CIGARRAS DE MACAÉ: A PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA LOCAL

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CIGARRAS DE MACAÉ: A PRESERVAÇÃO DA
MEMÓRIA LOCAL ATRAVÉS DA LITERATURA*
Luis Carlos Sovat Martins**
Resumo
Este trabalho apresenta um panorama acerca do papel da literatura como fonte de memória
alternativa,
como
um
discurso
desafiador
das
formas
tradicionais
de
construção
memorialística coletiva. Apoiado, essencialmente, nos ensaios de Walter Benjamim em sua
obra O Narrador, o artigo utilizou-se da produção poética das Cigarras de Macaé, um grupo
de amantes da literatura, que se reúne mensalmente há aproximadamente 25 anos e prioriza a
criação de textos poéticos pelo seu poder de sensibilização e completude e por meio da
tradição oral e escrita buscam preservar a memória cultural da cidade. Em geral as cigarras
compartilham com os leitores os sentimentos que as profundas mudanças, ocorridas em
Macaé, provocam em seus moradores e nas suas almas, socializando com os amantes da
palavra e habitantes da cidade temas diversificados sobre a história e a cultura local. Utilizar o
trabalho do grupo como objeto de investigação é uma forma de contribuir para a preservação
de sua produção literária, tão importante para a cultura do município.
Palavras-chave: memória coletiva, literatura, história, Macaé, Cigarras de Macaé.
Abstract
This paper presents an overview of the role of literature as an alternative source memory, as a
defiant speech from traditional forms of collective memoirs construction. Supported mainly
on Walter Benjamin's essays in his book The Storyteller, the article we used the poetic
production of Cicadas Macae, a group of lovers of literature, which meets monthly for about
25 years and prioritizes the creation of poetic texts for its power of awareness and
completeness and through oral and written tradition seek to preserve the cultural memory of
the city. In general the cicadas share with readers the feeling that the deep changes that
occurred in Macae, cause in its people and in their souls, socializing with the word lovers and
townspeople diverse themes about the history and local culture. Using the work of the group
1
as a research object is a way to contribute to the preservation of his literary production, so
important for the city's culture.
Keywords: collective memory, literature, history, Macaé, Cigarras de Macaé.
Introdução
Poucas cidades das sociedades contemporâneas no Brasil, quiçá no mundo,
conheceram um processo de transformação tão profundo em tão pouco tempo quanto Macaé.
O caminho que levou esta cidade desde a ocupação da região até os processos econômicos
que deram novo perfil ao município, já no século XX, está pontilhado e entrelaçado de
pessoas com histórias ricas e comoventes, de luta e de amor, nos registros daqueles que aqui
viveram e dos que aqui passaram como viajantes. São as personagens que fazem com que os
moradores de Macaé se reconheçam em cada esquina da cidade, mesmo que suas feições
tenham sido alteradas ao longo do tempo. Em situações de rupturas sociais e crises históricas
resultantes de regimes econômicos intensos, devem ser consideradas as limitações a que a
subjetividade está exposta. É nessa questão que se detém Jaime Ginzburg em seu trabalho
intitulado Impacto da violência e constituição do sujeito: um problema de teoria da
autobiografia, no qual afirma: “Dentro de um quadro de violência constante e desrespeito aos
direitos humanos, as condições de conhecimento de si podem estar abaladas pelo componente
traumático da história” (GINZBURG, 2009, p. 131).
Para tentar ludibriar o tempo e o esquecimento que o mesmo traz consigo, a poesia
tem sido uma arma eficaz de entrelaçamentos dos novos leitores e moradores com os mais
antigos e experientes. É inegável que toda produção humana, incluindo a artística, está
inserida em um momento histórico de uma determinada sociedade. E com a literatura isso não
poderia ser diferente. Nela, ficção e realidade se misturam e se confundem. A gênese do texto
literário depende da habilidade de criação e invenção do seu autor, que buscará no imenso
acervo, acumulado por suas experiências e vivências, o material que por meio da palavra será
convertido em literatura. Daí se pode dizer que por mais ficcional que seja um texto, ele
sempre, na sua origem, parte de elementos da realidade do autor, um sujeito histórico que
possui uma biografia.
Um país pluriétnico e multicultural como o Brasil possui, como não poderia deixar de
ser, uma riquíssima literatura oral, transmitida de geração a geração, formando um repertório
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lúdico e mágico, trazendo múltiplas visões para questões antigas e outras vezes questões
recentes.
