somar a
caridade e o esquecimento das ofensas. (Cap. X, item 6 e Cap. XII,
itens 5 e 6.)
68. PRECE – Senhor, quisestes chamar, antes de mim, a alma
de ..... (diz o nome do inimigo desencarnado): Perdôo-lhe o mal
que me fez e suas más intenções que nutriu a meu respeito. Possa ele se
ter arrependido de tudo, agora que ele não tem mais as ilusões deste
mundo.
Que vossa misericórdia, meu Deus, se estenda sobre ele e afastai
de mim a idéia de alegrar-me com a morte dele. Se também errei
contra ele, que ele me perdoe por tais erros, como eu esqueço aqueles
erros que ele cometeu contra mim.
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POR UM CRIMINOSO
69. Prefácio. Se a eficácia da prece dependesse da sua extensão, as mais longas deveriam ser destinadas para os mais culpados.
É que têm mais necessidades de orações do que aqueles que viveram de um modo santo. Recusá-las aos criminosos é faltar com a
caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Julgá-las inúteis,
porque um homem cometeu faltas gravíssimas, equivale a querer
julgar antecipadamente a Justiça Divina. (Cap. XI, item 14.)
70. PRECE – Senhor, Deus de misericórdia não repilais esse
infeliz que acaba de deixar a Terra. A justiça dos homens pode tê-lo
condenado, mas ele não se livrará da Justiça Divina se o coração dele
não for tocado pelo remorso de seus erros.
Tirai-lhe a venda que lhe oculta a gravidade de suas, faltas.
Possa, então o arrependimento dele encontrar a clemência diante de
vós, meu Deus para que se aliviem os sofrimentos de sua alma! Possam
também as nossas preces, e a intercessão dos bons Espíritos, levar-lhe a
esperança e a consolação. Inspirai-lhe o desejo de reparar as suas más
ações através de uma nova existência e dai-lhe as forças para não
sucumbir nas novas lutas em que se empenhar contra as suas más
inclinações!
Senhor, tende piedade dele!
POR UM SUICIDA
71. Prefácio. O homem não tem jamais o direito de dispor
de sua própria vida. Só a Deus cabe a direito de retirá-lo da escola
terrena, quando o julgar apropriado. Todavia, a Justiça Divina pode
suavizar as conseqüências que sofre de suas faltas passadas, em virtude
de certas circunstâncias que as atenuem. Agrava, porém, os seus
próprios sofrimentos aquele que voluntariamente quis fugir das
provações da vida. O suicida é como o prisioneiro que foge de sua
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prisão antes do cumprimento de pena e que, ao ser preso
novamente, será tratado com mais severidade. Assim acontece,
também, com o suicida que julga escapar das misérias presentes e
mergulha em desgraças maiores. (Cap. V, item 14 e seguintes.)
72. PRECE – Sabemos, ó meu Deus, as conseqüências
inevitáveis que sofrem os que violam as vossas leis ao abreviarem
voluntariamente seus dias na existência física. Mas sabermos, também,
que a vossa misericórdia é infinita. Dignai-vos, pois, de estender a
vossa misericórdia por sobre a alma de ..... (diz o nome de quem se
suicidou). Possam as nossas orações e vossa comiseração abrandar o
amargor dos sofrimentos que ele está experimentando, por não ter tido
coragem de esperar o fim de suas provas!
Bons Espíritos, cuja missão é assistir os infelizes, tomai-o sob a
vossa proteção. Inspirai-lhe o arrependimento pela falta que cometeu.
Que a vossa assistência lhe dê a força para suportar, com mais resignação,
as novas provas pela quais tenha de passar para consertar o erro
praticado contra si mesmo. Afastai dele os Espíritos malévolos que
poderiam de novo levá-lo ao mal e prolongar seus sofrimentos, ao fazêlo perder o fruto de suas futuras provações morais.
E a ti, cuja desgraça se faz a finalidade de nossas preces, possa a
nossa comiseração abrandar o teu amargor e possa nascer no teu coração
a esperança de um futuro melhor! Esse futuro está entre as tuas mãos!
Confia-te à bondade de Deus, cujo seio se abre para todos os que se
arrependem de seus erros e só não dá acesso aos que mantêm o coração
endurecido.