O grupo de poetas macaenses, Cigarras de Macaé, dedicado a escrever uma literatura
ilustrada com as inesquecíveis memórias da cidade, constrói em suas obras um ar nostálgico e
ao mesmo tempo de protesto. As poetas invocam para a leitura aqueles saudosistas, o que a
literatura local é capaz de fazer, e registram seus sentimentos para que literatura e memória se
alinhavem. Se ao lado da história e memórias oficiais existem também uma história e
memória secundárias, forjadas na contramão do discurso hegemônico, o poeta é aquele que
também narra os acontecimentos. Nessa narração, “memória” e “esquecimento” se alternam e
se combinam, são faces da mesma moeda. As Cigarras de Macaé, ao narrarem as suas
experiências dos fatos sociais e históricos por meio de sua literatura engajada, não enveredam
pela autobiografia ou pela historiografia, antes resgatam o discurso oculto dos oprimidos por
uma modificação contínua, impulsionada pela economia crescente e muitas vezes instável da
cidade.
Para este artigo, a pesquisa inicia-se com a leitura de um dos poemas produzidos pelo
grupo no jornal local O Debate de Macaé. Todos os domingos, o grupo de poetas abre
caminho para trazer, em meio a tantas notícias, uma socialização dos textos produzidos na
tentativa de preservar e despertar o interesse para a memória local. Inicia-se então um
processo de estudos com a finalidade de entender a importância desta socialização, através do
resgate da história local por meio da manutenção dos literatos das “cigarras” que fazem parte
do grupo. A produção literária das Cigarras de Macaé, além da preservação da memória, tem
por objetivo partilhar com os leitores a singeleza e a transparência de suas obras. Ao
frequentar um encontro do grupo, que ocorre uma vez por mês, percebeu-se com nitidez que
“uma cigarra” trata de assuntos diversos em seus textos, pois não há preocupação com uma
unidade temática ou uma lógica estrutural.
Só queremos que você leia saboreando; de preferência, fechando os olhos
após a leitura, para interiorizar cada ideia, cada palavra, cada imagem, pois a
palavra é a ponte entre o mundo externo e a alma. (Ivânia Ribeiro, Cigarra,
no prefácio para o livro Macaé em trovas).
Além da leitura dos livros Macaé em Trovas, Macaé em Versos e Terno encontro:
poemas e contos de Maria Inêz Lemos Vieira, uma conversa durante um dos encontros no mês
de dezembro, no ano de 2015, apresentou a ideologia explanada pelo grupo. A literatura
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produzida passa a ser narrativas bem elaboradas, através das obras poéticas, para a
preservação da memória local.
Walter Benjamin, em seu ensaio O narrador, discorre sobre a importância da narrativa
e traz algumas observações bastante pertinentes sobre sabedoria, informação e experiência.
Benjamin parte do trabalho do escritor Nikolai Leskov para defender a tese de que a arte de
narrar histórias está em extinção. Para o autor, “A arte de narrar está definhando porque a
sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção.” (BENJAMIM, 1994, p. 201).
As Cigarras de Macaé traduzem a função do narrador através de seus textos. A
literatura formada por poesias e contos não são textos produzidos individualmente como um
romance. Assim, como afirma Benjamin, o romance é produzido por um indivíduo isolado,
que não ouve outras vozes, nem pretende informá-las. Um dos pontos levantados por
Benjamin que aproxima as Cigarras de Macaé da função narrativa de memória é a relação
entre a narrativa e o trabalho manual. Para Benjamin, a narração é ela própria uma forma
artesanal de comunicação, onde o narrador “deixa sua marca” na estória contada.
O papel da poesia é, portanto, revelar por meio da alegoria da escrita poética a face da
literatura marginal da história. Será então por meio da escrita – espaço privilegiado da
alegoria – que o poeta retirará a máscara mortuária do passado, expondo as mudanças, riscos e
o discurso opressor da classe dominante. O poeta, assim, recolhe das ruínas, da memória, do
passado, das vivências e do lixo da sociedade a matéria do seu trabalho.
Walter Benjamin
ainda aponta a necessidade de narrar a experiência e afirma que o historicismo “culmina
legitimamente na história universal”, cujo “procedimento é aditivo” (BENJAMIN, 1994, p.
231). O historicismo, assim, privilegiaria a “história dos vencedores” e acabaria apagando a
memória dos excluídos, ou seja, dos esquecidos pela memória oficial.