PELOS ESPÍRITOS ARREPENDIDOS
73. Prefácio. Seria injusto de incluir na categoria dos Espíritos
malévolos os Espíritos sofredores e os arrependidos de suas faltas,
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que pedem orações. Podem eles já ter sido maldosos, mas já não o
são mais, a partir do momento em que eles reconhecem as suas
faltas e as lamentam. Eles, então, não são mais que infelizes. Alguns
deles, a partir do arrependimento, já começam mesmo a gozar da
felicidade que nasce da esperança de uma vida ajustada às leis divinas.
74. PRECE – Deus de misericórdia, que aceitais o arrependimento
sincero de quem errou, encarnado ou desencarnado! Eis aqui um
Espírito que esteve comprometido com o mal, mas que reconhece os
seus erros e volta ao bom caminho. Dignai-vos, ó meu Deus, de recebêlo como um filho pródigo e de lhe perdoar.
Bons Espíritos, cujos conselhos ele fez por ignorar, ele vem, agora,
vos escutar. Permiti-lhe entrever a felicidade dos eleitos do Senhor, a
fim de que ele persista no desejo de depurar-se para alcançar essa
mesma felicidade. Sustentai-o nas suas boas decisões e dai-lhe a força
de resistir aos seus maus pendores. Espírito .... (diz o nome do espírito
arrependido), nós te felicitamos pela transformação moral que em ti
operas e agradecemos aos bons Espíritos que te ajudaram!
Se antes te sentias à vontade em fazer o mal, é que não sabias
quanto é doce o prazer de fazer o bem. Tu te sentias, também, muito
inferior para conseguir abraçar o bem. Mas, desde o momento em que
puseste o pé no bom caminho, uma nova luz de esperança se fez sobre
ti. Começaste, então, a sentir uma felicidade que desconhecias e a
esperança se instalou em teu coração. É que Deus escuta sempre a
prece dos que se arrependem do mal. Deus não repele a nenhuma das
criaturas que vão até Ele.
Para voltares completamente à graça do Senhor, empenha-te,
de agora em diante, a não mais fazeres o mal, mas em fazeres o bem
e, acima de tudo, em consertares o mal que hajas feito. Terás, então,
cumprido a Justiça Divina. É que o mal será corrigido com o bem e
cada boa ação que fizeres cobrirá um erro de teu passado.
O primeiro passo tu o deste. Agora, quanto mais avançares no
bem, tanto mais o bom caminho te parecerá fácil e agradável.
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Persevera, pois, e um dia terás a glória de ser contado entre os bons
Espíritos e entre os Espíritos bem-aventurados.
PELOS ESPÍRITOS ENDURECIDOS
75. Prefácio. Os Espíritos malévolos são aqueles que ainda
não foram tocados pelo arrependimento. Eles sentem um grande
prazer no mal e não sentem nenhum pesar pelo mal que praticam.
Eles são insensíveis às advertências, repelem as orações e
freqüentemente blasfemam contra Deus. São essas almas endurecidas
que, após a desencarnação, se vingam nos homens dos sofrimentos
que suportaram e perseguem, com o seu ódio, aqueles que lhes
fizeram o mal durante as suas vidas. Esta vingança eles a realizam
seja por obsidiar os seus ofensores, seja exercendo sobre eles alguma
influência prejudicial. (Cap. X item 6 e Cap. X11, itens 5 e 6.)
Entre os Espíritos perversos, há duas categorias bem
diferenciadas: aqueles que são abertamente malévolos e aqueles que
são hipócritas. Os primeiros são infinitamente mais fáceis de serem
reconduzidos ao bem, enquanto os hipócritas são mais difíceis.
Esses que são abertamente malévolos são, muito
freqüentemente, de hábitos selvagens e grosseiros, como podemos
notar entre os próprios homens encarnados, que fazem o mal mais
por um impulso do que por cálculo e que não querem se fazer
passar por melhores do que são. Há neles, portanto, um germe
latente que é necessário fazer germinar. E isso se consegue, quase
sempre, com a perseverança, com a energia moral aliada com a
benevolência, com os conselhos, com as ponderações sobre a
excelência do bem e com a oração. Nas comunicações mediúnicas,
a dificuldade que esses Espíritos sentem em escrever ou em dizer o
nome de Deus é o sinal de um receio instintivo, da voz íntima da
consciência que lhes diz serem eles indignos de pronunciarem o
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nome do Deus. Aqueles que assim hesitam, estão próximos de
render-se ao bem e tudo se pode esperar deles. Bastará, então, que
se encontre o ponto vulnerável do coração.