Não existe Literatura sem Memória
Falar de memória é antes de tudo falar de uma faculdade humana. A faculdade de
conservar estados de consciência pretéritos e tudo que está relacionado a eles. Toda memória
humana é memória de alguém, de um indivíduo. Literatura e Memória entrelaçam relações
observadas desde a Grécia antiga, nos textos poéticos de Homero. Nesse tempo, a literatura e
a declamação poética eram bases culturais e educativas na sociedade grega e ainda forma de
conservação das práticas, vide os poemas épicos Ilíada e Odisséia. Em uma civilização sem
todos os aparatos tecnológicos atuais, o poeta tinha um papel fundamental: narrar o passado,
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contar a história, preservar a memória. Nesse sentido, é sempre um refazer, reviver, repensar
com imagens, conceitos, práticas, objetos e ideias. Entendida como trabalho de reconstrução
do passado, de ressignificação do presente e antecipação do futuro, a memória consolida-se
como “um trabalho sobre o tempo e no tempo”. Na teia do discurso, surgem as várias
possibilidades de pensar memória e literatura, o lembrar e o narrar, que aparecem tão
rotineiramente e despercebidamente. Janaína Amado, em O grande Mentiroso: tradição,
veracidade e imaginação em história oral, afirma que:
“a memória torna as experiências inteligíveis, conferindo-lhes significados.
Ao trazer o passado até o presente, recria o passado, ao mesmo tempo em
que o projeta no futuro; graças a essa capacidade da memória de transitar
livremente entre os diversos tempos, é que o passado se torna
verdadeiramente passado, e o futuro, futuro.” (AMADO, 1995, p.132)
As histórias orais, os contos, as rodas de conversas dos mais experientes e antigos
moradores, pedaços de memória vão se perdendo e as palavras ficando mais atuais, olhando
apenas para o presente. Fenômenos como a ruptura social, a hibridização e a população
flutuante atingem a cidade de Macaé e tornam o poder da memória coletiva cada vez mais
fraco na tentativa de preservar o passado e viver um presente entrelaçando as vivências e a
permanência da memória local.
Carlos Nogueira, em sua obra As literaturas orais e marginalizadas, aponta para a
funcionalidade das histórias orais citadas acima:
nas novas formas e funcionalidades assumidas pela literatura oral,
[incorporada à massificação tecnológica e informativa,] intervém um
refinamento que se apropria da essência da beleza desses objetos
literários que não esgotaram a sua força estético-comunicativa.
Seríamos muito ingénuos e crédulos se pensássemos que a literatura
oral poderia ou deveria continuar a ser uma reprodução exata das
formas cristalizadas nas muitas coletâneas (escritas, sonoras ou
audiovisuais) de que dispomos. (NOGUEIRA, 2007, p.22)
Sem memória, o presente de uma cultura perde as referências ideológicas, econômicas
e culturais que a originaram. Reside aqui sua dimensão política. Como elemento fundamental
na identidade cultural de um grupo tanto dos dominados quanto dos dominadores, dos
vencedores e dos vencidos, dos colonizadores e dos colonizados, a memória constitui um
sistema seletivo e referencial, que irá localizar no presente os códigos e experiências culturais.
Nesse processo de desnudamento do discurso histórico oficial, e contra o “esquecimento”
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desejado pelos opressores, a memória é um instrumento valioso na revelação da história. A
história oficial está nos livros e nos documentos, nos filmes e nos discursos dos dirigentes.
Mas ao lado do que a escrita e a imagem registram, existe outra visão dos acontecimentos que
pode ser recuperada pela memória.
Onde literatura e memória se encontram
Memória e literatura encontram-se sempre: na poesia, no romance, no conto, na
crônica, na carta, marcando especificidades de gêneros e estilos. Das múltiplas possibilidades
de pensar memória e literatura, destacamos as relações entre lembrar e narrar. As histórias
tecidas e retecidas ou desfeitas, de boca em boca, ouvido em ouvido; os casos de família, de
velhos, de fatos passados, que brotam como avencas nas paredes que se vão demolindo; a
nossa necessidade de contar os últimos acontecimentos, os (des)prazeres do dia-a-dia. Dos
pedaços de memória que vão ficando ou se perdendo: palavras. Esses fragmentos e os
próprios sujeitos vão se constituindo, nas práticas sociais, na teia do discurso.
A singularidade do pensamento individual emerge dos entrecruzamentos das correntes
do pensamento coletivo. A memória individual alimenta-se da memória coletiva. A memória
autobiográfica insere-se na memória histórica. O ato de lembrar não é autônomo, mas
enraizado no movimento interpessoal das instituições sociais – a família, a classe social, a
escola, a profissão, a religião, o partido político – a que o indivíduo pertence.