Os Espíritos hipócritas são, quase sempre, muito inteligentes,
mas eles não têm no coração alguma fibra mais sensível para o toque
do bem. Nada parece sensibilizá-los! Eles fingem ter todos os bons
sentimentos para conquistar a confiança de quem os escuta. Ficam
felizes quando encontram alguns tolos que os recebam como
Espíritos santificados. É que, então, poderão manobrar esses tolos
à vontade. O nome de Deus, longe de inspirar-lhes algum receio,
lhes serve de máscara para encobrir a sua conduta indigna diante
dos tolos que os acolhem. No mundo espiritual, como no mundo
dos homens encarnados, os hipócritas são os seres mais perigosos,
porque eles agem na sombra e deles não se desconfia. Eles têm as
aparências da fé, mas só as aparências, sem terem uma fé sincera.
76. PRECE – Senhor, dignai-vos deitar um olhar de bondade
sobre os Espíritos imperfeitos que estão, ainda, nas sombras da ignorância
e que vos desconhecem, principalmente sobre o Espírito de ..... (diz o
nome do espírito).
Bons Espíritos, ajudai-nos a fazê-lo compreender que, induzindo
os homens ao mal, que os obsidiando e os atormentando, ele prolonga
os seus próprios sofrimentos. Fazei que o exemplo da felicidade que vós
gozais lhe seja um encorajamento para que busque o campo do bem.
Espírito que te comprazes ainda no mal, vem ouvir a oração
que fazemos por ti. Essa prece deve mostrar que desejamos o teu bem,
embora ainda faças o mal.
És infeliz, porque é impossível ser feliz quando fazemos o mal.
Por que, então, te conservas em dores, quando de ti depende evitar o
teu sofrimento? Olha os bons Espíritos que estão à tua volta! Vê quanto
eles são felizes! Não te seria mais agradável gozar também dessa
felicidade?
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Dirás que essa felicidade te é impossível! Mas nada é impossível
para aquele que a quer! Deus te deu, como para todas as demais
criaturas, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, ou seja, escolher
entre a felicidade e a desgraça. Ninguém está sentenciado para fazer
o mal. Se tens a vontade de fazer o mal, podes ter também a de fazer
o bem e de seres feliz.
Volta teu olhar para Deus. Eleva, por um minuto que seja, os
teus pensamentos para Deus e um raio da divina luz virá te clarear o
caminho. Diz, estas simples palavras: Meu Deus, eu me arrependo,
perdoa-me! Tenta arrepender-te e tenta fazer o bem ao invés de fazeres
o mal. Verás, então, que logo a misericórdia celeste descerá sobre ti e
que um bem-estar, que desconheces até agora, te virá substituir as
ansiedades que sofres.
Assim que deres o primeiro passo no bom caminho, o restante do
caminho te será fácil percorrer. Compreenderás, então, quanto tempo
de felicidade perdeste por tua própria culpa. Mas um futuro brilhante
e repleto de esperanças se abrirá diante de ti e te fará esquecer o teu
doloroso passado, repleto de perturbações e de torturas morais, que
seriam para ti um inferno, se ele existisse e se teus sofrimentos durassem
eternamente. Um dia virá em que essas torturas serão tantas e tão
intensas que tu, a qualquer custo, quererás fazê-las cessar. Porém,
quanto mais te demorares no mal, tanto mais difícil será despojar-te
dessas torturas morais.
Não creias que estarás sempre neste estado infeliz em que te
encontras. Não! Essa permanência é impossível! Tens duas situações
diante de ti: uma, a de sofreres muito mais do que tens sofrido até
agora e, a outra, de seres feliz como os bons Espíritos que estão à tua
volta. A primeira dessas situações é inevitável, se persistires na tua
obstinação no mal. A segunda é possível se, por um simples esforço de
tua vontade, te afastares da má situação em que te encontras. Apressate, portanto, porque cada dia em que te demoras em tuas ansiedades,
é um dia perdido para a tua felicidade.
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Bons Espíritos, fazei que estas palavras encontrem a porta de
entrada no coração desta alma ainda estacionada na escalada
evolutiva, a fim de que a ajudem a voltar-se para Deus. Nós vo-lo
pedimos em nome de Jesus Cristo, que teve tão grande poder de
iluminar os Espíritos infelizes.
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V – PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS
PELOS DOENTES
77. Prefácio. As doenças fazem parte das provações e das
vicissitudes da vida terrena. Elas são próprias da imperfeição de nossa
natureza física e da inferioridade do mundo que habitamos. As
paixões e os excessos de toda ordem semeiam em nós os princípios
das enfermidades, algumas vezes transmissíveis pela hereditariedade.
Nos mundos mais avançados física e moralmente, o organismo
humano, mais depurado e menos denso, não está sujeito às mesmas
enfermidades que aqui experimentamos e o corpo não é minado
silenciosamente pelos fluidos envenenados das paixões humanas.
(Cap. III item 9.) É necessário, portanto, que nos resignemos a
suportar as conseqüências do meio em que nos coloca a nossa própria
inferioridade espiritual, até que conquistemos o direito de passar
para um mundo melhor. Isso não deve, porém, impedir-nos de
fazer o que de nós depende para melhorar a situação atual. Se, no
entanto, apesar de nossos esforços, não pudermos fazê-lo, o
Espiritismo nos ensina a suportar, com resignação, os nossos males
passageiros.
Se Deus não quisesse que nossos sofrimentos físicos fossem
curados ou aliviadas as enfermidades, em certos casos, ele não teria
colocado os meios de cura à nossa disposição. A sua providencial
solicitude a esse respeito, ajustada ao nosso instinto de conservação,
é um sinal de que é nosso dever procurar e aplicar esses meios de
cura que se encontram ao nosso alcance.
Ao lado da medicação comum, elaborada pela Ciência, o
magnetismo nos levou a conhecer o poder de cura da ação fluídica.
E o Espiritismo, por sua vez, nos veio revelar uma outra energia na
mediunidade de cura e na influência benéfica de prece sobre a saúde
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humana. (Ver no cap. XXVI e no item 81, a seguir, informações
sobre a mediunidade de cura.)
78. PRECE (a ser feita pelo próprio doente) – Senhor, sois todo
justiça. A doença que me enviastes, eu devo merecê-la, porque nunca
fazeis alguém sofrer sem justos motivos. Apresento-me, pois, para a
minha cura, diante de vossa infinita misericórdia. Se for de vosso agrado
me devolver a saúde, que o vosso santo nome seja bendito! Se, pelo
contrário, eu devo sofrer mais, bendito seja o vosso nome, também. Eu
me submeto aos vossos desígnios sem me queixar, porque tudo o que
fazeis só pode ter por finalidade o bem de vossas criaturas.
Fazei, ó meu Deus, que esta enfermidade seja para mim um
aviso salutar e que me leve a examinar-me a mim mesmo, do ponto
de vista da vida moral. Eu a aceito como uma expiação de meus erros
do passado e como uma prova para a minha fé e para a minha
submissão à Justiça Divina. (Ver a prece 40.)
79. PRECE (a ser feita por um doente) – Meu Deus, os vossos
desígnios são impenetráveis pelos humanos! Na vossa sabedoria,
deixastes que uma enfermidade viesse afligir a ..... (diz o nome do
doente). Lançai, eu vos suplico, um olhar de compaixão sobre os
sofrimentos dele e dignai-vos de colocar um final em suas dores.
Bons Espíritos, que sois ministros do Onipotente, secundai-me,
eu vos peço, no meu desejo de aliviá-lo. Dirigi meus pensamentos, a
fim de que possam derramar-se como um bálsamo salutar sobre o corpo
dele e que sejam uma consolação para a sua alma.
Inspirai-lhe a paciência e a submissão à Justiça Divina. Dai-lhe
forças para suportar as suas dores com resignação cristã, a fim de ele
não perder o fruto desta prova. (Ver prece 57.)