Um dos precursores da ideia de que a memória individual está interligada à memória
coletiva, Halbwachs (1990) destaca o papel constitutivo das lembranças que os indivíduos
têm em comum na união de um grupo social. A memória coletiva, na sua concepção, é
composta pelas lembranças de cada um dos indivíduos que pertencem a uma determinada
coletividade e, por isso, apresentam formas e conteúdos semelhantes de memória. Ao mesmo
tempo, a memória coletiva seria o fundamento sobre o qual cada indivíduo constrói suas
lembranças individuais. Dessa forma, o teórico também relaciona a memória individual ao
meio social, pois as lembranças individuais estão concretamente baseadas na vida social, não
ocorrendo isoladamente das ações e necessidades de uma sociedade. Em outras palavras, as
lembranças são constituídas no contexto das relações individuais e coletivas.
O Coro das Cigarras de Macaé, em seus encontros mensais, de forma coletiva,
colocam no papel, em palavras, a memória que muitas vezes é facultada ao cidadão. Para o
grupo, assim como para o trovador, na Idade Média, que seguia o estilo dos poetas
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provençais, ambulantes que cantavam seus poemas ao som de instrumentos musicais, “hoje, a
literatura deve ir aonde o povo está.”(Ivânia Ribeiro – Integrante do coro das Cigarras de
Macaé)
A literatura produzida pelo grupo de poetas organiza a distribuição de seus escritos no
jornal local e em eventos para os quais são convidadas. As trovas, poemas, contos e poesias
exaltam uma Macaé do passado, em tom de saudosismo, preservação e protesto. Na trova
abaixo, a poeta Aurora, no livro Macaé em Trovas, p.3, relembra as belezas naturais da
cidade:
“Naveguei em tuas águas,
Belo rio Macaé,
Ainda não tens as mágoas
Do progresso e da má fé!
Do mar avisto as montanhas,
De lá avisto a maré,
Aprendi as suas montanhas,
Eu te amo Macaé.
Vim de longe, vim buscando,
Achei luz, amor e fé,
belo povo venho amando,
Onde estou? Em Macaé...”
Um coro para preservação da memória local
O Coro das Cigarras foi fundado em 13 de novembro de 1992. A responsável pela
fundação do grupo foi Laurita de Souza Santos Moreira que, de forma instigante, exigia
poesias novas todos os meses. As Cigarras contam que Dona Laurita não aceitava repetição
de textos, tocava um sininho sempre que ouvia conversas paralelas e não admitia desânimo.
Sem dúvida alguma, a memória viva que temos dessa forte e insubstituível
liderança é que nos faz acreditar em vida longa para o Coro das Cigarras.
Para ela e para o Coro das Cigarras foram feitas muitas poesias e trovas."
(Cigarras de Macaé em entrevista ao jornal O Debate).
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Afirmam ainda: “A grande marca do nosso grupo é que não há qualquer espírito de
competição, vaidade ou diletantismo.”
Assim, como o próprio grupo das poetas intitulam, cada encontro é um “coro” das
Cigarras. Ao declamarem seus poemas, poesias e trovas, ao exaltarem, através dos contos
cada beleza da cidade, as poetas estão em um local de preservação, de uma Macaé que não
voltará a ser como antes, mas que pode ser preservada através das obras literárias produzidas.
Nos textos construídos por cada “cigarra”, é fácil perceber a manifestação de memória
individual e coletiva. Os relatos expressos representam a identidade com a cidade de Macaé
reconstituída através da evocação das lembranças de cada indivíduo. Um dos pontos
preferidos é a cidade de Macaé, sua gente e seus lugares, em que misturam nostalgia,
indignação, responsabilidade social e esperança. Os textos produzidos pelas Cigarras são
divulgados semanalmente na coluna Cigarras de Macaé, do Jornal O Debate e muitos
professores da região os utilizam em trabalhos e estudos literários. “Como um brilhante
cometa que corta o ar / Ressurge Macaé do fundo do mar / O combustível fóssil que se
escondia em seu umbigo jorrou / E a provinciana cidadezinha tupiniquim despertou.”(Trecho
do poema Macaé de ontem e hoje, de Maria Inêz Lemos).
Ao ler as obras literárias produzidas pelo grupo, observa-se que a identidade reforçada
nos versos, estrofes, frases ou parágrafos é resultante das relações estabelecidas entre
diferentes atores sociais. Por meio dessa socialização, cada indivíduo projeta ou se identifica
com um determinado passado vivido ou herdado, tendo em vista que a memória individual ou
coletiva é constituída por elementos latentes.