80. PRECE (a ser feita pelo médium de cura) – Meu Deus, se
quiserdes servir-vos de mim, apesar de tão indigno que eu sou, poderei
curar este sofrimento, se essa for a vossa vontade, Senhor, porque tenho
fé em vós. Mas sem vós eu nada posso. Permiti aos bons Espíritos
envolver-me em seus fluidos regeneradores, a fim de que eu os transmita
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ao enfermo. Afastai de mim todo pensamento de orgulho e de egoísmo
que poderia envenenar a pureza dos elementos restauradores que
chegam do Mais Alto.
PELOS OBSIDIADOS
81. Prefácio. A obsessão é a ação persistente que um Espírito
malévolo exerce sobre uma pessoa. Essa enfermidade moral apresenta
características muito diferentes, desde a simples influência sobre a
conduta moral do encarnado, sem sinais exteriores perceptíveis da
origem do mal, até a completa perturbação do organismo e das
faculdades mentais. A obsessão desordena todas as faculdades
mediúnicas. Na mediunidade de psicografia, como na de psicofonia,
a obsessão se entremostra pela obstinação de apenas um Espírito se
manifestar, com exclusão de qualquer outro Espírito.
Os Espíritos malévolos estão por toda a Terra, em razão da
inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja que eles
desenvolvem faz parte dos flagelos que a Humanidade suporta neste
mundo. A obsessão, como as doenças e todas as tribulações da vida,
deve ser considerada como uma prova ou como uma expiação e ser
aceita nessa situação.
Do mesmo modo que as doenças são a conseqüência das
imperfeições físicas que submetem o corpo às influências perniciosas
exteriores, a obsessão é sempre uma conseqüência da imperfeição
moral que dá acesso à atuação de um Espírito endurecido no mal.
A uma causa física, opõe-se uma força física.
A uma causa moral é necessário opor-se uma energia moral.
Para preservar-se das doenças procuramos estimular a
resistência orgânica. Para preservar-se da obsessão, deveremos
estimular à resistência dos valores morais da alma. Daí resulta que o
obsidiado, e também os seus familiares, têm necessidade de trabalhar
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pelo seu aprimoramento espiritual. Isto, na maioria dos casos, é
suficiente para desembaraçar-se do obsessor, sem se socorrer de outras
pessoas. Esse socorro se torna necessário, porém, quando a obsessão
degenera em subjugação e em possessão, porque, então, o paciente
perde, por vezes, o domínio de sua vontade e de seu livre-arbítrio.
A obsessão, quase sempre, é o efeito de uma vingança
praticada por um Espírito. Na maioria das vezes, tem a sua origem
no relacionamento que o obsidiado e o obsessor tiveram numa
existência anterior. (Ver o Cap. X, item 6 e o Cap. XII, itens 5 e 6.)
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado está como que
envolvido e impregnado de um fluido envenenado que,
perniciosamente, neutraliza os efeitos dos fluidos salutares e os
destrói. É desse fluido envenenado que importa despojar o obsidiado.
Um mau fluido, no entanto, não pode ser eliminado por outro
mau fluido. Por uma ação semelhante à do médium de cura, nos
casos das enfermidades físicas, para que possa ocorrer a neutralização
do fluido envenenado que envolve o obsidiado, é necessária a ajuda
de um fluido melhor que produza o efeito de um reagente. Este é o
mecanismo da química dos fluidos, mas que não basta! Necessário
é que se atue sobre o ser inteligente que o produz, para fazer cessar essa
influenciação. Para isso é necessário que se fale com ele com
autoridade, mas com aquela autoridade que nasce da superioridade
moral de quem fala. Quanto maior for a superioridade moral de
quem fala, maior será a autoridade que emanará de sua presença.
E isso, ainda, não é tudo!
Para assegurar a libertação espiritual, é preciso induzir o
Espírito obsessor a renunciar aos seus maus desejos. É necessário
despertar nele o arrependimento e o desejo do bem, ajudando-o
com ensinamentos habilmente dirigidos, tantas vezes quantas ele
venha a manifestar-se mediunicamente, tendo em vista a sua lenta
educação moral. Deve-se buscar, na desobsessão, a dupla satisfação
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de libertar dela um encarnado e de converter para o bem um Espírito
imperfeito.
A tarefa se torna mais fácil quando o obsidiado, compenetrado
de sua situação, oferece a participação de sua vontade de regenerarse também moralmente e dá o apoio de suas próprias orações.
Dá-se, porém, o contrário, quando o obsidiado, seduzido
pelo Espírito embusteiro, se mantém iludido sobre as qualidades
do Espírito que o domina e se entrega gostosamente às mistificações.
É que, neste caso, longe de colaborar com o amparo, o obsidiado se
imanta ao obsessor e repele toda assistência que se lhe oferece. É
tipicamente o quadro da fascinação que é sempre infinitamente
mais rebelde que a mais acentuada subjugação. (Veja no Livro dos
Médiuns a 2ª parte, cap. XXIII.)
Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso
auxiliar para agir junto do Espírito obsessor.
82. PRECE (a ser feita pelo obsidiado) – Meu Deus, permiti
que os bons Espíritos me libertem do Espírito malfazejo que se ligou a
mim. Se é uma vingança que ele quer, em conseqüências dos males
que eu lhe teria feito noutra encarnação, vós a permitistes, meu Deus,
para que eu sofra as conseqüências de meus próprios erros. Possa o meu
arrependimento me fazer credor do vosso perdão e da libertação desse
jugo! Mas, seja qual for o motivo, suplico a vossa misericórdia para esse
que me cobra. Dignai-vos de facilitar-lhe o caminho da evolução, de
que se desviou ao pensar em fazer o mal. Possa eu, de meu lado,
retribuir-lhe o mal com o bem e encaminhá-lo para melhores
sentimentos.
Mas sei também, ó meu Deus, que são as minhas imperfeições
que me tornam acessível às influências dos Espíritos imperfeitos. Daime a luz necessária para identificar as minhas imperfeições e para
combater o meu orgulho que me torna cego para os meus próprios
defeitos.
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Como deve ser grande a minha indignidade para que urna
criatura malfazeja me possa dominar!
Fazei, ó meu Deus, que esse golpe desferido na minha vaidade
me sirva de lição para o futuro. Que isso me fortaleça na decisão de
me depurar pela prática do bem, da caridade, da humildade, a fim
de que eu possa opor, daqui para a frente, uma barreira às más
influências espirituais.
Senhor, dai-me a força de suportar esta prova com paciência e
resignação. Compreendo que, como todas as outras provas, esta deve
ajudar-me na minha evolução, se eu não perder seus frutos com as
minhas queixas, já que esta prova me dá a oportunidade de mostrar
ao mundo a minha submissão e de praticar a caridade para com um
irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me tenha feito. (Ver Cap.
XII, itens 5 e 6 e os itens 15 e seguintes e 46 e 47 desta Coleção de
Preces Espíritas.)
83. PRECE (a ser feita em favor do obsidiado) – Deus TodoPoderoso, dignai-vos em dar-me a energia para libertar ..... (diz o
nome do encarnado obsidiado), do Espírito que o obsidia. Se está nos
vossos desígnios colocar um fim a essa prova, concedei-me a graça de
conversar com esse Espírito com força moral.
Bons Espíritos que me assistis, e vós, Espírito Protetor do obsidiado,
dai-me o vosso amparo. Ajudai-me a despojá-lo do fluido impuro que
o envolve.
Em nome de Deus Todo-Poderoso, rogo ao Espírito malfazejo
que o atormenta, que lhe dê trégua!
84. PRECE (pelo Espírito obsessor) – Deus infinitamente bom,
imploro a vossa misericórdia para com a Espírito que obsidia ..... (diz
o nome do encarnado obsidiado), fazendo-lhe entrever as divinas
claridades, a fim de que ele reconheça o falso caminho que está seguindo
para obter justiça. Bons Espíritos, ajudai-me a fazê-lo compreender
que ele tem tudo a perder com a prática dessa vingança e que tem
tudo a ganhar na prática do bem.
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Espírito que te entregas a atormentar .....(diz o nome do
encarnado obsidiado), escuta-me porque te falo em nome de Deus.
Se quiseres refletir, compreenderás que o mal nunca superará o
bem e que não podes ser mais forte que Deus e que os bons Espíritos.