A vida em sociedade é fator preponderante para a construção de memória. As Cigarras
de Macaé estão enraizadas na vida social da cidade, sendo assim, a coletividade da memória
não foi construída porque seus membros estavam presentes em um mesmo espaço físico e sim
por uma identidade ou algumas identidades compartilhadas. O desejo de “passar adiante”, de
não esperar por novos escritores são questões que movem os ideais das poetas.
As poetas, citadas acima, são oito, isso pois, segundo as próprias afirmaram em uma
reunião mensal, se deve ao fato de que uma mesa comporta no máximo oito cadeiras e o
momento compartilhado do chá e dos lanches literários requerem essa organização.
“A saudade vem-me agora
Um doce nome lembrar:
Álvaro bastos que outrora
Cantou terra, sol e mar!
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Corre o tempo nessa vida,
Corre ilusão e a dor,
Na saudade dessa lida,
Sobraram restos de amor!
Teu nome Álvaro bastos,
Lembra sempre Macaé,
Nossos mares foram castos,
Na saudade da maré.
Voa estrela, roda pião
No quintal do pensamento,
Com saudade o coração,
Volta infância num momento!
Nos meu olhos de infância,
A mulher vem repousar
Saudade da inconstância,
Que a vida fez terminar.”
(Macaé em trovas. p.3. Saudade, da cigarra Aurora)
No poema acima, percebe-se que existe o elemento considerado constitutivo nas
memórias exaltadas, neste caso, a personagem Álvaro de Bastos, que revela a base da
memória individual da poeta, quanto à memória coletiva dos cidadãos que se fazem pertencer
a história formadora da cidade.
O Coro das Cigarras é um espaço de vivência da literatura como criação,
sensibilização e reflexão crítica diante de realidades humanas e sociais. O grupo é unânime
em concordar com a afirmação de Vinícius de Moraes: "A este mundo, só a poesia poderá
salvar".
O amor pela literatura é alimentado pelos versos que Dona Laurita escreveu
em 2005 (abaixo-transcritos), não como fuga da realidade, e sim como
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recurso para apontar outras dimensões de vida que vão além do consumismo
e da mediocridade (Coro das Cigarras de Macaé).
Cá fora a violência impera: homem-fera.
De que vale este viver
O que se há de fazer?
Entro na minha toca e passo a escrever poesia.
Se ela está feia ou fria...
Um vaso de gerânio ponho à janela
Tudo se alinda, ri, alegra.
Que venham músicos, estetas, sonhadores e poetas.
Estarei bem alerta!!
Oferecerei brioches de sonhos e goles de poesia.
A toca é pequenina, mas é grande o coração.
Faça cerimônia não, venha a vida embelezar.
Quem quiser sonhar pode chegar...
A porta está aberta.
(Laurita Santos Moreira, Amor pela poesia)
Considerações finais
Diante dos aspectos econômicos, nos últimos anos, Macaé passou de próspera capital
nacional do petróleo para uma enorme dor de cabeça por não conseguir pagar suas contas. A
cidade é o mais claro exemplo da crise que o Rio de Janeiro enfrenta após a forte queda do
preço do barril nos últimos meses e depois da Operação Lava Jato. Cidades como Macaé
estão sendo esvaziadas. A existência de uma população flutuante focada no trabalho e na
renda contribui para que a memória e a preservação da mesma sejam colocadas em segundo
plano. As Cigarras de Macaé assumem o papel de narradores da memória macaense através
das obras literárias produzidas e disseminadas pelo grupo. Vale ressaltar que o objeto de
pesquisa deste artigo é de suma importância para as novas gerações, porém não sabemos
como terá a continuidade. As cigarras poetas estão lutando para passar o legado, em suas
palavras “muitas viraram estrelinhas e estão brilhando no céu”, logo a afirmação do grupo
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necessita do entendimento dos jovens poetas, dispostos a eternizar na memória macaense As
Cigarras que cantam e encantam na preservação de nossa história.
Referências:
AMADO, Janaína. O Grande Mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em história oral.
História. São Paulo, n.14, 1995, p. 125-136.
BENJAMIN, Walter. O Narrador - considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______.
Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
GINZBURG, Jaime. Impacto da violência e constituição do sujeito: um problema da teoria da
autobiografia. In: GALLE, Helmut et alii (Org.): Em primeira pessoa: abordagens de uma
teoria da autobiografia. São Paulo: Annablume; Fapesp; FFLCH, USP, 2009, p. 123-131.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. L. Schaffter. São Paulo: Vértice, 1990.
Jornal O Debate. Edições diversas para consulta.
MACAÉ EM TROVAS. Publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Macaé.
NOGUEIRA, Carlos. As literaturas orais e marginalizadas. Organon. Porto Alegre, n.42,
janjun, 2007, p.17-31.
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