Ele poderia preservar ..... (diz o nome do encarnado obsidiado) de
todo ataque de tua parte. Mas, se não o fazem, é porque ele tem uma
prova a sofrer. Mas quando essa prova findar, eles te impedirão de
agir sobre ele. O mal que lhe tiveres feito, ao invés de prejudicá-lo,
terá servido para a sua evolução moral e ele será ainda mais feliz.
Assim, a tua maldade terá sido vã e as suas conseqüências se voltarão
contra ti.
Deus, que é Todo-Poderoso, e os Espíritos superiores, seus
ministros, que são mais poderosos do que tu és, poderão pôr um fim a
essa perseguição, quando quiserem, e a tua tenacidade se partirá diante
dessa suprema autoridade da Vida. Mas, por ser bom, Deus quer te
deixar o mérito de interrompê-la por um ato de tua própria vontade.
Esta é uma concessão que Deus te faz. Se tu não a aproveitares, terás
de sofrer dolorosas conseqüências. Grandes e duros sofrimentos te
esperarão. Serás constrangido, pela dor, a suplicar por piedade e pelas
preces deste que hoje é tua vítima. E ele, hoje, já te perdoou e ora por
ti, o que já é para ele um grande mérito aos olhos de Deus e o que
apressará a libertação dele. Reflete, pois, enquanto ainda é tempo,
porque a Justiça Divina visita todos os Espíritos rebeldes.
Lembra-te que o mal que praticas neste momento terá um
fim, enquanto que, se persistires no teu endurecimento de coração, os
teus sofrimentos irão sempre crescendo.
Quando tu estiveste na Terra, não consideravas uma tolice
sacrificar um grande bem por uma pequenina satisfação passageira?
Acontece o mesmo agora que és Espírito. O que ganhas com o que
estás fazendo? Ganhas, tão-somente, o triste prazer de atormentar
alguém, o que não impede que tu sejas infeliz, digas o que quiseres
dizer, e isso te fará ainda mais infeliz.
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Ao lado disso, vê o que tu perdes. Observa os bons Espíritos
que te cercam e dize: o estado deles não é preferível ao teu? A felicidade
que eles desfrutam será tua também, quando quiseres. O que é
preciso para tê-la? Implorar o amparo de Deus e fazeres o bem ao
invés de fazeres o mal. Eu sei que não te podes transformar de um
momento para o outro. Mas Deus não quer o impossível. Ele deseja
tão-somente a boa vontade. Experimenta essa transformação moral
e nós te ajudaremos. Faze que em breve possamos dizer a teu favor
a prece pelos Espíritos arrependidos (n.° 73) e não mais te considerar
entre os Espíritos malevolentes, enquanto esperamos o momento
de te contar entre os bons Espíritos. (Ver, também, o item 75 “Preces
pelos Espíritos endurecidos”.)
Observação– A cura das obsessões graves requer muita
paciência, perseverança e devotamento. Ela exige, também,
muito tato psicológico e habilidade, a fim de encaminhar para o
bem os Espíritos perversos, endurecidos no mal e astuciosos,
porquanto há Espíritos rebeldes até o último grau. Na maior
parte dos casos, é necessário se orientar pelos acontecimentos.
Mas, quaisquer que sejam as características do Espírito, há um
fato certo: nada se obtém pelo constrangimento e pelas ameaças. Toda
influência, para desobsessão, está na superioridade moral. Uma
outra verdade, igualmente constatada pela experiência e também
pela lógica das leis divinas: é completamente sem eficiência, para a
desobsessão, a prática de exorcismos, a aplicação de fórmulas mágicas,
as palavras sacramentais, o uso de amuletos, o falso poder dos talismãs,
as práticas exteriores e todos e quaisquer símbolos materiais.
A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens
patológicas, exigindo, algumas vezes, um tratamento simultâneo
ou consecutivo, seja magnético, seja médico, para reabilitar o
organismo. Tendo sido afastada a causa da obsessão, resta
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combater os efeitos remanescentes. (Ver em O Livro dos
Médiuns, o cap. XXIII sobre a obsessão. Ver na Revista Espírita,
números de fevereiro e março de 1864 e de abril de 1865,
exemplos de curas de obsessão.)
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